Uma nulidade processual, sujeita ao regime dos arts. 186º e ss do CPC, em especial 195º-202º, não pode ser invocada como nulidade de decisão, respeitante aos vícios elencados no art. 615º, 1, do CPC, se não se projecta sobre o conteúdo da sentença recorrida em sede de apelação e, como tal, não pode ser apreciada como tal e deferida uma vez desprovida de tal natureza.
Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, 1.ª Secção
Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
A) AA e BB, cônjuges, intentaram acção declarativa sob a forma de processo comum contra A... Unipessoal, Lda.» (também doravante: “sociedade”), CC e DD, peticionando que:
a) sejam todas as deliberações tomadas na assembleia do dia 28 de Dezembro de 2017 declaradas nulas, por vários fundamentos;
b) seja considerada nula a divisão e cessão da quota do Autor;
c) sejam anuladas todas as inscrições e depósitos levados a cabos no registo comercial, devendo ser nulos os registos da cessão de quotas a favor dos segundo e terceiro réus, ordenando-se a sua anulação no registo comercial, designadamente os levados a cabo pelos depósitos 1 e 2 do dia 28 de Fevereiro de 2018;
d) sejam considerados nulos todos os registos levados a cabo no registo comercial posteriores e com base nos registos do dia 28 de Fevereiro de 2018, designadamente a cessão de quotas registada no dia 12 de Julho de 2018, por a mesma estar dependente da cessão de quotas impugnada com o presente processo;
e) seja o segundo Réu destituído de gerente da sociedade Ré, sendo, de imediato, o autor designado para gerente da sociedade Ré;
f) seja a sociedade Ré condenada a reconhecer todos os pedidos dos Autores;
g) sejam os Réus condenados a reconhecer o autor como sócio da sociedade Ré, com uma quota de € 50.000,00;
h) sejam todos os negócios celebrados em nome e por conta da Ré, após as deliberações que vão impugnadas, serem considerados impugnados e da única responsabilidade do segundo Réu.
Os Réus sociedade e CC apresentaram Contestação.
Os Autores apresentaram Resposta à matéria de excepção.
B) Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de incompetência absoluta do Juízo de Comércio para os pedidos formulados sob as alíneas b), c), d) e g). Depois, foi julgada a ineptidão do pedido formulado sob a alínea d), em relação à cessão de quotas efectuada por escritura de 11 de Julho de 2018 e registada em 21 de Julho de 2018, tendo sido, consequentemente, considerada prejudicada a ilegitimidade dos autores quanto à impugnação da cessão da quota titulada pelo réu DD no valor de € 50.000,00, efectuada por escritura de 11 de Julho de 2018 e registada em 21 de Julho de 2018, assim como julgada inepta a petição inicial relativamente ao pedido h) e absolvidos os réus deste pedido. Veio ainda a ser julgada procedente a excepção de cumulação ilegal de pedidos e absolvidos os réus da instância relativamente ao pedido e).
Foi relegado para final o conhecimento das excepções de uso anormal do processo e caducidade do direito de acção.
Foi ainda identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
C) Realizada audiência final de julgamento, o Juiz … do Juízo de Comércio do ... proferiu sentença, julgando totalmente procedente a acção e dispondo:
“a) Declaro a nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia da sociedade ré A... Unipessoal, Lda., constantes da acta de 28 de Dezembro de 2017;
b) Condeno a sociedade ré A... Unipessoal, Lda. a reconhecer a nulidade das deliberações;
c) Condeno os réus a reconhecerem o autor AA como titular de uma quota no valor nominal de € 50.000,00 no capital social da sociedade ré A... Unipessoal, Lda. e
d) Ordeno o cancelamento no registo comercial da sociedade A... Unipessoal, Lda. das inscrições que tiveram por base a acta da assembleia de 28 de Dezembro de 2017 e as dela dependentes (Dep. 1/2018-02-28 UTC – Transmissão de Quota (s), Dep. 2/2018-02-28 UTC – Transmissão de Quota (s), Dep. 28/2018-07-12 UTC – Transmissão de Quota (s), Dep. 29/2018-07-12 UTC – Unificação de Quota (s) e Insc. 2 – Ap. 20/20180712).”
D) Inconformados, os Réus sociedade e CC interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que conduziu a ser proferido acórdão, no qual se julgou improcedente a invocação da nulidade da sentença nos termos do art. 615º, 1, do CPC, improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, assim como a improcedência do abuso de direito, concluindo-se em julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.
E) Novamente sem se resignarem, os Réus Apelantes interpuseram recurso de revista para o STJ, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões:
“1º São sempre susceptíveis de apreciação as questões de conhecimento oficioso (cfr. Ac. do STJ, de 07/04-/2005, prof. no proc. 3468/03 e Ac. do STJ de 21/0/1993, prof. no proc. 459/92).
2º A violação do princípio da plenitude e da imediação integra uma nulidade insanável, susceptível de conhecimento oficioso.
3º Tal violação só se concretiza no próprio momento da prolação da sentença, porquanto o que está em causa é o facto de a mesma só poder ser proferida por juiz que tenha assistido a todos os actos de instrução e discussão; assim, é em sede recursiva que a mesma se pode e deve colocar – cfr. art. 615º, nº. 4 do CPC.
4º Salienta-se ainda que, tendo sido invocada em sede recursiva, tal nulidade não foi desde logo apreciada pelo próprio Tribunal Judicial da Comarca da ..., como se impunha de acordo com o disposto no art. 617º, nº. 1, do CPC
– sendo que tal omissão integra ela própria nulidade, insanável, a qual expressamente se invoca para todos os efeitos.
5º Também ao contrário do entendido e decidido pelo Tribunal a quo, não está preenchida qualquer uma das situações, excepcionais, previstas no art. art. 605º do CPC.
6º Em suma, na senda do entendimento sufragado designadamente no douto Ac. do TRG de 23-02-2023, proferido no processo 78/16.5T8BGC.G1, no douto Ac. do TCA Sul, de 14/02/2019, proferido no proc. 159/08.9BECTB e no Parecer do Conselho Superior de Magistratura de 02/07/2009, supra transcritos, ocorreu nulidade, a qual é insanável, estando em causa matéria excluída da própria disponibilidade das partes.
7º Entendimento diverso do expendido, no sentido da não verificação da referida nulidade insanável, por violação dos princípios da plenitude da assistência e da imediação, quando não hajam sido praticados todos os actos de instrução da causa perante o mesmo Juiz, fora dos casos excepcionais taxativamente previstos no art. 605º do CPC, integra violação do princípio constitucional do direito a um processo equitativo, o qual expressamente se invoca para todos os efeitos.
8º Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso de Revista, revogando-se o douto Acórdão ora recorrido, de modo a se fazer Justiça.”
F) Foi proferido despacho pelo Senhor Juiz Desembargador para os Recorrentes juntarem acórdão fundamento com nota de trânsito em julgado; respondendo, os Autores Recorrentes apresentaram certidão relativa ao Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/2/2023.
O recurso foi admitido ao abrigo dos arts. 629º, 2, d), e 672º, 1, c), do CPC.
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS
A. Admissibilidade e objecto do recurso
O recurso foi interposto como sendo de revista normal, sem alegação de revista excepcional (art. 672º do CPC) ou revista extraordinária (nos termos das situações previstas no art. 629º, 2, do CPC). E assim deve ser admitido (art. 641º, 1, 5, CPC).
Não se verifica dupla conformidade das instâncias uma vez que, não obstante o resultado decisório comum, a fundamentação de direito não é coincidente (em face da invocação do abuso de direito em sede de apelação) – logo, não se verifica o impedimento do art. 671º, 3, do CPC.
As Conclusões dos Recorrentes, delimitando o objecto recursivo (arts. 635º, 2 a 4, 637º, 1 e 2, CPC), cingem-se à reapreciação da decisão tomada em primeira mão pela Relação quanto à invocação da nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, 1, do CPC, vazada nas Conclusões 1.ª a 4.ª da Apelação dos Réus Apelantes, quanto à realização da prova obtida por depoimento de parte do Autor marido.
Assim, nos termos dos arts. 671º, 1, e 674º, 1, c) («As nulidades previstas nos artigos 615º e 666º.»), do CPC, as nulidades decisórias previstas pelo art. 615º e arguidas para a sentença de 1.ª instância, podem ser reapreciadas em revista, depois de apreciadas em 2.ª instância1, não havendo naturalmente dupla conformidade (mesmo havendo no restante) que impeça esta sindicação pelo tribunal imediatamente superior para este segmento recursivo (decisão a título próprio tomada pela primeira vez pela Relação). E podem sê-lo como fundamento exclusivo e autónomo da revista (desde logo sem aplicação da acessoriedade subjacente à previsão do art. 615º, 4, pois não são nulidades imputadas ao acórdão recorrido).
B. Materialidade relevante
Foram vistos os factos provados e não provados pelas instâncias, sem alteração em 2.ª instância.
Foi considerado o que consta do Relatório supra, assim como a tramitação pertinente ao tema decidendo; em particular:
– em 2 de Maio de 2019, foi proferido despacho de deferimento da produção antecipada de prova, requerida pelos Réus sociedade e CC em 9/4/2019 (parte B)), para tomada de depoimento ao Autor marido, nos termos dos arts. 452º, 453º, 1, e 454º, 1, do CPC, rectificado por despacho proferido em 16/5/2019 (cfr. ref.ª CITIUS …86, …79 e …58);
– em 29 de Maio de 2019, foi prestado depoimento de parte do Autor AA, nos termos do art. 452º do CPC, perante a Senhora Juíza EE (cfr. Acta e respectivo auto, ref.ª CITIUS …32);
– a audiência prévia (21 de Novembro de 2019) e as sessões da audiência final de julgamento (15 e 22 de Junho e 6 de Julho de 2023) foram presididas pela Senhora Juíza FF.
C. Fundamentação de direito
1. Uma das questões decididas no acórdão recorrido consistiu na apreciação da nulidade arguida pelos Apelantes quanto à sentença proferida em 1.ª instância, tendo em conta o facto de o “depoimento de parte” do Autor marido ter sido prestado perante juiz diverso do que presidiu às sessões em que se produziu a demais prova realizada em sede de audiência final de julgamento. Segundo os Apelantes e agora Recorrentes, tal circunstância relativa ao “depoimento de parte” traduziu-se numa “nulidade insanável”, por “violação dos princípios da plenitude da assistência e da imediação”, conducente a nulidade da sentença posteriormente proferida.
A apreciação pela Relação da questão é a única questão desta revista.
2. O acórdão recorrido argumentou com o seguinte conteúdo, que se transcreve.
“Coloca-se, em primeiro lugar, a questão de saber se o alegado poderá integrar nulidade que se pode considerar regular e tempestivamente arguida nesta fase e perante este tribunal de recurso.
Para este efeito, importa distinguir entre nulidades processuais e nulidades da sentença.
As nulidades processuais respeitam à prática de actos que a lei não admite, bem como à omissão de acto ou de formalidade que a lei prescreve. A prática de tais actos só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – art. 195º, nº1, do C.P.Civil.
Caracterizando estas nulidades, diz Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, 2º vol., p. 484 (anterior artigo 201º do C.P.C. revogado), que «O que (nelas) há de característico e frisante é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) quando a lei expressamente a decreta;
b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Como afirma Abrantes Geraldes, os recursos distinguem-se da arguição de nulidades processuais e não concorrem entre si, distinção que se reflecte na expressão usual “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se” – cfr. Recursos em Processo Civil, Almedina, 4ª ed., p. 24.
As nulidades processuais são as previstas pelos arts. 186º e ss. do CPC, respeitam a actos de tramitação e/ou de sequência processual, devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas e só da decisão que vier a ser proferida pode ser deduzido recurso que, ainda assim, é limitado aos casos em que a desconformidade processual fundamento da nulidade contende com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (cfr. arts. 627º, nº 1 e 630º, nº 2 do CPC).
Das nulidades processuais distinguem-se as nulidades da sentença e dos vícios a esta subjacentes, previstos pelo art. 615º, nº 1 do CPC.
Atento o disposto neste artigo, a sentença será nula:
a) se o juiz não a assinar;
b) se não especificar os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão;
c) se ocorrer oposição entre fundamentos e decisão ou se verifique alguma obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível;
d) se o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer;
e) ou condenar em objecto diverso ou em quantidade superior ao pedido.
Os vícios determinativos de nulidade da sentença reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de actividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Todavia, a distinção entre nulidades processuais e nulidades da sentença nem sempre se manifesta evidente. Como se refere no CPC Anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Sousa, vol. I, 2ª ed., p. 762: “Ocorre, porém, que nem sempre esta distinção é evidente, como sucede nos casos em que a omissão de determinada formalidade obrigatória (à cabeça, o cumprimento do contraditório) acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se então a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada.”
Entendendo os Réus que a situação que identificam se traduz numa nulidade, nulidade essa correspondente ao facto de o depoimento de parte do A., prestado em termos de produção antecipada de prova, ter tido lugar perante uma juíza e a audiência final ter decorrido perante outra e que os mesmos qualificam como violação do princípio da plenitude de assistência dos juízes e da imediação, evidente se torna que se trataria de uma nulidade processual e não de sentença.
Atento o disposto no art. 199º do C.P.Civil, estando a parte presente quando o julgamento se iniciou, a mesma teria que ter sido logo suscitada perante o tribunal onde, alegadamente, a mesma teria sido cometida a fim de este decidir a reclamação apresentada. Perante a decisão e caso não concordassem com ela, os interessados poderiam então, nos termos gerais (artigo 644.º do Código de Processo Civil), apresentar recurso da decisão que decidisse a reclamação.
O que não podem é suprimir a obrigação de arguir a nulidade perante o tribunal onde a nulidade teria sido cometida e suscitarem a sua apreciação e decisão apenas perante o tribunal de recurso.
Trata-se de uma questão nova, no sentido que não foi previamente suscitada perante o tribunal recorrido e que não pode, por isso, fundamentar um pedido de reapreciação e modificação da decisão que houvesse ali sido proferida, ou a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista pelo art. 665º do CPC. Nas palavras de Abrantes Geraldes: “Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, com exceção da possibilidade de serem suscitadas ou apreciadas questões de conhecimento oficioso, v.g. a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes” - ob. cit. p. 28-29.
Conclui-se, assim, que o invocado não constitui vício estrutural ou de formação intrínseco à sentença que determine a sua nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, do CPC.
Não obstante, o invocado pelos recorrentes nunca poderia merecer acolhimento: o incidente de produção antecipada de prova previsto nos arts. 419º e ss do C.P.Civil, trata-se de um incidente processual de natureza probatória e cautelar, constituindo uma excepção, pontual e justificada por uma ideia de concordância prática entre os vários interesses envolvidos, à norma geral constante do artigo 605º do mesmo código, onde se consagra o princípio da plenitude da assistência do juiz. Como tal, o facto de o depoimento do R. ter sido prestado perante uma juíza diversa daquela que presidiu à audiência final não implica qualquer violação desse princípio.
Por tudo o exposto, improcede a nulidade invocada.”
Ora.
Não vemos razões para deixar de sufragar o acórdão recorrido, ao qual se adere nos termos do 663º, 5, ex vi art. 679º, do CPC.
O vício alegado pelos Recorrentes reconduz-se a uma nulidade processual e a eventual patologia não tem a adequação para se projectar no conteúdo da sentença, de modo a poder ver-se nessa projecção um vício que conduzisse a uma das causas de nulidade previstas no art. 615º, 1, do CPC, esta sim motivadora do recurso de apelação por força de nulidade de decisão ou de julgamento2.
Aliás, os Recorrentes acabam por nunca enunciar qual dos vícios previstos nas alineas b) a e) do art. 615º, 1, seria o que afectaria a sentença proferida em 1.ª instância.
3. Para a solução assim encontrada, não releva a omissão do juiz de 1.ª instância sobre o exercício da competência prevista no art. 617º, 1, do CPC, no sentido de se pronunciar sobre a nulidade arguida no recurso de apelação, aquando da prolação do despacho de admissão do recurso (art. 641º, 1, do CPC).
Tal omissão não preclude nem afecta a pronúncia pelo tribunal “ad quem” sobre tal questão, como se veio a verificar; mesmo que tivesse havido pronúncia de indeferimento, a decisão não seria autonomamente impugnável e não faz abdicar o poder cognitivo do tribunal de recurso; e, por fim, tal omissão não determina invariavelmente nem obriga à remessa dos autos para tal efeito, pois cumpre ao Relator na Relação apreciar se aquela intervenção se mostra ou não indispensável (como se determina no art. 617º, 5, 1.ª parte, do CPC, enquanto “faculdade”).3
De todo o modo, a invocação desta omissão como “nulidade” em sede de revista – cfr. Conclusão 4.º – não pode ser agora apreciada, uma vez que não se pode fazer reponderação de uma decisão antes proferida e recorrida: trata-se de questão nova, que não foi levantada em apelação e decidida em 2.ª instância, pelo que não pode ser incluído agora no objecto do recurso (ainda como reflexo do art. 609º, quanto aos limites objectivos da sentença e do acórdão, ex vi art. 663º, 2, e 635º, 5, quanto aos limites objectivos do recurso, sempre do CPC)4; não se trata, por outro lado, de questão de conhecimento oficioso.
4. A solução assim encontrada, resultante do regime legal proporcionado pelo CPC no que se refere à figura ampla das nulidades, não coloca qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente à luz da tutela jurisdicional efectiva que a CRP consagra (art. 20º, 1 e 4), como inúmeras vezes e em oportunidades diversas de discussão processual tem sido reiterado por este STJ para regimes que consagram limitações, restrições ou proibições de acesso recursivo ao último grau de jurisdição, em razão do amplo poder do legislador quanto à conformação na concreta modelação processual, neste caso aplicado aos regimes de impugnação recursiva.
III. DECISÃO
Em conformidade, julga-se improcedente a revista.
Custas pelos Recorrentes.
STJ/Lisboa, 29/10/2024
Ricardo Costa (Relator)
Maria do Rosário Gonçalves
Luís Correia de Mendonça
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)
_____________________________________________
1. Neste sentido: JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 674º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 227.
Na jurisprudência do STJ, sobre este objecto em revista, v. o Ac. de 9/11/2022, processo n.º 3414/18, in www.dgsi.pt.↩︎
2. ABRANTES GERALDES, “Artigo 627º”, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, págs. 25-26.↩︎
3. ABRANTES GERALDES, “Artigo 641º”, Recursos… cit., pág. 181.
Pertinente: Ac. do STJ de 5/7/2022, processo n.º 1258/19, em referência ao ponto VII. do Sumário, in www.dgsi.pt.↩︎
4. V. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 635º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., págs. 70-71.↩︎