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INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
PESSOA COLECTIVA
CITAÇÃO
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
Sumário
1. A citação de pessoas coletivas é, por regra, efetuada por meio postal, por carta registada com aviso de receção, endereçada para a sua sede, constante no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (artigo 246.º do Código de Processo Civil) 2. Se a carta registada com aviso de receção vier devolvida, a citação é efetuada também por via postal, nos termos do nº 4, desta feita por depósito na caixa do correio da executada, desde que haja marco do correio disponível para esse depósito, cabendo ao carteiro emitir uma declaração, onde conste o dia e hora do depósito. 3. Recai sobre as pessoas coletivas um especial ónus de manter atualizado esse registo de modo a que haja uma efetiva correspondência entre a realidade e o facto ali inscrito. 4. Assim, a notificação da pessoa coletiva por carta registada com prova de depósito deixada na sua sede efetiva (e que consta das bases de dados), na sequência do envio da notificação da carta registada com aviso de receção para a mesma morada que veio devolvida é válida e operante em sede injuntiva.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
.I - Relatório
Apelante:
a embargante e executada: EMP01...–UNIPESSOAL,Lda.
Apelados:
a embargada e exequente: EMP02... – UNIPESSOAL, Lda.
Autos de: oposição à execução por meio de embargos de executado
No requerimento executivo de que estes embargos são oposição, a exequente apresentou como título executivo o requerimento injuntivo ao qual foi aposto fórmula executória.
No requerimento inicial da presente oposição, a executada alegou, além do mais, que não foi notificada no âmbito do processo injuntivo, apenas tendo conhecimento do mesmo com a consulta do processo executivo. Conclui, quanto a esta matéria, que a notificação do requerimento de injunção padece de uma nulidade, por desrespeito do previsto nos artigos 12.º e 12.º-A do Regime de Procedimentos anexo ao DL 268/98, de 1 de setembro.
A Exequente, na contestação que apresentou, invocou, em súmula, que a notificação obedeceu às regras previstas no artigo 12º do anexo ao DL 269/98 de 01 de setembro.
Após julgamento, foi proferida sentença que decidiu, além o mais, a improcedência dos embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento dos autos executivos.
Foi desta decisão que a embargante apelou, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: “1- A Recorrente não se conforma com a sentença proferida, porquanto entende que a mesma padece de inúmeros vícios, nulidades, nomeadamente o conhecimento oficioso de nulidade invocada na petição inicial de embargos. 2- Na fundamentação usada para justificar que todas as formalidades legais impostas para a notificação da executada para os termos do procedimento injuntivo, o tribunal a quo, entendeu que as mesmas foram cumpridas, e assim estavam de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 12º do regime anexo ao DL n.º 269/98 de 1 de setembro, ou seja, que o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com avisode receção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição. 3- Entendendo o tribunal a quo que no caso das pessoas coletivas como era a executada, foram cumpridas as formalidades exigidas nos n.ºs 3º e 4º do artigo 12º do DL 269/98 de 1 de setembro, que dispõem, que caso a notificação por via postal se frustre, a secretaria obtém oficiosamente informação sobre a residência ou local de trabalho do notificando. Caso essa coincida com a morada para a qual foi remetida a carta registada com aviso de receção, procede-se à sua notificação por via postal simples. 4- No caso sub judice, a sentença proferida limita-se tão só a aplicar o disposto no artigo 12º do DL 269/98 de 1 de setembro e nos artigos 246º e seguintes do C.P.C. no que respeita à notificação / citação das pessoas coletivas. 5- Socorrendo-se apenas da certificação do distribuidor postal, de que a correspondência foi depositada naquele local. 6- E por via disso, “é de concluir manifestamente que a executada /embargante teve conhecimento da notificação do requerimento de injunção, não tendo logrado ilidir a presunção a que alude o artigo 230º n.º 1 do Código do Processo Civil pois, da prova produzida, resulta que a notificação foi regular e legalmente efetuada, tendo a mesma, ou devendo ter, conhecimento de tal procedimento injuntivo.” 7- Não sendo devidamente valoradas pelo tribunal a quo as declarações de parte prestadas pelo legal representante da executada, que garantiu não ter recebido a notificação da injunção e por via disso, não pode apresentar a sua oposição como devia. 8- Não sendo convencionado o domicílio, e dado tratar-se de uma pessoa coletiva, o BNI enviou carta registada com aviso de receção para a morada da executada. Frustrada essa notificação, a secretaria, efetuou as diligências necessárias para obter nova morada da executada, verificando que a morada existente era a mesma para onde foi enviado o primeiro expediente. 9- Foi então remetido novo expediente, desta feita por depósito simples, constando do respetivo expediente a certificação pelo carteiro, de que a correspondência foi depositada no local. 10- Nada garantindo que o carteiro depositou a referida carta no recetáculo postal da executada, permitindo a esta o exercício do contraditório, o que não aconteceu. 11- Não basta, nem é fidedigno que a certificação pelo distribuidor postal, seja garantia de que a executada se considere efetivamente notificada. 12- Na sede que consta da base de dados, não está nenhum funcionário permanentemente, e que a exequente bem sabia desse facto. 13- A executada vinha a ter problemas com a receção dos correios, e que o distribuidor postal é substituído semanalmente, conforme referido no dispositivo de sentença. 14- Na sede da executada, apenas dispõem de espaço físico para questões burocráticas. 15- O legal representante está diariamente em outro local, onde é sócio e gerente de outras empresas, sitas na Rua ..., ..., ... .... 16- Acresce que na sede da executada, nunca foi rececionada qualquer correspondência, mormente a notificação do procedimento injuntivo. 17- A carta registada não foi rececionada, porque houve “recusa da assinatura do aviso de receção ou do recebimento da carta pelo representante legal ou funcionário da citanda”. Não o foi, porque a mesma não foi depositada no recetáculo da executada, nem ao primeiro expediente, nem a dita carta simples com certificação do distribuidor postal. 18- Limitando-se o tribunal a quo proferir sentença, condenando a executada, baseando-se tão só na certificação do distribuidor postal que alega ter depositado a carta no recetáculo postal da executada. 19- Considerando a executada, regular e validamente notificada, o qual discordamos veemente. 20-Não sendo assegurada à executada o princípio do contraditório, e garantidos os seus direitos de defesa. 21- Prejudicando a executada no seu direito de defesa, restringindo e suprimindo esse direito. 22- O que lhe causou prejuízo grave. 23- Com efeito, nada na letra ou no espírito da norma em causa, (n.º 4º do artigo 12º do DL 269/98 de 01 de setembro) consente uma interpretação redutora no sentido de que basta o envio de uma carta por via postal simples para a morada resultante da base de dados, para garantir que a executada tem conhecimento da mesma e tem oportunidade de se defender. 24-Nem tão pouco foram cumpridas as formalidades de citação exigidas para as pessoas coletivas previstas no C.P.C., ficando, pois, prejudicada a defesa da executada, por ter sido violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3º do C.P.C. e a violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, princípios constitucionalmente consagrados no artigo 20º da Constituição. 25-A interpretação do tribunal a quo, de que bastaria a carta simples enviada e depositada para a notificação da executada, não é conforme à Constituição. 26- O procedimento de injunção permitiu a desjudicialização dos processos judiciais, e a obtenção de um título executivo atípico, onde basicamente a falta de oposição por parte do requerido, faz automaticamente presumir o reconhecimento de uma dívida por parte daquele e consequentemente a aposição da fórmula executória pelo secretário judicial. 27- Permitindo diversos riscos para a notificanda, no caso a executada, porquanto não é observado o princípio do contraditório previsto no artigo 3º do C.P.C., o qual se for violador, envolve uma violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º da Constituição. 28- Se aceitássemos este regime simplista, teríamos de admitir que para o disposto no n.º 3º e 4º do artigo 12º do referido DL 269/98, estávamos numa situação semelhante à do domicílio convencionado, ou seja, o legislador presumiria que a carta simples enviada para a morada obtida na base de dados permitiria à requerida da injunção saber o conteúdo, e exercer o direito ao contraditório. 29- Não pode, pois, a executada concordar com o tribunal a quo, porquanto a certificação por parte do distribuidor postal do depósito no seu recetáculo postal de carta postal simples, não é garantia de que a mesma foi depositada naquela morada. 30- Ao que se acaba de referir acresce que a jurisprudência mais avisada tem entendido, e bem, que a presunção de notificação da injunção feita por correio registado simples com prova de depósito, tal como definido nos n.ºs 3º e 4º do artigo 12º do DL 269/98 não oferece e garante os direitos de defesa. 31- Inconstitucionalidade declarada com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019, de 14 de março, Diário da República n.º 52/2019, Série I de 2019-03-14, páginas 1593 – 1601, disponível para consulta em www.dre.pt, que decidiu o seguinte: “Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos n.os 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a EUR 15 000 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição.” 32- Destarte, e com as devidas adaptações, aplica-se ipis verbis ao n.º 4º do artigo 12º do referido DL 269/98 porquanto, e pese embora, a morada obtida na base de dados ser a mesma do primeiro expediente, a certificação pelo distribuidor postal do depósito da carta postal simples, não garante o direito de defesa da executada, permitindo-lhe o cabal exercício do contraditório, violando desta forma grosseira o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 33- Trata-se verdadeiramente de uma falta de citação da executada no âmbito do procedimento de injunção. 34-Tal falta de citação, nos termos do n.º 1, do artigo 188.º, al. a), do artigo 187.º, configura-se como uma nulidade processual que implica a anulação de tudo o que se tiver processado após a apresentação do requerimento de injunção. 35- Nulidade que foi alegada aquando da apresentação da petição de embargos, não obstante ser de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196.º, do Código de Processo Civil. 36- Destarte, sendo nula a notificação do requerimento de injunção e, consequentemente, acarretando tal nulidade a anulação do processado posterior à apresentação do requerimento de injunção, isso implica que se considere inválido o título que serve de base à execução, pois o requerimento de injunção não estava em condições de lhe ser aposta a fórmula executória, como foi. 37- Pelo que se conclui assim, pela nulidade da citação nos termos e para os efeitos do n.º 1º do artigo 191º do C.P.C., e por consequência a execução que deu origem à petição de embargos, carece de título executivo por nulidade da aposição da fórmula executória. Termos em que, e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, devem as presentes alegações de recurso ser aceites e, em consequência, ser a sentença ora recorrida declarada nula, em face do vindo de referir, procedendo-se à sua substituição por decisão que atenda aos legítimos interesses da Recorrente, apenas assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.”
A recorrida respondeu, pugnando pela manutenção da sentença.
II- Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º, nº 2, do mesmo diploma.
É questão a conhecer, face às conclusões apresentadas, se se deve considerar que a executada foi devidamente notificada em sede de procedimento injuntivo.
III- Fundamentação de Facto
Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença:
-- Factos provados
1. Pelo requerimento de Injunção datado de 2023/02/27 e identificado com o n.º19610/23...., a Exequente requereu junto do Balcão Nacional de Injunções a notificação do Executado para proceder ao pagamento da quantia de € 17.043,15.
2. O Requerido não apresentou oposição à Injunção nem efetuou o pagamento no prazo concedido para o efeito, pelo que foi pelo Balcão Nacional de Injunções tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento em 2023/06/15.
3. Por carta datada de 01/03/2023 e expedida a 03/03/2023 foi remetida para a executada a notificação do requerimento de injunção [ser realizada] através de carta registada e com aviso de receção para a sede da executada, à qual foi atribuído o registo de correio ...54....
4. Tendo-se frustrado a notificação por via postal registada e em face da devolução do respetivo expediente ao BNI, a secretaria efetuou as diligências necessárias para, oficiosamente, obter nova morada com vista à notificação da requerida, procedendo à pesquisa de moradas, designadamente junto da base de dados da Segurança Social e junto do Tmenu.
5. De todas tendo resultado uma morada/sede da aqui embargante igual à que constava do aviso de receção para onde foi remetido o primeiro expediente de notificação.
6. Foi remetido novo expediente de citação, por depósito simples, dirigida à executada para a Quinta ..., Lote ..., ..., ..., ..., constando do respetivo expediente a certificação pelo carteiro de que a correspondência foi depositada na morada da executada.
7. A executada ora embargante tem a mesma morada nos serviços de identificação civil, finanças e segurança social, sendo certo que a executada, semanalmente, verifica o recetáculo postal daquela mesma morada.
8. Na morada da sua sede, situada na Quinta ..., Lote ..., ..., ..., ..., a executada não tem qualquer funcionário em funções.
IV - Aplicação do Direito
Importa verificar da validade do título executivo, o que passa por analisar se a notificação efetuada no processo injuntivo padeceu de nulidade que impedia a aposição da força executória ao requerimento que lhe deu origem.
- Do título executivo
Com efeito, é sabido que a apresentação do título executivo é um requisito formal essencial para a instauração da ação executiva que deve acompanhar o requerimento executivo, como impõe o artigo 724.º, n.º 1, n.º 4, alínea a) do Código de Processo Civil.
Na presente situação, o título dado à execução é um título parajudicial ou judicial impróprio, constituído pelo requerimento injuntivo, apresentado no Balcão Nacional das Injunções, ao qual, por ausência de oposição, foi atribuída força executiva.
A alteração ao regime anexo ao DL 269/98 e ao artigo 857º do Código de Processo Civil operada pela Lei n. º117/2019, que entrou em vigor a 01.01.2020, teve em vista superar a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional no processo n.º ...5, de 12/05 (publicado no DR 1ª série, de 08.06.15).
Estas alterações já estavam vigentes ao tempo da apresentação do requerimento de injunção oferecido à execução no Balcão Nacional de Injunções.
- dos fundamentos da oposição quando o título executivo é o requerimento injuntivo a que foi atribuída força executória
O artigo 857º nº 1 do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, determina que se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
Entre estes fundamentos, por remissão do artigo 729º para o artigo 696º (alínea e)), ambos do Código de Processo Civil, encontram-se os casos em que o processo (injuntivo ou declarativo) correu à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu e se verifica alguma destas situações:
· Faltou a citação ou é nula a citação feita;
· O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
· O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior.
Nos termos do artigo 191.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, a citação é nula quando não hajam sido foi realizada s observância observadas das formalidades prescritas na lei.
Acresce que o nº 3 estipula que, independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
Assim, caso se apure a invocada invalidade da notificação no processo injuntivo, a presente oposição terá sucesso.
Vejamos se a notificação efetuada violou as normas que a deviam reger (interpretadas em conformidade com o que determina a Constituição da República Portuguesa).
-dos requisitos da notificação no requerimento injuntivo
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. art.º 219º, n.º 1, do C.P.C.).
No âmbito do procedimento especial de injunção o ato de notificação segue as regras de citação, porquanto é o único meio de chamar o requerido ao processo de injunção, como decorre do nº 2 do artigo 12.º, n.º 1, do anexo ao Dec. Lei nº 269/98, de 01-09: “À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.”
O requerimento de injunção deve ser notificado ao requerido primordialmente por carta registada com aviso de receção, aplicando-se as disposições subsidiárias dos artigos 231.º e 232.º, 236.º, nº 2 a 5, e 237.º do Código de Processo Civil – determina-o o artigo 12.º, nº 1 do anexo ao Dec. Lei nº 269/98, de 01-09 ( sendo que o artigo 229º do Código de Processo Civil também estabelece que mesmo para o caso em que o domicilio foi convencionado, esta é a primeira forma a obedecer, não obstante o teor do artigo 12.º-A do anexo ao Dec. Lei nº 269/98, de 01-09, que inculca o oposto).
Visto que o embargante é pessoa coletiva e como é sabido existem regras especificas no Código de Processo Civil para este tipo de pessoas, é sobre a citação de pessoas coletivas que basearemos essencialmente a nossa análise.
Determina artigo 12º nº 1 do anexo ao Dec. Lei nº 269/98 que no prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre a sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação (artigo 12º nº 3 do anexo ao Dec. Lei nº 269/98)
Caso a sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de receção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local. Neste caso, por remissão para o artigo seguinte, procede-se da seguinte forma: o funcionário judicial junta ao processo duplicado da notificação enviada; o distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exato em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria (prova de depósito). (artigo 12º nº 4 do anexo ao Dec. Lei nº 269/98).
Vejamos ainda como é que o Código de Processo Civil desenha a citação das pessoas coletivas.
A citação de pessoas coletivas está prevista no artigo 246.º do Código de Processo Civil, sendo efetuada por meio postal, por carta registada com aviso de receção, endereçada para a sua sede, constante no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Entende-se que recai sobre as pessoas coletivas um especial ónus de manter atualizado esse registo de modo a que haja uma efetiva correspondência entre a realidade e o facto ali inscrito. (cfr, neste sentido, entre outros, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/17/2015 no processo 2070/13.2TVLSB-B.L1-7, de 28/09/2022 no processo 178/14.6TTVFX-C.L1-4, de 18/04/2024, no processo nº 2624/23.9T8ALM-A.L1-2 e de 09/05/2024, no processo 6896/21.5T8LSB-A.L1-6).
E por isso, se esta se frustrar, a mesma é efetuada também por via postal, nos termos do nº 4, desta feita por depósito na caixa do correio daa executada, desde que haja marco do correio disponível para esse depósito, cabendo ao carteiro emitir uma declaração, onde conste o dia e hora do depósito.
E assim, nos termos do artigo 230.º, nº 2, do Código de Processo Civil a citação por carta com prova de depósito considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
Assim, no que toca às pessoas coletivas, as soluções previstas no artigo 12º nº 1 do anexo ao Dec. Lei nº 269/98 e no 246º do Código de Processo Civil coincidem no essencial: com a prevista no artigo 246º do Código de Processo Civil para as pessoas coletivas, a qual determina que a citação se faz em regra por carta regista com aviso de receção endereçada para a sede da citanda (inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas); que quando o expediente é devolvido (por motivo diferente da sua recusa pelo citando ou seu funcionário) é deixada a própria carta, de modelo oficial, contendo os elementos e advertências necessários, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal (como resulta da remissão do seu nº 4 para o nº 5 do artigo 229º do mesmo código).
É certo que o artigo 12º do anexo ao Dec. Lei nº 269/98 prevê ainda solução que não tem sido aceite para as pessoas singulares pelo Tribunal Constitucional, vista a situação de insegurança em que as coloca: aqueles casos em que a residência ou local de trabalho para o qual se endereçou a notificação, não coincide com o local obtido nas bases de dados, mas no presente caso tratamos de uma pessoa coletiva.
A embargante apresenta a seu favor a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral lavrada no Acórdão n.º 99/2019, datado de 12.02.201 do Tribunal Constitucional.
Ora, o que o Acórdão nº 99/2019 do Tribunal Constitucional julgou inconstitucional com força obrigatória geral, foi a norma constante dos n°s 3 e 5 do artigo 12.° do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.° 269/98, de 1 de setembro, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.°1 do mesmo artigo 12.°), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.° 3 do artigo 12.º em conformidade com o previsto no n.° 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do mesmo ainda que aí não resida.
É patente que no presente caso não ocorreu a situação que despoleta a inconstitucionalidade da interpretação apontada naquele acórdão: não ocorreu o envio de cartas para uma pluralidade de moradas apuradas na base de dados, onde o requerido, pessoa singular, não reside; é pacífico que a Requerida, pessoa coletiva, tem a sede para onde foi enviada a carta registada com aviso de receção, que não foi levantada e onde foi depositada a carta, conforme a respetiva prova de depósito, sendo que esta ainda ali tem sede e labora.
Neste acórdão o juízo de inconstitucionalidade funda-se na ideia de que «…afigura-se desproporcionado, em face das respetivas consequências referidas supra, considerar definitivamente como atual, isto é, sem qualquer possibilidade de infirmação, a morada que consta das bases de dados indicadas nos autos em questão e presumir que a citação por via postal simples é suficiente para assegurar a cognoscibilidade da pretensão do demandante e para assegurar o direito de defesa, mesmo nos casos em que foi alegado e demonstrado que, à data do depósito da carta no recetáculo postal, o demandado já não residia no local. Não procede contra este entendimento o argumento segundo o qual impende sobre os sujeitos o ónus de manter atualizadas as informações constantes dessas bases de dados. De facto, não está em causa um litígio que oponha o sujeito e uma das instituições que detêm as bases de dados (o que poderia merecer uma ponderação diversa), mas sim um litígio entre particulares surgindo um contexto (responsabilidade civil extracontratual) no qual não faz sequer sentido invocar um domicílio eletivo ou convencional.»
A restrição da inconstitucionalidade da interpretação a essas situações é confirmada pelos acórdãos nºs 108/2019 e 773/2019 do Tribunal Constitucional, que julgou que não era desconforme com a Constituição considerar nestas situações o Requerido validamente citado: ocorreu a “ frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a €15.000,00 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma” a qual foi seguida do “envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12.º” por se “presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º”
Como se escreve neste aresto citado em último lugar: “Do cotejo do teor de outros arestos em que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a matéria aqui em causa (designadamente, os Acórdãos nºs. 287/03, 91/04, 243/05, 104/06, 582/06, 632/06, 182/06 e 376/10) resultam, a propósito do artigo 238.º do Código de Processo Civil - que, no essencial, introduziu no sistema processual civil, a título subsidiário, a regra da citação por via postal simples - dois dados importantes: a modalidade da citação por via postal simples não é, por si só, necessariamente e seja qual for o caso a que se aplique, incompatível com a Constituição; sê-lo-á, contudo, por violação do princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º, quando não oferecer, desde logo, as garantias mínimas de segurança e fiabilidade e tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento da citação…. Na verdade, a citação ou notificação por via postal simples não garantem com absoluta certeza que o réu ou requerido efetivamente tomou conhecimento do ato de citação ou notificação transmitido desse modo; apenas permitindo concluir, verificado o primeiro daqueles pressupostos, que o réu ou requerido provavelmente a recebeu ou que, atuando com a diligência de um bom pai de família, a podia ter recebido …A constatação em todos os registos públicos legalmente identificados da existência de uma única e mesma morada – hipótese prevista no n.º 4 do artigo 12.º - confere a este dado informativo, do ponto de vista da correspondência com a realidade, um valor qualitativamente distinto daquele que se extrai dos resultados díspares ou heterógenos que tenham por fonte os mesmos registos públicos – previstos no n.º 5 do mesmo preceito legal. Nessa primeira hipótese normativa, há a forte probabilidade de o notificando ter aí o seu centro de vida, pressuposto de facto que, sendo relevantíssimo na perspetiva das garantias de defesa do requerido, não pode ser dado por verificado em relação a nenhuma das diferentes moradas que, na segunda hipótese, as bases de dados públicas apresentam…”
concretização
No presente caso, foi expedida a 03/03/2023, no âmbito do processo injuntivo, carta com aviso de receção, para a sede da executada para a sua citação, mas o expediente veio devolvido.
A secretaria oficiosamente procedeu à pesquisa de moradas, designadamente junto da base de dados da Segurança Social e junto do Tmenu e de todas resultou a morada que constava do aviso de receção para onde foi remetido o primeiro expediente de notificação, que é efetivamente o local da sua sede.
Foi remetido novo expediente de citação, por depósito simples, dirigida à executada para tal endereço, constando do respetivo expediente a certificação pelo carteiro de que a correspondência foi depositada na morada da executada.
Mais se demonstrou que a executada ora embargante tem a mesma morada nos serviços de identificação civil, finanças e segurança social, sendo certo que a executada, semanalmente, verifica o recetáculo postal daquela mesma morada, embora ali não tenha qualquer funcionário em funções.
Assim, opera a presunção a que alude o artigo 230º nº 1 do Código de Processo Civil, a qual não foi ilidida.
E certo que a executada afirma, de passagem, que não foram devidamente valoradas pelo tribunal a quo as declarações de parte prestadas pelo legal representante da executada, mas não impugna, de nenhuma forma, a matéria de facto provada e não provada vertida na sentença, pelo que a mesma se mostra incólume e não há sequer que discutir a valoração da prova efetuada na sentença.
Afirma que nada garantindo que o distribuidor postal tivesse depositado a referida carta no recetáculo postal da executada, mas existe uma declaração escrita do mesmo nesse sentido – a prova de depósito- e nenhum facto o põe em causa.
A certificação pelo distribuidor postal faz presumir a notificação, não se tendo demonstrado qualquer facto que permita que se conclua que de ambas as vezes que foi enviada a carta para a sua citação, não obstante a declaração de depósito, a mesma não teve lugar.
Por outro lado, porque a morada indicada pela exequente em sede de requerimento de injunção corresponde à morada onde tem a sua sede efetiva e atual e coincide com a única morada encontrada na base de dados como pertencendo à sociedade executada, não tem aqui aplicação, de forma alguma, a declaração de inconstitucionalidade fixada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 99/2019, nem se aplica a doutrina do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/12/2013, no processo n.º 3989/10...., que a Apelante citou.
Há, sim, face a todo o exposto que considerar a embargante validamente notificada para o procedimento de injunção e, consequentemente, julgar válido o título dado à execução.
V- Decisão
Por todo o exposto, julga-se totalmente improcedente a apelação e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente, que ficou vencida (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil)
Guimarães, 19 de setembro de 2024
Sandra Melo Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes Anizabel Sousa Pereira