PRESSUPOSTOS PARA CONDUÇÃO DE VEÍCULOS A MOTOR EM TERRITÓRIO NACIONAL POR PARTE DE CIDADÃOS COM TÍTULO EMITIDO POR ALGUM ESTAD - MEMBRO DA OCDE OU CPLP
Sumário

I - Por força do art.125.º, n.ºs 1, alínea c), e 5 do C.Estrada, na versão introduzida pelo DL n.º46/22, de 12/7, para a condução de veículos a motor em território nacional por parte de cidadãos com título emitido por algum Estado – Membro da OCDE ou da CPLP, são pressupostos cumulativos que:
- o condutor seja portador de um título emitido por um dos Estados-Membros da OCDE ou da CPLP;
- o Estado emissor seja subscritor de uma das convenções de Viena ou Genebra sobre a circulação rodoviária ou de um acordo bilateral com o Estado Português;
- não tenham decorrido mais de 15 anos desde a emissão ou última renovação do título;
- o condutor tenha mais de 18 anos de idade e menos de 60; - o título se encontre válido e não apreendido, suspenso, caducado ou cassado por força de disposição legal, decisão administrativa ou sentença judicial aplicadas ao seu titular em Portugal ou no Estado emissor.
II - Os de títulos de condução de veículo a motor emitidos pelo Brasil – Estado-Membro da CPLP e subscritor da Convenção de Viena de 8 de novembro 1968 - são reconhecidos em Portugal, não se impondo a sua troca por carta de condução portuguesa, verificados que sejam os requisitos previstos no art.125., n.ºs 1, alínea c), e 5 do C.Estrada, na versão do DL n.º46/2022, de 12/7.

Texto Integral

Proc. n.º11/24.0GAVCD.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No processo sumário n.º11/24.0GAVCD a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 3, o arguido AA foi submetido a julgamento e, a final, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“1- Condenar o arguido AA, pela prática crime de violação de proibições, previsto e punível pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
2) Nos termos dos artigos 50º, nºs. 1, 2 e 5 e 51º, nº1 do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada em 1) pelo período de 1 (um) ano,
A) Mediante a sujeição a regime de prova com especial preocupação em:
- Auxiliar o arguido a alcançar total consciencialização da gravidade dos ilícitos praticados, e dos prejuízos decorrentes e advenientes dos seus atos;
- Acompanhar e auxiliar o arguido à inserção/manutenção da inserção profissional, ou frequência de valências formativas visando a inserção ou manutenção do arguido no mercado de trabalho e designadamente em emprego que lhe permita ter meios económicos para poder dispor de dinheiro para tirar a carta e em área de trabalho compatível com a sua área profissional através de ajuda a este na inscrição no centro de emprego e com vista ainda à sua reorganização pessoal e plena integração na sociedade;
B) Mediante sujeição do arguido às seguintes regras de conduta:
a) de o arguido se abster de conduzir qualquer veículo motorizado, na via pública, quer porque se encontra proibido por sentença transitada em julgado que o condenou em pena acessória, quer sem se encontrar devidamente habilitado para tal;
b) de o arguido se inscrever numa escola de condução, no prazo máximo de 3 meses, devendo empenhar-se em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, devendo comprovar nos autos quer a referida inscrição, quer, de 3 em 3 meses após a inscrição, a frequência das ditas aulas durante o período da suspensão - frequência esta que apenas terminará quando cessado o período de suspensão (ou antes com a eventual obtenção de carta de condução antes da conclusão do período de suspensão).
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
1) Na Douta Sentença recorrida, sujeitou-se o Arguido à regra de conduta de se inscrever numa escola de condução, frequentando as respetivas aulas, devendo comprovar nos autos quer a referida inscrição, quer, de 3 em 3 meses após a inscrição, a frequência das ditas aulas - cfr. ponto 2) b) alínea b).
2) Porém, o Tribunal a quo omitiu o facto de o Arguido já ser titular de carta de condução (brasileira), apesar de tal constar da Fundamentação de Facto – Factos Provados Pontos 3) e 5).
3) Não é justo pois, obrigar agora o Arguido a inscrever-se numa escola de condução, quando pode simplesmente trocá-la, como permite a Lei (Artigo 128.º do Código da Estrada e Acordo bilateral entre Portugal e Brasil que instituiu um regime de Reciprocidade no Reconhecimento e Troca de Títulos de Condução), uma vez finda a execução da pena acessória aplicada ao arguido no âmbito do processo n.º 605/22.9t9VCD que está prevista para 04/04/2024 (menos de um mês contado da presente data).
4) Na Douta Sentença recorrida, na Fundamentação de Facto – Factos Provados Ponto
13), o Tribunal a quo deu como provado que desde há um ano que o arguido vive numa situação profissional precária, traduzida em carência económica, não dispondo de qualquer apoio social.
5) Assim sendo, a Regra de Conduta imposta ao Arguido de se inscrever numa Escola de Condução está em desconformidade com a matéria e os factos dado como provados, porque o Arguido já tem carta de condução e poderá simplesmente trocá-la, e porque não é exequível, uma vez que o Arguido vive com extremas dificuldades económicas e não a consegue pagar.
6) Pretende agora com o presente Recurso, a eliminação da Regra de Conduta imposta sob Ponto 2) B) Alínea b), já que o mesmo é titular de uma carta de condução válida em Portugal; ou, em última instância, a substituição da referida Regra de Conduta, por uma outra que o obrigue a, logo que lhe seja devolvida a sua carta de condução entretanto apreendida, iniciar junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMT), um procedimento de troca de carta de condução brasileira por uma carta de condução portuguesa, devendo comprovar nos autos tal início de processo junto do IMT, quer posteriormente, comprovar a bondade da decisão que resultar de tal pedido.
Termos em que se deve conceder provimento ao presente recurso, e, consequentemente:
Seja revogada a Douta Sentença recorrida quanto à Regra de Conduta imposta sob Ponto 2) B) Alínea b), eliminando-a ou, em última instância, substituindo-a por uma outra que o obrigue o Arguido a, logo que lhe seja devolvida a sua carta de condução, iniciar junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMT), um procedimento de troca de carta de condução, devendo ainda o mesmo comprovar nos autos tal início de processo junto do IMT, quer posteriormente, comprovar a bondade da decisão que resultar de tal pedido.
Com que se fará, JUSTIÇA,
Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou resposta, pugnando pelo não provimento do recurso.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado parcialmente procedente, “devendo a regra de conduta fixada sob o número 2 na douta sentença recorrida passar a constar da mesma, de forma subsidiária e sob o número 3, passando o número dois a estabelecer como regra de conduta a “obrigação de o arguido, no prazo de três meses, diligenciar junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. pela efectiva troca da Carteira Nacional de Habilitação, emitida pelas competentes autoridades brasileiras, por um título de condução que o habilite a conduzir veículos automóveis de categoria correspondente também em território nacional, sob pena de, não o fazendo e/ou o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. recusar tal troca, por não ser a mesma já legalmente possível, se tornar
operante a regra de conduta anteriormente consignada sob o n.º 2”.
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, a que se seguiu a respetiva motivação:
“1. Factos provados
Em sede de audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:
Da acusação Pública
1) No âmbito do processo n.º 605/22.9T9VCD, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, o arguido foi condenado pela prática, em 18/08/2020, de, entre outros, um crime de desobediência, previsto e punível pelos artigos 348.º/1,a) e 69.º/1,c) do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 (seis) meses.
2) Tal sentença transitou em julgado no dia 06/09/2023.
3) Em 04/10/2023 e com vista a cumprir a aludida pena acessória que lhe foi aplicada em tais autos, o arguido entregou a sua carta de condução no Tribunal de Vila do Conde, pelo que, desde tal data que a referida carta ficou apreendida à ordem do processo n.º 605/22.9T9VCD, iniciando-se de imediato o início da execução da pena acessória aplicada ao arguido, cujo termo estava previsto para 04/04/2024.
4) Todavia, não obstante, se encontrar a decorrer o período da pena acessória aplicada em tal processo, no dia 03/01/2024, pelas 19h15m, na Rua ..., ..., em Vila do Conde, o arguido conduziu o veículo automóvel com a matrícula ..-..-BX.
5) No dia 03/01/2024, data em que conduziu o veículo nos termos acima referidos, o arguido estava ciente de que a sua carta de condução se encontrava apreendida à ordem do processo criminal acima indicado (processo n.º 605/22.9T9VCD), a título de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 (seis) meses, que lhe tinha sido aplicada nesses autos.
6) Ao agir da forma acima descrita, conduzindo o veículo automóvel nos termos acima descritos, o arguido estava ciente que desrespeitava a proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 (seis) meses que lhe tinha sido aplicada, a título de pena acessória, por uma sentença criminal já transitada em julgado, o que o arguido quis e conseguiu.
7) O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
Mais se provou que
8) O arguido é uma pessoa civilizada, bem comportada, humilde e trabalhadora.
9) É uma pessoa boa e muito amigo do seu semelhante, e está sempre pronto a ajudar altruisticamente quem a ele recorre.
10) É muito estimado e considerado por todos quanto o conhecem.
Das condições pessoais e socioeconómicas
11) AA, tem como habilitações literárias o correspondente em Portugal ao 12.º ano.
12) No seu percurso profissional trabalhou no Brasil como marmorista cerca de 15 anos, por contra de outrem ou por conta própria, como administrativo e desde que emigrou para Portugal em 2014, devido à insegurança da violência criminal urbana, trabalhou na área da restauração e na área da construção civil.
13) Desde há cerca de um ano que vive numa situação profissional precária, traduzida em carência económica, não dispondo de qualquer apoio social por entender que há outros mais necessitados.
14) O arguido só a 26 de março de 2023 é que obteve o certificado de concessão de autorização de residência para cidadãos da comunidade dos países de língua portuguesa no nosso país, não obstante, segundo o próprio, as inúmeras tentativas infrutíferas nesse sentido.
15) Nesta sequência irá proceder à sua inscrição no Centro de Emprego, visando colocação profissional, nomeadamente na sua área de especialização, perspetivando trabalhar como marmorista.
16) O senhorio do arguido, que o conhece há cerca de cinco anos, consciente das dificuldades que este atravessa, convida-o muitas vezes para almoçar ou jantar em sua casa, porque o considera uma pessoa de boa índole.
17) O presidente da União de Juntas de Freguesias .../... e também, do Grupo Desportivo e Cultural ..., tem em boa consideração AA que conheceu decorrente do trabalho comunitário que este desenvolveu para a autarquia na qualidade de cantoneiro entre 01-02.2022 e 21-02-2022.
18) O arguido neste contexto foi prestável e correspondeu de tal forma às expectativas, que o presidente da autarquia, também, presidente do Grupo Desportivo e Cultural ..., atendendo às dificuldades económicas que este atravessa arranjou-lhe ocupação no referido clube.
19) Assim, o arguido, desde há quatro meses que, na qualidade de roupeiro, subsiste com 500 € que o Grupo Desportivo e Cultural ... lhe paga, a título informal, a que acresce a manutenção da limpeza das instalações e da área desportiva do referido grupo.
20) O quotidiano do arguido decorre no Grupo Desportivo e Cultural ... e no seu domicílio.
21) O identificado presidente da autarquia, considera o arguido uma pessoa idónea e disponibiliza- lhe trabalho na autarquia se e quando este se inscrever no Centro de Emprego.
22) O arguido reside sozinho num anexo situado no quintal da casa do senhorio, o qual é constituído por kitchenette e wc completo pelo qual paga a renda de 250 € que inclui a água e a luz. Reúne razoáveis condições de habitabilidade.
23) Aos fins de semana, quando a sua atividade laboral o permite está com a namorada, cidadã brasileira, com quem mantém desde há quatro anos relação de intimidade descrita por ambos como estável do ponto de vista afetivo e relacional, perspetivando ambos vida em comum.
24) O arguido tem registados os seguintes antecedentes criminais:
a) Por sentença proferida a 30.04.2021, transitada em julgada a 31.05.2021, no âmbito do processo sumario nº 56/21.2PCVC, do juiz 3 do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, foi condenado, pela prática em 26.03.2021, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,00, que perfaz a quantia total de €720,00, pena extinta pelo pagamento a 02.02.2022.
b) Por sentença proferida a 03.11.2021, transitada em julgada a 03.12.2021, no âmbito do processo comum singular nº 15/20.2PDVCD, do juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, foi condenado, pela prática em 09.11.2020, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,00, que perfaz a quantia total de €720,00, pena extinta pelo pagamento a 31.07.2022.
c) Por sentença proferida a 16.12.2021, transitada em julgado a 16.12.2021, no âmbito do processo sumaríssimo nº 82/21.1PBVCT, do Juiz 2 do Juízo Criminal de Viana do Castelo, foi condenado, pela prática em 10.02.2021, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,50, que perfaz a quantia total de €660,00, pena de multa substituída por trabalho a favor da comunidade por decisão de 26.01.2022, transitada em julgado a 04.03.2022, extinta pelo cumprimento a 21.02.2022.
d) Por sentença proferida a 21.06.2023, transitada em julgado a 06.09.2023, no âmbito do processo comum singular nº 605/22.9T9VCD, do juiz 2 do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, foi condenado, pela prática em 2022, de um crime de ameaça agravada, de um crime de injuria agravada, de um crime de desobediência e de um crime de resistência e coação a funcionário, na pena única de dois anos suspensa na sua execução por igual período, sujeita a deveres e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 6 meses.
e) Por sentença proferida a 30.06.2023, transitada em julgado a 18.09.2023, no âmbito do processo comum singular nº 449/20.2PAVC, do juiz 3 do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, foi condenado, pela prática em 18.08.2020, de dois crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 195 dias de multa, taxa diária de € 6,00, que perfaz a quantia total de €1.170,00.

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2. - Factos não provados:
Da discussão da causa não resultaram quaisquer fatos que tivessem ficado por provar.
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Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.
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3. Motivação
Em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, importa indicar as provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.
Como dispõe o artigo 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
Sendo assim, o Tribunal fundamentou a sua convicção na análise conjunta e crítica das provas produzidas em julgamento, à luz das regras da experiência comum e da normalidade.
Nestes termos, desde já se adianta que o arguido confessou os factos, de forma espontânea, livre, integral e sem reservas. E por via desta confissão, entendeu o Tribunal que se fez prova dos factos imputados na acusação pública e referidos de 1) a 7), para tal tendo contribuído, ainda, a certidão de fls. 30-99, cópia de documentos, fls. 101-103 e o auto de notícia de fls. 4.
Refira-se que o tribunal considerou verdadeira a justificação que o arguido deu para conduzir o veículo não só face à espontaneidade e simplicidade com que o afirmou como pelo seu contexto de vida descrito no relatório social para determinação da medida da pena elaborado pela DGRS como ainda por esta ter sido corroborada pelo Presidente da União de Juntas de Freguesias .../..., a testemunha BB. De qualquer modo, ainda que do conjunto das declarações do arguido e do depoimento da testemunha BB resultasse que o arguido, por ter estado a ajudar vizinho que tinha um problema no seu eletrodoméstico, e por esse motivo estivesse atrasado para o trabalho, e não ajudou o fato de não ter a habitual boleia por parte da testemunha, a verdade é que, decorreu do testemunha desta testemunha, que era do seu conhecimento e também do seu filho, responsável pelo Grupo Desportivo e Cultural ..., que o arguido cumpria pena acessória de proibição de conduzir, pelo que, estamos em crer que o atraso para abrir os campos desse clube no dia 3.01.2024, ao fim da tarde, seria compreendida e considerada justificada pelo responsável pelo Grupo Desportivo e Cultural .... Acresce referir que, nada foi referido pelo arguido quanto à distancia a que estava do seu local de trabalho que o impedisse de se socorrer dos meios alternativos ao seu dispor, como andar ou correr, ir de bicicleta, ao invés de pegar no seu veiculo, veiculo que possui disponível, pese não ser titular de carta de condução.
A testemunha, BB, confirmou ainda o que consta do relario social para determinação da medida da pena, designadamente, o que demos como provado de 17) a 20), traçando ainda o perfil e personalidade do arguido assim como o seu agir perante os outros e a comunidade em que vive conduzindo aos fato provados em 8), 9) e 10).
Quanto às condições pessoais, familiares e económicas dadas como assentes nos pontos 11) a 23), o tribunal teve em conta, conjugadamente e complementarmente, o referido relatório social elaborado pela DGRSP para determinação da medida da pena, que se mostraram credíveis.
Para prova dos antecedentes criminais do arguido em 24), teve o Tribunal em consideração o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.

Apreciação
É entendimento uniforme da jurisprudência dos tribunais superiores que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas da motivação, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios da sentença.
Atentas as conclusões apresentadas, a questão colocada à apreciação deste tribunal ad quem limita-se à regra de conduta imposta ao arguido na alínea B) do ponto 2 do dispositivo, concretamente, o arguido inscrever-se numa escola de condução, no prazo máximo de 3 meses, com vista a ser titular de carta de condução portuguesa, quando é certo o arguido ser titular de licença de condução emitida pela República Federativa do Brasil.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples, assim como pode ser sujeita ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou ainda ser sujeita a regime de prova (art.50.º, n.º2, do C.Penal).
Dispõe o art.52.º do C.Penal, sob a epígrafe Regras de conduta:
“1. O tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente:
a) Residir em determinado lugar;
b) Frequentar certos programas ou atividades,
c) Cumprir determinadas obrigações.
2. (…)
3.(…)
4.(…)
As regras de conduta a impor ao condenado visam promover a sua reintegração na sociedade.
No caso presente, o tribunal a quo suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, mediante regime de prova e ainda sujeita a várias regras de conduta, entre elas “de o arguido se inscrever numa escola de condução, no prazo máximo de 3 meses, devendo empenhar-se em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, devendo comprovar nos autos quer a referida inscrição, quer, de 3 em 3 meses após a inscrição, a frequência das ditas aulas durante o período da suspensão - frequência esta que apenas terminará quando cessado o período de suspensão (ou antes com a eventual obtenção de carta de condução antes da conclusão do período de suspensão).
Sendo o arguido titular de licença de condução emitida pelas autoridades brasileiras, justifica-se a sujeição do arguido à obrigação de se inscrever numa escola de condução a fim de obter carta de condução portuguesa?
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não tem fundamento essa imposição.
Vejamos.
Como resulta dos pontos 3 e 5 dos factos provados o arguido é titular de carta de condução e compulsados os autos, concretamente o termo de recebimento de documento a fls.102, a carta de condução com o nº..., foi emitida pelas autoridades brasileiras em 18/4/2023 e com prazo de validade até 18/4/2033.
A condução de veículos automóveis na via pública depende do condutor estar legalmente habilitado para o efeito, conforme dispõe o art.121.º, n.º1, do C.Estrada.
O que se entende por estar legalmente habilitado a conduzir, obriga a chamar à colação o art.125.º do C.Estrada, na atual redação que lhe foi dada pelo DL n.º46/2022, de 12/7, o qual estabelece:
“1. - Além da carta de condução são títulos habilitantes para a condução de veículos a motor os seguintes:
a) Títulos de condução emitidos pelos serviços competentes pela administração portuguesa do território de Macau;
b) Títulos de condução emitidas por outros Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu;
c) Títulos de condução emitidos por outros Estados-Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ou da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), desde que verificadas as seguintes condições cumulativas: i) O Estado emissor seja subscritor de uma das convenções referidas na alínea seguinte ou de um acordo bilateral com o Estado Português;
ii) Não tenham decorrido mais de 15 anos desde a emissão ou última renovação do título; iii) O titular tenha menos de 60 anos de idade;
d) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.º 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.º 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de novembro de 1968, sobre circulação rodoviária;
e) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro, desde que em condições de reciprocidade;
f) [Revogado.]
g) Licenças internacionais de condução, desde que apresentadas com o título nacional que as suporta;
h) Licenças especiais de condução;
i) Autorizações especiais de condução;
j) Licença de aprendizagem.
2 - A emissão das licenças e das autorizações especiais de condução bem como as condições em que os títulos estrangeiros habilitam a conduzir em território nacional são fixadas no RHLC.
3 - Os titulares das licenças referidas nas alíneas d), e) e g) do n.º 1 estão autorizados a conduzir veículos a motor em Portugal durante os primeiros 185 dias subsequentes à sua entrada no País, desde que não sejam residentes.
4 - Após fixação da residência em Portugal, o titular das licenças referidas no número anterior deve proceder à troca do título de condução, no prazo de 90 dias.
5 - Os títulos referidos no n.º 1 só permitem conduzir em território nacional se os seus titulares tiverem a idade mínima exigida pela lei portuguesa para a respetiva habilitação, encontrando-se válidos e não apreendidos, suspensos, caducados ou cassados por força de disposição legal, decisão administrativa ou sentença judicial aplicadas ao seu titular em Portugal ou no Estado emissor.
6 - [Revogado.]
7 - [Revogado.]
8 - Quem infringir o disposto nos n.ºs 3 a 5, sendo titular de licença válida, é sancionado com coima de (euro) 300 a (euro) 1500.”
Por sua vez, nos termos do disposto no art.126.º do C.Estrada, os requisitos exigidos para a obtenção dos títulos de condução são os fixados no Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (RHLC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 138/2012, de 5 de julho, designadamente no que diz respeito à idade mínima e às condições para a obtenção do título.
Nesta conformidade, em face das citadas disposições legais, para a condução de veículos em território nacional por parte de cidadãos com título emitido por algum Estado – Membro da OCDE ou da CPLP, são pressupostos cumulativos que:
- o condutor seja portador de um título emitido por um dos Estados-Membros da OCDE ou da CPLP;
- o Estado emissor seja subscritor de uma das convenções de Viena ou Genebra sobre a circulação rodoviária ou de um acordo bilateral com o Estado Português;
- não tenham decorrido mais de 15 anos desde a emissão ou última renovação do título;
- o condutor tenha mais de 18 anos de idade e menos de 60;
- o título se encontre válido e não apreendido, suspenso, caducado ou cassado por força de disposição legal, decisão administrativa ou sentença judicial aplicadas ao seu titular em Portugal ou no Estado emissor.
In casu, o arguido/recorrente é cidadão brasileiro, emigrou para Portugal em 2014, mas apenas obteve autorização de residência em 26 de março de 2023, sendo portador de carteira nacional de habilitação emitida pela República Federativa do Brasil, em 18/4/2023, com validade até 18/4/2033.
A República Federativa do Brasil pertence à CPLP e subscreveu a Convenção Internacional de Viena, de 8 de novembro de 1968, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 107/2010, de 13 de setembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 92/2010, de 13 de setembro.
Assim sendo, terminado o período de apreensão da carta de condução, o arguido/recorrente não tem de proceder à troca do título de condução.
O Ministério Público junto da 1ª instância, na resposta ao recurso não atentou no regime legal introduzido pelo DL n.º 46/2022, de 12/2007 quando, naquele articulado, concluiu que o recorrente “tendo carta de condução brasileira, a verdade é que não a substituiu em tempo por título de condução português, nunca tendo requerido a troca da sua carta de condução estrangeira, ou se o fez, a mesma não foi emitida pelo IMTT” .
Como salienta o Ac.R.Lisboa de 7/2/2023, proc. n.º 962/22.7GLSNT.L1-5, relatado pelo Desembargador Jorge Antunes, a troca de carta de condução estrangeira por portuguesa só é necessária «se não estiverem reunidos os pressupostos de dispensa da obrigação de efectuar a troca estipulados pela actual alínea c do nº 1 do artigo 125º do Código da Estrada».
Salienta esse aresto, «A finalidade assumida da publicação do Decreto-Lei nº 46/2022, como expressamente se prevê no respectivo artigo 1º, foi a de alterar o Código da Estrada com vista a conceder habilitação à condução de veículos a motor em território nacional aos detentores de títulos de condução emitidos por Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Como se explicita no respectivo preambulo:
“A liberdade de circulação é um elemento essencial para o exercício pleno da cidadania, para tal, Portugal tem procurado reforçar os direitos dos cidadãos estrangeiros que se deslocam para o nosso país, quer tratando-se de deslocações temporárias com finalidades turísticas quer tratando-se de deslocações para trabalhar ou investir no nosso país.
O XXIII Governo Constitucional reiterando o seu compromisso por uma integração dos migrantes, que passe pelas melhorias da sua qualidade de vida, entende ser essencial simplificar a habilitação para a condução de veículos a motor, elemento fundamental para uma garantia de mobilidade em todo o território nacional.
Face ao exposto e com vista a reforçar e a melhorar a mobilidade entre cidadãos de Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e de Estados-Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, procede-se a uma alteração ao Código da Estrada. Em consequência promove-se a dispensa das trocas de cartas de condução, habilitando-se a condução no território nacional com títulos emitidos naqueles Estados, através do reconhecimento dos títulos de condução estrangeiros.”».
Desde que o título de condução de que sejam titulares esteja válido, os condutores dos países de língua oficial portuguesa podem conduzir no território nacional, estejam aqui de forma permanente ou não. Neste sentido v. ainda Ac.R.Guimarães de 31/10/2023, proc. n.º3403/22.6T9BRG.G1, relatado pelo Desembargador Carlos Coutinho,, Ac.R.Lisboa de 9/1/2024, proc. n.º485/23.7PHOER.L1-5, relatado pelo Desembargador Ramos da Fonseca in www.dgsi.pt
Concluindo, não tem fundamento a regra de conduta imposta ao arguido/recorrente de se inscrever numa escola de condução, quando ele é titular de carta de condução brasileira válida, que o habilita a conduzir em território português, não necessitando de proceder à troca da mesma
Nesta conformidade, o recurso é procedente, excluindo-se das regras de conduta a qua foi sujeita a suspensão da execução da pena de prisão a fixada no poto 2, alínea b) do dispositivo «o arguido se inscrever numa escola de condução, no prazo máximo de 3 meses, devendo empenhar-se em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, devendo comprovar nos autos quer a referida inscrição, quer, de 3 em 3 meses após a inscrição, a frequência das ditas aulas durante o período da suspensão - frequência esta que apenas terminará quando cessado o período de suspensão (ou antes com a eventual obtenção de carta de condução antes da conclusão do período de suspensão).»

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA e em consequência altera-se a sentença recorrida, da qual se exclui a regra de conduta constante da alínea B do ponto 2 daquela decisão.
Sem custas (art.513.º, n.º1, do C.P.Penal).
(texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários, sendo as assinaturas, autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no canto superior esquerdo deste acórdão).

Porto, 25/9/2024
Maria Luísa Arantes
Amélia Carolina Teixeira
Nuno Pires Salpico