CRIME DE FALSO DEPOIMENTO AGRAVADO
JURAMENTO
ADVERTÊNCIA
Sumário

O artigo 360º, n.º 3 do C.P., conjugado com as regras processuais respeitantes à prestação da prova testemunhal (os artigos 91º, 132º a 139º e 348º do CPP), deve ser interpretado no sentido de não ser exigível a comunicação ao declarante do concreto crime que poderá cometer e da pena abstracta aplicável, bastando, para o preenchimento do crime de falsidade de depoimento agravado, o juramento e a advertência da possibilidade de incorrer em responsabilidade criminal, ou que comete um crime, no caso de não responder com verdade.

(da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo 2451/20.5T9VFR.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1







Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:




I - RELATÓRIO

I.1. Por sentença proferida em 12.03.2024 foi decidido:
“A) Absolver o arguido AA da prática, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360°, n° 1 e 3 do Código Penal;
B) Condenar o arguido AA pela prática, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360°, n° 1 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em €5,00 (cinco);”.


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I.2. Recurso da decisão

O Ministério Público interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos, em 12­03-2024, que absolveu o arguido AA pela prática de um crime de falsidade de testemunho agravado, previsto e punível pelo artigo 360°, n.°s 1 e 3, do Código Penal, pelo qual o mesmo se encontrava acusado, condenando-o, ao invés, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, na sua forma simples, previsto e punível pelo artigo 360°, n.° 1, do Código Penal.
2. Face à factualidade que se considerou provada em sede de sentença, concretamente quando ali se refere que o arguido foi devidamente ajuramentado, ouvido aos costumes e advertido que incorreria na prática de um crime em caso de falsas declarações, não pode deixar de se considerar verificada a circunstância agravante prevista no n.° 3, do artigo 365°, do Código Penal, onde se exige que o facto tenha sido praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe.
3. Ao considerar que o preenchimento de tal agravante pressupõe que o arguido seja advertido da concreta incriminação penal em que incorre e correspondente pena aplicável, o Tribunal a quo interpretou incorrectamente o artigo 360°, n.° 3, do Código Penal.
4. Que deveria ter sido interpretado no sentido de que a advertência à testemunha das consequências penais a que se expõe se mostra plenamente cumprida com a informação de que a falta ao dever de verdade a que a testemunha se encontra obrigada a fará incorrer em responsabilidade criminal e não de qualquer outra natureza como, por exemplo, contraordenacional.
5. Aliás, assim o obriga o preceituado no artigo 91°, n.° 3, do Código de Processo Penal, bem como a disposição similar inserta no Código de Processo Civil, impondo que, em momento prévio à prestação do juramento, a autoridade judiciária advirta quem o prestar das sanções em que incorre se o recusar ou a ele faltar.
6. Inexiste qualquer disposição legal (processual) que imponha à autoridade judiciária a obrigação de advertir a testemunha relativamente ao concreto crime em que poderá incorrer, caso falte ao dever de responder com verdade, e pena correspondente.
7. Assim, exigir-se um tal grau de especificação no cumprimento da advertência à testemunha para que se mostre preenchida a agravante prevista no n.° 3, do artigo 360°, redundará seguramente na inaplicabilidade prática de tal preceito.
8. Pelos fundamentos expostos, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de falsidade de testemunho, agravado, previsto e punível pelo artigo 360°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Penal, com pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias.
9. Quanto à pena a aplicar, atendendo aos critérios previstos nos artigos 70° e 71°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, valorando favoravelmente a postura do arguido, o seu enquadramento vivencial, jovem idade, ausência de antecedentes criminais, tempo decorrido sobre a pratica dos factos e circunstâncias em que actuou, assim como o grau de ilicitude (mediano) e intensidade do dolo (directo), não olvidando as prementes necessidades de prevenção geral que este tipo de crime convoca, e atendendo às condições económicas do arguido, entende-se que a pena de multa satisfará plenamente as finalidades da punição, devendo esta ser fixada em 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00.”
Pugna pela condenação do arguido de um crime de falsidade de testemunho, agravado, p. e p. pelo artigo 360º, n.ºs 1 e 3 do CP, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).
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I.3. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer favorável ao provimento do recurso.
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I.4. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência..
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II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt).
Da análise das conclusões do recorrente extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
a) A alteração da qualificação jurídica dos factos provados;
b) No caso da procedência da primeira questão, a determinação da medida concreta da pena de multa.
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II.2. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)

“II- Fundamentação
A) Fundamentação de Facto
A.1) Factos Provados
Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A 24 de Novembro de 2020, pelas 9h30m, na Instância Central Criminal de Santa Maria da Feira - J2, o arguido AA prestou depoimento, em sede de audiência de discussão e julgamento e enquanto testemunha arrolada pelo Ministério Público, no âmbito do processo comum colectivo n.° ....
2. Foi devidamente ajuramentado, ouvido aos costumes e advertido que incorreria na prática de um crime em caso de falsas declarações.
3. O arguido AA, nascido 03.10.2004, em sede de julgamento, prestou as declarações, afirmando que não conhece o arguido BB que não se lembra muito bem do que se passou, só sabe que foi assaltado, não viu a cara de ninguém e que não foi ele que entregou o print da foto de perfil da página do Facebook de BB, também conhecido por CC, que não foi abordado de forma agressiva ou ameaçadora, que apenas um indivíduo do sexo masculino lhe pediu dinheiro e que quando ia a dar o que tinha, o mesmo retirou-lhe a carteira das mãos e ausentou-se do local.
4. Instado pelo tribunal, o arguido manteve peremptoriamente as anteditas declarações, reiterando que não viu a cara ao assaltante, pese embora tivesse sido abordado numa esquina e de frente para o mesmo.
5. Todavia, o arguido, enquanto ofendido naquele processo, declarou, na fase de inquérito e na PSP ..., a 7 de Janeiro de 2020, pelas 9h45, o seguinte: "Afirma que conhece de vista o suspeito, o qual afirma saber tratar-se de CC (alcunha) BB, morador no Bairro ..., em .... Que no dia 01-01-2020, cerca das 20h10, quando se encontrava sozinho (...) , aparentando ter cerca de 17/20 anos de idade, caracterizando-o como tendo bigode e barba, trajando roupa desportiva (fato de treino), escura, trazendo um capuz e um chapéu a ocultar-lhe um pouco o rosto, contudo não tem dúvidas sabendo de quem se trata. O inquirido afirma que, abordagem do suspeito no início foi cordial e afável, sendo que depois começou por pedir para fazer uma chamada telefónica, ao que o inquirido respondeu que não tinha chamadas a realizar. Que seguidamente o suspeito questionou o inquirido, se este queria comprar uma arma de fogo, tendo respondido que não estava interessado. O inquirido afirma que posteriormente o suspeito pediu-lhe 5 euros (...), tendo este respondido que o dinheiro que trazia não era seu, sendo que aí o denunciado tornou-se mais violento, mostrando um objecto no bolso no lado direito que pareceu uma arma de fogo, motivo pelo qual ficou bastante amedrontado, temendo pela sua integridade física e vida. Afirma que o suspeito então de forma agressiva, pediu ao inquirido para lhe mostrar a carteira, sendo que o mesmo de forma receosa pegou na carteira, quando de forma repentina, o denunciado retira-lhe a carteira das mãos, vasculhando-a e disse "afinal tas cheio de dinheiro". O inquirido afirma que o suspeito ao apoderar-se da carteira em pele de cor castanha do inquirido, a qual continha no seu interior o seu cartão de cidadão, 1 cartão do multibanco (...) Banco 1..., 1 passe do UCT, 1 cartão Siga da CP e a quantia de 25 euros em dinheiro, colocou-se em fuga, sem antes de fazer um gesto que indicava para se manter calado, ou seja, que não contasse (...) a ninguém. Afirma que tal gesto o deixou ainda mais amedrontado, temendo que este lhe venha a fazer algum mal ou mesmo vingar-se uma vez que o conhece de vista, acreditando que este possa atentar contra a sua integridade física. O inquirido afirma desejar juntar aos autos a foto do suspeito, bem como o printscreen do facebook do mesmo, onde aparece a sua imagem".
6. O arguido sabia que, na qualidade de testemunha, estava obrigado a prestar declarações e a falar com verdade relativamente aos factos que lhe foram perguntados em sede de audiência de discussão e julgamento, bem sabendo que as declarações que prestou não correspondiam à realidade, sendo, por conseguinte, falsas, e que assim punham em causa a realização da justiça. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
7. No 01 de Janeiro de 2019, pelas 20,10h, AA foi vítima de assalto perpetrado pelo "CC" (alcunha) BB arguido no processo id. em 1..
8. AA conhecia de vista o Arguido "CC, pois sabia que este morava perto de sua casa.
9. Quando AA chegou a casa, contou o sucedido à sua mãe, DD que o obrigou a fazer queixa à polícia.
10. Quando chegou ao Tribunal de Santa Maria da Feira no dia referido em 1., acompanhado por EE, que entretanto se ausentou daquele espaço, AA deparou-se com a presença dos familiares do Arguido "CC, que estavam no átrio, onde é feita a chamada para julgamento, aqueles perseguindo-o com olhares.
11. AA sentiu-se com medo e receio de ter os familiares de "CC" a olhar para ele.
12. Aquando da prestação de depoimento o arguido recordou-se dos olhares dos familiares deste de CC e medo que sentiu das retaliações de que poderia ser vítima.
13. O arguido tem o 9.° ano de escolaridade, é operário fabril, auferindo o salário mínimo nacional, vive, em casa dos pais da companheira, com esta, empregada de balcão a auferir o salário mínimo, os pais desta e uma filha de 4 meses de idade, contribuindo para as despesas domésticas com quantia compreendida entre €200 a €300. No presente a companheira encontra-se de licença de maternidade.
14. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
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A.2) Factos Não Provados
a) Aquando do referido em 1. o arguido foi advertido das sanções aplicáveis às falsas declarações, e que o crime referido em 2. era de "falsidade de testemunho"
b) Após o referido em 2. o aqui arguido AA disse em declarações que não conhecia o ali arguido FF,
c) Aquando do referido em 3. o aqui arguido disse que a assinatura que consta do auto de inquirição não é sua.
d) Aquando do referido em 1. aquele CC ameaçou o arguido de morte, caso este fizesse queixa à polícia do sucedido.
e) "CC" vive a cerca de 200 m, no Bairro ....
f) Na altura do assalto de que foi vitíma, o Arguido AA ficou com forte receio pela sua própria vida, face à ameaça de morte feita pelo Arguido "CC.
g) O arguido fez queixa na Polícia.
h) Aquando do referido em 10. o arguido chegou por volta das 9h15m.
i) Aquando do referido em 11. o arguido lembrou-se da ameaça de morte proferida pelo Arguido BB, na altura em que foi assaltado por este.
j) Quando o Sr. Oficial de Justiça chamava individualmente cada testemunha para as acompanhar até à Sala de Audiência, perguntava a cada uma delas se queria fazer os seus depoimentos sem a presença dos Arguidos.
k) Chegada a vez de do Arguido/Ofendido AA, o Sr. Oficial de Justiça quando o chamou, não lhe perguntou se ele queria fazer o seu depoimento sem a presença dos Arguidos.
l) O AA terá sido a única testemunha que prestou o seu depoimento na presença do Arguido.
m) Nem o Exmo. Sr. Procurador-Adjunto, nem tão pouco o Meritíssimo Juiz Presidente, lhe perguntaram se ele queria prestar declarações como testemunha, sem a presença do Arguido "CC.
n) AA, ao ser confrontado com a presença de "CC, sentiu-se imediatamente intimidado, com receio pela sua própria vida, lembrando-se imediatamente da ameaça de morte proferida pelo Arguido " CC, quando este perpetrou o assalto de que o Ofendido/Testemunha AA foi vítima.
o) AA sentiu-se coagido, completamente descontrolado, com vontade de sair dali.
p) Vinha-lhe sempre à cabeça a ameaça de morte proferida por "CC" BB, q) AA continua a sentir que pode ser alvo de retaliações.
r) Aquando do referido de 1. a 4. AA, entrou em pânico e ficou completamente baralhado e confuso com as insistentes perguntas do Meritíssimo Juiz Presidente, sem, tão pouco, perceber minimamente o lhe que estavam a perguntar.
s) E, sentindo-se com a presença do "CC", sem pensar, agiu como referido em 3. e 4., com medo, receio das retaliações e ameaça de morte proferida por "CC".
t) O Arguido (Ofendido/Testemunha) AA, estava completamente em pânico, fora de si, apenas com vontade de fugir e de se ir embora dali.
u) AA não teve, sequer, consciência de que estava a praticar o crime de falsidade de testemunho agravado, pese embora as diversas advertências feitas pelo Meritíssimo Juiz Presidente, que ele, na altura, não só não as entendeu, como, nem tão pouco percebeu minimamente o seu alcance e que, portanto, estaria a cometer um "qualquer crime".
v) AA não teve qualquer intenção de mentir ao Tribunal, nem sequer de prestar falsas declarações.
w) Nas circunstâncias referidas de 1. a 4., na presença do próprio Arguido " CC, o Arguido AA entrou em pânico e bloqueou completamente.
x) O Arguido não agiu de forma deliberada, não estava livre, nem tão pouco consciente, pelo que não teve noção, sequer, do que estava a dizer, tal era o medo e pânico que estava a sentir.
y) O Arguido AA não agiu com intenção de prestar falsas declarações, arrepende-se profundamente da sua falta de maturidade, atenta a sua idade aquando do referido em 1..
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O mais constante da acusação e contestação não consta da decisão supra por se tratar de matéria genérica, conclusiva, de direito ou sem interesse para a boa decisão da causa.
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A.3) Motivação
Nos termos do disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
Assim, enunciados os factos, cumpre apreciar criticamente as provas, não bastando uma mera enumeração dos meios de prova, sendo necessária " a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal" - cfr. Ac. TC n°680/98, de 02.12, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html, por forma a resultar claro para os destinatários a compreensão do porquê da decisão e do processo lógico - mental que permitiu alcançar a decisão proferida.
Concretizando, para prova da factualidade constante de 1. a 5. o Tribunal socorreu-se da certidão junta aos autos, incluindo CD com a gravação do depoimento e transcrição - cfr. fls. 4 ss juntos a 27.11.2020 e 03.08.2021, bem assim levando em consideração as declarações do arguido, que confirmou a sua presença e depoimento prestado tanto em audiência como em sede de inquérito, admitindo a factualidade e no qual se fez fé na estrita medida da factualidade dada por provada, não se vendo que o arguido tivesse interesse em faltar à verdade quanto a matéria que lhe é desfavorável.
Quanto ao facto respeitante ao elemento subjectivo a convicção do Tribunal assentou nas regras da experiência, tendo em conta o normal acontecer das coisas em situações da natureza da presente e a livre apreciação, considerando a prova de que se socorreu para dar como provada a demais factualidade já referida.
Quanto à factualidade provada no que se refere ao dito "assalto" e autoria, conhecimento da pessoa pelo arguido e local de morada e relato à progenitora, o Tribunal socorreu-se das declarações do arguido nas quais, uma vez mais se fez fé neste estrito particular, não se vendo que tivesse interesse em faltar à verdade e que lhe é desfavorável na medida em que confirma que faltou à verdade em audiência, sendo bem assim corroborado pela progenitora, na qual se fez fé neste estrito particular, revelando razão de ciência quanto à morada do "CC" e relato feito pelo filho e insistência para que o mesmo apresentasse queixa.
Os factos provados em 11. resultaram por apelo às declarações do arguido, nas quais, na estrita medida da factualidade dada por provada se fez fé, na medida em que corroboradas pelas testemunhas EE e GG, que prestaram nesta parte depoimentos espontâneos, reveladores de razão de ciência e nos quais por isso se fez fé, mais a mais tendo em conta as funções da testemunha GG, não se vendo que o mesmo tenha qualquer interesse em faltar à verdade.
Bem assim se fazendo fé nas declarações do arguido quanto ao constante em 12. e 13., no qual também neste estrito particular se fezfé, tendo em conta o ambiente descrito pelo arguido e testemunhas GG e EE, nos quais, pelas razões já referidas se fez fé, e tendo em conta a idade do arguido à data, com apenas 16 anos, desacompanhado dos seus progenitores.
A data de nascimento do arguido resultou por apelo ao respectivo assento.
Os factos respeitantes às condições sócio económicas do arguido resultaram uma vez vais por apelo às declarações do arguido, não tendo o Tribunal qualquer razão para nelas não fazer fé neste estrito particular, mais a mais não contrariadas por qualquer meio de prova.
A ausência de antecedentes criminais do arguido resultou por apelo ao CRC junto.
Quanto aos factos não provados resultaram assim em face de falta, insuficiência de prova e/ou prova produzida em sentido contrário, cumprindo apontar que não se vê tenha sido feita qualquer prova quanto a concreto mal futuro que tivesse sido anunciado ao arguido AA por parte de CC ou dos familiares e que pudesse ser dado como provado (para preencher o conceito jurídico de "ameaça", que por si só não constitui facto, razão pela qual não consta expressamente da decisão da matéria de facto).
Ademais é manifesto decorrer da certidão judicial junta que o arguido manifestou pretender não prestar ali depoimento perante os arguidos, o que foi deferido, tendo os arguidos sido afastados da sala enquanto o mesmo depôs. Não colhe assim a versão do arguido nesta parte.
Bem assim não colhe a versão do arguido no sentido de que "CC" o ameaçou com arma de fogo, sequer sendo isso que resulta exactamente do seu depoimento no inquérito daqueles outros autos.
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III - Fundamentação de Direito
(…)
A agravação importa a verificação de três requisitos:
a) juramento e
b) advertência das consequências penais a que o declarante se expõe
c) por autoridade com competência.
A este propósito refere-se no Comentário ao Código Conimbricense, Tomo III, Coimbra p. 482 que "Exige-se, em segundo lugar, uma advertência expressa das consequências penais a que o declarante se expõe em caso de falsidade, exigência reiterada pela lei processual (cf. art. 91°, n° 3, do CPP; arts. 559.°, n.°1, e 635°, n° 1, do CPC). Sobre este ponto, é interessante notar que o legislador só exigiu esta advertência em caso de juramento, e já não para o depoimento não juramentado (cf. art. 359°, n° 1, para o depoimento de parte que requer juramento, com o art. 359°, n° 2, para o assistente e partes civis que não prestam juramento nem são advertidas; e o n° 1 do presente artigo que também não exige qualquer advertência). Daí que esta advertência constitua formalidade essencial — a sua falta impede o funcionamento da agravante, mesmo se o juramento tiver ocorrido, aplicando-se então apenas o n° 1.
Finalmente, o juramento tem de ser realizado perante uma entidade competente. Existe uma salutar limitação dos casos em que o juramento é exigível, sob pena de acabar por desvirtuar o seu sentido. Assim, em processo penal o juramento só é prestado perante autoridade judiciária (Juiz, Juiz de Instrução, Ministério Público (cfr. arts. 91.° n.° 3 e 1.° n.°1 al. b) do CPP)".
(…)
No caso concreto,
atenta a factualidade dada por provada, resulta à saciedade que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime fundamental pelo qual o arguido vem acusado.
Com efeito, não pode deixar de se salientar não ter resultado provado que o arguido foi expressamente advertido para as consequências penais da falta de responder com verdade, designadamente qual o crime em concreto em que incorria e penas abstractas ao mesmo respeitantes e por conseguinte, assim sendo, entende-se que não se preenche a agravante do n.°2, tendo o arguido de ser absolvido do crime de que vem concretamente acusado.
Contudo, preenchendo-se os elementos objectivos e subjectivos do n.°1 do art. 360.° CP e não resultando provados quaisquer factos que consubstanciem qualquer causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade pelo que o arguido tem de ser condenado e punido pelo crime a que sua conduta se subsume - art. 360.° n.°1 CP.
***

Da escolha e determinação da medida da pena
(…)
No caso concreto, são de sublinhar as prementes e elevadas exigências de prevenção geral, dada a frequência com que vem sendo lesado o bem jurídico protegido, importando por isso reforçar a confiança da comunidade na norma jurídica violada.
No que respeita às exigências de prevenção especial, importa referir que, as mesmas são diminutas, considerando que o arguido se encontra profissional e familiarmente inserido, acrescendo que o mesmo não tem quaisquer antecedentes criminais.
Atento o exposto, tendo em conta o conhecido carácter criminógeno da pena de prisão, entende-se que, no caso concreto, a pena de multa ainda se apresenta suficiente para proteger os fins a que alude o artigo 40° CP, mostrando-se apta à protecção do bem jurídico em causa, e capaz de assegurar ainda os fins da prevenção especial.
2. Uma vez ultrapassada a questão da escolha da pena a aplicar, impõe-se agora determinar a medida concreta da pena de multa.
(…)
No caso subjudice, militam em desfavor do arguido, o dolo, que é directo, pelo que a culpa é significativa, sendo de censurar a actuação do arguido pelo facto de actuar do modo descrito.
O grau de ilicitude, atendendo às consequências da sua conduta, designadamente criando constrangimentos no decurso do julgamento, situa-se acima da mediania.
Em favor do arguido milita o tempo decorrido desde a data da prática dos factos.
Bem assim concorre em seu favor o facto de encontrar profissional e familiarmente inserido, mais concorrendo a seu favor a sua idade - tendo 16 anos completados pouco mais de um mês da data dos factos - conjugada com a ausência de antecedentes criminais, entendendo-se que se mostram diminutas as exigências de prevenção especial.
Com relevo para a determinação da medida concreta da pena importa ainda atentar nas circunstâncias em que prestou depoimento em audiência, designadamente no ambiente no átrio de chamada antes de ingressar na sala de audiência e que levou a que o arguido experienciasse sentimentos de medo, mais a mais tendo em conta a proximidade de domicílio do arguido naqueles autos do domicílio do aqui arguido à data.
As exigências de prevenção geral são elevadas, como já referido, dada a frequência com que vem sendo lesado o bem jurídico protegido, importando por isso reforçar a confiança da comunidade na norma jurídica violada.
Tudo ponderado, o Tribunal entende ser de aplicar, em concreto, ao arguido a pena de 70 (setenta) dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em €5,00, atentas as suas condições económicas, dadas por provadas - art. 47.° n.°2 CP.”
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II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Da alteração da qualificação jurídica
§1. O arguido AA vinha acusado da prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360°, n.ºs 1 e 3 do Código Penal (doravante CP).
Na sentença recorrida o arguido foi condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, mas apenas pelo n.º 1 do citado artigo 360º por se considerar não se ter provado que o arguido foi expressamente advertido do crime em concreto em que incorria e das penas abstractas ao mesmo respeitantes.
Em sentido diverso, entende o Ministério Público, aqui recorrente, que o n.º 3 do artigo 360.º do CP exige apenas a advertência de poder incorrer em responsabilidade criminal, caso falte ao dever de responder com verdade.
Assiste razão ao recorrente.
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§2. Dispõe o artigo 360º, n.º 3 do CP que “Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.”.
Esta norma, conjugada com as regras processuais respeitantes à prestação da prova testemunhal (os artigos 91º, 132º a 139º e 348º do CPP), deve ser interpretada, salvo o devido respeito por opinião contrária, no sentido de não ser exigível a comunicação do concreto crime que poderá cometer e da pena abstracta aplicável, bastando, para o preenchimento do crime de falsidade de depoimento agravado, o juramento e a advertência da possibilidade de incorrer em responsabilidade criminal, ou que comete um crime, no caso de não responder com verdade.
O fundamento da agravação da moldura penal, operada pelo n.º 3 do citado artigo 360.º, não resulta da circunstância do agente do crime (in casu, a testemunha) ter conhecimento ou plena consciência do concreto crime que poderá cometer e da respectiva pena abstracta aplicável se prestar depoimento falso, mas da gravidade da sua conduta ser maior do que a prevista no n.º 1, porquanto, não obstante ter previamente prestado juramento legal, afirmando que iria depor com verdade, e ser advertido das consequências da sua conduta, o agente não se inibe de prestar falso depoimento.
Não compreendemos o entendimento sufragado na sentença recorrida que não tem qualquer suporte argumentativo no excerto transcrito do Comentário ao Código Conimbricense, do qual apenas se extrai uma referência a uma “advertência expressa das consequências penais a que o declarante se expõe em caso de falsidade” referência essa que não diverge da advertência expressamente imposta pelo n.º 3 do citado artigo 360º.
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§3. Revertendo para o caso dos autos, do acervo fáctico provado acima transcrito resulta que efectivamente o arguido foi advertido que incorreria na prática de um crime em caso de falsas declarações (cfr. ponto 2 dos factos provados), tendo prestado juramento legal e não obstante, prestou depoimento falso (cfr. factos provados sob os pontos 1, 3, 4, 5 e 6).
Como tal, impõe-se concluir que a factualidade julgada provada na sentença recorrida, ao contrário do que foi decidido, integra a prática, pelo arguido, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, n.ºs 1 e 3 do CP de que vinha acusado.
Procede, pois, o recurso.
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II.3.2. Da determinação da medida concreta da pena de multa

§1. Perante este novo enquadramento jurídico-penal, importa agora proceder à determinação da pena concreta a aplicar ao arguido pela prática do crime de falsidade de testemunho agravado.
De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa -artigo 40º, nºs 1e 2, do Código Penal) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº 1, do Código Penal) deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os factores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da acção e culpa do agente.
Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, principio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.
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§2. O crime pelo qual o arguido AA vai condenado é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 5 (cinco) anos ou com pena de multa de 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias (artigos 360º, n.º 3, 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, todos do CP).
O recorrente não se insurgiu contra a opção pela pena de multa, nem contra a quantia diária fixada pelo tribunal a quo.
Neste contexto, a cognição deste Tribunal da Relação, nesta parte, fica reduzida à determinação concreta da duração temporal da multa.
Assim, e mantendo-se a opção pela pena de multa, fazendo uso dos factores enunciados no citado artigo 71º do CP, verifica-se o seguinte:
- o dolo reveste a sua modalidade mais grave - dolo directo – e a culpa não pode deixar de ser significativa atenta a actuação do arguido;
- o grau de ilicitude dos factos situa-se acima da mediania atenta a fase processual em que foram praticados – a audiência de julgamento – e pelo modo e conteúdo do depoimento falso;
- o arguido não tem antecedentes criminais, encontra-se inserido profissional e familiarmente e tinha 16 anos à data dos factos;
- as exigências de prevenção geral são elevadas, na medida em que a prática deste crime é frequente, sendo cada vez maior o despudor com que os testemunhos falsos são prestados perante autoridades policiais e judiciárias (contribuindo para uma maior dificuldade na administração da justiça);
- as exigências de prevenção especial são diminutas atenta a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar e profissional.
Ponderando os enunciados factores, entendemos ajustada à culpa do arguido e adequada às exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso dos autos a pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, sendo de manter o quantitativo diário de €5,00 (cinco euros) fixado pelo tribunal a quo.

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III- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência:
a) Alterar a qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal de 1ª Instância e condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, n.ºs 1 e 3 do CP, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária fixada na decisão recorrida;
c) Manter, no mais, a decisão recorrida.

Sem custas.









Porto, 03.07.2024
Maria do Rosário Martins (Relatora)
Paula Natércia Rocha (1ª Adjunta)
Pedro Menezes (1º Adjunto)