DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA NÃO DEBATIDA PELAS PARTES
CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA
NULIDADE
CESSAÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTAR DE FILHO QUE ATINGIU A MAIORIDADE
REGIME PROCESSUAL
Sumário


1- Não é consentida a dispensa de audiência prévia nos casos em que o julgador se proponha conhecer de exceção dilatória que não tenha sido debatida pelas partes nos seus articulados, ou quando se proponha conhecer do mérito da causa, sob pena de incorrer numa nulidade processual secundária, a qual, ao projetar-se na decisão que venha a proferir, em violação ao princípio do contraditório, na sua dimensão positiva (consubstanciando uma decisão-surpresa), determina a sua nulidade.
2- O incidente de cessação de prestação alimentar fixada durante a menoridade do beneficiário da prestação, que, entretanto, atingiu a maioridade, corre por apenso ao processo em que a prestação foi fixada e segue o regime processual previsto nos arts. 45º e segs. do RGPTC, com as necessárias adaptações.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

Nos autos de ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que AA, residente no Lugar ..., ..., freguesia ..., concelho ..., instaurou contra BB, atualmente residente em ... (ação essa posteriormente convertida em ação de divórcio por mútuo consentimento), em que, por sentença proferida em 13/13/2011, transitada em julgado, se julgou extinto o casamento de requerente e requerida, por divórcio, e em que se homologaram, entre outros, os acordos relativamente ao exercício das responsabilidades parentais daqueles quanto aos seus filhos menores, CC e DD, por requerimento de 02/01/2024, AA requereu que se declarasse cessada a sua obrigação de prestar alimentos ao filho DD.
 Alegou como fundamento dessa pretensão que: DD completou 19 anos de idade em ../../2023, e que tendo solicitado à requerida BB, por diversas vezes, que lhe enviasse comprovativo em como o DD se encontrava a trabalhar, constatou que este terminou os estudos em ../../2023, desconhecendo o requerente a situação profissional daquele seu filho.
Juntou comprovativo do cumprimento do disposto no art. 221º do CPC.
Por requerimento de 06/01/2024, a requerida BB suscitou a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, advogando que a ação que visa pôr termo à obrigação de prestar alimentos fixados a filhos menores, no âmbito de ação em que tenha sido decretado o divórcio dos pais e em que foi fixada a prestação alimentar em causa, nos termos do art. 982º do CPC, é um incidente dessa ação, correndo por apenso à mesma.
Na sequência, a Secção autuou por apenso ao processo de ação de divórcio acima referido o requerimento apresentado pelo requerente e a resposta da requerida e procedeu à citação desta para deduzir oposição, querendo.
A requerida BB deduziu oposição em que suscitou a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, alegando que quem é credor da prestação alimentar é DD, de 19 anos de idade, pelo que apenas este tem interesse em contradizer o pedido de cessação da prestação de alimentos que lhe foi fixada.
Impugnou a facticidade alegada pelo requerente, advogando que DD apenas completou parcialmente o seu percurso educativo, uma vez que, pretendendo ingressar na universidade, inscreveu-se sucessivamente em vários estabelecimentos de ensino, sem que tivesse logrado conseguir ser admitido, por falta de vaga, encontrando-se atualmente a aguardar a chegada do mês de maio de 2024, para novamente se inscrever no ensino superior, com a particularidade de que os alunos que não conseguiram acesso no ano pretérito têm prioridade na sua admissão, pelo que o acesso do DD na universidade é praticamente garantido.
Mais alegou que o DD não dispõe de meios próprios para prover ao seu sustento, nem para financiar os seus estudos, ainda que parcialmente.
Concluiu pedindo que se julgasse procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, em consequência, fosse absolvida da instância, e que, em todo o caso, se julgasse o incidente improcedente e se mantivesse a obrigação do requerente de prestar alimentos ao seu filho DD.
O requerente respondeu impugnando parte da facticidade alegada pela requerida e, com vista a suprir a exceção de ilegitimidade passiva suscitada pela última deduziu incidente de intervenção principal provocada de DD.
Por requerimento de 04/04/2024, a requerida BB informou que DD se encontra em fase de candidatura ao ensino superior, ..., tendo sido selecionado para realizar provas escritas em 11/04/2024.
Em 10/04/2024, a 1ª Instância:
Dispensou a realização de audiência prévia, nos termos do art. 593º, n.º 1 do CPC, com fundamento de que esta apenas se destinaria aos fins previstos no art.º 591.º, n.º 1, al. d), e) e f) do mesmo Código.
Proferiu despacho saneador nos seguintes termos:
“Tendo em conta o teor dos autos e as questões que se apresentam a decidir atendendo a que o contraditório foi já satisfeito – quer quanto a questões adjetivas, quer quanto às questões substantivas - entende-se ser de proferir um despacho saneador seguido da decisão sobre a questão da existência, ou não, da obrigação de prestação de alimentos – cfr. artigos 549.º, n.º 1, 593.º, n.º 1 e n.º 2, 595.º, n.º 1, al. a) e al. b), 942.º, n.º 3”.
Conheceu da exceção dilatória de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, julgando essa exceção improcedente.
Conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pela requerida BB, julgando-a improcedente.
Fixou o valor do presente incidente em 10.096,00 euros.
E proferiu saneador-sentença em que julgou o incidente procedente e, em consequência, declarou cessada a obrigação do requerente AA de prestar alimentos a DD, o qual consta da seguinte parte dispositiva:
“Perante este circunstancialismo e face ao plano jurídico exposto, resulta claro que é de fazer cessar a obrigação de pagamento de pensão de alimentos, o que se decreta em conformidade (sendo certo que se DD voltar a ingressar no ensino terá o direito a receber nova prestação de alimentos/sustento).

*
Custas a cargo da requerida pois que a mesma sai vencida - cfr. art.º 527.º do C.P.Civil”.
*
Inconformada com o decidido, a requerida BB interpôs recurso em que formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem ipsis verbis):

I. O Tribunal recorrido por sentença proferida no dia 19 de abril de 2024 decidiu:
(…)
“Ora no caso em concreto são largos meses aqueles que a situação de DD é de não frequência escolar e com duas tentativas goradas de ingresso no ensino superior. É irrazoável, neste contexto e com o decurso do tempo entretanto transcorrido (quase um ano!) afirmar que se mantém a obrigação. Perante este circunstancialismo e face ao plano jurídico exposto, resulta claro que é de fazer cessar a obrigação de pagamento de pensão de alimentos, o que se decreta em conformidade (sendo certo que se DD voltar a ingressar no ensino terá o direito a receber nova prestação de alimentos/sustento).”
II. Com o devido respeito, que é merecido, a Recorrente não se pode conformar com a douta sentença proferida merecendo a mesma censura, pelo que, o Recurso versará sobre matéria de facto e de direito.
III. Na verdade, não foi feita qualquer prova por parte do Requerente ora Recorrido, de que o filho agora maior consiga prover ao seu sustento; que a manutenção da pensão de alimentos é desarrazoada, até em face do seu percurso educativo de excelência.
IV. No caso em apreço, de facto, o Tribunal a quo poderia dispensar a realização da audiência prévia, proferindo despacho saneador porquanto respeita os requisitos legais.
V.
VI. Todavia, não tem nem goza de poderes ilimitados, designadamente no que respeita à desobediência do princípio do contraditório.
VII.
VIII. A dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, mesmo não sendo esta obrigatória, in casu, como forma de proporcionar às partes o exercício de faculdades processuais concedidas por lei, está igualmente sujeita ao princípio do contraditório, evitando-se decisão surpresa, expressamente vedadas, pelo artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
IX.
X. O respeito pelo princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3.º/3 do CPC, não depende de um juízo subjetivo do juiz quanto à necessidade, segundo o seu entendimento pessoal, de ouvir ou não as partes, aquilatando se elas ainda têm algo a dizer-lhe que ache relevante para o que há a decidir.
XI.
XII. Por essa razão, andou mal o Tribunal a quo, Venerandos Desembargadores, salvo melhor e mais douta e avalizada opinião em contrário, ao não garantir às partes o direito de dizer aquilo que, naquela fase processual, e na sua perspetiva relevante e pode importar e pesar decisivamente na decisão da causa.
XIII.
XIV. Ademais, foram enviados requerimentos quer pela Ilustre advogada do Requerente, quer pela aqui signatária e representante da Requerida ora Recorrente, sendo que o Tribunal tão pouco em relação aqueles se pronuncia nem do Despacho sentença.
XV.
XVI. E tal omissão consubstancia uma nulidade, com todas as consequências legais, o que desde já se invoca.
XVII. O Tribunal a quo profere uma decisão não justificando, nem fundamentando o porquê de assim ter considerado, já que tal inverte os princípios fundamentais, as regras da equidade e até a própria experiência comum, o que não se pode aceitar.
XVIII.
XIX. Importa referenciar que a decisão recorrida deveria ser fundamentada, contendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por omissão do dever de fundamentação.
XX.
XXI. A fundamentação das decisões decorre da própria Constituição da República Portuguesa, do artigo 205.º.
XXII.
XXIII. Com efeito, dispõe o preceituado no artigo 1877.º do Código Civil que “os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”, e neste mesmo artigo que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
XXIV.
XXV. In concretu, a obrigação de “prover ao sustento” também decorre do disposto no artigo 1874.º do Código Civil que os “os pais e os filhos devem-se mutuamente assistência” (n.º 1), sendo que tal dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir a vida em comum (n.º 2).
XXVI.
XXVII. Tanto mais que tal obrigação continua a existir e a ser exigível mesmo nos casos de inibição do exercício das responsabilidades parentais – cfr. artigo 1917.º do Código Civil.
XXVIII.
XXIX. E a obrigação a filhos maiores?
XXX. Tal, como entenderão certamente ainda mais e melhor os Venerandos Desembargadores, sofreu uma evolução histórica, pois o artigo 1880.º foi objeto de modificação consagrando e espelhando a mudança social de um paradigma:
XXXI.
XXXII. O filho, atingindo a maioridade, não está em condições de garantir a sua independência financeira – o que sucede no caso em reapreciação.
XXXIII.            
XXXIV. O que claramente resulta na extensão dessa obrigação – da obrigação de alimentos – para lá da maioridade.
XXXV.
XXXVI. Tal extensão da obrigação para lá dos dezoitos anos não é sem mais ou não se garante a si mesma: “não haja o filho maior credor de alimentos completado a sua formação profissional e que a sua profissionalização não resulte de culpa grave.
XXXVII. A lei vai mais longe e exige razoabilidade e ainda conforme resulta da leitura do artigo 1905.º do CC no seu número dois “para efeitos do artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data se tiver sido livremente interrompido ou ainda, se em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
XXXVIII. A decisão do Tribunal a quo vertida na douta sentença considerou que “É irrazoável, neste contexto e com o decurso do tempo entretanto transcorrido (quase um ano!) afirmar que se mantém a obrigação”.
XXXIX. O contexto do DD, filho maior da Recorrente e do Recorrido qual é? Está nos factos dados como assentes.
XL. Concluiu com sucesso “em ..., o “Baccalaureat Professionnel” equivalente ao 12.º ano em Portugal” (factos provados) – nunca reprovou, nem tendo mudado para ...!
XLI. Fez várias candidaturas à universidade e encontra-se a aguardar o resultado das mesmas. “. DD candidatou-se ao ensino superior em ... em janeiro de 2024, em abril de 2024” (factos provados).
XLII. O DD, credor de alimentos, não está a frequentar nenhum estabelecimento de ensino. E não está!!
XLIII. Tal é razão para suster ou fazer cessar a pensão de alimentos, atendendo a que o mesmo que sempre teve um percurso de sucesso escolar; não se encontra a trabalhar; não tinha carta de condução o que limitava inclusive a procura de emprego, não deu continuidade ou interrompeu os estudos porque quis, mas antes porque, pela primeira vez, não conseguiu – no imediato – ingressar na Universidade (?)
XLIV. O Recorrido, Venerandos Desembargadores, tão pouco faz prova da irrazoabilidade da manutenção da obrigação de pagamento da pensão de alimentos tal como a lei impõe e que serviu de fundamentação à decisão do Tribunal a quo. Vide artigo 1905.º do Código Civil (Ora no caso em concreto são largos meses aqueles que a situação de DD é de não frequência escolar e com duas tentativas goradas de ingresso no ensino superior. É irrazoável, neste contexto e com o decurso do tempo entretanto transcorrido (quase um ano!) afirmar que se mantém a obrigação. Perante este circunstancialismo e face ao plano jurídico exposto, resulta claro que é de fazer cessar a obrigação de pagamento de pensão de alimentos, o que se decreta em conformidade (sendo certo que se DD voltar a ingressar no ensino terá o direito a receber nova prestação de alimentos/sustento).
XLV. Largos dias têm cem anos. Mas na situação sub judice, nem um ano passou menos ainda largos são os meses (…), salvo melhor opinião em contrário.
XLVI. Ademais sempre se dirá que o ano letivo de 2023/2024 ainda está em curso. Pelo que tão pouco poderá haver uma presunção de insucesso quanto ao filho maior e ainda que houvesse não poderia nunca ser considerado irrazoável.
XLVII. Venerandos Desembargadores,
XLVIII. O filho maior que sempre conheceu sucesso escolar, ainda que mudando e cursando noutro país, tem candidaturas em curso das quais não sabe o desfecho.
XLIX. Contudo, o Tribunal a quo que deu como assente tal facto, concluiu pela irrazoabilidade da manutenção da pensão de alimentos através de um despacho saneador no qual tão pouco convida as partes, a coberto do princípio do contraditório e evitando as chamadas “decisões surpresa, a pronunciarem-se e trazer elementos.
L. O obrigado a alimentos, ora Recorrido, bastou a alegação; desnecessário foi provar a alegação.
LI. E também, por esta razão, falta de fundamentação e de justificação, fica o despacho sentença irremediavelmente inquinado.
LII. Pelo que deve o despacho sentença recorrido ser revogada por violar as mais elementares regras do direito, designadamente as supra aduzidas.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida, que determine o prosseguimento dos autos; ou substituir esta sentença por uma outra que determine a manutenção da pensão de alimentos fazendo assim a habitual JUSTIÇA!

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. (....)
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
Adicionalmente pronunciou-se quanto às nulidades suscitadas pela recorrente do seguinte modo:
Compete proferir despacho nos termos do disposto no art.º 617.º, n.º 1 do C.P.Civil.
“Alega a recorrente que foi violado o direito ao contraditório uma vez que não teve lugar a audiência prévia - cfr. art.º 3.º, n.º 3 do C.P.Civil.
Com o devido respeito, entende este Tribunal que as partes haviam já discutido todas as questões relevantes em sede de articulados, pelo que seria uma redundância realizar a audiência prévia.
Alega, ainda, a recorrente que o Tribunal não se pronunciou sobre questões suscitadas.
Acontece, porém, que o Tribunal, ao contrário do alegado, tomou em linha de conta todos os factos pertinentes para a causa, conforme resulta da própria decisão.
Ademais, com o devido respeito, a decisão é clara quanto aos fundamentos de facto e de direito pelo que, também aqui, não se vislumbra onde possa ocorrer a nulidade.
Termos em que se considera não se verificarem as alegadas nulidades - artigos 615.º, n.º 1 al. b e al. d) do C.P.Civil - ou quais quer outras”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se a decisão recorrida é nula, em virtude de se ter dispensado a realização de audiência prévia, quando se conheceu do mérito da causa, violando-se o princípio do contraditório, configurando aquela uma decisão-surpresa e, bem assim, quando nessa decisão o julgador não conheceu dos requerimentos que tinham sido apresentados pelo recorrido?
b- Se essa decisão é nula por falta de fundamentação?
c- Se a decisão de mérito nela proferida (ao declarar cessada a obrigação do recorrido de prestar alimentos ao seu filho maior, DD, fixados durante a menoridade deste, com fundamento da inexigibilidade daquele de continuar a prestar essa prestação alimentar) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e julgar improcedente o pedido?
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão a proferir no âmbito do presente incidente de cessação da prestação alimentar:
1. DD nasceu a ../../2004 e é filho de AA e de EE.
2. No âmbito do processo de divórcio, que constitui o processo principal, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente a DD, por acordo dos progenitores, homologado por sentença de 13/11/2011.
3. Ficou estipulado que DD ficaria à guarda e cuidados da mãe e que as responsabilidades parentais seriam exercidas por ambos os progenitores.
4. O A. ficou obrigado a pagar à R., até ao dia 8 de cada mês, a título de alimentos, a quantia mensal de 125,00 € (cento e vinte e cinco euros), mediante depósito ou transferência bancária, para a conta bancária indicada pela R. com o NIB  ...08, da Banco 1... de ..., e que seria anualmente atualizada, em janeiro de cada ano, de acordo com a taxa de inflação divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística, mas nunca inferior a 2,5 %, com início em janeiro do ano de 2013.
5. DD completou em ../../2023, em ..., o “Baccalaureat Professionnel” equivalente ao 12.º ano em Portugal.
6. DD candidatou-se ao ensino superior em ... em janeiro de 2024, em abril de 2024.
7. DD não está a frequentar qualquer estabelecimento de ensino superior ou a completar a sua formação profissional.
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E não julgou quaisquer factos como não provados.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório – decisão-surpresa

Ao dispensar a realização da audiência final, nos termos do disposto no art. 593º, n.º 1 do CPC (a que se referem todas as disposições legais que se venham a citar sem menção em contrário), com fundamento de que essa diligência apenas se destinaria às finalidades previstas no art. 591º, n.º 1, als. d), e) e f), bem como ao proferir despacho saneador com fundamento de que, tendo em conta o teor dos autos, as questões neles a decidir - quer as adjetivas, quer as substantivas – já foram objeto de contraditório, e, bem assim, ao proferir despacho saneador em que conheceu, em concreto, das exceções dilatórias de ineptidão do requerimento inicial por falta de alegação de causa de pedir e de ilegitimidade passiva (esta suscitada pela recorrente BB em sede de oposição), julgando essas exceções improcedentes e, finalmente, ao  proferir decisão de mérito, declarando cessada a  prestação alimentar devida pelo recorrido (requerente) ao seu filho DD, entretanto maior, fixada no âmbito da ação de divórcio (em que, por sentença homologatória, transitada em julgado, dos acordos aí apresentados pelos ora recorrente e recorrido, condenou  o último a pagar a prestação alimentar a favor desse seu filho), a 1ª Instância aplicou ao presente incidente de cessação de prestação alimentar o regime adjetivo previsto no Código de Processo Civil (CPC) para a ação declarativa comum, em violação do disposto no art. 989º (conforme infra se verá), com o que incorreu em erro na forma do processo que utilizou.
Acontece que a exceção do erro na forma de processo apenas é de conhecimento oficioso no despacho saneador, se antes o juiz não tiver dela conhecido; ou, se não houver lugar a despacho saneador, até à sentença final (arts. 193º, 196º e 200º, n.º 2).
Deste modo, tendo no caso dos autos sido proferido despacho saneador, em que se seguiu indevidamente a forma de processo prevista para a ação declarativa comum, perante os efeitos preclusivos desse despacho quanto ao conhecimento da mencionada exceção[2], sem prejuízo de dela se vir a conhecer  no caso do presente recurso vir a proceder e, em consequência, se vir a anular a decisão recorrida, iremos apreciar os fundamentos de recurso suscitados pela recorrente.
Advoga a recorrente que, ao dispensar a realização da audiência prévia quando conheceu do mérito do presente incidente, a 1ª Instância violou o princípio do contraditório e acabou por proferir uma decisão-surpresa, o que determina a nulidade dessa decisão, além de que, essa nulidade também decorre da circunstância de o julgador a quo não ter nela conhecido dos requerimentos que foram apresentados pelo recorrido, mormente, daquele em que requereu a intervenção principal provocada de DD.

Vejamos se lhe assiste razão.
Como é sabido, a par do princípio do dispositivo, o princípio do contraditório continua a constituir um dos princípios nucleares da lei adjetiva nacional.
Subjacente ao princípio do contraditório está “a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”[3].
Na sua conceção tradicional (que continua a ter consagração no n.º 1, do art. 3º), o princípio do contraditório implica que formulado um pedido ou tomada uma posição processual por uma das partes tem de ser dado conhecimento à parte contrária para que se possa defender antes de sobre ela recair decisão do tribunal.
Nessa conceção tradicional e negativa o fundamento do princípio reside na necessidade de se salvaguardar à parte contrária a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação alheia. Por isso, é que “formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, deve à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão, tal como, oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária deve ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela têm o direito de se pronunciarem, assim se garantindo o desenvolvimento do processo em discussão dialética, com as vantagens decorrentes da fiscalização recíproca das afirmações das partes”[4].
Na referida conceção tradicional e restritiva do princípio do contraditório o seu fundamento é a defesa, visando-se garantir à parte o conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência (o que se garante através da citação) ou foi adotada determinada conduta processual, nomeadamente, em termos de meios de prova, pela contraparte e garantir-lhe o direito de resposta, ao reconhecer-lhe o direito de responder a um ato processual, seja articulado, requerimento, alegação ou ato probatório.
Acontece que, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, o legislador adjetivo nacional adotou uma conceção ampla de contraditoriedade, ao dispor, no n.º 3 do art. 3º, incumbir ao juiz o dever de “observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Ao assim estatuir, o legislador, além de continuar, no n.º 1 do art. 3º, a consagrar o princípio do contraditório na sua dimensão tradicional (negativa), adotou uma conceção ampla e positiva de contraditoriedade, ao proibir a indefesa (art. 20º, n.º 4 da C.R.P.), associado à regra do contraditório, conferindo às partes uma participação efetiva no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão a ser nele proferida. E, nessa medida, ao proibir-se ao julgador a possibilidade de proferir qualquer decisão-surpresa, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar[5].
Nessa conceção positiva de contraditoriedade o fundamento do princípio já não é a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, mas sim a influência, no sentido positivo de reconhecimento do direito das partes de influírem ativa e decisivamente no desenvolvimento e no êxito do processo[6].
Note-se que na referida conceção ampla do princípio do contraditório (defesa e influência) este tem um conteúdo multifacetado, projetando-se nas soluções legislativas adotadas ao longo de todo o processo civil e inspirando a interpretação e aplicação dessas soluções.
Uma das consequências da dimensão positiva do princípio do contraditório prende-se com a consagração legal da figura da audiência prévia e das situações em que é consentida a sua não realização.
Como põe em destaque Paulo Pimenta, “mantendo e enfatizando algo que provém, da Reforma de 1995/1996, o CPC de 2013 estabelece a realização de uma audiência a ter lugar na fase intermédia do processo. Trata-se da audiência prévia, que se assume como um dos momentos mais marcantes da ação declarativa. Esta audiência visa assegurar, com efetividade, a aproximação entre as partes, e estas e o tribunal, através de uma cultura de diálogo. Visa ainda que a atuação dos sujeitos processuais seja dominada pela ideia de oralidade e da cooperação entre todos. A audiência prévia contém virtualidades que a tornam um palco privilegiado onde, simultaneamente, atuam todos os intervenientes processuais, numa verdadeira comunidade de trabalho, sendo tal audiência um dos expoentes máximos da oralidade e da cooperação que caracterizam o processo civil moderno”[7].
Deste modo, no âmbito da ação declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação, que foi o regime adjetivo que a 1ª Instância seguiu no âmbito do presente incidente, do confronto do regime jurídico dos arts. 591º, n.º 1, 592º, n.º 1, 593, n.º 3 e 597º, resulta como regra que, uma vez concluídas as diligências realizadas no âmbito do pré-saneador, é convocada obrigatoriamente a audiência prévia.
A referida regra geral apenas comporta duas exceções: a) quando a lei estabeleça expressamente não ter lugar a realização de audiência prévia; ou b) quando o juiz dispense a sua realização, ao abrigo do disposto no art. 593º, n.º 1[8].
Os casos em que a lei processual civil prevê expressamente não haver lugar a realização de audiência prévia encontram-se enunciados, de modo taxativo, no art. 592º, n.º 1, e reconduzem-se a duas situações: 1ª- ações não contestadas que tenham de prosseguir para julgamento devido ao facto de nelas não vigorar o regime da revelia operante (al. a)); e 2ª- ações que devam findar logo no despacho saneador por via da procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido já debatida pelas partes nos seus articulados (al. b)).
Por sua vez, o legislador concede ao julgador a faculdade de dispensar a realização de audiência prévia nas ações que devam prosseguir para audiência final e em que a sua realização se destine exclusivamente às finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art. 591º (art. 593º, n. 1), ou seja, quando se destine apenas a ser nela proferido despacho saneador, nos termos do n.º 1 do art. 595º; a determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6º e no artigo 547º; e a proferir, após debate, o despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova e a decidir as reclamações que sobre essa identificação e enunciação sejam apresentadas pelas partes. 
Deste modo, resulta do que se vem dizendo a contrario que o julgador não pode dispensar a realização de audiência prévia quando se proponha nela julgar procedente alguma exceção dilatória que não tenha sido debatida pelas partes nos seus articulados (art. 592º, n.º 2, al. b) a contrario), designadamente, por se tratar de exceção dilatória não suscitada pelas partes que seja de conhecimento oficioso, ou que apenas foi suscitada no último articulado.  E o julgador também não pode dispensar a realização de audiência prévia quando se proponha conhecer do mérito da causa.
Neste sentido pronunciam-se Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ao expenderem que: “A audiência prévia deve ser convocada quando o juiz pretenda apreciar uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (cf. o art. 578º) que não tenha sido suscitada e discutida pelas partes nos articulados, evitando uma decisão-surpresa (art. 3º, n.º 3). Outrossim para assegurar o contraditório quanto a exceção dilatória invocada no último articulado admitido no processo (art. 3º, n.º 4) ou quando o juiz considerar útil o aprofundamento da discussão. (…). Quando o juiz entender que dispõe de condições para apreciar já o mérito da causa no despacho saneador (art. 595º, n.º 1, al. b)), a diligência será destinada a facultar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o juiz projeta decidir. É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspetos materiais do litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa. Estas alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre eventuais exceções perentórias não discutidas nos articulados e que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente, prevenindo decisões-surpresa. Além disso, deve ser concedida às partes a possibilidade de produzirem alegações quando o juiz se proponha decidir do mérito da causa num enquadramento jurídico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados. Em todas estas situações estão em jogo o respeito pelo princípio do contraditório, garantindo às partes pronúncia sobre questões que o juiz irá decidir na fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa (art. 3º, n.º 3)[9].
No mesmo sentido pronunciam-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ao advogarem que o juiz somente pode dispensar a realização de audiência prévia quando esta se destine “apenas ao proferimento de despacho saneador, à adequação formal ou gestão processual, ou ao proferimento do despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Fora destes casos, o juiz não pode dispensar a audiência prévia, nomeadamente quando se verifiquem os requisitos da alínea b) ou da 2ª parte da alínea c) do art. 591º-1”[10].
E no mesmo sentido de que a realização da audiência prévia é obrigatória quando o julgador se proponha conhecer de exceção dilatória não debatida pelas partes nos seus articulados ou quando se proponha conhecer do mérito da causa, sob pena de incorrer na prolação de uma decisão-surpresa, inquinada pelo vício da nulidade, por violação do princípio do contraditório na sua dimensão positiva (art. 3º, n.º 3), se tem pronunciado a jurisprudência nacional maioritária, se não unânime[11].
Assente nas premissas acabadas de referir, revertendo ao caso em análise, a 1ª Instância, no âmbito do presente incidente de cessação da obrigação da prestação alimentar devida pelo recorrido ao seu filho FF, prestação essa em que foi condenado a satisfazer-lhe no âmbito da ação de divórcio que correra termos entre aquele e a recorrida, durante a menoridade daquele seu filho, seguiu o formalismo processual previsto no CPC para a ação declarativa, ao ter dispensado a realização de audiência prévia e ao proferir despacho saneador, em que conheceu das exceções dilatórias de ineptidão do requerimento inicial, por falta de alegação de causa de pedir, e de ilegitimidade passiva, julgando essas exceções improcedentes, e conhecendo, de seguida, do mérito do presente incidente, que julgou procedente, declarando cessada a obrigação alimentar que recai sobre o recorrido quanto a esse seu filho que, entretanto, atingira a maioridade.
Acontece que, conforme resulta do que acima se expôs sobejamente, não é consentida a dispensa de realização de audiência prévia nos casos em que o julgador se proponha, em sede de despacho saneador, conhecer do mérito da causa, na medida em que essa dispensa viola o princípio do contraditório, na sua dimensão positiva, ao privar os advogados das partes de produzirem alegações orais, de facto e de direito, acerca do mérito da causa e da possibilidade de, assim, influenciarem a decisão de mérito que vai ser proferida, conforme lhes está garantido pelos arts. 3º, n.º 3 e 604º, n.º 2, al. e).
Destarte, ao dispensar a realização da audiência prévia fora dos casos em que lhe era legalmente consentida, a 1ª Instância preteriu uma formalidade processual prescrita por lei, que porque é suscetível de influir no exame e na decisão da causa configura uma nulidade processual secundária (art. 195º, n.º 1).
Essa nulidade processual secundária, porque se projetou no despacho saneador recorrido, determina que este configure uma decisão-surpresa, por violação do princípio do contraditório, na sua dimensão positiva (art. 3º, n.º 3) e, em consequência, determina a sua nulidade[12].
Decorre do que se vem dizendo, impor-se julgar o presente recurso procedente e, em consequência anular a decisão recorrida (em que se dispensou a realização de audiência prévia, se proferiu despacho saneador, em que se conheceu das exceções e se conheceu de mérito), ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso.

B- Do erro na forma do processo seguido pela 1ª Instância – conhecimento oficioso.
Anulado o despacho saneador, incluindo a decisão de mérito nele proferida, nada obsta ao conhecimento do erro na forma de processo seguido pela 1ª Instância ao dispensar a realização de audiência prévia e de, nessa sequência, ter proferido saneador-sentença, dado tratar-se de exceção dilatória que pode ser conhecida oficiosamente antes de ser proferido despacho saneador, neste, ou não havendo lugar a ele até à sentença final (art. 200º, n.º 2).
Dispõe o art. 1880º do CC que: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
E estatui o art. 1905º do mesmo diploma, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2º da Lei n.º 122/2015, de 01 de setembro, que:
1- Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
2- Para efeitos do disposto no artigo 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu beneficio durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.

Por sua vez, estabelece o art. 989º do CPC, na redação introduzida pela referida Lei n.º 122/2015, que:

“1- Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880º e 1905º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2- Tendo havido decisão de alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3- O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4- O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados”.   

É pacífico o entendimento que a Lei n.º 122/2015, de 01/09, tem natureza interpretativa para efeitos do art. 13º, n.º 1 do CC, sendo aplicável às prestações alimentares já fixadas antes da sua entrada em vigor[13].
Superando a controvérsia jurisprudencial sobre a cessação automática (ou não) de alimentos devidos a filhos menores, fixados no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, durante a menoridade destes, na sequência da revisão operada pela mencionada Lei n.º 122/2015, de 01/09, da conjugação dos arts. 1880º e 1905º, n.º 2 (nova redação) do CC, tornou-se pacífico que a prestação alimentar fixada a filho menores continua a ser automaticamente devida pelo progenitor com ela onerado até o filho (beneficiária da prestação alimentar) ter completado os 25 anos de idade, salvo, isto é, exceto (matéria de exceção), se o obrigado a prestar alimentos  alegar e provar (art. 342º, n.º 2 do CC): a) que o filho, beneficiário da pensão, concluiu o respetivo processo de educação ou formação profissional antes de atingir os 25 anos de idade; b) tiver livremente interrompido esse seu processo de educação ou de formação profissional; ou c) quando se verifiquem os requisitos da inexigibilidade do cumprimento dessa obrigação alimentar ao filho maior, por irrazoabilidade dessa exigência[14].
Do ponto de vista processual, o n.º 3 do art. 989º do CPC, passou a reconhecer legitimidade ativa ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores para reclamar do progenitor faltoso o pagamento das prestações vencidas devidas a filho maior, fixadas durante a menoridade deste, quer essas prestações alimentares não satisfeitas se tenham vencido durante a menoridade ou maioridade deste, a par da legitimidade ativa do próprio filho (maior) para as reclamar.
Por sua vez, face à nova redação dos n.ºs 1 e 2 do art. 989º do CPC ficou claro que nos casos em que tenham sido fixados alimentos a filhos menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou emancipação do filho (credor da prestação alimentar) não impende que o processo se conclua e, bem assim, que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso, ao processo em que a prestação alimentar foi fixado, continuando a ser aplicável a tais incidentes, com as necessárias adaptações, o regime adjetivo previsto para os menores.
Deste modo, tendo no caso sobre que versam os autos a pensão alimentar devida pelo recorrido AA ao seu filho DD sido fixada no âmbito da ação de processo de divórcio que correu termos entre aquele e a recorrente, durante a menoridade desse seu filho, decorre do que se vem dizendo que, por um lado, o incidente de cessação da prestação alimentar instaurado pelo recorrente corre por apenso ao processo de divórcio onde aquela prestação alimentar foi fixada por acordo entre os progenitores, homologada por sentença aí proferida, transitada em julgado (conforme, aliás, já acontece) e, por outro, que o regime processual a aplicar ao incidente em causa é o previsto nos arts. 45º e segs. do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (e não o regime processual previsto no CPC para a ação declarativa, que foi o seguido pelo julgador a quo)[15].
Note-se que se nos termos do n.º 2 do art. 989º, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 122/2015, de 01/09 ficou resolvida a discussão jurisprudencial quanto à legitimidade ativa para instaurar execução contra o progenitor faltoso da prestação alimentar fixada durante a menoridade do filho, que, entretanto, atingiu a maioridade, no sentido de que essa legitimidade ativa assiste ao filho que entretanto atingiu a maioridade, a par da legitimidade ativa que assiste ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas daquele por o mesmo, apesar de ter atingido a maioridade, não dispor de meios próprios que permitam prover ao seu sustento, pelo que quer o filho, DD (que atingiu entretanto a maioridade), quer a recorrente BB disporiam de legitimidade ativa para instaurar contra o recorrido execução reclamando deste as prestações alimentares que se venceram, quer durante a menoridade do DD, quer já durante a maioridade deste, e que aquele não pagou, impõe-se ter presente que nestes autos não se está perante uma ação executiva instaurada pela recorrente BB e/ou pelo seu filho maior (DD) contra o recorrido AA visando a cobrança coerciva de prestações alimentares vencidas e que este não liquidou.
Com efeito, os presentes autos respeitam a incidente instaurado por AA contra BB em que aquele requer que se declare cessada a obrigação alimentar do seu filho DD.
A propósito deste incidente impõe-se ter presente que DD (credor da prestação alimentar que o requerente pretende seja declarada cessada) atingiu a maioridade, com o que atingiu a capacidade plena de exercício de direitos, pelo que não se descortina como possa qualquer decisão ser proferida no âmbito do presente incidente de cessão de alimentos sem que o identificado DD nele seja demandado.
Aliás, reconhecendo isso mesmo, na sequência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva que foi suscitada pela recorrente BB, o recorrido (requerente do incidente) deduziu incidente de intervenção principal provocada de DD.
Por outro lado, impõe-se enfatizar que, contrariamente ao entendimento seguido pela 1ª Instância na decisão de mérito que se acabou de anular, a única causa de pedir que vem alegada no requerimento inicial pelo requerente AA como fundamento da pretensão que formulou em ver declarada cessada a prestação alimentar devida ao seu filho DD é que este último completou 19 anos de idade em ../../2023 e terminou os estudos em ../../2023 (e não a inexigibilidade do requerente de continuar a cumprir com a prestação alimentar devida a esse seu filho, fixada durante a menoridade desta, em relação ao que, salvo melhor opinião, nada alegou no requerimento inicial, sem que se olvide que, nos termos dos arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d) do CPC, incumbe ao requerente, no requerimento inicial, alegar os factos que constituem a causa de pedir que elegeu e em que alicerça a sua pretensão).
Deste modo, impõe-se que a 1ª Instância, após apreciar o incidente de intervenção principal provocada de DD deduzido pelo recorrente, prossiga com o presente incidente observando o regime processual dos arts. 45º e segs. do RGPTC.
Decorre do excurso antecedente impor-se julgar o presente recurso procedente e, em consequência, anular a decisão recorrida (em que se dispensou a realização de audiência prévia, o despacho saneador, em que se conheceu das exceções e se conheceu de mérito) e determinar que, após apreciar o incidente de intervenção principal provocada de DD deduzido pelo recorrido, a 1ª Instância prossiga com o presente incidente, observando o regime processual dos arts. 45º e segs. do RGPTC, com as necessárias adaptações.
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(....)
V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o presente recurso procedente e, em consequência, anulam a decisão recorrida (em que se dispensou a realização de audiência prévia, o despacho saneador, em que se conheceu das exceções, e, bem assim, se conheceu de mérito) e determinam que, após apreciar o incidente de intervenção principal provocada de DD deduzido pelo recorrido, a 1ª Instância prossiga com o presente incidente observando o regime processual previsto nos arts. 45º e segs. do RGPTC, com as necessárias adaptações.
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Custas do recurso pelo recorrido AA, uma vez que nele ficou “vencido” (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Notifique.
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Guimarães,

José Alberto Moreira Dias – Relator
Pedro Maurício – 1º Adjunto
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto, que apresenta a seguinte declaração de voto:

“Votei a decisão, mas com reservas quanto às considerações e qualificações jurídicas atinentes à dispensa de audiência prévia”.
 

 

[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 246, em que expendem que: “Nos processos em que haja lugar a despacho saneador, a prolação do mesmo tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento da nulidade por erro na forma do processo (arts. 198º, n.º 1 e 200º, n.º 2), mostrando-se contrário à lógica processual admitir o conhecimento da nulidade por erro na forma do processo numa fase mais adiantada”.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 21.
[4] Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, pág. 96.
[5] Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a identificar, sem menção em contrário.
[6] Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 96 e 97.
[7] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 225.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 709 e 710; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 639, nota 2.
[9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 711 e 712. A fls. 716 adiantam: “A lei confia ao juiz a possibilidade de dispensar a audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas als. d), e) e f) do n.º 1 do art. 591º, sempre num cenário em que, seguramente, a ação prosseguirá para além do momento do despacho saneador. (…). Se o juiz projetar conhecer apenas de uma exceção dilatória no despacho saneador, julgando-a procedente e absolvendo o réu da instância, poderá dispensar a audiência prévia, desde que tal exceção tenha sido debatida nos articulados, aplicando-se o art. 592º, n.º 1, al. b). Sempre que projete conhecer do mérito da causa no despacho saneador, seja quanto a algum pedido, seja quanto a alguma exceção perentória, e independentemente do possível sentido da decisão, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do art. 591º, n.º 1, al. b). Daqui resulta com total clareza o propósito legislativo no sentido de que as ações declarativas não incluídas na previsão do art. 597º não podem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mesmo seja proferido no contexto da realização de uma audiência prévia” (destacado nosso).
No mesmo sentido Paulo Pimenta, ob. cit., págs. 225 a 232.
[10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2, 3ª ed., Almedina, pág. 650.
[11] Acs. STJ., de 16/12/2021, Proc. 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1; de 19/12/2008, Proc. 3454/15.7T8LRS.L1.S1; R.G., de 22/06/2023, Proc. 3731/21.8T8BRG-A.G1; R.L., de 11/12/2018, Proc. 103/16.OT8OER-A.L1-2; de 23/10/2018, Proc. 1121/13.5TVLSB.L1-1; RC., de 03/03/2020, Proc. 1628/18.8T8CBR-A.C1; RE., de 24/05/2016, Proc. 10442/15.1T8STB-A.E1

[12] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 615 e jurisprudência por eles citada e a acima elencada.
[13] Acs. STJ., de 17/04/2018, Proc. 109/09.5TBACN.1.E1.S1; de 08/02/2018, Proc. 1092/16.6T8LMG.C1.S1; R.G., de 01/07/2021, Proc. 5576/19.6T8GMR.G1; RC., de 15/11/2016, Proc. 6782/16.0T8CBR-A.G1.
[14] Acs. RG. de 05/11/2020, Proc. 1188/03.4TBBCL-C.G1; de 21/06/2018, Proc. 458/18.1T8BCL.G1; RL de 17/12/2020, Proc. 373/14.8TMPDL.B.L1-2; e de 20/09/2018, Proc. 4345/15.7T8LRS-A.L1.
[15] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 75; Ac., R.E., de 09/03/2017, Proc. 26/12.1TBTG-D.G1.