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CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CÚMPLICE
PENA DE PRISÃO EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário
I - O cúmplice, ao contrário do co-autor, tem um papel secundário. O crime teria sempre lugar mesmo sem a sua intervenção. II - Tendo em conta que a arguida foi já condenada, por 13 vezes, num período compreendido entre 2012 e 2023, é evidente que as condenações sofridas não tiveram qualquer efeito ressocializador, não sendo, assim, possível considerar que a suspensão da pena de prisão é suficiente para a arguida se demover da prática de novos ilícitos criminais, como, aliás, não se revelou suficiente até então. III - Uma vez que o crime em causa nos autos foi praticado enquanto a arguida cumpria pena de prisão em regime de permanência na habitação, torna-se evidente que tal cumprimento se manifestou incompatível com as exigências de prevenção geral e especial, pelo que a pena ora aplicada terá que ser cumprida em meio prisional.
(da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Proc. N.º 570/21.0T9PFR.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira Processo: 570/21.0T9PFR
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
Por sentença de 06.03.2024 foi decidido condenar:
- o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 256.º, n.º 1 alíneas a), c) e e), todos do Código Penal e, em consequência, condená-lo na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 14 (catorze) meses, sujeita a regime de prova, nos termos dos artigos 50.º e 53.º do Código Penal, devendo o plano de reinserção a elaborar prever a sensibilização do arguido para a obtenção de uma inserção laboral plena;
- a arguida BB pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 256.º, n.º 1 alíneas a), c) e e), todos do Código Penal e, em consequência, condená-la numa pena de 5 (cinco) meses de prisão efectiva;
RECURSO
Não se conformando com a decisão, veio a arguida interpor recurso.
Após motivação, apresentou as seguintes CONCLUSÕES (já corrigidas)
1- O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, que condenou a arguida pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 256.º, n.º 1 alíneas a), c) e e), todos do Código Penal e condenando-a numa pena 5 (cinco) meses de prisão efetiva.
2- Considerando os factos dados como provados pelo tribunal a quo, estamos perante uma situação de cumplicidade e não co-autoria como julgou erradamente o tribunal a Quo.
3- A douta sentença, aqui em crise, admite a possibilidade de se entender face aos factos dados como provados que estamos perante uma situação de cumplicidade, nos termos 27.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
4- Acresce que, a própria sentença reconhece que não foi arguida que procedeu à elaboração do material do documento. A cumplicidade distingue-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; Ao passo que, o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. São autores de um crime os que realizam a acção típica, direta ou indiretamente, isto é, dão-lhe causa.
5- Constata-se dos factos dados como provados, que o arguido AA já tinha tudo preparado, isto é, já tinha forjado o contrato de arrendamento, ou seja, já tinha procedido à sua impressa e à inserção o das informações nele constantes, assim como já tinha procedido à assinatura, como se dos senhorios se tratasse, tendo sido este arguido quem entregou o referido documento junto das Águas de ....
6- A arguida não teve qualquer intervenção directa na fase de execução do crime (execução o conjunta do facto); não tendo qualquer domínio funcional do facto, no sentido de “ter e exercer o domínio positivo do facto típico”.
7- A arguida limitou-se apenas a prestar um mero auxílio moral à prática pelo o arguido do crime de falsificação de documento em causa, uma vez que o arguido AA já tinha decidido praticar o crime, não tendo a arguida dado causa à acção típica, limitando-se apenas a prestar auxílio moral.
8- Os factos dados como provados relativamente à arguida são apenas suficientes para integrar o conceito de cumplicidade, já que revelam tão só uma solidarização activa e ainda o influxo psíquico relativamente à prática do crime pelo arguido AA.
9- Ao assim não entender, violou a Douta Sentença, sob censura as disposições legais dos artigos 27º e 256º, nº1 alíneas a), c) e e) todos do Código Penal, integrando-se a conduta da arguida no conceito de cumplicidade na pra tica do crime de falsificação de documento.
10- Manifesta também a recorrente o seu inconformismo quanto à não suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.
11- A pena a que arguida foi condenada é inadequada, desnecessária e desproporcionada, violando o disposto no artº 50º, 51º, 52º e 53º do Código Penal.
12- Deve ser aplicada a arguida uma pena suspensa na sua execução o, ainda que subordinada a deveres (artº 51º, nº 1 a) do Código Penal) e a regras de conduta (artº 52º nº 1 al. c) do Código Penal) ou sujeito a regime de prova (art.53º do Código Penal).
13- Os artigos 70º e 71º nº1 do Código Penal, fornecem ao julgador critérios de orientação para a escolha da pena a aplicar: quando ao crime são aplicáveis uma pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a pena não privativa da liberdade.
14- Isto é particularmente vá lido para as curtas penas de prisão, como é caso, uma vez que a arguida foi condenada a uma pena de prisão efectiva de cinco meses.
15- O artigo 50ºnº1 do Código Penal tem um pressuposto formal – pena de prisão em medida não superior a cinco anos – e um pressuposto material –que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognostico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.
16- No caso concreto não subsiste qualquer dúvida de que se encontra preenchido o pressuposto formal em relação à pena aplicada.
17- Quanto ao pressuposto material, o mesmo também m se encontra preenchido, desde logo, constata-se do relatório social elaborado pela DGRSP, junto aos autos, que a recorrente tem encetado esforços para se integrar na sociedade, investindo na sua formação profissional, o que lhe traz também um reforço nos seus rendimentos, bem como, a deixa melhor preparada para arranjar emprego.
18- A arguida tem algumas condenações anteriores, mas tal facto por si só não inviabiliza, a manutenção da confiança na sua ressocialização em liberdade.
19- Ressalva-se ainda o facto que a arguida à data da prática dos factos não contava com antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza ao crime pelo qual foi condenada nestes autos.
20- As finalidades de prevenção especial, não exigem a pena de prisão efectiva, uma vez que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, subordinada a deveres (artº 51º, nº 1 a) do Co digo Penal) e a regras de conduta (artº 52º nº 1 al. c) do Co digo Penal), no caso concreto realiza, de forma adequada, as finalidades das penas.
21- Deveria o Tribunal a quo ter aplicado a suspensão da execução da pena de prisão que à arguida foi aplicada, subordinando-a ao dever de reparar o mal causado, ou seja, entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação o de valor equivalente.
22- A suspensão de execução de prisão, na o constitui uma faculdade para o tribunal, mas antes um poder dever, conforme resulta do art. 50º, nº 1 do Código Penal, também a subordinação da suspensão da execução da pena, quer ao cumprimento de deveres, quer ao cumprimento de regras de conduta, constituí um poder-dever do tribunal.
23- Consagra o art.º 51º, nº 2 do Co digo Penal o princípio da razoabilidade, segundo o qual o dever imposto na o pode ultrapassar os limites traçados pelo quadro das possibilidades pessoais e patrimoniais do condenado, de modo a criar-se um equilíbrio que permita a reintegração o dos valores afetados com a recomposição o da vida em liberdade e integração o.
24- Tendo em consideração o a situação económica da arguida, comprovada nos autos, nos parece justo e razoável a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplica ao dever de entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição o moneta ria ou prestação o de valor equivalente, a ser entregue durante o período da suspensa o da execução o da pena.
25- O legislador, permite ainda a subordinação da suspensão da execução da pena ao cumprimento de determinadas regras de conduta por parte do condenado, de conteúdo positivo destinadas a reintegração o em sociedade, conforme sufragado no artigo 52º do Código Penal.
26- Deve assim ser aplicada a aqui Recorrente pena de prisão, suspensa na sua execução, subordinada a obrigação o de frequentar certos programas e atividades, nos termos do art.º 52º, n.º 1 b) do código Penal.
27- In casu, dúvidas não restam que se observam os requisitos formais e materiais para a aplicação da pena de substituição de suspensão de execução o, ainda que subordinada ao dever de entregar a instituições, publicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição o monetária ou prestação o de valor equivalente e a obrigação o de frequentar certos programas e actividades, nos termos do art.º 52º, n.º 1 b) do código Penal.
28- Caso assim não se entenda, deve ser aplicada à arguida, tal como foi aplicado ao co- arguido AA, o regime de prova durante o período de suspensão, nos termos do artigo 53.º do Código Penal.
29- Por cuidado de patrocínio, se as posições assumidas pela recorrente na o tiverem acolhimento.
30- A pena efetiva devera ser substituída por cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios de controlo à distância, por se verificarem preenchidos os requisitos do artigo 43º do Código Penal.
31- Encontram-se, desde logo, verificados os requisitos formais previstos no artigo 43º do Código Penal, uma vez que a arguida foi condenada a uma pena de 5 (cinco) meses de prisão efectiva e tanto a arguida como as pessoas que vivem com a mesma consentiram que a execução da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, conforme se verificam nos autos, mais concretamente, no respetivo relatório social elaborado pela DGRSP.
32- Por outro lado, encontra-se também verificado o requisito material previsto no artigo 43º do Código Penal, ou seja, o juízo de que, por meio dela, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição o.
33- Em termos de prevenção geral, constata-se que a arguida nunca foi condenada por crimes violentos ou que atentem sobre a vida humana.
34- A arguida também nunca tinha sido condenada, anteriormente, por crime da mesma natureza do qual vem agora condenada.
35- Por outro lado, a arguida foi condenada a uma pena de curta duração, ou seja, 5 (cinco) meses, pelo que se deve procurar nesta situação atenuar os efeitos perniciosos da chamada “contaminação o do meio prisional”.
36- Face ao supra exposto, e em suma, deveria ter sido aplicada a Arguida, ora Recorrente, uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, sendo esta adequada se mostra, no caso concreto, adequada e suficiente a s finalidades da punição minimizando a “contaminação prisional” e a ressocialização da Recorrente, nos termos do artigo 43º do Código Penal.
37- Entendendo-se assim que no caso em concreto, a sentença proferida deve ser revogada devendo a pena a que a arguida foi condenada ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização o por meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43º do Código Penal. NB: bold da nossa autoria
RESPOSTA RECURSO
O Digno Magistrado do MP na 1ª instância veio responder dizendo, em resumo, que se mostra justificada a aplicação à recorrente da pena de 5 meses de prisão a cumprir em meio prisional.
PARECER
Já nesta Relação o Ex. Sr. Procurador Geral veio dar Parecer no sentido de o recurso interposto pela arguida BB carecer de sustentação suficiente para merecer ser provido, assim devendo ser integralmente confirmada a douta decisão recorrida.
*
Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP não houve resposta ao Parecer.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, onde deve ser julgado, de harmonia com o preceituado no artº. 419º, n.º3 al. c), do diploma citado.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes: - saber se existe fundamento para a condenação da arguida como co-autora - bondade da suspensão da execução da pena - apreciar, no caso de se manter a pena de prisão, a possibilidade de execução em regime de permanência na habitação.
B) DECISAO RECORRIDA
Com vista à apreciação das questões supra enunciadas, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida.
(….) III – Factos provados
1. Em data não concretamente apurada do ano de 2021, os arguidos resolveram ocupar o imóvel sito na rua ..., ...,..., pertencente a CC e DD. 2. O referido imóvel estava dado de arrendamento a EE seu familiar, conforme contrato de fls. 7 a 8, que aqui damos por inteiramente reproduzido, e ao qual os arguidos tiveram acesso, por forma não concretamente apurada. 3. Assim, conhecedores de todos os elementos de identificação dos donos do imóvel que ocuparam, bem como dos dados do próprio imóvel, os arguidos resolveram, de comum acordo, forjar um contrato de arrendamento para, junto da ... – Águas de ..., poderem celebrar um contrato de fornecimento de água. 4. E foi o que efectivamente fizeram, no seu interesse, em data não concretamente apurada, tendo o arguido AA, de comum acordo com BB, no seguimento de um plano por ambos delineado e com total conhecimento e apoio por parte de BB, procedido à impressão do documento de fls. 9/10v e, com o seu punho, desenhou as assinaturas de CC e DD. 5. No referido documento consta, entre o mais:
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
De PRAZO CERTO
Entre os abaixo assinados:
Primeiro(s) Outorgante(s) - CC, casado (estado civil), nascido a ../../1959, portador do cartão de cidadão nº ...42, valido até 23/01/2028, contribuinte fiscal nº ...49, natural da freguesia ..., concelho ..., residente na (rua, lugar, etc.) .... do ... na freguesia ..., concelho ... e DD, casada (estado civil), nascida em ../../1958, portadora do cartão de cidadão ...32, válido até 1/3/2029 contribuinte fiscal ...36, natural da freguesia ..., concelho ..., residente na (rua,lugar, etc) Travessa do ..., freguesia ..., concelho ..., na qualidade de senhorio(s);
Segundos(s) Outorgante(es) – AA, solteiro (estado civil), nascido em ../../1988, portador do cartão de cidadão nº ...10 02, válido até 18/2/2030, contribuinte fiscal nº ...48, natural da freguesia ..., concelho ..., residente (rua) ... ...37, na freguesia ..., concelho ....
Entre si estabelecem o presente contrato de arrendamento para habitação de duração militada, que tem, por objeto a fração autónoma designada pela letra AF, de que os primeiros outorgantes são legítimos donos e possuidores, correspondente ao 3º ... do prédio urbano sito em ... nº ...37, freguesia ..., concelho ... inscrito na matriz predial respetiva sob o nº ...74, com a área útil de 75 m2, que se encontra em estado de gozo imediato, consoante licença emitida em ../../2008 pela Camara Municipal ..., a que se regulará pelos precisos termos e condições constantes das clausulas seguintes:
Primeira – O prazo de duração do arrendamento é de 12 meses, com início em 27/11/2021 e com termo em 27/05/2022.
Segunda – A renda anual é de euros 6.000, seis mil euros, a pagar mensalmente em duodécimos de euros 500, quinhentos euros ao senhorio ou ao seu representante legal, na respetiva residência, ou através de depósito ou transferência bancária a efetuar em conta numa instituição de crédito
Quinta – a) integram no arrendado para uso privativo, um lugar de garagem na cave com o nº... b) Servem o arrendado em comum, móveis de cozinha com banca e exaustor, cilindro e um tanque sito na varanda
Sexta – Para os devidos efeitos, declaram os outorgantes que o arrendado se encontra no seguinte estado; a) Tetos: Bons b) Pavimentos: Bons c) Paredes: Bons d) Portas e janelas: Boas e) Canalizações de água e esgotos: Boas f) Instalações e acessórios elétricos: Boas g) Móveis e equipamentos de cozinha: Bons h) Louças e acessórios sanitários: Bons i) Cilindro Bom j) Tanque Bom.
OBS: As despesas com o condomínio são por conta dos 1º Outorgante.
Feito em triplicado, ficando um exemplar na posse de cada um dos outorgantes e o original na posse do senhorio, que deverá apresentar em qualquer repartição de Finanças.
Depois de lido e ratificado, e por corresponder à real expressão das suas vontades, o assinam.
... 27 de Abril 2021
O(S) PRIMEIROS(S) OUTORGANTE(S) CC
DD
O(S) SEGUNDO(S) OUTORGANTE(S)
AA
6. Ora, este contrato não foi subscrito, nem assinado pelo CC, nem pela DD, mas antes exclusivamente pelo arguido AA que, com o acordo, total conhecimento e apoio da arguida BB, procedeu à impressão do documento de fls. 9/10v e, com o seu punho, desenhou os nomes “CC” e “DD”, como se destes se tratassem. 7. Os arguidos agiram da forma descrita, com vista a alcançarem benefício que não lhes era devido, a saber, celebrar um contrato de fornecimento de água que lhes permitisse usufruir de um arrendamento que sabiam não terem celebrado e com prejuízo dos donos do referido imóvel. 8. Os arguidos bem sabiam que, com a sua conduta, estavam a pôr em causa a fé pública que os contratos de arrendamento gozam perante a generalidade das pessoas e concretamente a autoridade camarária referida (... – Águas de ...) onde, de facto, AA apresentou o documento forjado de fls. 9 a 10v, com o conhecimento e incentivo da arguida BB que, quando questionada por aquele, em data não concretamente apurada, se deveria proceder à entrega do referido contrato forjado, nos serviços da ... – Águas de ..., aquela disse que concordava e incitou AA a fazê-lo, bem sabendo que o contrato não era verdadeiro e que, desse modo, AA estaria a cometer factos qualificados pela lei como crime, o que a arguida quis.
9. E, não obstante, o referido conhecimento, não se coibiram os arguidos de praticar os factos descritos, com vista a alcançarem benefício comum, prejudicando os ofendidos e o Estado Português, o que os arguidos quiseram e conseguiram. 10. Os arguidos agiram, em comunhão de intentos, esforços e alcançando, ambos, o benefício da prática do referido crime e ainda de forma livre, voluntária e consciente, com pleno conhecimento que as suas condutas lhes eram proibidas por lei. Mais se provou:
11. À data da prática dos factos referidos supra, a arguida encontrava-se a cumprir uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação na referida residência, com fiscalização electrónica, em que foi condenada no processo n.º 362/17.0PASJM.
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Das condições pessoais dos arguidos (…)
21. Por Sentença transitada em julgado no dia 01/03/2012, proferida no processo n.º 187/12.0PEGDM, a arguida foi condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5,00€. 22. A referida pena foi declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 01/08/2013.
23. Por Sentença transitada em julgado no dia 09/12/2014, proferida no processo n.º 513/14.7GCOVR, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples e um crime de condução sem habilitação legal na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de 6,00€. 24. A pena referida em 22 foi substituída por trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento no dia 13/12/2015. 25. Por Sentença transitada em julgado no dia 09/12/2014, proferida no processo n.º 459/13.6PAVNF, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00€.
26. A pena referida em 24 foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 12/04/2017. 27. Por Sentença transitada em julgado no dia 13/11/2017, proferida no processo n.º 603/15.9T9PVZ, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples na pena de 6 meses de prisão suspensa pelo período de 1 ano. 28. Por decisão proferida no dia 13/11/2018, a pena referida em 26. foi declarada extinta pelo cumprimento. 29. Por Sentença transitada em julgado no dia 24/11/2014, proferida no processo n.º 381/13.6PAVLG, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00€. 30. A pena referida em 28 foi convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 21/09/2015. 31. Por Sentença transitada em julgado no dia 05/01/2015, proferida no processo n.º 497/13.9PAVNF, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 5,00€. 32. A pena referida em 30 foi convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta por decisão de 23/08/2017. 33. Por Sentença transitada em julgado no dia 12/09/2016, proferida no processo n.º 840/16.9PBMTS, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples na pena de 12 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova. 34. A pena referida em 32 foi declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 12/09/2017. 35. Por Sentença transitada em julgado no dia 10/11/2016, proferida no processo n.º 333/15.1PAOVR, a arguida foi condenada pela prática de um crime de contrafacção na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,50€. 36. Por Sentença transitada em julgado no dia 15/05/2017, proferida no processo n.º 459/15.1PAOVR, a arguida foi condenada pela prática de um crime de contrafacção na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,50€.
37. A pena referida em 35 foi convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 11/07/2018. 38. Por Sentença transitada em julgado no dia 10/03/2017, proferida no processo n.º 749/14.0GBPRD, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto na forma tentada e um crime de furto simples na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,50€. 39. A pena referida em 22 foi convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 20/10/2017. 40. Por Sentença transitada em julgado no dia 10/11/2016, proferida no processo n.º 507/15.5PAOVR, a arguida foi condenada pela prática de um crime de venda de artigos contrafeitos na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,50€. 41. A pena referida em 39 foi convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 04/04/2018. 42. Por Acórdão transitado em julgado no dia 27/02/2018, proferido no processo n.º 52/15.9GCTND, a arguida foi condenada pela prática de dois crimes de furto na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova. 43. A referida pena em 41 foi declarada extinta pelo cumprimento no dia 27/12/2021.
44. Por Sentença transitada em julgado no dia 06/01/2020, proferida no processo n.º 362/17.0PASJM, a arguida foi condenada pela prática de um crime de roubo na pena de 1 ano e 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação. 45. A pena referida em 43 foi declarada extinta pelo cumprimento no dia 10/11/2021.
46. Por Sentença transitada em julgado no dia 13/09/2021, proferida no processo n.º 314/15.5PDVNG, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00€. 47. A pena referida em 45 foi convertida em prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 05/07/2023. 48. Por Sentença transitada em julgado no dia 27/09/2023, proferida no processo n.º 97/19.0PFVNG, a arguida foi condenada pela prática de um crime de venda ou ocultação de produtos na pena de 1 ano de prisão em regime de permanência na habitação. 49. A pena referida em 47 foi declarada extinta por perdão no dia 28/09/2023. 50. Por Sentença transitada em julgado no dia 20/09/2019, proferida no processo n.º 373/16.3PBGMR, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto na forma tentada na pena de 1 ano de prisão, suspensa por igual período. 51. A pena referida em 49. foi declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 20/09/2020. 52. Por Sentença transitada em julgado no dia 04/11/2019, proferida no processo n.º 872/16.7PAVNG, a arguida foi condenada pela prática de um crime de furto simples na pena de 7 meses de prisão suspensa, pelo período de 1 ano, mediante a obrigação de pagamento de uma quantia a uma associação de interesse social. 53. A pena referida em 51 foi declarada extinta pelo cumprimento por decisão de 04/11/2020. 54. À data dos factos constantes dos autos, AA residia na morada constantes dos autos, mais concretamente na Travessa ..., ..., ... – ... – ressalvando-se que o próprio, assim como a companheira/coarguida, não lograram precisar há quanto tempo se encontravam instalados nesta habitação. 55. Refira-se que o casal aí vivia juntamente com o seu agregado familiar constituído, então composto pela companheira, de 34 anos, com quem casou aos 15 anos de acordo com os seus preceitos culturais e étnicos, e os 4 filhos do casal, com idades compreendidas, à data, entre os 15 e 1 ano de idade. 56. Detentor de competências básicas de literacia porquanto concluiu o 1º ciclo do ensino básico, AA encontrava-se em condição de desemprego, devendo-se ressalvar, neste âmbito, que o mesmo não registava qualquer experiência de trabalho estruturado tendo, até à data, apenas colaborado com os seus progenitores na venda de artigos têxteis diversos em feiras ou na modalidade de porta-à-porta, sem efetiva regularidade ou vinculação à atividade. Neste sentido, o agregado sobrevivia na dependência das prestações proporcionadas pelo sistema proteção social, auferindo um total aproximado de 1100 EUR mensais, valor que o arguido avaliava como modesto para garantir a qualidade de vida familiar. Neste âmbito, AA também deu nota das dificuldades habitacionais que atravessou ao longo da vida, nomeadamente durante a sua infância, tendo já residido em habitações sem condições mínimas de habitabilidade e em construções rudimentares. 57. No que concerne as suas rotinas diárias, AA exibia um quotidiano ocioso, sem actividades estruturadoras para além do convívio com os seus familiares de origem, assim como os da companheira, numa vivência comunitária comum. 58. Perpetrava o estilo de vida que sempre o caraterizou, ausente de compromissos laborais e sem efetiva dedicação à procura de emprego, sustentado pela crença de que os estereótipos e a discriminação que recai, segundo refere, sobre o seu grupo étnico obstaculizavam as oportunidades de trabalho por conta de outrem ou eventual vinculação contratual. 59. No decorrer do ano de 2022/início de 2023 – em data que nem o próprio nem a companheira lograram precisar, alegando ambos dificuldade em situar-se temporalmente -por força da ação de despejo, segundo referiu, alegadamente movida pelo do proprietário da referida habitação, o arguido e o seu núcleo familiar abandonaram a habitação e fixaram residência noutra habitação do concelho ... – Rua ... - durante cerca de dois meses após os quais viram a mudar-se, sensivelmente em abril/2023, para .../Paredes, por alegada incompatibilidade com a respetiva proprietária. 60. Entretanto, o filho mais velho, então com 16 anos, havia iniciado união de facto com matrimónio cultural e sido pai do primeiro descendente, tendo esta nova cápsula familiar permanecido junto do núcleo constituído de AA. 61. Em julho de 2023, o arguido voltaria a mudar de habitação, mais concretamente para a morada identificada em epígrafe, em .../... – onde permanece na atualidade – juntamente com a companheira e os três filhos mais novos, entre os 16 e os 4 anos, os quais integram o sistema de ensino, tendo-se o filho mais velho autonomizado ao nível habitacional aquando esta nova alteração residencial do arguido. 62. Presentemente, AA perpetra o mesmo quotidiano sem estruturação e não apresenta perspetivas efetiva de procura de emprego, estilo de vida que lhe observam os seus conterrâneos e sobre a qual versam com indulgência, por corresponder ao estereótipo étnico da memória coletiva. O mesmo afirmou dedicar-se a algumas vendas informais de roupa na modalidade porta-à-porta, ou nos cafés da sua localidade, ainda que, segundo refere, essa atividade seja desenvolvida, na maior parte das vezes, pela companheira que também efetua algumas limpezas em casas particulares, ainda que sem efetiva periocidade ou compromisso. 63. Assim, o agregado continua a depender do sistema de proteção social para sobreviver, o qual lhe disponibiliza, nas prestações relativas ao Rendimento Social de Inserção e ao Abono de Família, uma média de 1300 EUR mensais. AA identificou a renda da habitação – 450 EUR – e os consumos domésticos – num total médio de 300 EUR mensais - como despesas fixas mensais, considerando o próprio que beneficia de uma economia carenciada e apenas gerível graças à complacência do locador face às datas de pagamento do arrendamento e aos apoios pontuais que o mesmo, com tendência apelativa 64. Refira-se que no âmbito dos compromissos implícitos e decorrentes desta dependência do sistema de proteção social – que procura promover o empoderamento deste agregado com vista à sua desvinculação e autonomização financeira - AA iniciou, a 20/02/2024, uma formação de 175 horas na área de Assistente Administrativo, promovido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, em .../..., a qual se encontra a decorrer de segunda a sexta-feira, entre as 9h00 e as 12h30. 65. À data dos factos constantes da acusação, BB possuía um contexto de vida na sua generalidade semelhante ao atual, à exceção da vertente residencial, uma vez que habitava na morada constante do pedido e que originaram a interposição da presente situação judicial. 66. A este propósito, será de referir que o agregado tem registado significativa mobilidade residencial, segundo nos reportaram, na sequência de dificuldades ao nível do arrendamento habitacional e inerentes custos elevados nessa vertente. 67. A arguida vive com o seu núcleo familiar que constituiu cerca dos dezasseis anos de idade, designadamente com o cônjuge, coarguido, com quem se encontra casada de acordo com os padrões do grupo de pertença e com quatro descendentes do casal, com idades compreendidas entre os dezasseis e quatro anos de idade. 68. O núcleo familiar encontra-se a residir na morada supra designada, há cerca de oito meses, numa casa com ajustadas condições de habitabilidade, local onde refere pretender manter-se a viver, pese embora no documento consultado se encontre registado o termo do prazo de arrendamento, que já se encontra ultrapassado e onde consta a menção de não renovável. 69. Em termos económicos, o agregado vive uma condição financeira restritiva, dependente apenas da prestação social relativa ao rendimento social de inserção, no valor de cerca de 800 EUR mensais, acrescidos pela prestação social dos menores de cerca de 350 EUR. Como despesas fixas, reporta o montante médio de 800 EUR (relativas às despesas com a habitação: renda, agua e energia elétrica). 70. Este contexto é de si agravado, porquanto nenhum dos elementos desenvolve qualquer atividade profissional, sendo verbalizado pelos próprios que por vezes realizam algum comercio ambulante de produtos. 71. Nesta sequência, BB reportou ter inscrito o casal para a possibilidade de frequentar formação, facto que lhes permite acrescer algum pecúlio mensal, a fim de melhorar a situação económica, o que veio a verificar-se recentemente, estando a arguida e o cônjuge a frequentar a mesma de segunda a sexta-feira, das 9h00 às 12h30, que é tutelado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, numas instalações nas proximidades da sua atual residência. 72. Na atualidade, as rotinas quotidianas da arguida, tal como desde há vários anos, prendem-se com a gestão doméstica e familiar e desde 20-02-2024 com a frequência recente da formação. 73. No presente, apenas a filha de oito anos encontra-se a frequentar o sistema de ensino, cujo transporte é assegurado pela escola, sendo que o filho mais velho assegura os cuidados do irmão mais novo na ausência dos progenitores. 74. A arguida mostra relativa preocupação com o presente processo, dado tratar-se de novo confronto judicial e ainda que perante os factos inerentes ao processo revele capacidade de reconhecer a sua ilicitude e eventuais danos, minimiza e exterioriza em condições externas adversas, acreditando num desfecho positivo do mesmo. 75. Os arguidos consentiram no cumprimento de uma pena de prisão, em regime de permanência na habitação com fiscalização electrónica. 76. A habitação dos arguidos permite, logisticamente, o cumprimento de uma pena em regime de permanência na habitação, tendo sido colhidos os devidos consentimentos legais.
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IV – Factos não provados
Inexistem quaisquer outros factos provados e/ou não provados com revelo para a boa decisão da causa.
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V – Motivação
À luz do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, este Tribunal valorou os seguintes meios de prova: a) declarações prestadas pelos arguidos; b) depoimentos testemunhais prestados por CC, DD e FF; c) documental: Fl. 7 a 10 e 100 a 104; certificados de registo criminal juntos aos autos; certidão do processo cível junto aos autos; d) relatórios sociais elaborados pela DGRSP. Concretizando: Este Tribunal considerou como provados os factos n.ºs 1 a 10 com base, desde logo, na documentação de fls. 7 a 10 e 100 a 104, documentação esta que comporta o contrato de arrendamento que tinha sido celebrado entre os senhorios CC, DD e EE (primo dos arguidos) e ainda o contrato de arrendamento que foi entregue na ... – Águas de ....
Da leitura dos referidos documentos é, possível, assim verificar que, efectivamente, foi entregue na ... – Águas de ... um contrato de arrendamento em tudo idêntico ao contrato que havia sido celebrado entre CC, DD e EE, mas agora titulado pelo arguido AA, aparentemente assinado pelos senhorios e pelo arguido, nos termos constantes do facto n.º 5.
Como afiançado, de forma livre, esclarecida, precisa e imparcial, CC relatou em audiência de julgamento que, de facto, tinha arrendado o referido apartamento a EE. Sucede que este indivíduo saiu do arrendado e permitiu que os arguidos aí passassem a residir, à revelia de qualquer contrato de arrendamento assinado. A testemunha disse que, quando se apercebeu do sucedido, conversou com o arguido e disse que não pretendia celebrar qualquer contrato de arrendamento e, por essa razão, tinha que sair do locado. A testemunha decidiu ainda ir às Águas de ... para pedir para cortar a água, de modo a compelir a saída dos arguidos do imóvel, tendo sido surpreendido quando foi informado que tinha sido entregue na referida entidade um contrato de arrendamento válido. A verdade é que a testemunha, quando consultou o referido contrato, de imediato se apercebeu que era falso e que tinha apostas assinaturas suas e da sua esposa que não tinham sido desenhadas pelos próprios, pelo que só poderiam ter sido falsificadas. Confrontado com os documentos de fls. 7 e seguintes, confirmou-os, distinguindo o primeiro contrato como válido e o segundo como forjado, de forma clara, objectiva e precisa. A testemunha confirmou ainda que várias vezes falou com os arguidos para saírem do imóvel, sendo que numa das conversas que teve com ambos no referido apartamento, viu a arguida com pulseira electrónica, presumindo que estivesse a cumprir uma pena. O depoimento prestado pela referida testemunha foi inteiramente corroborado pela sua esposa DD que, de forma também livre, clara, objectiva e imparcial, descreveu ao Tribunal os referidos contornos quanto ao arrendamento do imóvel e, pese embora não estivesse tanto por dentro das conversações com os arguidos, a verdade é que a testemunha confirmou que não havia sido celebrado qualquer contrato de arrendamento com os arguidos e que o contrato que se encontrava nos serviços das Águas de ... era forjado. Confrontada com os documentos juntos aos autos, soube distinguir o contrato válido celebrado com um familiar dos arguidos, do contrato de arrendamento que foi entregue nas Águas de ..., atestando, de forma clara e directa, que a assinatura nele aposta, não foi por si desenhada, porquanto falsificada.
FF, administrativa das Águas de ... há cerca de 5 anos, também de forma livre, clara, objectiva e precisa, esclareceu o Tribunal que foi quem procedeu ao envio aos autos do contrato de arrendamento em crise no presente processo, porquanto foi solicitado que fosse entregue cópia do contrato que tinha sido utilizado para a celebração do contrato de abastecimento de água por conta do referido imóvel.
Em face da referida prova testemunhal e documental, não ficou, assim, este Tribunal com qualquer dúvida que o contrato de arrendamento que foi entregue nas Águas de ... e que foi usado para sustentar a celebração de um contrato de fornecimento de água para o imóvel titulado por CC e DD é falso, porquanto não foi efectivamente celebrado qualquer contrato de arrendamento com o arguido AA, sendo que as assinaturas aí apostas relativamente aos senhorios não foram desenhadas por CC e DD. No que diz respeito à autoria da referida falsificação, a verdade é que na segunda sessão de audiência de julgamento, os arguidos compareceram, tendo AA optado por prestar declarações.
Numa clara postura de assumpção de culpa e de desresponsabilização da arguida, AA começou por assumir que aquilo que constava da acusação era verdade, assumindo-se como o único responsável pela imputada falsificação, negando qualquer envolvimento da sua companheira BB.
O arguido referiu que, num acto de desespero, forjou o documento de fls. 9/10, de modo a conseguir o abastecimento de água no imóvel onde se encontrava a residir com a sua companheira e com os seus filhos, não obstante saber que não era intenção dos senhorios a renovação de qualquer contrato de arrendamento. O arguido assumiu que foi quem teve a ideia da falsificação do referido documento, assim como foi quem procedeu à impressão do documento e ao desenho das assinaturas dos senhorios, no lugar destinado aos primeiros outorgantes no contrato de fls. 9/10, bem sabendo que isso constituía a prática de um crime. O arguido assumiu ainda que foi quem entregou o documento junto das Águas de ..., precisamente com o objectivo de conseguir o abastecimento de água da habitação, tanto mais que a sua companheira se encontrava em cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, a cumprir na referida habitação, com fiscalização electrónica.
Contudo, quando questionado quanto ao envolvimento da arguida, se é certo que, como vimos, num primeiro momento, negou qualquer participação da sua companheira, a verdade é que, num segundo momento, referiu que, num dia que não soube precisar, chegou a casa com o contrato de arrendamento já forjado por si e questionou a sua companheira: “vamos arriscar?”, referindo-se à sua ideia de entregar o contrato de arrendamento junto das Águas de ..., tendo a arguida, não só dado o seu aval, concordando que o arguido deveria entregar o documento por si forjado nas Águas de ..., como ainda o incitou a fazê-lo. O arguido concretizou ainda que teve esta ideia de falsificar o documento após ter tido uma conversa com o senhorio, conjuntamente com a sua esposa, na sequência do corte da água, tendo aquele dito que não pretendia a renovação de qualquer contrato de arrendamento.
Ora, pese embora o arguido tenha tentado em audiência de julgamento fazer crer ao Tribunal que a arguida não tinha qualquer conhecimento da referida falsificação e que não tinha tomado parte na decisão atinente à falsificação do referido documento, a verdade é que as regras da experiência comum permitem que se conclua, como seguro, que a arguida, não só esteve por detrás do referido plano de falsificação do contrato de arrendamento, como ainda tomou parte na decisão de o mesmo ser entregue nas Águas de ..., ainda que se admita, como confessou o arguido, que foi este quem tratou de tudo, designadamente quanto à impressão, desenho das assinaturas e entregas nas Águas de ..., tanto mais que a arguida se encontrava em cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação e, por esse motivo, impedida de livremente sair do imóvel.
De facto, sendo o arguido companheiro da arguida, vivendo em união de facto, tendo estado os dois presentes na conversa com o senhorio que lhes comunicou não ser sua vontade renovar o contrato, estando os dois cientes que a água no arrendado tinha sido cortada e tendo em conta que a arguida precisava de continuar a residir no referido imóvel por conta do cumprimento da referida pena de prisão em regime de permanência na habitação (sendo, aliás, a principal interessada na manutenção do arrendamento), as regras da experiência comum impõem como seguro que o arguido não agiu sozinho, sem qualquer conhecimento da arguida. Antes pelo contrário: decorre das regras da experiência que, após a referida conversa com o senhorio, na qual a arguida esteve presente, ambos tiveram que tentar solucionar o problema com que se confrontaram e, num claro projecto comum, decidiram que a solução passaria pela falsificação de um documento que corporizasse um suposto contrato de arrendamento, documento esse que deveria ser entregue nas Águas de ..., como foi. De facto, só assim se compreende que o arguido tenha perguntado à arguida, como o próprio espontaneamente assumiu, “vamos arriscar?”, ao que a arguida respondeu afirmativamente. O plano foi, assim, desde o início, conjunto, pelo que o crime praticado resultou de uma comunhão de esforços e intentos dos dois arguidos, ainda que o arguido AA tenha sido o autor da falsificação material e tenha sido quem entregou o documento junto da referida entidade camarária. Assim, e não obstante a arguida tenha negado conhecimento que o contrato era falso (nas últimas declarações prestadas em audiência), fazendo-se apelo também às regras da experiência comum, este Tribunal considerou como provada toda a factualidade vertida em 1 a 10.
É, aliás, inequívoca a vontade de alcançar benefício, com a prática da referida falsificação, traduzida na obtenção de abastecimento de água no local onde se encontravam a habitar e, bem assim, a vontade de prejudicar terceiros, designadamente os senhorios e o Estado, ao pôr em causa, como puseram, a confiança e fé que é depositada por todos nos documentos que, aliás, são entregues (como foi in casu) em entidades camarárias. Sendo o dolo um elemento da vida interior do agente, por isso que impossível de aprender directamente, pode deduzir-se ou inferir-se de dados que, com muita probabilidade, o revelem. No caso, atenta a conduta dos arguidos, com um significado evidente, mais do que a probabilidade séria daquele elemento subjectivo há certeza da sua verificação, posto que manifestamente preenchido o conhecimento da totalidade dos elementos típicos, com o que evidencia a vontade da prática dos factos.
No que diz respeito ao facto n.º 11, este Tribunal considerou como provado com base no que foi afiançado pelo próprio arguido AA. Os factos n.ºs 12 a 76 foram considerados como provados com base nos relatórios sociais elaborados pela DGRSP e com base nos certificados de registo criminal juntos aos autos.
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VI – Direito
Nos termos dos artigos e 256.º, n.º 1, al. a), c) e e) do Código Penal:
“Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (…) a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; (…) c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; (…) e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”. Como defendido por Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2015, 3.ª Edição, p. 931, os bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora são a segurança e a credibilidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico. Segundo Helena Moniz in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Volume II, Coimbra Editora, p. 676, “sabendo que o documento, para efeitos do crime de falsificação, é a declaração e não o objecto em que esta é incorporada, fácil é compreender que aquilo que constitui a falsificação de documentos é não a falsificação do documento enquanto objecto que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração enquanto documento. (…) Não é toda a segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger, mas apenas a relacionada com os documentos”.
O crime de falsificação de documentos constitui um crime de perigo, ou seja, após a falsificação do documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança pública e a fé pública já foram violadas, mas o bem jurídico protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório apenas foi colocado em perigo. Trata-se de um crime de perigo abstracto, pois o perigo não constitui elemento do tipo, pois basta que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido, independentemente de o utilizar ou o colocar no tráfico jurídico.
O crime é formal ou de mera actividade, não sendo necessário a produção de qualquer resultado. Porém, o crime de falsificação de documentos exige uma certa actividade por parte do agente, no sentido de fabricar, modificar ou alterar o documento: é necessário uma modificação do mundo exterior. O documento constitui o objecto da acção. Será sobre ele que incidirá a conduta do agente, sendo certo que o artigo 256.º do Código Penal prevê várias modalidades de conduta. Segundo a autora supra citada in “ob. cit.”, pp. 682-683, “Quanto ao acto de falsificar ou alterar o documento trata-se daquilo que é designado por falsificação material”. “Distinto de tudo isto é a falsidade em documento ou a narração de facto falso juridicamente relevante. E apenas nestes casos se pode considerar que existe uma falsidade em documento”. “Quanto ao acto de abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar um documento falso trata-se de um caso de fraude na identificação. A assinatura constitui um elemento idóneo a provar um facto juridicamente relevante – a autoria do documento. Trata-se de um documento cujo conteúdo pode ser verídico (…), no entanto, o documento não é autêntico, a declaração não foi proferida pela pessoa que o escrito apresenta”. Segundo a mesma autora, in “ob. cit.”, p. 684, “distinto de tudo isto é o uso de documento falso que apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou (…). Deverá integrar-se dentro do uso de documento falso não só o uso de documento falsificado (…), como também os casos de documento falsificado por abuso de assinatura de outra pessoa. No que diz respeito ao tipo subjectivo, o legislador exige, por um lado, que o agente revele dolo genérico, nas modalidades compreendidas no artigo 14.º do Código Penal, ou seja, que o agente revele o conhecimento de que está a falsificar um documento e a vontade de o falsificar. Por outro lado, o legislador exige ainda um dolo específico que se consubstancia na intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. Assim, Helena Moniz em anotação ao artigo 256.º do Código Penal, in Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Coimbra Editora, Volume II, p. 684, qualifica o crime de falsificação de documentos como um crime intencional. Não é necessário que efectivamente se verifique o prejuízo de outra pessoa ou do Estado, nem o benefício do agente ou de terceira pessoa para que se conclua pela consumação do crime, mas o agente tem que revelar uma concreta vontade de prejudicar uma concreta entidade singular ou colectiva, visando um concreto e específico benefício. Pressuposto da incriminação é, como vimos, que o documento alterado ou fabricado se enquadre na definição legal prevista na alínea a) do artigo 255.º do Código Penal, sendo certo que se tratar de um documento autêntico ou com igual força, o agente pratica o tipo de ilícito na modalidade agravada do n.º 3 do mesmo preceito legal. Nos termos do artigo 255.º, alínea a) do Código Penal, deve-se entender por documento toda a “declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta”. O n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal apresenta uma agravação do crime de falsificação, no caso em que o documento falsificado é um documento autêntico ou com igual força. Neste caso, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. Descendo ao caso dos autos, não há quaisquer dúvidas que os arguidos incorreram na prática do referido crime, em co-autoria, porquanto se provou, entre o mais, o seguinte: Em data não concretamente apurada do ano de 2021, os arguidos resolveram ocupar o imóvel sito na rua ..., ...,..., pertencente a CC e DD. O referido imóvel estava dado de arrendamento a EE seu familiar, conforme contrato de fls. 7 a 8, que aqui damos por inteiramente reproduzido, e ao qual os arguidos tiveram acesso, por forma não concretamente apurada. Assim, conhecedores de todos os elementos de identificação dos donos do imóvel que ocuparam, bem como dos dados do próprio imóvel, os arguidos resolveram, de comum acordo, forjar um contrato de arrendamento para, junto da ... – Águas de ..., poderem celebrar um contrato de fornecimento de água.
E foi o que efectivamente fizeram, no seu interesse, em data não concretamente apurada, tendo o arguido AA, de comum acordo com BB, procedido à impressão do documento de fls. 9/10v e, com o seu punho, desenhou as assinaturas de CC e DD. Ora, este contrato não foi subscrito, nem assinado pelo CC, nem pela DD, mas antes exclusivamente pelo arguido AA que, com o acordo e total conhecimento da arguida BB, procedeu à impressão do documento de fls. 9/10v e, com o seu punho, desenhou os nomes “CC” e “DD”, como se destes se tratassem.
Os arguidos agiram da forma descrita, com vista a alcançarem benefício que não lhes era devido, a saber, celebrar um contrato de fornecimento de água que lhes permitisse usufruir de um arrendamento que sabiam não terem celebrado e com prejuízo dos donos do referido imóvel. Os arguidos bem sabiam que, com a sua conduta, estavam a pôr em causa a fé pública que os contratos de arrendamento gozam perante a generalidade das pessoas e concretamente a autoridade camarária referida (... – Águas de ...) onde, de facto, AA apresentou o documento forjado de fls. 9 a 10v, com o conhecimento e aval da arguida BB. E, não obstante, o referido conhecimento, não se coibiram os arguidos de praticar os factos descritos, com vista a alcançarem benefício, prejudicar os ofendidos e o Estado Português, o que os arguidos quiseram e conseguiram. Os arguidos agiram, em comunhão de intentos, esforços e alcançando, ambos, o benefício da prática do referido crime e ainda de forma livre, voluntária e consciente, com pleno conhecimento que as suas condutas lhes eram proibidas por lei.
Importa notar que o arguido AA fabricou um documento, nele fazendo constar a vontade dos senhorios celebrar consigo um contrato de arrendamento, que não correspondia à verdade, sendo que ainda abusou da assinatura dos mesmos, apondo pelo seu punho, à revelia da vontade dos ofendidos. Mais se verifica que o arguido agiu sempre com intuição de beneficiar de um abastecimento de água na casa que ocupava, pelo que entregou o referido documento falso nas Águas de .... Verifica-se, assim, sem qualquer dúvida, que o arguido, com a sua conduta, preencheu quer o elemento objectivo, quer o elemento subjectivo do crime de quem vem acusado, devendo, assim, ser condenado.
O mesmo se diga em relação à arguida BB.
É certo que a arguida não procedeu à elaboração material do documento, designadamente não foi quem procedeu à sua impressão e inserção das informações nele constantes, assim como não foi quem procedeu à assinatura, como se dos senhorios se tratasse, nem entregou o documento junto das Águas de .... No que toca à modalidade de participação, o artigo 26.º do Código Penal estipula que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. Segundo o entendimento sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-04-2009, “I - A doutrina e a jurisprudência consideram como elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria os seguintes: - a intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto); - o acordo para a realização conjunta do facto, acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto, que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente, e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor; - o domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada. II - «A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes» – cf. Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais), Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129.”. No caso dos autos, salvo melhor entendimento, entendemos que a factualidade apurada permite a imputação do crime aos arguidos em co-autoria, visto que a arguida delineou o plano criminoso com o arguido, dando-lhe o aval necessário para que este entregasse o documento falsificado nas Águas de ..., tendo, aliás, com isso, pretendido beneficiar do abastecimento de água no imóvel onde também residia e onde cumpria pena de prisão em regime de permanência na habitação. Estando esta impedida de sair da residência, por conta do cumprimento da referida pena, naturalmente que a sua participação na prática do crime nunca poderia implicar a sua deslocação da residência onde se encontrava, ou seja, nunca poderia implicar a sua saída para entrega, por exemplo, do referido documento nas Águas de ..., o que, numa clara divisão de tarefas, previamente gizada, foi o arguido que se encarregou da execução material do crime de falsificação de que vêm os dois acusados, não perdendo, naturalmente, a arguida qualquer domínio funcional do facto. Verifica-se, aliás, que, no cumprimento de um plano criminoso conjunto, ambos os arguidos, como se provou, eram conhecedores de todos os elementos de identificação dos donos do imóvel que ocuparam, bem como dos dados do próprio imóvel e, assim, resolveram, de comum acordo, forjar um contrato de arrendamento para, junto da ... – Águas de ..., poderem celebrar um contrato de fornecimento de água. Os contributos dos dois arguidos foram decisivos para a prática do facto. Pelo exposto, cremos que devem os arguidos ser condenados pela prática do imputado crime a título de co-autoria. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a factualidade considerada como provada, no mínimo, permite a imputação da prática dos factos como cúmplice à arguida BB, nos termos do artigo 27.º do Código Penal. De facto, caso se entenda que a participação da arguida não permite concluir que a mesma tinha o domínio do facto e que ainda tomou parte na execução propriamente dita do crime imputado, a verdade é que, da factualidade considerada como provada, decorre, de forma inequívoca, que a arguida participou no plano conjunto de falsificação do referido contrato de arrendamento e ainda incentivou o arguido a entregar o referido documento junto das Águas de ..., com o claro objectivo de beneficiar, como beneficiou, do contrato de abastecimento de águas que foi, com base no contrato forjado, celebrado. Verifica-se, assim, que a arguida, pela sua conduta, pelo menos e de forma dolosa, quis prestar auxílio moral à prática pelo arguido AA do crime imputado na acusação pública, o que sempre determinaria a condenação da arguida, como cúmplice, nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. Sem prejuízo, entendemos que o enquadramento jurídico-penal efectuado em audiência de julgamento permite a imputação aos arguidos a título de co-autoria, como preceitua o artigo 26.º do Código Penal.
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Inexistem quaisquer causas de exclusão ou atenuação da ilicitude e da culpa.
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Da medida concreta da pena
O crime de falsificação de documento contra a segurança social é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. De facto, em tal preceito legal, prevê o legislador o princípio da prevalência das penas não privativas, em relação às penas privativas da liberdade, pelo que a aplicação de uma pena privativa da liberdade só deverá ocorrer nos casos em que a pena não privativa se revele insustentável, quer do ponto de vista da ressocialização do agente, quer do ponto de vista das expectativas da comunidade. No caso dos autos, à data da prática dos factos, os arguidos já contavam com vários antecedentes criminais, inclusive, já haviam sido condenados em penas de prisão suspensa na sua execução pela prática de crimes contra o património. Pese embora as referidas solenes advertências, os arguidos voltaram a incorrer na prática de um novo ilícito criminal que, aliás, se insere no meio de tantos outros que foram sucessivamente praticados ao longo das suas vidas, o que demonstra, salvo melhor entendimento, que a condenação dos arguidos numa pena de multa não permite satisfazer as finalidades da punição. Veja-se que os arguidos não se mostram inseridos na sociedade, visto que não têm trabalho, beneficiam de apoios sociais e pautam a sua vida pela prática de comportamentos desviantes e à margem dos padrões conformes ao Direito. As exigências de prevenção especial são, assim, elevadas e, por esse motivo, determinam a condenação de ambos os arguidos numa pena de prisão, a título principal. Importa, agora, escolher a medida concreta das penas em que devem os arguidos ser condenado. Quanto ao grau de ilicitude do comportamento encetado pelos arguidos, importa notar que a conduta do arguido é sensivelmente mais grave que a conduta da arguida, visto que esta teve uma participação mais lateral e menos relevante, quando comparada com a conduta assumida pelo arguido que, não só procedeu ao fabrico do contrato falsificado, como ainda procedeu à entrega do referido documento nas Águas de .... Entendemos, assim, que o grau de ilicitude do comportamento do arguido é superior ao grau de ilicitude do comportamento encetado pela arguida, tendo em conta o grau de participação. Os arguidos agiram com dolo directo, forma mais grave da culpa, merecendo, por isso, um juízo de censura jurídico-penal forte.. A este propósito importa ainda notar que os factos foram praticados para conseguirem obter abastecimento de água em casa, após o corte operado pela cessação do contrato de arrendamento, o que, por um lado, poderá ser visto como uma necessidade à qual os arguidos pretenderam corresponder, circunstanciando e contextualizando a prática dos factos. Contudo, por outro lado, não pode este Tribunal deixar de notar que os factos foram praticados durante o período de tempo em que a arguida se encontrava a cumprir uma pena de prisão em regime de permanência na habitação. Ou seja, em total arrepio de uma sanção criminal e de um juízo de advertência e de censura jurídico-penal proferido no processo em que condenou a arguida numa pena privativa da liberdade, os arguidos, sem qualquer pejo, decidiram praticar um novo ilícito criminal, demonstrando uma censurabilidade acrescida e relevante. Relativamente às exigências de prevenção geral, que nos dão o limite mínimo inultrapassável, abaixo do qual a medida concreta da pena não poderá ser fixada, na medida em que se revela comunitariamente intolerável, diga-se que são elevadas, visto que o crime de falsificação de documento protege um bem jurídico muito importante, atinente à fé que é depositada pela sociedade nos documentos, reclamando, por isso, a sociedade uma resposta séria e eficaz da parte do sistema judicial em relação a todos aqueles que, com a sua conduta, põem em causa o referido bem jurídico. Pela frequência com que os referidos crimes são praticados, só uma pena fixada ainda afastada do limite mínimo permitirá reafirmar a norma violada in casu. Em relação às exigências de prevenção especial que atribuem ao julgador o ponto óptimo da medida concreta da pena, o Tribunal não pode ignorar que são elevadas, ainda que em grau diferente entre cada um dos arguidos.
No que diz respeito ao arguido AA, para além de ser inequívoco que o mesmo não se mostra inserido na sociedade, atendendo ao teor do relatório social elaborado pela DGRSP, apresentando um percurso de vida profissional desestruturado, não pautando o seu dia-a-dia por uma ocupação estável, beneficiando sucessivamente de apoios sociais para prover à sua subsistência e do seu agregado, a verdade é que não pode este Tribunal deixar de notar que, em audiência de julgamento, assumiu a sua culpa, confessando grande parte dos factos descritos na acusação, o que abona a seu favor. O arguido, à data da prática dos factos, contava com três condenações pela prática de crimes de furto e de detenção de arma proibida, em penas de multa e prisão suspensa na sua execução. Pese embora os referidos juízos de censura, o arguido voltou a incorrer na prática deste crime e ainda dos crimes pelos quais foi recentemente condenado nos processos n.ºs 1603/20.2PAVNG, 132/20.9PAVCD e 1090/23.3GAMAI. Verifica-se, assim, que o percurso de vida é pautado por comportamentos desconformes ao Direito, o que faz elevar, de forma séria, as exigências de prevenção especial que se fazem sentir. No que diz respeito à arguida BB, para além de também ser de registar o facto de não se mostrar inserida na sociedade, visto que não tem trabalho estável, sobrevivendo apenas com a ajudas do Estado e assumindo um percurso de vida itinerante, a verdade é que a prática dos factos em crise nos autos insere-se numa verdadeira carreira criminosa que se iniciou há mais de 10 anos. De facto, desde 2012 que a arguida regista inúmeras condenações pela prática de crimes de furto e crimes de venda de produtos contrafeitos, tendo sido sucessivamente condenada em penas de multa e penas de prisão suspensa, tanto que comete os factos em crise nos autos, não só durante o cumprimento de pena de prisão suspensa na sua execução (processo n.º 52/15.9GCTND), mas ainda durante o cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, demonstrando, assim, que nenhuma reacção penal tem o efeito ressocializador pretendido, nem mesmo uma pena privativa da liberdade a impediu do cometimento de novos ilícitos criminais. As exigências de prevenção especial são, assim, elevadíssimas, não obstante não apresentar antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, o que, tendo em conta o percurso criminoso da arguida, é factor irrelevante para se afirmar as elevadíssimas fragilidades de reinserção social apresentadas.
Face a todo o exposto, considera-se adequada a condenação:
- da arguida BB numa pena de 5 meses de prisão;
- do arguido AA numa pena de 7 meses de prisão.
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Da substituição das penas de prisão fixadas
Como refere Maria João Antunes in “Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra, 2010-2011, p. 21, “O tema das penas de substituição reconduz-se, tanto do ponto de vista histórico como político-criminal, ao movimento de luta contra a pena de prisão. (…) As penas de substituição em sentido próprio respondem a um duplo requisito: têm, por um lado, carácter não institucional ou não detentivo, sendo cumpridas em liberdade; e pressupõem, por outro, a determinação prévia da medida da pena de prisão, sendo aplicadas e executadas em vez desta”.
Como defendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-02-2010, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Paulo Guerra, disponível em http://www.dgsi.pt, “o artigo 70.º opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal, nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa. Porém, a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º, o seu quantum. (…) O que pode acontecer é que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70.º, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, entenda dever proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (anterior artigo 44.º, agora artigo 43.º), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Face ao exposto, cumpre aferir da aplicabilidade de uma pena de substituição às penas de 5 e 7 meses de prisão aplicadas aos arguidos, sendo que as penas de multa e de prestação de trabalho a favor da comunidade previstas nos artigos 45.º e 58.º do Código Penal não se mostram minimamente compatíveis com as finalidades da punição, designadamente com as elevadas exigências de prevenção especial que se fazem sentir e que supra já se fez referência. Os arguidos, em data anterior à prática dos factos, já haviam beneficiado de penas de prisão suspensas na sua execução e penas de multa, pelo que entendemos que as referidas penas substitutivas não respeitam as finalidades da punição.
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Da suspensão da pena de prisão Nos termos do artigo 50.º do Código Penal, “1 - o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 – o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”. A este propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-03-2015, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Luís Ramos, disponível em http://www.dgsi.pt, defendeu-se que “I - A suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes. II - Na ponderação da personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, o tribunal terá que ter em mente que a suspensão da execução da pena de prisão apenas poderá ser aplicada se sustentar e viabilizar os desígnios de prevenção especial - apoiando e promovendo a reinserção social do condenado - e geral - na perspectiva em que a comunidade não encare a suspensão, como um sinal de impunidade.”. O Tribunal não ignora os efeitos, muitas vezes, perversos da aplicação de uma pena de prisão efectiva quando as circunstâncias em que os arguidos se inserem permitem ao Tribunal concluir como segura a sua ressocialização fora do estabelecimento prisional.
Sendo um dos factores fundamentais, senão o mais fundamental, a ressocialização do agente, a prisão efectiva só deverá ser aplicada quando, em liberdade, se crê, sem sombra para dúvidas, que o arguido não conseguirá deixar de delinquir, sendo a reclusão a única oportunidade para que o mesmo passe a conformar os seus comportamentos segundo o dever-ser jurídico penal.
Isto posto, no que diz respeito ao arguido AA, não obstante gravidade dos factos praticados e a parca inserção social do arguido, não podemos deixar de ponderar, favoravelmente, que o arguido confessou grande parte dos factos em escrutínio nos autos e, em data anterior à prática dos factos, tinha sido condenado pela prática de crimes de furto e de detenção de arma proibida, ou seja, não apresentava antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza. Os factos que determinaram a sua condenação em penas de prisão suspensa, em data anterior à prática dos factos, reportavam-se aos anos de 2014 e 2015, ou seja, a condutas já praticadas em data muito anterior à dos factos em crise nos autos. Certo é que nos mais recentes processos em que o arguido foi condenado, pela prática de crimes de falsidade informática e um crime de burla informática, foram-lhe aplicadas penas de multa e de prisão suspensas na sua execução, tendo os Tribunais, recentemente, considerado ser possível exercer um juízo de prognose favorável, considerando que penas não privativas da liberdade serão suficientes para satisfazer as finalidades da punição. Ora, tudo isto ponderado, reiterando-se que à data da prática dos factos o arguido não contava com antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza ao crime pelo qual vai condenado nestes autos, contando apenas com duas condenações pela prática de crimes de furto e outra pela prática de um crime de detenção de arma proibida, pelo que se considera que ainda é possível suspender a pena de prisão que supra se fixou, pelo período de 14 meses, período que se reputa como necessário (tendo em conta o percurso criminoso do arguido), nos termos do artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal, concedendo-se, assim, uma derradeira oportunidade para o arguido passar a conformar os seus comportamentos face ao dever-ser jurídico-penal, em liberdade. Durante o referido período de suspensão, deverá o arguido sujeitar-se a regime de prova, nos termos do artigo 53.º do Código Penal, de modo a que seja acompanhado pela DGRSP, delineando um plano de reinserção social que aborde as fragilidades de inserção social do arguido, designadamente atinentes à frágil inserção no mercado laboral, promovendo a sensibilização junto do arguido para obter um emprego estável. Só deste modo se entende que a suspensão da pena alcançará as finalidades da punição que se fazem sentir. A mesma conclusão não podemos alcançar em relação à arguida BB. De facto, como já aflorado supra, os factos em crise nos autos surgem num percurso de vida da arguida atropelado por vários confrontos com o sistema jurídico-penal, traduzidos em várias condenações por crimes contra o património e de venda de produtos contrafeitos. Veja-se, aliás, que pese embora a arguida tenha sido, em data anterior à prática dos factos em escrutínio nos autos, condenada pela prática de vários crimes de furto, em penas de multa, praticou os factos em crise nos autos, não só durante o período de suspensão da pena de prisão em que foi condenada no processo n.º 52/15.9GCTND, como ainda praticou os referidos factos enquanto se encontrava a cumprir uma pena de prisão em regime de permanência na habitação. Esta mesma circunstância, como se apurou nos autos, foi, aliás, motivo para a prática do crime pelo qual vai condenada nestes autos. Esta postura assumida pela arguida demonstra, assim, uma total insensibilidade, não só perante o dever-ser jurídico penal, mas principalmente perante os juízos de censura jurídico-penais ínsitos às referidas sentenças penais. Nem a condenação da arguida numa pena privativa da liberdade foi suficiente para a demover da prática de novos ilícitos criminais. É certo que o crime pelo qual a arguida vai condenada não é semelhante, nem protege o mesmo bem jurídico dos crimes pelos quais foi condenada nos processos constantes do seu certificado de registo criminal. Contudo, tendo em conta que a arguida foi já condenada, por 13 vezes, pela prática de cerca de 13 crimes, num período compreendido entre 2012 e 2023, é por demais evidente que as condenações sofridas não tiveram qualquer efeito ressocializador, não sendo, assim, possível considerar que a suspensão da pena de prisão que supra se fixou é suficiente para a arguida se demover da prática de novos ilícitos criminais, como, aliás, não se revelou suficiente até então. Veja-se que a arguida não confessou a prática dos factos, não reconheceu o desvalor do seu comportamento, assim como não se mostra minimamente inserida na sociedade, tanto mais que não tem trabalho e não se encontra activamente a procura-lo. Pela DGRSP, no relatório social elaborado, são, de facto, feitas várias referências que permite que se conclua que a arguida apresenta sérias necessidades de ressocialização e que as anteriores condenações penais de nada adiantaram para a afastar da prática de ilícitos criminais. Verifica-se, assim, que o juízo positivo de prognose que foi sendo exercido nos referidos processos quanto à adequação de penas não privativas da liberdade, não foi minimamente aproveitado pela arguida. Pelo contrário, a arguida utilizou a oportunidade que foi concedida pelos Tribunais para cumprir as penas em liberdade, para praticar novos ilícitos criminais, frustrando em absoluto todas as expectativas positivas que foram determinadas nas referidas Sentenças.
Com efeito, torna-se, por demais evidente que, não tendo a arguida aproveitado as referidas oportunidades que foram concedidas pelo sistema jurídico-penal, não é possível a este Tribunal considerar que a suspensão da pena de prisão aplicada nestes autos é adequada a afastar a arguida da prática de novos crimes. Não é, assim, possível exercer um juízo positivo de prognose quanto à simples ameaça do cumprimento de prisão, porquanto tal juízo foi totalmente frustrado pela conduta da arguida. Perante todo o exposto, entende este Tribunal que, em face do percurso de vida da arguida, melhor exposto supra, não é possível concluir que a simples censura do facto e a mera ameaça de cumprimento de prisão realiza de forma adequada e suficiente as elevadas exigências de prevenção especial que se fazem sentir in casu, pelo que não deve a pena de prisão fixada ser suspensa na sua execução.
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Do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação Nos termos do artigo 43.º do Código Penal, “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º”. No caso dos autos, tendo em conta que a arguida praticou os factos em escrutínio nos autos, não só durante o período de suspensão de uma pena de prisão em que foi condenada (processo n.º 52/15.9GCTND), mas principalmente durante o período em que a arguida se encontrava em pleno cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação (362/17.0PASJM), torna-se, salvo melhor entendimento, absolutamente claro que a pena de prisão em regime de permanência na habitação não se mostrou minimamente suficiente para demover a arguida da prática de novos ilícitos criminais, pelo que entende este Tribunal que as exigências de prevenção especial que se fazem sentir in casu são elevadíssimas e, por essa razão, não são compatíveis com o cumprimento da pena de prisão que supra se fixou em regime de permanência na habitação. A arguida foi sempre desaproveitando as sucessivas penas aplicadas pelo sistema judicial, reincidindo sempre na prática delinquente, pelo que só uma pena de prisão efectiva permitirá alcançar, em pleno, as elevadíssimas exigências de prevenção especial que se fazem sentir. A pena de 5 meses de prisão deverá, assim, ser cumprida de modo efectivo.
VII – Decisão
Face a todo o exposto, decide-se:
a) julgar o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 256.º, n.º 1 alíneas a), c) e e), todos do Código Penal e, em consequência, condená-lona pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 14(catorze) meses, sujeita a regime de prova, nos termos dos artigos 50.º e 53.º doCódigo Penal, devendo o plano de reinserção a elaborar prever a sensibilização doarguido para a obtenção de uma inserção laboral plena; b) julgar a arguida BB pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 256.º, n.º 1 alíneas a), c) e e), todos do Código Penal e, em consequência, condená-lanuma pena de 5 (cinco) meses de prisão efectiva; c) condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III do mesmo Regulamento, fixando-se a taxa dejustiça em 2 UC’s.
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C) APRECIAÇAO DA QUESTAO EM RECURSO.
Nos termos do disposto no art. 410º do CPP, com a epígrafe “fundamentos do recurso” 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
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APRECIANDO AS QUESTÕES LEVANTADAS
DA CO-AUTORIA
Falemos da comparticipação
“Nos termos do artigo 26º da lei penal substantiva, é punível como autor “quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. Na doutrina como na jurisprudência, a pedra angular na interpretação da comparticipação ali emergente vem sendo comummente identificada e/ou feita coincidir com o critério do domínio do facto. Apertis verbis: autor é quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução “nas suas próprias mãos” de tal modo que dele depende decisivamente o “se” e o “como” da realização típica. Porém, se é verdade que o “senhor” do facto pode dominar este ora procedendo ele próprio à realização típica (autoria imediata), ora, sem nesta fisicamente participar, determinando outrem – pela subjugação da vontade - àquela realização (autoria mediata) [34], é ainda possível um tertium genus de domínio como seja aquele que se realiza já não de forma individualizada e exclusiva (pessoal/auto-responsabilizada), antes comparticipada. O domínio do facto concretiza-se então no âmbito de uma divisão de tarefas com outros agentes. Num alargamento intersubjectivo que não prescinde, todavia, da unidade de sentido objectivo-subjectivo. Dizer, ainda: onde a comparticipação há-de ser formada cumulativamente, assim pela vontade directora do facto, assim pela importância material da intervenção no facto com referência a todos e a cada um em particular, dos agentes. Na autoria alargada à comparticipação com pluralidade de agentes (>co-autoria) exige-se:i. À cabeça, a vinculação recíproca por meio da resolução conjunta (elemento subjectivo) o que valerá dizer que a co-autoria pressupõe o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica (o facto);ii. Acrescerá, depois, a participação directa na execução conjunta do facto ou dizer, a participação directa na execução, juntamente com outro ou outros, a qual, suposta a consciência da colaboração, assentará num exercício conjugado e com intervenção ordenada no domínio do facto de modo a constituir-se numa contribuição objectiva para a realização da acção típica. Na co-autoria, desenham-se, então e respectivamente: qual elemento subjectivo: o acordo, com o sentido de decisão para a realização de determinada acção típica; qual elemento objectivo: a realização conjunta do facto tomando o agente parte directa na respectiva execução. Cumulativamente, repete-se, são pressupostos para a verificação da co-autoria: de uma parte, a consciência da colaboração enformada a partir do acordo prévio para a realização do facto; de outra, a realização conjunta, onde o co-autor preservará, ainda, o domínio funcional da actividade que realiza, sabendo-a integrada no conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e se dispôs a levar a cabo.”. Diferentemente na cumplicidade que a lei penal substantiva define como sendo a ‘prestação dolosa e por qualquer forma de auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso’.(27ºCP).
Tal como se escreve no AC RC de 15.02.2007 in www.dgsi.pt, “A essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, s com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas. Por seu turno "será punido por cumplicidade quem, dolosamente, preste auxílio a outrem para o cometimento doloso do facto antijurídico. (...) A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência de domínio do facto; o cúmplice limita-se a promover o facto principal através do auxílio físico ou psíquico, situando-se esta "prestação de auxílio" em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor". «É punível como cúmplice quem dolosamente e por qualquer forma presta auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso». - art.º 27.º, n.º 1, do Código Penal. A cumplicidade experimenta uma subalternização relativamente à autoria. "Há, pois uma linha que se projecta não na assunção de todas as consequências (...) mas que se fica pelo auxílio. Isto é, fazendo apelo a um velho critério - que apesar de tudo é altamente operatório - deparamo-nos aqui com uma causalidade não essencial. A infracção sempre seria praticada, só que o seria em outro tempo lugar ou circunstância". "O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio; como o instigador, não tem domínio do facto; o autor não necessita sequer, de conhecer a cooperação que lhe presta (a chamada cumplicidade oculta). Neste ponto se distingue a cumplicidade da co-autoria, posto que esta requer o domínio funcional do facto sobre a base de um acordo comum." "A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, secundária num duplo sentido: de dependência da execução do crime ou começo de execução e de menor gravidade objectiva, na medida em que não é determinante da prática do crime (o crime seria sempre realizado, embora eventualmente em modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas). Com dizer-se que a cumplicidade não é determinante da prática do crime quer significar-se que ela se traduz em mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa da execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida, contribui para a prática do crime, é uma concausa do crime". De tudo o que acaba de expor-se pode concluir-se que, quer o co-autor, quer o cúmplice, são auxiliatores. Cada um, a seu jeito, ajuda ou concorre para a produção do feito. Porém, enquanto o primeiro assume um papel de primeiro plano, dominando a acção (já que esta é concebida e executada com o seu acordo - inicial ou subsequente, expresso ou tácito - e contribuição efectiva), o segundo é, digamos, um interveniente secundário ou acidental: só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. A sua intervenção sendo, embora, concausa do concreto crime levado a cabo, não é causal da existência da acção, no sentido de que, sem ela, apesar de tudo, o facto sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo diversas. É, neste sentido, um auxiliator simplex ou causam non dans.”.
A recorrente diz que os factos provados apenas permitem concluir pela cumplicidade.
Será o papel da arguida um papel secundário?
O crime em causa teria sempre lugar mesmo sem a intervenção da arguida? Esta foi uma mera auxiliadora? Apreciando.
Ao contrário do que diz a recorrente, dos factos provados apenas é possível retirar a existência de co-autoria.
Note-se que se deu como provado que: 1. Em data não concretamente apurada do ano de 2021, os arguidos resolveram ocupar o imóvel sito na rua ..., ...,..., pertencente a CC e DD. 2. O referido imóvel estava dado de arrendamento a EE seu familiar, conforme contrato de fls. 7 a 8, que aqui damos por inteiramente reproduzido, e ao qual os arguidos tiveram acesso, por forma não concretamente apurada. 3. Assim, conhecedores de todos os elementos de identificação dos donos do imóvel que ocuparam, bem como dos dados do próprio imóvel, os arguidos resolveram, de comum acordo, forjar um contrato de arrendamento para, junto da ... – Águas de ..., poderem celebrar um contrato de fornecimento de água. 4. E foi o que efectivamente fizeram, no seu interesse, em data não concretamente apurada, tendo o arguido AA, de comum acordo com BB, no seguimento de um plano por ambos delineado e com total conhecimento e apoio por parte de BB, procedido à impressão do documento de fls. 9/10v e, com o seu punho, desenhou as assinaturas de CC e DD. (…) 6. Ora, este contrato não foi subscrito, nem assinado pelo CC, nem pela DD, mas antes exclusivamente pelo arguido AA que, com o acordo, total conhecimento e apoio da arguida BB, procedeu à impressão do documento de fls. 9/10v e, com o seu punho, desenhou os nomes “CC” e “DD”, como se destes se tratassem. 7. Os arguidos agiram da forma descrita, com vista a alcançarem benefício que não lhes era devido, a saber, celebrar um contrato de fornecimento de água que lhes permitisse usufruir de um arrendamento que sabiam não terem celebrado e com prejuízo dos donos do referido imóvel. 8. Os arguidos bem sabiam que, com a sua conduta, estavam a pôr em causa a fé pública que os contratos de arrendamento gozam perante a generalidade das pessoas e concretamente a autoridade camarária referida (... – Águas de ...) onde, de facto, AA apresentou o documento forjado de fls. 9 a 10v, com o conhecimento e incentivo da arguida BB que, quando questionada por aquele, em data não concretamente apurada, se deveria proceder à entrega do referido contrato forjado, nos serviços da ... – Águas de ..., aquela disse que concordava e incitou AA a fazê-lo, bem sabendo que o contrato não era verdadeiro e que, desse modo, AA estaria a cometer factos qualificados pela lei como crime, o que a arguida quis.
9. E, não obstante, o referido conhecimento, não se coibiram os arguidos de praticar os factos descritos, com vista a alcançarem benefício comum, prejudicando os ofendidos e o Estado Português, o que os arguidos quiseram e conseguiram. 10. Os arguidos agiram, em comunhão de intentos, esforços e alcançando, ambos, o benefício da prática do referido crime e ainda de forma livre, voluntária e consciente, com pleno conhecimento que as suas condutas lhes eram proibidas por lei.
Parece-nos que a recorrente pretendia dizer que a prova efectuada não foi no sentido da que ficou a constar nos factos provados. Porém, para que o tribunal pudesse analisar a questão de tal forma, necessário seria que a recorrente tivesse impugnado a matéria de facto, o que não o fez - cfr art. 412º, nº3 do CPP.
Podia este tribunal de recurso, analisada apenas a decisão, concluir, oficiosamente, pela verificação de algum dos vícios do art. 410º CPP.
Acrescente-se que, e como é jurisprudência pacífica do S.T.J. (cfr. por todos o douto Sentença do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 02.03.2016 no Pº 81/12.4GCBNV.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “(…) Os vícios do n.º 2 do artigo 410º do CPP, todos eles relativos ao julgamento da matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. – Quanto ao vício previsto pela al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. – Quanto ao vício previsto pela al. b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, verifica-se contradição insanável – a que não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – da fundamentação – quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão. – Quanto ao vício previsto pela al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada. (…)”
Os vícios decisórios, como vícios da sentença, necessariamente teriam de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo certo que, da leitura efectuada da decisão recorrida, não encontramos qualquer um.
DA BONDADE DA SUSPENSÃO DA PENA
Veio a recorrente dizer que está cumprido o pressuposto formal previsto no artigo 50º nº 1 do Código Penal – pena inferior a 5 anos – mas também o pressuposto material, ou seja, que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognostico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. Constata-se do relatório social elaborado pela DGRSP, junto aos autos, que a recorrente tem encetado esforços para se integrar na sociedade, investindo na sua formação profissional, o que lhe traz também um reforço nos seus rendimentos, bem como, a deixa melhor preparada para arranjar emprego. A arguida tem algumas condenações anteriores, mas tal facto por si só não inviabiliza, a manutenção da confiança na sua ressocialização em liberdade. Ressalva-se ainda o facto que a arguida à data da prática dos factos não contava com antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza ao crime pelo qual foi condenada nestes autos. As finalidades de prevenção especial, não exigem a pena de prisão efectiva, uma vez que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, subordinada a deveres (artº 51º, nº 1 a) do Co digo Penal) e a regras de conduta (artº 52º nº 1 al. c) do Co digo Penal), no caso concreto realiza, de forma adequada, as finalidades das penas.
A sentença é exaustiva, designadamente na explanação e apreciação do tema da suspensão da execução da pena.
Lembremos o que ali se diz: “A mesma conclusão não podemos alcançar em relação à arguida BB. De facto, como já aflorado supra,os factos em crise nos autos surgem num percurso de vida da arguida atropelado por vários confrontos com o sistema jurídico-penal, traduzidos em várias condenações por crimes contra o património e de venda de produtos contrafeitos. Veja-se, aliás, que pese embora a arguida tenha sido, em data anterior à prática dos factos em escrutínio nos autos, condenada pela prática de vários crimes de furto, em penas de multa, praticou os factos em crise nos autos, não só durante o período de suspensão da pena de prisão em que foi condenada no processo n.º 52/15.9GCTND, como ainda praticou os referidos factos enquanto se encontrava a cumprir uma pena de prisão em regime de permanência na habitação. Esta mesma circunstância, como se apurou nos autos, foi, aliás, motivo para a prática do crime pelo qual vai condenada nestes autos. Esta postura assumida pela arguida demonstra, assim, uma total insensibilidade, não só perante o dever-ser jurídico penal, mas principalmente perante os juízos de censura jurídico-penais ínsitos às referidas sentenças penais. Nem a condenação da arguida numa pena privativa da liberdade foi suficiente para a demover da prática de novos ilícitos criminais. É certo que o crime pelo qual a arguida vai condenada não é semelhante, nem protege o mesmo bem jurídico dos crimes pelos quais foi condenada nos processos constantes do seu certificado de registo criminal. Contudo, tendo em conta que a arguida foi já condenada, por 13 vezes, pela prática de cerca de 13 crimes, num período compreendido entre 2012 e 2023, é por demais evidente que as condenações sofridas não tiveram qualquer efeito ressocializador, não sendo, assim, possível considerar que a suspensão da pena de prisão que supra se fixou é suficiente para a arguida se demover da prática de novos ilícitos criminais, como, aliás, não se revelou suficiente até então. Veja-se que a arguida não confessou a prática dos factos, não reconheceu o desvalor do seu comportamento, assim como não se mostra minimamente inserida na sociedade, tanto mais que não tem trabalho e não se encontra activamente a procura-lo. Pela DGRSP, no relatório social elaborado, são, de facto, feitas várias referências que permite que se conclua que a arguida apresenta sérias necessidades de ressocialização e que as anteriores condenações penais de nada adiantaram para a afastar da prática de ilícitos criminais. Verifica-se, assim, que o juízo positivo de prognose que foi sendo exercido nos referidos processos quanto à adequação de penas não privativas da liberdade, não foi minimamente aproveitado pela arguida. Pelo contrário, a arguida utilizou a oportunidade que foi concedida pelos Tribunais para cumprir as penas em liberdade, para praticar novos ilícitos criminais, frustrando em absoluto todas as expectativas positivas que foram determinadas nas referidas Sentenças. Com efeito, torna-se, por demais evidente que, não tendo a arguida aproveitado as referidas oportunidades que foram concedidas pelo sistema jurídico-penal, não é possível a este Tribunal considerar que a suspensão da pena de prisão aplicada nestes autos é adequada a afastar a arguida da prática de novos crimes. Não é, assim, possível exercer um juízo positivo de prognose quanto à simples ameaça do cumprimento de prisão, porquanto tal juízo foi totalmente frustrado pela conduta da arguida.” Nada mais temos a acrescentar a tal profusa fundamentação. O tribunal “a quo” não tinha qualquer “margem de manobra” para suspender a execução da pena de prisão.
Improcede, nesta parte, o recurso.
DO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Por último, vem a arguida, ora recorrente, dizer que na eventualidade de não lhe ser suspensa a execução da pena de prisão, a mesma devia ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Preceitua o artigo 43º do Código Penal, com a epígrafe” Regime de permanência na habitação” que: 1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
Parece-nos claro o motivo da não aplicação do regime em causa.
Disse a Sr.ª Juiz que ” No caso dos autos, tendo em conta que a arguida praticou os factos em escrutínio nos autos, não só durante o período de suspensão de uma pena de prisão em que foi condenada (processo n.º 52/15.9GCTND), mas principalmente durante o período em que a arguida se encontrava em pleno cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação (362/17.0PASJM), torna-se, salvo melhor entendimento, absolutamente claro que a pena de prisão em regime de permanência na habitação não se mostrou minimamente suficiente para demover a arguida da prática de novos ilícitos criminais, pelo que entende este Tribunal que as exigências de prevenção especial que se fazem sentir in casu são elevadíssimas e, por essa razão, não são compatíveis com o cumprimento da pena de prisão que supra se fixou em regime de permanência na habitação. “ Com este comportamento como é possível ao Tribunal concluir que o regime de permanência na habitação realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão?
Concordámos com o Tribunal recorrido. A pena de 5 meses tem que ser cumprida em meio prisional.
Assim, sem necessidade de mais considerações, soçobra, na totalidade, o recurso.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso da arguida mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela arguida- art. 513º nº 1 CPP
Porto, 11 de Setembro de 2024
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia Lima (Relatora)
Paulo Costa (1º Adjunto)
Lígia Trovão (2º Adjunto)