CONTRATO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL
OBRAS DE CONSERVAÇÃO
Sumário

I - O artigo 26º, nº1, do NRAU estabelece que os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU.
II - O actual artigo 1074º, nº1, do Código Civil, estabelece que cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
III - Tal significa que de acordo com o NRAU a realização de obras de conservação (ordinária ou extraordinária), impostas por lei ou que resultem do fim do contrato, cabe ao senhorio, isto sem prejuízo da possibilidade de, por acordo entre o senhorio e o arrendatário, tal realização ser deste último.

Texto Integral

Apelação nº1809/22.0T8MAI.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível da Maia
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA, residente na Rua ..., ... ..., Maia, instaurou acção de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., ..., ... ... onde pede que:
- A Ré seja condenada a realizar as obras de reparação e restauro no interior da habitação para estancar a entrada de água e a reparar o telhado da habitação;
- A Ré seja condenada a reparar a garagem no seu interior e exterior, retirar a tela antiga e proceder à colocação de nova tela impermeabilizante para estancar a entrada da água pela placa de tecto exterior e reparar e pintar o exterior e interior da garagem;
- A Ré seja condenada a substituir o portão da garagem colocando o portão em funcionamento;
- A Ré seja condenada a reparar a lavandaria no seu interior e exterior, retirar a tela antiga e proceder à colocação de nova tela impermeabilizante para estancar a entrada da água pela placa exterior, reparar os buracos do tecto e fissuras das paredes e pintar o tecto e as paredes exteriores e interiores;
- Seja fixado prazo na sentença para o início da realização das obras, o qual não deverá ser superior a 30 dias após decisão judicial, bem como fixar-se o prazo necessário para a realização das obras;
- A Ré seja condenada a pagar a arca frigorífica da A. que se danificou em consequência da entrada da água pelo tecto da lavandaria, cujo valor médio rondará
- A Ré seja condenada a pagar à Autora, a título de sanção pecuniária a quantia de 50 € diários pelo incumprimento da data fixada para o início da realização das obras bem como pelo incumprimento do período fixado como necessário para a sua duração;
- A Ré seja condenada a pagar à A. a título de danos morais pelos incómodos com esta situação na quantia de 1.000,00 € (mil euros),
Alega a Autora, em síntese, que:
- É arrendatária do prédio tipo T3, composto por cozinha, quarto de banho, uma dependência destinada a arrumos, terreno e quintal, de que a Ré é proprietária, desde 01 de Setembro de 1998;
- Desde o início do arrendamento a Ré nunca realizou qualquer obra no imóvel, e todas as reparações ou obras necessárias para a conservação e reparação do prédio de foram realizadas pela A. e pelo falecido marido, que também era arrendatário;
- Realizou várias reparações e também benfeitorias uteis e necessárias no imóvel que sempre foram autorizadas pelos pais da Ré, que desde o início do arrendamento lidaram com a Autora e o marido em tudo quanto respeitasse ao arrendamento, pois sempre se comportaram como procuradores informais da filha relativamente ao arrendamento;
- A placa de tecto da garagem e da lavandaria está velha, rachada, apresenta fissuras e a tela que fazia a impermeabilização está no mesmo estado pelo que não veda a água, deixando entrar a água da chuva;
- O tecto interior da lavandaria está todo descascado e sem tinta e vai caindo no chão e o mesmo acontece com a tinta das paredes da lavandaria. A falta de impermeabilização da pintura do tecto interior da garagem impede a Autora de a usar;
- A água da chuva e a humidade já estragaram vários bens à Autora, nomeadamente a arca frigorifica que agora usa para aparar a água e o portão da garagem também não funciona por estar muito velho e apodrecido;
- No interior da habitação, o imóvel apresenta fortes manchas de humidade no quarto sito na parte de trás da casa, onde esta confina com o vizinho, sendo que a humidade estraga as roupas e sente-se no ar um forte cheiro a humidade;
- O telhado da habitação precisa de ser reparado naquele local pois deixa entrar a água;
- A Ré, apesar de interpelada e de lhe ter sido dado um prazo para fazer reparações nada fez, incumprindo assim as suas obrigações contratuais;
- A Autora vive sozinha e sente-se desgostosa e triste por ter a habitação naquele estado, passando por grandes transtornos no inverno por causa desta situação.
A Ré contestou alegando que:
- O imóvel foi restaurado dois anos antes da celebração do contrato de arrendamento, em finais do ano de 1995, tendo a Autora recebido o imóvel nesse estado;
- Em 2016, o telhado foi verificado por um construtor civil, tendo sido limpo e reparado;
- A Autora é que fixou ferros e uma antena parabólica directamente na placa superior dos anexos e danificou a tela, sem a autorização e consentimento da Ré, eliminou o quintal da casa arrendada, cortou as árvores que existiam no quintal e cravou estruturas metálicas no exterior da casa, garagem e anexos;
- A Autora ao proceder como descrito não evitou a perfuração direta do solo e da tela e com a colocação das coberturas e uma marquise a tapar a janela e a porta traseiras fez com que ficassem sem ventilação e, em consequência, impediram o arejamento e respiro das divisões da casa;
- A Ré não autorizou nem verbal, nem por escrito, quaisquer alterações no imóvel e não é verdade que os pais da Ré se tenham apresentado como senhorios, nem como representantes da Ré;
- O telhado está em perfeito estado, pois, Ré e a proprietária da casa vizinha, já enviaram um técnico ao local que assegurou que o telhado está em bom estado de conservação;
- A parede do quarto da casa vizinha está rachada e tal deve-se às intervenções realizadas pela Autora com a colocação das estruturas de plástico e caleiras;
- Em Setembro de 2021 a filha da Autora subiu no telhado e levantou telhas e colocou uma grande quantidade de plástico e uma toalha no meio das telhas precisamente no local onde as duas casas confinam e onde a Autora se queixa da entrada de humidade.

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Os autos prosseguiram com a prolação de despacho que saneou o processo e transitou sem qualquer reparo das partes.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgou a acção totalmente improcedente por não provada e se absolveu a Ré de todos os pedidos formulados pela Autora.
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A Autora veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Ré contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
I- Vem o presente Recurso interposto da Sentença que, julgou improcedentes os pedidos formulados pela Autora, decisão esta com a qual não se pode conformar pois é convicção da autora que a Sentença padece de erro de julgamento, sendo a decisão totalmente contrária à matéria de facto dada como provada, padecendo ainda de má aplicação do Direito e violação das normas jurídicas às quais se subsume a situação em apreciação nos autos;
II- Consistia o pedido da autora na condenação da Ré:
- na realização e obras de reparação e restauro no interior da habitação para estancar a entrada de agua e a reparar o telhado da habitação;
- a reparar a garagem no seu interior e exterior, retirar a tela antiga e proceder à colocação de nova tela impermeabilizante para estancar a entrada de agua pela placa de tecto exterior e reparar e pintar o exterior e interior da garagem;
- a substituir o portão da garagem colocando o portão em funcionamento;
- e reparar a lavandaria no seu interior e exterior, retirar a tela antiga e proceder à colocação de nova tela impermeabilizante para estancar a entrada de água pela placa exterior, reparar os buracos do tecto e fissuras das paredes e pintar o tecto e as paredes exteriores e interiores;
- a pagar-lhe a arca frigorifica que se danificou em consequência da entrada de entrada de água pela lavandaria cujo valor ascenderia a 350,00 €;
- peticionando ainda a fixação de prazo para início e fim das obras, bem como a fixação de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 50,00 € por cada dia incumprido;
- a condenação da Ré a pagar-lhe a titulo de danos morais pelos incómodos a quantia de 1.000,00 €.
III - Todos os danos reclamados pela Autora resultam provados nos pontos 6, 8 a 22 e 27 dos factos provados conforme supra foi transcrito no corpo das alegações;
IV - Esta prova resulta inequivocamente quer do depoimento da A. e da confissão da Ré, quer do Relatório Pericial junto aos autos, inexistindo duvida quanto à necessidade de reparação dos danos, os quais, face à sua extensão e gravidade impossibilitam o fim do contrato, ou seja, o arrendamento, pese embora desde sempre a A. pague a renda nos termos acordados (4.º dos factos provados);
V- Resulta da matéria provada que a Ré, desde a 01 de Setembro de 1998 nunca realizou qualquer obra no imóvel aliás, como a própria confessou e está assente na decisão;
VI- Prende-se ora a apreciação do presente recurso em apurar sobre quem impende a obrigação e responsabilidade de fazer as obras peticionadas pela Autora, sendo certo que não obstante toda a factualidade provada, o Tribunal a quo entende que as obras a realizar no imóvel são da responsabilidade da Autora e não da Ré!
VII- Para tal, alicerçou a sua decisão no facto de no artigo 8.º do contrato resultar que aos segundos outorgantes não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização dos primeiros outorgantes por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpeza necessárias, que, desde já se estipula sem da obrigação do inquilino;
VIII- Acontece que o contrato em causa não é mais do que um formulário pré comprado e pré elaborado do qual não resulta qualquer acordo quanto ao teor das suas cláusulas e nem negociação quanto as cláusulas pré escritas, designadamente quanto à responsabilidade pela realização das obras, como claramente resulta desta tipologia de contrato;
IX- Defende também o Tribunal a quo na decisão ora em crise que, atendendo à data do contrato e pese embora submetido à disciplina do NRAU não existirá no art.º 26.º e ss daquele NRAU qualquer disposição que altere a disciplina do RAU quanto a obras no locado, pese embora admita que o disposto no actual art.º 1074.º, n.º1 do Código Civil determine que cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrario.
X- E, socorrendo-se desta expressão - salvo estipulação em contrario entende peregrinamente o Tribunal a quo que, de acordo com aquela clausula 8.º do contrato a obrigação de realização de obras no locado caberá à A. arrendatária!
XI - Não só as partes não acordaram absolutamente nada porque se trata de um contrato prefeito e precomprado, como a própria disciplina do RAU e do NRAU colocam as obras de reparação dos imoveis locados a cargo da senhoria, aqui Ré.
XII - O art.º 12.º, n.º 1 do RAU já estipulava que: “As obras de conservação são a cargo do senhorio.”.
XIII - O Ilustre Conselheiro Dr. Aragão Seia, defende em comentário ao art.º 12 do RAU, na obra Arrendamento Urbano, Almedina, 7.ª Edição, pág. 213 que: “entendemos que nos arrendamentos para habitação nunca é possível acordar que as obras de conservação sejam suportadas pelo arrendatário”.
E continua enunciando que:
“Neste domínio dos arrendamentos para habitação continua integralmente em vigor o art.º 1030º do CC que estabelece que os encargos da coisa, sem embargo de estipulação em contrário, recarem sobre o locador.”
XIV- Ora, a sentença não só padece de erro de julgamento como de má interpretação das normas jurídicas e ainda de má aplicação do direito, ocorrendo grosseira violação do disposto nos artigos 11.º, 12.º, 13.º do RAU, 26.º do NRAU, do art.º 1030.º, 1031.º e 1074.ºdo Código Civil.
XV- Ora, mal andou o Tribunal ao considerar as obras em causa são as obras da responsabilidade da Autora. A tal não se obrigou a Autora ao assinar um contrato pré feito e pré elaborado; e mesmo que assim não fosse nunca o tipo de obras em causa seriam da responsabilidade da Autora pois, entre outros, a este não incumbe mudar ou reparar telhados ou remover e colocar no tela impermeabilizante no prédio da Ré;
XVI- Desde logo, porque como dispõe o artigo 1031.º do CC, alínea b) : é obrigação do locador assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina;
XVII- Assim, a senhoria Ré tem obrigação de assegurar à Arrendatária Recorrente o gozo do arrendado, incumbindo-lhe a especifica obrigação de efectuar reparações ou outras despesas essenciais ao referido gozo do prédio pela arrendatária que paga a renda que se obrigou;
XVIII - Neste sentido inúmeros Acórdãos se pronunciaram, tais como Ac do STJ de 12/02/1992, BJ 414, 455:
I. Nos termos do artigo 1031º da alínea b) do CC, o locador é obrigado, para assegurar ao locatário o gozo da coisa locada a efectuar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis, quer se trata de pequenas ou grandes reparações e quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro.
II. Se as não fizer, após o aviso do locatário, falta culposamente ao cumprimento da obrigação e é responsável pelo prejuízo que causar ao credor (art.º 798º - do CC), nos termos do artigo 562º e ss do mesmo código.
Ainda o Ac. da Relação do Porto de 11/12/2000, col. Jurid. XXV, 5, 212:
I. É sobre o Senhorio que impende a obrigação de realizar obras de conservação ordinária.
(…)
V. Se o estado de degradação em que o arrendado se encontrava no fim do contrato se deveu a envelhecimento natural e a ausência de quaisquer obras e o arrendatário avisou o senhorio da necessidade destas, o arrendatário não pode ser responsabilizado por esse estado.
XIX- Ora, resulta provado que a Arrendatária solicitou mediante carta registada com AR que a Ré efectuasse obras no prédio, cfr consta do facto provado sob o n.º 22;
XX- Como está provado a Ré não faz obras no locado desde 1998, data do início do contrato, ou seja, há 25 anos;
XXI- Não incumbe à arrendatária mudar toda a tela da cobertura que impermeabiliza os vários metros de anexos no exterior e no fundo do imóvel, nem a garagem contígua no exterior do imóvel, nem mudar ou reparar telhados, paredes e tectos sem tinta, esburacados pelo decurso da queda de agua, ou substituir calhas e portões de garagem apodrecidos!;
XXII- O Tribunal a quo não cuidou de verificar no caso concreto o tipo de obras que estavam em causa, pois as peticionadas obras de limpeza ou de conservação
XXIII - Não cuidou sequer de verificar qual o regime normativo em vigor nem a tendência da jurisprudência à data da celebração do contrato ou o cumprimento das actuais normas que regulam o tema em causa, designadamente o disposto no art.º 1074 do Código Civil que é claro dispondo que é ao Senhorio a quem incumbe a realização de obras de conservação, aliás de todas as obras.
XXIV - As obras de conservação ordinária, destinam-se em geral, a manter o prédio em bom estado de preservação e nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração;
XXV - Conforme determina o artigo 11º, nº 2, alínea c) do RAU, as obras de conservação ordinária são “em geral as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração”.
XXVI - Como se decidiu no Ac. da RP de 19/10/1993, col. Jurid. XVIII, 4, 23:
II. A reparação de janelas e portas com vidros partidos, bem como a realização de outras obras que evitem a degradação das condições de habitabilidade ou utilização do arrendado constituem obras de conservação ordinária a cargo do senhorio.
XXVII- Também conforme decidido no Ac. da R. de Lisboa de 13/01/1994, Col. Jurip. XIX, 1, 91:
“A reparação do telhado e do mais que se mostre necessário para impedir a infiltração no locado das águas das chuvas são obras de conservação ordinária art.º 11º, nº 2, alínea c) do RAU da responsabilidade do senhorio, em ordem a assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que destina alínea b) do art.º 1031º do CC com elas assegurando o nível de habitabilidade que o andar tinha à data da celebração do contrato de arrendamento”;
XXVIII- Aliás, veja-se até que pela posição da senhoria na sua contestação onde é facilmente perceptível que esta não autoriza a realização de quaisquer obras por parte da arrendatária;
XXIX- Todas as obras de conservação que a inquilina efectuou no interior do imóvel para a sua conservação foram alvo do envio de uma notificação judicial avulsa, conforme consta dos factos provados no ponto 23, no âmbito da qual a Ré Senhoria lhe enviou o documento junto como nº 7 da Contestação (ponto 38 dos factos provados) comunicando-lhe que as obras foram realizadas sem a sua autorização e que havia incumprimento do contrato correndo aliás no Juiz 4 do Juízo Local Cível da Maia uma acção de despejo, na qual a aqui A. é Ré e a aqui Ré é Autora, no âmbito da qual a senhoria pretende obter o despejo da aqui A. alegando que esta realizou obras não autorizadas!;
XXX- Factos estes que são do conhecimento do Tribunal, quer pelos documentos e requerimentos juntos aos autos, designadamente o requerimento da Ré a ex oficio, pois a consulta dos autos foi oficiosamente requerida pelo outro juízo e processo.
XXXI- Aliás, a própria Ré no documento n.º 7 da Contestação, que corresponde a uma carta que escreveu a Autora, diz:
“Acuso a recepção da V/ carta de 2021/05/19, em relação à qual cumpre-me dizer o seguinte: 1. Como é do seu conhecimento (cfr clausula 8.º do contrato) e resulta da lei (cfr art.º 1074.º, n.º2 do código civil), está-lhe vedada a realização de quaisquer obras no prédio arrendado salvo se tiver autorização escrita da senhoria.”
XXXII- O Tribunal a quo vai até contra aquilo que a própria Ré defende em sede de Contestação, pois dali resulta claro que é convicção da Ré que esta sabe que é da sua responsabilidade aa realização e os custos das obras pedidas pela A.;
XXIII- A própria Ré diz que a A. não pode fazer obras no locado (sendo que a Ré pretendia obter na contestação a reposição do locado no seu estado original) - mas o Tribunal considera que é a A. que terá que suportar os custos e fazer as obras;
XXXIV- Ora, é à Ré a quem incumbe actuar por forma a que o gozo do arrendatário não seja significativamente diminuído AC. do STJ de 26.10.1999, Processo 789/98 de 11.03.1999 ( Processo 991740) com o Relator Pinto Monteiro;
XXXV - Sendo certo que, em momento algum da sua Contestação a Ré não pede para não ser condenada no pedido, porque bem sabe que as obras peticionadas pela A. são da sua responsabilidade até porque, a contrario alega abundantemente na sua contestação que a A. não pode fazer obras em a sua autorização;
XXXVI - Por outro lado, o Tribunal deu maior relevância a um contrato pré-feito, pré-elaborado comprado numa qualquer papelaria e cujos termos não foram negociados pelas partes de que à própria posição das partes no processo;
XXXVII- Pelo contrário não resultou provado nos autos que a A. ou a Ré tivessem negociado o alcance da cláusula 8.º do contrato de arrendamento que é uma minuta pré elaborada e pré feita, e cujos termos, além dos ali apostos e preenchidos pelas partes, não foram negociados, pelo que não pode o Tribunal decidir, como decidiu, dando por provado que é a A. que incumbe a realização (daquele tipo) de obras de conservação;
XXXVIII- Nunca a reparação de um telhado, a colocação de uma tela impermeabilidade em toda a extensão de uns anexos e garagem ou a substituição de portões e calhas, bem como pintar paredes, tectos e reparar buracos são obras a cargo da inquilina pois dispõe o art.º 1074º, nº 1 do Código Civil vigente à data de entrada da acção resulta que à Senhoria incumbe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias;
XXXIX - É da mais elementar justiça que seja a Senhoria Ré a realizar tais obras destinadas a reparar e a proporcionar o gozo do locado à arrendatária autora;
XXXX- Face à sua obrigação e responsabilidade na realização das obras e pese embora tenha sido variadas vezes notificada para esse efeito, a Ré não realizou qualquer obra de reparação e por via disso, a A. viu estragar-se pela entrada da água das chuvas uma arca frigorífica sofreu danos e prejuízos, resultantes do incómodo de não poder usar a garagem nem a lavandaria para os fins a que esta destinam;
XXXXI- Como resulta dos factos provados a A. é viúva, vive sozinha e sente-se desgostosa e triste por ter a habitação naquele estado, passando por grandes transtornos no Inverno por causa desta situação e por não poder guardar o seu veículo automóvel na garagem ponto 27º dos factos provados e os danos não patrimoniais da A. sofridos com esta situação merecem a tutela do direito e o montante peticionado não é desajustado aos danos causados pela mora da Ré na reparação;
XXXXII- Ora, por via disto também a Ré deveria ter sido condenada a pagar à Autora o valor de 1.000,0 € a título de danos morais, o que o Tribunal não decidiu antes absolvendo a Ré do pedido.
XXXXIII- Ao fazê-lo a douta sentença violou também o disposto nos artigos 798º, 799º, e 483º, todos do Código Civil.
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Quanto à Ré esta conclui as suas contra alegações do seguinte modo:
1. É certo que resulta dos factos provados a necessidade de obras no locado. Porém, importa aferir qual será a parte contratualmente responsável pela realização dessas obras.
2. Na parte relativa a obras no locado, o contrato de arrendamento em análise nos autos previa o seguinte na sua cláusula 8.ª: “a) Ao segundo outorgante não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização dos primeiros outorgantes, por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpeza necessárias que, desde já, se estipula serem da obrigação do inquilino.
b) Todas as obras de conservação e limpeza necessárias, bem como as autorizadas nos termos da alínea anterior, ficam a pertencer ao prédio em que se integram, sem que o inquilino possa alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização.”
3. Efectivamente, quer à data da celebração do contrato de arrendamento em causa, quer na presente data é válida a inclusão, no contrato de arrendamento, de cláusula a determinar que são da responsabilidade do arrendatário a execução das obras de conservação do locado!
4. Sendo que resulta do contrato de arrendamento celebrado pela aqui Recorrida e pelo marido da Autora, que todas as obras de conservação e limpeza necessárias, era e são da responsabilidade do inquilino.
5. O contrato de arrendamento em causa, e que foi junto pela Autora aos autos, estipula expressamente que as obras de conservação e limpeza necessárias são “da obrigação do inquilino”.
6. E foi precisamente por isso que a Ré desde 1 de Setembro de 1998 nunca realizou qualquer obra no imóvel (cfr. facto provado nº 6).
7. Quer o marido da Autora, anterior arrendatário, quer a própria Autora nunca solicitava à Ré, aqui Recorrida, a realização de obras de conservação, nem de limpeza porque sabiam que era ao próprio, enquanto inquilino, que lhe incumbia realizar as mesmas, tendo a Autora assumido a posição contratual do marido no contrato de arrendamento em causa.
8. O contrato foi negociado nos termos em que foi celebrado, escrito e assinado quer pela Ré, quer pelo marido da Autora, tendo sido essa a vontade das partes à data da sua celebração e assinatura.
9. Aliás, foi a própria Ré quem juntou o contrato de arrendamento nos autos, nada tendo alegado relativamente à cláusula nº 8.
10. Vem depois a Autora alegar que também não se especifica a que tipo de obras de conservação se refere naquela cláusula, não incumbindo à arrendatária a realização daquele tipo de obras.
11. Acontece quer o Artigo 11º do RAU, quer o Artigo 1074º, nº 1 do CC estabelecem que não obstante a realização de obras de conservação (ordinárias e extraordinárias) caberem ao senhorio, por acordo entre o senhorio e o arrendatário, essa realização pode incumbir a este último.
12. Assim, prevendo o RAU três categorias de obras: conservação, ordinárias e de beneficiação, e determinando a cláusula 8ª, nº 1 do contrato de arrendamento celebrado que as obras de conservação e limpeza necessárias são da obrigação do inquilino e que todas as obras de conservação e limpeza, bem como as obras de benfeitorias autorizadas, ficam pertença do prédio em que se integram, sem que o inquilino possa alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização, parece-nos que bem decidiu o douto Tribunal “a quo”.
13. Já quanto à disciplina do RAU e NRAU, a Recorrente vem alegar que as obras de reparação dos imóveis são a cargo da senhoria, mas esquece-se de referir que a disciplina desses regimes jurídicos ressalva que, por acordo/estipulação em contrário, a responsabilidade pela realização de tais obras pode ser transmitida para o arrendatário, tal como aconteceu nos presentes autos.
14. É a própria lei que determina e prevê a celebração de um acordo entre o arrendatário e o senhorio nesse sentido.
15. A cláusula 8ª do contrato de arrendamento não se refere a obras de manutenção, mas sim a obras de conservação.
16. Efectivamente o Artigo 1031º do CC determina que é obrigação do locador assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina, tal como o Artigo 1074º do CC determina que cabe ao senhorio realizar todas as obras de conservação, ordinárias e extraordinárias, salvo estipulação em contrário!
17. Ou seja, se houver estipulação em contrário, deixa de ser o senhorio o responsável pela realização de tais obras!
18. Resulta da norma do Artigo 11º do RAU que “em geral as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração” são obras de conservação ordinária e sendo obras de conservação ordinária, por consequência e força da cláusula 8ª do contrato de arrendamento assinado são da responsabilidade da Recorrente!
19. O douto Tribunal “a quo”, após identificar os conceitos de cada uma das três categorias de obras, remetendo inclusivamente para o Acórdão do STJ de 2010/11/02, referiu “O actual artigo 1074.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
Isto significa que de acordo com o NRAU a realização de obras de conservação (ordinária ou extraordinária), impostas por lei ou que resultem do fim do contrato, cabe ao senhorio, sem prejuízo da possibilidade de, por acordo entre o senhorio e o arrendatário, essa realização incumbir a este último.” (negrito nosso)
20. “Ora, face ao regime jurídico aplicável ao contrato de arrendamento em causa nos autos (NRAU) é, de facto, possível que a realização de obras de conservação fique a cargo do arrendatário, prevendo o artigo 1074.º de forma expressa essa possibilidade.”
21. Aliás, a própria Recorrente confessa que a aqui Recorrida, enquanto senhoria, nunca fez quaisquer obras no locado desde 1998, data do início do contrato. E não as fez porque não tinha a obrigação contratual de as fazer.
22. Refere também a Recorrente que o Artigo 1074º do CC dispõe que é ao senhorio a quem incumbe a realização de obras de conservação, aliás de todas “as obras”, mas esquece-se de referir e mencionar a ressalva que a própria norma faz “salvo estipulação em contrário”.
23. Vem depois a Recorrente exemplificar, através do recurso à jurisprudência, quais obras de conservação ordinária, alegando serem da responsabilidade do senhorio, o que seria verdade se não existisse a cláusula 8ª, nºs 1 e 2 do contrato de arrendamento junto aos autos, por força do qual incumbe à arrendatária a realização de obras de conservação ordinária referidas na presente acção.
24. Tenta depois a Recorrente insinuar que a senhoria, aqui Recorrida não autoriza a realização de quaisquer obras por parte da arrendatária, o que também não é verdade! A senhoria, aqui Recorrida, apenas não autorizou a realização das obras de beneficiação!
25. Efectivamente, tal como resulta dos pontos 31 a 37 dos factos provados, a Recorrente não se inibiu de realizar quaisquer tipo de obras no locado.
26. Resulta assim do exposto que, mesmo sabendo que não podia realizar obras de beneficiação sem autorização da Recorrida, a Recorrente não se inibiu de as realizar!
27. Sim é à Autora que incumbe realizar as obras de conservação!
28. E sim é à Autora que incumbe repor o locado no estado original em relação às obras de beneficiação e benfeitorias, que realizou sem a autorização e consentimento da senhoria, nos termos acordados na cláusula 8ª, nº 1 do contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, e que se encontram expressamente discriminadas nos factos provados 31 e 32, 34, 35 e 36.
29. Quanto à notificação judicial avulsa promovida pela Recorrida, a mesma refere-se às obras de benfeitorias realizadas pela Recorrente que alteraram não só a estética do prédio locado, como também alteraram a estrutura do mesmo!
30. E é somente em relação a essas obras que a Autora pretende a reposição por terem sido realizadas à revelia do seu conhecimento e consentimento, tais como corte de árvore, eliminação do quintal da casa, colocação de marquise e estrutura metálica fixada na casa e anexos!
31. A Recorrida apenas defende, que a Recorrente/arrendatária não pode realizar obras de benfeitorias/beneficiação sem o seu consentimento, mas que lhe incumbia (à Autora) realizar as obras de conservação, tal como resulta tudo do acordado no contrato de arrendamento (cfr. cláusula 8ª do contrato), pelo que o douto Tribunal “a quo” decidiu bem e em conformidade total com a posição da Ré, aqui Recorrida!
32. Em suma, o arrendatário à data da realização do contrato era o Sr. CC e o mesmo transitou para a D. AA a seu pedido a 2017/08/27.
33. As cláusulas acordadas com o Sr. CC e a aqui Recorrida incluía que as obras de conservação ficariam à sua responsabilidade, assim como não poderia realizar alterações ao imóvel sem autorização por escrito (cfr. contrato de arrendamento que não foi impugnado e foi junto pela própria Autora aos autos).
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Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada no presente recurso:
A procedência da acção e a condenação da Ré nos pedidos que contra si foram formulados pela Autora.
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É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto antes proferida e que no presente recurso não é impugnada:
Factos provados:
1. A Autora foi casada com DD, falecido a 23 de Dezembro de 2013.
2. A Ré é dona e legitima proprietária de um prédio tipo T2, composto por cozinha, quarto de banho, uma dependência destinada a arrumos, terreno e quintal,
3. A Autora é arrendatária do prédio atrás identificado, juntamente com seu falecido marido, desde 01 de Setembro de 1998, tendo permanecido como única arrendatária após o óbito do marido, pelo que os recibos de renda passaram a ser emitidos em seu nome.
4. Até 31 de Dezembro de 2021 a Autora pagou o valor de 365, renda, pagando actualmente a
5. A Autora habita no imóvel há 23 anos, que é a casa de morada de família da Autora desde a data de início do arrendamento, onde passou a residir de forma habitual e com caracter de permanência e onde centrou toda a sua vida familiar.
6. Acontece porém que desde o início do arrendamento a Ré nunca realizou qualquer obra no imóvel.
7. O pai ou a mãe da Ré foram quem, por vezes, assinavam os recibos de renda quando a Autora pagava a renda.
8. Com o passar dos anos o imóvel deteriorou-se, principalmente a nível do telhado da habitação e da garagem, deixando penetrar a água das chuvas e gerando muitas humidades no interior, principalmente nos anexos na parte de trás da casa os quais constituem a lavandaria e a garagem.
9. A placa de tecto da garagem e da lavandaria está velha, rachada, apresenta fissuras e a tela que fazia a impermeabilização está no mesmo estado pelo que não veda a água, deixando entrar a água da chuva, que cai em gotas pelo tecto interior e escorre pelas paredes da garagem e da lavandaria nos dias de maior chuva.
10. Na lavandaria já caiu um pedaço do tecto que apodreceu e cedeu, caindo ao chão.
11. Naquela zona do tecto ficou um buraco, encontrando-se o tijolo à vista, que obriga a Autora, nos dias de maior pluviosidade, a colocar uma arca frigorífica com um plástico na parte de cima a aparar a água da chuva.
12. O tecto interior da lavandaria está todo descascado e sem tinta e vai caindo amiúde no chão, em consequência da humidade e o mesmo acontece com a tinta das paredes da lavandaria nas zonas onde não tem azulejo.
13. A falta de impermeabilização da placa da garagem e da tela que a reveste e a constante humidade sobre a mesma fez descascar a pintura do tecto interior o que impede a Autora de usar a garagem pois fica sempre com o veículo todo sujo e cheio de pó da tinta.
14. A Autora vê-se privada do uso da garagem e da lavandaria nos períodos de inverno pois está sempre tudo húmido e molhado e não pode colocar nada nestas divisões sob pena de ficar estragado, estando assim afectadas as condições de habitabilidade do imóvel.
15. E como estão sempre húmidas e molhadas também não as pode usar, pois pode até escorregar e cair pois o chão é em tijoleira e está sempre todo molhado.
16. O portão da garagem também não funciona por estar muito velho e apodrecido.
17. A calha de ferro cravada no chão onde deveria correr o portão está muito velha e apodrecida, faltando já parte do ferro de que é feita, o que não deixa o portão correr.
18. O portão também está muito oxidado, apodrecido e sem tinta e corre o grave risco de vir a cair.
19. No interior da habitação, o imóvel apresenta manchas de humidade no quarto sito na parte de trás da casa, onde esta confina com o vizinho.
20. A humidade estraga as roupas, designadamente as da cama e sente-se no ar um forte cheiro a humidade.
21. A pintura do tecto e das paredes deste quarto estão escuras, junto ao canto onde a parede se junta ao tecto com sinais de muita humidade, isto porque, também o telhado da habitação precisa de ser reparado naquele local pois deixa entrar a água.
22. Por carta registada com aviso de recepção, que a Ré recebeu em 22-03- 2022, a A solicitou que a Ré se deslocasse ao imóvel, acompanhada de um profissional da área para poder para verificar e orçamentar os danos e constatar quais as reparações que era necessário efectuar.
23. Depois de recepcionar a carta que a A. lhe dirigiu, a Ré veio a dirigir à A. em meados de Maio de 2021 uma notificação judicial avulsa, junta como documento com o n.º 57 com a petição inicial, cujo teor e conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
24. Existem infiltrações no telhado da parte de trás da casa onde esta une à casa vizinha, sendo que as infiltrações e humidades estão ao mesmo nível nas duas moradias contiguas e derivam precisamente de infiltrações provindas do telhado, que é comum e que deixa entrar a água.
25. A casa contígua à habitação da A. pertence à irmã da Ré e o telhado das duas habitações é comum, não tendo sofrido obras há mais de 20 anos.
26. À notificação judicial avulsa referida em 23. respondeu a A. por carta registada datada de 19 de Maio de 2021, que a Ré recebeu em 20 de Maio de 2021, e nessa missiva a A. concedeu à Ré o prazo de 30 dias para:
- retirar /reparar / impermeabilizar toda tela existente na cobertura da garagem e anexos, colocando nova tela que impermeabilize a garagem e os anexos traseiros:
- a tratar todo o interior paredes e tectos destes anexos e garagem, procedendo também à sua pintura;
- a substituir ou reparar o portão da garagem e a calha de ferro existente no chão.
27. A A. é viúva, vive sozinha e sente-se desgostosa e triste por ter a habitação naquele estado, passando por grandes transtornos no inverno por causa desta situação e por não poder guardar o seu veículo automóvel na garagem.
28. O imóvel da Ré foi restaurado dois anos antes da celebração do contrato de arrendamento, mais concretamente, em finais do ano de 1995, restauro que tinha por objectivo ser a habitação da aqui Ré, sendo que todo o restauro da casa foi realizado de acordo com o gosto pessoal da Ré ao nível da qualidade de materiais, do conforto, da funcionalidade e da estética.
29. As obras de restauro efectuadas na referida habitação/locado antes da entrada da Autora na casa foram as seguintes:
- Canalização totalmente nova em toda a habitação interna e externa;
- Rede eléctrica totalmente nova em toda a habitação;
- Cozinha: paredes e pavimento com cerâmicas novas, mobiliário novo,
- Casa de banho: cerâmica nova nas paredes e chão, louças novas
-Toda a casa, garagem e anexos, foram pintados;
- O chão dos quartos e sala, em madeira (taco), foi raspado e envernizado;
- Anexos foram construídos novos, com placa de tecto nova;
- Na garagem e anexos foi colocada cerâmica nova nos pisos e nas paredes até meia altura.
30. Em 2016, o telhado foi verificado por um construtor civil, tendo sido limpo e estava em bom estado.
31. A Ré quando se deslocou ao local, constatou que:
- Por cima do anexo, no seu exterior, foi cravada directamente na placa, uma parabólica e uns ferros de cor clara, que furam a tela impermeabilizante e a placa ao serem fixados
- O quintal do locado tinha sido cimentado e cortadas as árvores que lá existiam (uma das quais com valor sentimental)
- A existência de uma marquise fixada à casa, tapando toda a traseira da casa (incluindo a janela do quarto e a porta da cozinha) e com uma caleira fixada à casa a todo o comprimento
- Várias estruturas metálicas fixadas na casa, garagem, anexos, a suportar coberturas de chapa plásticas
- A existência de um portão de madeira fixado na casa, em que ao lado da fixação tinha vários furos abertos na casa
32. As obras foram realizadas sem o consentimento da Ré, verbal ou por escrito.
33. A Ré deixava o recibo preenchido e assinado, pois não sabia o dia exacto em que os inquilinos iam pagar a renda.
34. A marquise foi fixada com parafusos pela Autora na lateral a partir da casa ao lado, furando o muro de divisão das 2 habitações e no portão da garagem existem algumas fixações metálicas.
35. Os “pés” da antena parabólica são dois ferros, não ocupam mais de 10 cm cada um e foram devidamente selados e vedados aquando da sua colocação.
36. Recentemente a Autora teve conhecimento que a filha da Ré, BB, subiu ao telhado e levantou telhas e colocou plástico e uma toalha no meio das telhas que a irmã da Ré, proprietária da casa vizinha, as descobriu e retirou do telhado.
37. O técnico que foi verificar o telhado e levantar as telhas também constatou a presença de toalhas.
38. Após recepcionar a carta de 2021/05/19 referida em 26., a Ré enviou-lhe o documento junto sob o n.º 7 com a contestação, comunicando-lhe em suma que haviam sido realizadas obras sem a sua autorização e que havia incumprimento do contrato de arrendamento.
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Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente os que a seguir se enunciam:
a) O prédio referido em 2. é um T3.
b) Desde o início do arrendamento sempre foram os pais da Ré, mais concretamente o pai, que lidaram com a Autora e o marido em tudo quanto respeitasse ao arrendamento, pois sempre se comportaram como procuradores informais da filha relativamente ao arrendamento, tratando de todos os assuntos que respeitassem ao imóvel, sempre, na versão destes, com conhecimento e autorização da Ré.
c) A arca frigorifica referida em 11. deixou de funcionar pois apanhou muita humidade e mesmo chuva, e a Autora não tem outro local para a colocar senão na lavandaria.
d) Mais recentemente, a Autora apenas referiu à Ré que tinha um problema de humidade no anexo e que todo o resto na casa estava bem.
e) A janela e a porta traseiras do locado ficaram sem ventilação e, em consequência, impediram o arejamento e respiro das divisões da casa.
d) Ao fechar as traseiras da casa com a colocação de várias estruturas em plástico, uma delas de caixa fechada, impede a entrada de ar, luz e sol, quer na cozinha, quer pela janela do quarto.
e) Quanto ao telhado o mesmo está em perfeito estado.
f) A colocação da caleira referida em 31. faz com que a intensidade das chuvas a água trespassa para o prédio vizinho, sendo que o facto de as estruturas serem coladas não impede essa infiltração.
g) A parede do quarto da casa vizinha está rachada por causa das intervenções realizadas pela Autora com a colocação das estruturas de plástico e caleiras.
h) Os parafusos referidos em 35. são enormes.
i) As telas de impermeabilização superam os 30 a 35 anos de vida útil
j) O construtor civil em 2016 reparou o telhado.
k) Além das obras referidas em 29. foi realizado o seguinte:
- Colocação na cozinha de exaustor, banca, placa de fogão, novos;
- No WC colocadas torneiras novas;
- Portas interiores restauradas, tratadas e envernizadas;
- Portas interiores da sala colocadas novas (com vidros);
- Colocada uma porta exterior nova em madeira maciça na sala;
- A porta traseira e as janelas em madeira existentes foram raspadas, tratadas e envernizadas;
- Foi construído um coberto/telhado lateral, em placa de tijolo/cimento e cobertura de telha, no acesso;
- Passeio lateral de acesso à garagem em cimento, foi colocado cerâmica no pavimento;
- O portão da garagem foi tratado e pintado;
- Foi colocado um portão novo de acesso à casa.
l) Os factos referidos em 36. ocorreram em Setembro de 2021, o plástico era em grande quantidade e foi colocado com as toalhas precisamente no local onde as duas casas confinam e onde a Autora se queixa da entrada de humidade, sendo que manteve a situação nesse estado desde Setembro de 2021 até ao dia 23 de Abril de 2022.
(A restante matéria foi desconsiderada pelo Tribunal, por se tratar de matéria conclusiva e/ou de direito)
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Na tese da autora/apelante, a sentença padece não só de erro de julgamento como de má interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, como são nomeadamente as dos artigos 11º, 12º e 13º do RAU, 26º do NRAU e 1030º, 1031º e 1074º do Código Civil.
Vejamos pois se assim é de facto.
Como se verifica da leitura da sentença recorrida, o Tribunal “a quo” fundamentou do seguinte modo a decisão proferida:
“A factualidade dada por assente nestes autos permite-nos concluir que entre a Autora e a Ré existe um acordo denominado de arrendamento urbano, sendo que nenhuma das partes põe em causa essa factualidade.
A Autora, na qualidade de arrendatária e à luz da vigência do contrato de arrendamento, pede a condenação da Ré a realizar obras de reparação no locado, pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe o valor de uma arca frigorífica e pede ainda a condenação da Ré a indemniza-la por danos morais.
O contrato de arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição – art.º 1022º e 1023º Código Civil.
O contrato de arrendamento gera para o locador a obrigação de entrega da coisa locada ao locatário e, ainda, na obrigação de lhe assegurar o gozo da mesma para os fins a que a coisa se destina, ao passo que ao locatário incumbe o pagamento da respectiva renda enquanto contrapartida.
Na parte relativa a obras no locado, o contrato de arrendamento em análise nos autos previa o seguinte na sua cláusula 8.ª: “a) Ao segundo outorgante não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização dos primeiros outorgantes, por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpeza necessárias que, desde já, se estipula serem da obrigação do inquilino.
b)Todas as obras de conservação e limpeza necessárias, bem como as autorizadas nos termos da alínea anterior, ficam a pertencer ao prédio em que se integram, sem que o inquilino possa alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização.”
Ora deve resultar evidente para todos que quer no momento em que foi celebrado o presente contrato de arrendamento quer actualmente, se deve ter válida a inclusão, no mesmo, de uma cláusula que atribui ao arrendatário a responsabilidade pela execução das obras de conservação do locado.
Nos autos, não é possível pôr em causa o facto de resultar do contrato deste contrato de arrendamento que todas as obras de conservação e limpeza necessárias, eram e são da responsabilidade do inquilino (cf. documento nº3 junto com a petição inicial).
Mesmo assim, a Autora vem afirmando desde a sua petição que as obras que seja necessário realizar no locado são da responsabilidade da Ré e não dela própria.
E isto porque defende que o contrato em causa não é mais do que um formulário pré-comprado e pré-elaborado relativamente ao qual não existiu qualquer negociação entre as partes que o subscreveram no que toca às cláusulas pré-escritas e pré-elaboradas.
Salvo sempre melhor opinião, não existe qualquer fundamento para que tal entendimento possa ser acolhido.
Assim, nada nos leva a concluir que o contrato não tenha sido negociado nos termos em que foi celebrado, escrito e assinado quer pela Ré, quer pelo marido da Autora, não havendo razões para presumir que não foi essa a vontade das partes aquando da sua celebração e assinatura.
Aliás, foi a própria Autora quem veio juntar o mesmo contrato ao processo, sem questionar a validade da referida alínea a) da cláusula 8ª.
Para além disso, a Autora veio também alegar não estar especificado o tipo de obras de conservação a que se alude naquela cláusula.
Perante tal alegação, o que se impõe afirmar é o seguinte, recordando que o contrato de arrendamento que aqui se discute foi celebrado em 1 de Setembro de 1998:
É consabido que não obstante estar definido quer no art.º 11º do RAU, quer no art.º 1074º, nº1 do Código Civil, que a realização de obras de conservação (ordinárias e extraordinárias) caberem ao senhorio, tais normas também permitem estabelecer por acordo entre o senhorio e o arrendatário que a responsabilidade pela realização das mesmas pode ficar atribuída a este último.
Sabe-se, ainda, que no mesmo artigo do RAU estavam estabelecidas três categorias de obras: as de conservação, as ordinárias e as de beneficiação.
Cabe fazer notar que a referida cláusula 8ª do contrato de arrendamento não se refere a obras de manutenção, mas sim e de forma clara a obras de conservação e limpeza (cf. a sua alínea a)).
Afastando o que de forma expressa resulta do art.º 11º do RAU e do nº1 do art.º 1074º do CC, afirma a Autora que as obras que poderiam estar a cargo da arrendatária, seriam só as de reparação de pequenas coisas ou as resultantes da deterioração necessárias para assegurar o seu conforto e comodidade.
Defende também a ideia de que é sempre sobre o senhorio que impende a realização de obras de conservação ordinárias.
Esquece no entanto a possibilidade já antes aqui referida e legalmente definida, segundo a qual pode ficar estabelecido no contrato de arrendamento que essas obras são a cargo do arrendatário.
Por outro lado, também não colhe a argumentação da Autora segundo a qual o Tribunal “a quo” não se pronunciou quanto ao tipo de obras que estariam em causa nos presentes autos.
Assim para contrariar tal versão dos factos, basta ler com mais atenção o que foi feito constar a este propósito na sentença recorrida.
Também não pode ser acolhida a tese de que a Ré, aqui senhoria, não autoriza a realização de quaisquer obras por parte da Autora, aqui inquilina.
Assim o que resulta dos autos é que a Ré não autorizou a realização das obras melhor identificadas nos pontos 31 a 37 dos factos provados as quais a Autora não se inibiu de realizar, mesmo não sendo estas de simples conservação.
Perante o acabado de expor, nenhuma censura nos merece a fundamentação que sustenta a decisão recorrida, a qual por ser de subscrever passamos agora a transcrever no segmento que a final a sintetiza:
“O contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado em 01-09-1998, pelo que importa, independentemente do que já se expôs, aferir qual o regime jurídico aplicável ao mesmo.
O artigo 26.º, n.º1, do NRAU estabelece que os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes, não se prevendo nesses números qualquer matéria referente a obras no locado.
O actual artigo 1074.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário. Isto significa que de acordo com o NRAU a realização de obras de conservação (ordinária ou extraordinária), impostas por lei ou que resultem do fim do contrato, cabe ao senhorio, sem prejuízo da possibilidade de, por acordo entre o senhorio e o arrendatário, essa realização incumbir a este último.
Ora, face ao regime jurídico aplicável ao contrato de arrendamento em causa nos autos (NRAU) é, de facto, possível que a realização de obras de conservação fique a cargo do arrendatário, prevendo o artigo 1074.º de forma expressa essa possibilidade. O anterior regime do RAU também o não impedia, embora não referisse expressamente essa possibilidade, estabelecendo o artigo 12.º do RAU que As obras de conservação ordinária estão a cargo do senhorio, sem prejuízo do disposto no artigo 1043.º do Código Civil e nos artigos 4.º e 120.º do presente diploma.
Face à cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, as partes estabeleceram que as obras de conservação e limpeza necessárias eram a cargo do inquilino, e o que é facto é que o actual regime jurídico aplicável (NRAU) admite que haja um acordo nesse sentido e o anterior regime não o previa expressamente mas também o não afastava.
Interpretando essa cláusula à luz do artigo 236.º do Código Civil e ao disposto no artigo 11.º do RAU então em vigor (que define obras de conservação ordinária como as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração), não se nos afigura que as obras cuja realização é peticionada nos autos sejam responsabilidade da senhoria, aqui Ré, pelo que tem de julgar-se improcedente a acção quanto a todos os pedidos formulados.
Acrescente-se apenas que quanto à condenação no pagamento do valor da arca frigorífica e da indemnização por danos não patrimoniais a improcedência dos mesmos decorre precisamente de não poder imputar-se à Ré uma conduta omissiva e culposa na não realização das obras, uma vez que contratualmente não estava obrigada a efectuá-las.
Improcede totalmente, pelos fundamentos expostos, a acção intentada.”
Em suma, não merece pois provimento o recurso aqui interposto pela Autora.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e sem mais, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargo da autora/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Notifique.

Porto, 10 de Julho de 2024
Carlos Portela
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida