ACIDENTE DE TRABALHO
PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA
LESÃO
PRESUNÇÃO
Sumário


I - Se o laudo unânime da junta médica se mostra consistentemente fundamentado e explica adequadamente porque é que não ocorreu qualquer lesão decorrente do esforço físico realizado pelo sinistrado para movimentar uma secretária, a qualidade deste meio de prova pode sobrepor-se ao parecer singular emitido pelo perito do Gabinete Médico-Legal.
II - A fratura da L1 detetada em exame de diagnóstico realizado oito dias após o sinistrado ter procedido à deslocação da secretária, não é uma lesão constatada no local e no tempo de trabalho, nem imediatamente a seguir ao evento, pelo que o sinistrado não beneficia da presunção prevista no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
III - O artigo 11.º, n.º 1 da LAT respeita a todas aquelas situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito; já o n.º 2 ocupa-se de duas situações distintas que não têm a ver com a predisposição patológica da vítima, mas antes com: (i) a lesão ou doença consecutiva ao acidente agravada por lesão ou doença anterior ao acidente (1.ª parte da norma); (ii) o agravamento da lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este (2.ª parte da norma).
IV - Em qualquer uma das situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º da LAT garante-se o direito à reparação do acidente de trabalho, salvo se a predisposição patológica do sinistrado tiver sido ocultada (parte final do n.º 1) ou se o sinistrado já estiver a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição pela lesão ou doença anterior, caso contrário a incapacidade é avaliada como se tudo resultasse do acidente (parte final do n.º 2).
V - A alegação e prova da verificação dos pressupostos do direito reconhecido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º, compete ao sinistrado, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
VI - O ónus de alegar e provar a verificação de situação excludente do direito à reparação conferido pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 11. º da LAT, recai sobre a entidade responsável pela reparação, nos termos previstos pelo artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
VII - A montante, porém, da aplicação do artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 da LAT está o ónus de alegação e prova da ocorrência de um evento caracterizável como acidente de trabalho, que recai sobre o sinistrado ou sobre os beneficiários legais (em caso de morte do sinistrado).
VIII - Uma forte dor na coluna dorsal sentida no momento em que o sinistrado estava a deslocar uma secretária, não é uma lesão corporal.
IX - A dor, em tais circunstâncias, é apenas um sintoma, uma reação orgânica a uma lesão existente ou a uma anomalia.
X - Não tendo o sinistrado logrado provar que a deslocação de uma secretária lhe causou lesão corporal, o acidente em causa não pode ser qualificado como de trabalho e, assim sendo, não há fundamento para que se mostre aplicável o artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 da LAT.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


P.3097/19.6T8FAR.E3

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho intentada por AA contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., em 31-05-2021 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a seguradora do pedido.
O sinistrado interpôs recurso dessa decisão.
Tal recurso foi decidido por acórdão desta Secção Social proferido em 28-10-2021, que concedeu provimento ao recurso e, em consequência, anulou a decisão recorrida com vista à repetição do exame por junta médica, e, se necessário, à realização de exames médicos complementares, proferindo-se, a final, nova sentença.
Após trânsito de tal aresto, o processo baixou à 1.ª instância.
Em 05-08-2022 foi proferida nova sentença, na qual foi decidido julgar a ação improcedente e, consequentemente, absolveu-se a seguradora do pedido.
O sinistrado, novamente, interpôs recurso.
No acórdão proferido em 24-11-2022 concluiu-se que o tribunal a quo não havia cumprindo o determinado no anterior acórdão, em manifesto desrespeito pelo dever de acatamento das decisões proferidas pelos tribunais superiores. Por conseguinte, decidiu-se anular a decisão recorrida e determinou-se que fosse repetida a junta médica para cumprimento do determinado no anterior acórdão transitado.
De novo, após trânsito do segundo acórdão, o processo baixou à 1.ª instância.
Em 01-02-2024 foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e, consequentemente, absolveu a seguradora do pedido.
O sinistrado interpôs recurso desta decisão, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A. A decisão recorrida teve por base única e exclusivamente o relatório dos peritos da Junta Médica.
B. No âmbito dos presentes autos foram já intentados dois recursos pela aqui Recorrente – ambos julgados procedentes e em ambos foram solicitados novos esclarecimentos à Junta Médica, que o fez de forma clara e assertiva.
C. Sucede, no entanto, que a decisão do Tribunal a quo continua a merecer censura por, uma vez mais, se limitar a transcrever a posição da Junta Médica, sem ponderar os demais relatórios médicos constantes do processo.
D. Não cabe à junta médica estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente e a lesão, quando a questão se mostre controversa nos autos.
E. O parecer da Junta Médica – em qualquer das suas versões- é, desde logo, contrariado pelo exame médico efetuado pelo Perito Médico do Gabinete Médico-Legal, que
concluiu que existe efetivamente nexo causal entre o sinistro e a lesão apresentada pelo Recorrente, e que, consequentemente, o Recorrente esteve, em virtude desse acidente, afetado de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho durante 13 dias, tendo sido afetado, após a alta, por uma Incapacidade Parcial Permanente de 3%.
F. Existe uma completa e decisiva contradição entre os dois relatórios médicos, contradição essa que nem a Junta Médica nem a sentença recorrida esclarecem ou sequer analisam – limitam-se simplesmente a omitir.
G. A decisão recorrida aceita de forma absoluta e sem quaisquer objeções, observações, dúvidas ou questões, o laudo da Junta Médica, ignorando o laudo do Perito Médico do Gabinete Médico-Legal.
H. Caberia ao Tribunal de primeira instância indagar e aprofundar as divergências entre relatórios, de forma a que não pudessem restar dúvidas sobre a existência ou não do nexo de causalidade entre o acidente e a lesão.
I. A Sentença a quo segue acriticamente o parecer da junta médica, sem ponderar e conjugar os demais elementos de prova.
J. À data do acidente, o Autor desconhecia ter qualquer lesão ou doença, nem tinha tido
antes do ocorrido qualquer tipo de dor na zona das costas, sendo que os seus problemas com lesões e dores nas costas começaram, precisamente, com o acidente que deu origem aos presentes autos.
K. No decurso deste processo, o Recorrente fez diversos exames médicos, tendo-lhe sido diagnosticada num deles, uma doença pré-existente – Osteoporose -, a qual terá sido agravada pelo acidente, na medida em que após o acidente, o Recorrente passou a ter complicações – dores, lesões, contracturas, e até uma intervenção cirúrgica.
L. A lei e a Jurisprudência são unânimes do sentido entender que, num caso como o presente, a lesão do Recorrente ser avaliada e reparada como se tudo tivesse tratado do acidente.
M. A título meramente exemplificativo, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.9.2013, proferido no âmbito do processo 118/10.1TTLMG.P1.S1, de acordo com o qual “(…) sendo a situação enquadrável no nº 1 do art.11º, a circunstância da predisposição patológica poder ser a causa única da lesão não exclui o direito à reparação integral, sendo que nem as RR alegaram, nem se provou, que o A. haja ocultado a patologia de que padecia.
Sendo a situação enquadrável no nº 2 desse preceito, verifica-se que a doença anterior, determinante da IPATH, foi agravada pelo acidente, devendo a incapacidade (seja na parte decorrente apenas da doença anterior, seja na parte decorrente do seu agravamento, determinado pelo acidente) ser avaliada como se tudo decorresse do acidente, já que nem as RR alegaram, nem se provou, que o sinistrado, por virtude dessa doença, se encontre a receber pensão ou já tivesse recebido capital de remição”, consultável em www.dgsi.pt.
N. Ou, ainda, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 20.09.2018, no âmbito do processo 28/16.9Y3BRG.G1 de acordo com o qual “Na verdade dispõe o n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (NLA doravante) que a doença anterior
ao acidente não exclui nem restringe o direito à reparação, antes determina que a incapacidade seja avaliada como se tudo resultasse do acidente (…)”. E ainda, (…)cumpre-nos dizer que à junta médica não incumbe estabelecer tal nexo de causalidade, poderá fazê-lo, designadamente quando a documentação clínica o comprove ou quando não se mostre controverso nos autos (…)”, consultável em www.dgsi.pt” (sublinhado nosso).
O. Ao concluir pela inexistência de acidente de trabalho e, nesse sentido, absolver a R. do pedido, a sentença recorrida violou o artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 98/2009, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente por provada a presente ação, considerando-se que a existência de acidente de trabalho nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e, em consequência, ser a R. condenada conforme peticionado.».
Contra-alegou a seguradora, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
O processo subiu à Relação e, na sequência do cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público emitiu o seu parecer em sentido favorável à procedência do recurso.
Não foi oferecida qualquer resposta.
O recurso foi mantido, foi elaborado o projeto de acórdão, e foram apostos os vistos legais.
Cumpre agora apreciar e decidir.

*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Impugnação da decisão de facto.
2.ª Direito à reparação do acidente, ao abrigo do artigo 11.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante designada por LAT).
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou a seguinte factualidade provada
A) No dia 26 de dezembro de 2018, pelas 14.20 horas, o A. prestava as suas funções de técnico administrativo sob as ordens, direção e fiscalização de “T..., Empresa Municipal do Ambiente E.M.”, na sede desta na Rua ..., ..., ... em ...;
B) Auferia nessa data a retribuição anual de € 1.176,00, por 14 meses, acrescido de subsídio de refeição de € 167,86, por 11 meses e € 343,00 por 12 meses, respeitante a outros subsídios, num total anual de € 22.426,46;
C) A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...95, que vigorava sob a modalidade de seguro a prémio variável;
D) Na data referida em A), o A., quando, por ordem da entidade empregadora, procedia à deslocação da secretária a fim de permitir a prossecução de trabalhos de pintura das paredes, foi acometido de forte dor na coluna dorsal que o obrigou a ajoelhar-se no solo;
E) Este acidente foi participado pela sua entidade empregadora à seguradora;
F) Esta prestou assistência médica ao A. até 23.01.2019, data em que lhe atribuiu alta por considerar inexistir nexo causal entre o acidente e as lesões apresentadas pelo A.;
G) Não tendo pago quaisquer indemnizações por incapacidades temporárias;
H) Submetido a exame médico pelo Perito Médico do Gabinete Médico-Legal, em 22 de janeiro de 2020, o mesmo concluiu pela existência de nexo causal entre o acidente e a lesão apresentada pelo A. e que, em consequência da mesma, o A. esteve afetado de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, desde 25.02.2019 a 9.03.2019, num total de 13 dias, bem como que após a data da alta – 9.03.2019-, o Perito médico considerou o A. afetado de Incapacidade Parcial Permanente de 3%;
I) Em 29 de setembro de 2020 foi realizada a tentativa de conciliação entre o A. e a Ré;
J) Esta reconheceu a existência do contrato de seguro supra referido e a transferência da responsabilidade da entidade empregadora pelo montante da retribuição referida em 2º, bem como a existência e caracterização do acidente como de trabalho na data referida em A);
K) Não aceitou, porém, a existência de nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, nem o resultado do exame médico efetuado pelo Perito médico do tribunal;
L) Em consequência do acidente, o A. não sofreu IT’s nem ficou afetado com qualquer IPP;
M) O A. despendeu 25,80 €, com deslocações obrigatórias que teve de efetuar a este Tribunal – 3x8,60€;
N) Suportou ainda as despesas com consultas médicas, no valor de 49,50€;
O) Com medicamentos que lhe foram prescritos, no valor de 21,44€;
P) Com exames médicos e análises, que lhe foram prescritas, no valor de 30,80€;
Q) Com intervenção cirúrgica e internamento no Hospital da CUF, no valor de 250,00€;
R[2]) E com a deslocação a Lisboa para tratamento, no valor de 53,80.
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E considerou que não se provou que:
A) Como consequência necessária e direta desse acidente, o A. sofreu traumatismo da coluna dorso lombar.
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IV. Impugnação da decisão de facto
Extrai-se da conjugação das alegações com as conclusões do recurso que o recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto - cf. pág. 3 do recurso interposto («Análise critica da decisão recorrida; Impugnação da decisão da matéria de facto»).
É consabido que a impugnação da decisão da matéria de facto constitui uma prerrogativa do recorrente.
Todavia, o legislador civil (e o legislador laboral, por subsidiariedade da aplicação do regime), sujeitou-a a determinadas condições.
O artigo 640.º do Código de Processo Civil[3], sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, prescreve o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Quanto à consequência prevista para o desrespeito pelo ónus de impugnação, resulta do citado artigo que é a rejeição do recurso.
Vejamos então se o recorrente cumpriu as regras necessárias para a admissão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Ora, consegue-se extrair das alegações e conclusões do recurso que o recorrente discorda da decisão respeitante ao facto não provado [nexo causal entre o acidente e o traumatismo da coluna dorso lombar (lesão)], que, no seu entender, deveria constar do elenco dos factos provados, considerando a análise que faz dos meios de prova periciais que indica.
Por conseguinte, porque é possível delimitar o objeto da impugnação e compreender quais os meios probatórios convocados pelo recorrente para a fundamentar, consideramos minimamente cumprido o ónus de impugnação primário previsto no n.º 1 do referido artigo 640.º.
Apreciemos, pois, a impugnação.
No entendimento do recorrente deveria ter resultado provado que, em consequência necessária e direta do acidente, sofreu traumatismo da coluna dorso lombar.
A sua discordância com o decidido apoia-se no parecer emitido pelo perito do Gabinete Médico Legal (doravante, designado por GML), que contraria o laudo da junta médica em que se baseou o tribunal a quo.
Reapreciemos então a prova produzida nos autos.
Na fase conciliatória do processo, o sinistrado foi submetido, em 22-01-2020, a exame médico feito pelo perito do GML.
Do relatório de tal perícia, infere-se que a conclusão assumida se baseou no exame direto do examinado, nas declarações por este prestadas e nos dados documentais facultados.
Entre os aludidos dados documentais, destaca-se o relatório do Neurocirurgião, Dr. BB, elaborado em 11-01-2019, no qual se escreveu:
«Informação clínica
O doente em epígrafe fez esforço a 26/Dezembro 2018 (Pegou em secretária) e sentiu de imediato “estalo” nas costas e ficou, também de imediato, com total incapacidade funcional.
Fez IMR, que revelou fratura recente do trato superior da L1»
Este especialista propôs a realização de uma intervenção cirúrgica e, efetivamente, o sinistrado foi operado, em 25-02-2019, devido a fratura lombar[4].
No relatório da ressonância magnética da coluna lombar, elaborado em 03-01-2019, escreveu-se:
«Alteração morfológica e de sinal do corpo vertebral de L1 com redução da altura existindo afundamento do planalto superior apresentando a metade superior do corpo vertebral hipersinal na ponderação STR e hipossinal em T1 o que nos sugere sequela traumática com fratura por afundamento do planalto superior, recente, com algum edema intraósseo.».
Retornando ao exame pericial realizado no GML, pode ler-se no mesmo:
«1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.»
Por conseguinte, os elementos probatórios, que foram apresentados na fase conciliatória do processo, vão no sentido de estabelecer um nexo de causalidade entre o acidente e a fratura lombar diagnosticada.
Já na fase contenciosa do processo, foi designada a realização de um exame por junta médica.
A 1.ª instância formulou os seguintes quesitos, para serem respondidos pela junta médica:
1) Que lesões sofreu o A. no acidente em apreciação nos autos?
2) Tais lesões têm origem traumática?
3) As lesões implicaram um compromisso neurológico?
4) É possível admitir a existência de uma fratura recente?
5) Em consequência dessas lesões, o A. ficou afetado de incapacidade temporária absoluta (ITA) e incapacidade temporária parcial?
6) Em que período?
7) O A. é portador de sequelas em consequência das lesões sofridas?
8) O A. encontra-se curado? A partir de que data?
9) Em consequência dessas lesões, o A. ficou afetado de incapacidade permanente parcial para o trabalho (IPP)?
10) Qual o grau de desvalorização que lhe deve ser fixado, de harmonia com a Tabela Nacional de Incapacidades?
No laudo da junta médica, que foi realizada em 06-04-2021, pode ler-se:
«Após análise do processo judicial e entrevista com o sinistrado , bem como consulta dos tratamentos e exames efetuados recentemente (que foram anexados ao processo) os peritos, por unanimidade declaram que: a fratura de L1 tem duas causas primordiais, a saber 1- traumatismo de alta energia (por exemplo acidente de vação (digo viação), queda em altura, etc; 2- causas médicas, lesões tumorais, medicação, hipertiroidismo e osteoporose marcada; Ora na inexistência de qualquer um destes fatores – facto confirmado por várias vezes pelo sinistrado- não podem os peritos considerar qualquer nexo entre o acidente e a fratura descrita.
Os peritos respondem por unanimidade aos quesitos das folhas 2 do Apenso A:
1) Prejudicado face à exposição anterior.
2) Prejudicado face à exposição anterior.
3) Prejudicado.
4) Sim, mas sem nexo causal com o acidente em questão.
5) Não.
6) Prejudicado.
7) Prejudicado face à exposição anterior
8) Prejudicado face à exposição anterior
9) Prejudicado.
10) Prejudicado.».
No nosso 1.º acórdão, proferido em 28-10-2021, entendemos que o relatório do exame por junta médica era insuficiente e obscuro.
Escrevemos na nossa decisão:
«Infere-se, assim, do citado relatório pericial, que a junta médica, não obstante admita que o sinistrado sofreu uma fratura recente na L1, descarta qualquer nexo causal entre a fratura e o acidente e considera que em consequência do acidente, o sinistrado não ficou afetado de incapacidade temporária absoluta (ITA) ou de incapacidade temporária parcial (ITP).
O tribunal de 1.ª instância considerou não existir razão para se desviar do resultado do exame por junta médica.
Todavia, a aludida prova pericial está sujeita a uma atividade crítica racional por parte do julgador, considerando os demais elementos processuais.
Nos presentes autos, existe prova apresentada na fase conciliatória do processo, que estabelece um nexo de causalidade entre a fratura dorsal e o acidente, tendo sido considerado que a incapacidade temporária absoluta que afetou o sinistrado está relacionada com a lesão decorrente do evento, que, inclusive, afetou permanentemente o sinistrado na sua capacidade geral de ganho.
Por outro lado, temos a perícia colegial, que considera que a fratura dorsal nada teve a ver com o acidente, mas ao mesmo tempo admite que tal fratura é recente, revelando, neste ponto, uma certa obscuridade, porque o único evento suscetível de causar dano corporal ao sinistrado foi o acidente de 26 de dezembro de 2018, segundo se apurou.
Ademais, a junta médica nem sequer identifica uma causa concreta para a diagnosticada fratura na L1, pois os fatores primordiais que menciona parece que não se verificam no caso concreto. Será que considera que o sinistrado é portador de alguma doença degenerativa ou que tinha alguma lesão pré-existente que justifique a aludida fratura? A junta médica não esclarece.
Também não esclarece porque é que, no seu entender, o movimento de deslocação da secretária não era causa adequada a causar a fratura dorsal diagnosticada.
Outra questão que suscita dúvidas, e que a junta médica não esclarece, relaciona-se com a explicação para, oito dias depois do acidente, a ressonância magnética realizada ter revelado a existência de fratura recente se a mesma nada ter a ver com o acidente.
Repare-se que, em total contraste com o laudo da junta médica, o exame pericial singular considerou que «existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.»
Enfim, o relatório do exame por junta médica, mostra-se manifestamente insuficiente e obscuro, não podendo ser utilizado para formar a convicção do tribunal.
Nesta conformidade e perante a contradição dos laudos periciais, entendemos que se verifica insuficiência probatória para formar a convicção do julgador, mostrando-se necessário completar a prova produzida, com a repetição do exame por junta médica e a realização de exames médicos complementares, caso tal se justifique.
Sem prejuízo de eventuais outras questões que a 1.ª instância considere pertinentes, deverá a junta médica, especificamente, esclarecer:
1.º O movimento de deslocação da secretária, verificado em 26-12-2018, é causa adequada a provocar a fratura dorsal diagnosticada ao sinistrado? Porquê?
2.ª Em 26 de dezembro de 2018, o sinistrado tinha alguma predisposição patológica ou sofria de alguma doença degenerativa suscetível de provocar a fratura na L1?
3.ª Que lesão sofreu o sinistrado ao deslocar a secretária no dia 26 de dezembro de 2018?
4.ª O sinistrado foi afetado de incapacidades temporárias?
5.ª Em caso afirmativo, o que motivou tais incapacidades temporárias?
6.ª Identifique as incapacidades temporárias (absoluta ou parcial) e os seus períodos temporais.
7.ª O sinistrado é portador de sequelas devido ao movimento de deslocação da secretária, no dia 26 de dezembro de 2018?
8.ª O sinistrado encontra-se curado? A partir de que data?
9.ª Em consequência do sucedido no dia 26 de dezembro de 2018, o sinistrado ficou afetado de incapacidade permanente para o trabalho (IPP)?
10.ª Qual o grau de desvalorização que lhe deve ser fixado, de harmonia com a Tabela Nacional de Incapacidades?».
Na sequência desta decisão, e para o que agora interessa, foi realizada junta médica, em 21-03-2023, que, por unanimidade, respondeu assim aos quesitos formulados:
«1.º Não. O movimento em causa não é adequado a produzir fraturas na coluna vertebral já que não se tratou de queda ou traumatismo direto.
2.ª Sim. O sinistrado sofria de osteoporose grave e osteopenia.
3.ª Nenhuma, decorrente do movimento referido, em causa.
4.º Não.
5.º Prejudicado.
6.º Prejudicado.
7.º Não, como decorre da resposta anterior.
8.º Prejudicado em face da não existência de nexo causal.
9.º Prejudicado.
10.º Prejudicado.».
Após, o tribunal a quo pediu os seguintes esclarecimentos à junta médica:
«1.- Em complemento à resposta dada em 1º. a fls. 42, porque razão só a queda ou traumatismo direto, e não o movimento de deslocação da secretária verificado em 26.12.2018, poderiam ser causa adequada a provocar a fratura dorsal diagnosticada ao sinistrado?
2.- Em complemento à resposta dada em 2º. a fls. 42, em que medida a osteoporose grave e osteopenia de que sofria o sinistrado seriam suscetíveis de provocar a fratura na L1?
3- Por que motivo a ressonância magnética realizada oito dias após o acidente (relatório elaborado a 03.01.2019) terá revelado fratura recente se não foi pelo movimento de deslocação da secretária?
4.- A pré-existência de doença pode ter sido agravada pelo movimento de deslocação da secretária? Porquê?
5.- As dores, lesões, contracturas e intervenção cirúrgica do sinistrado tiveram origem nesse agravamento?».
Novamente reunida a junta médica, por unanimidade, respondeu assim:
«1-Conforme já respondido em folhas 8 vs, as fraturas de L1 têm 2 etiologias primordiais: lesões traumáticas de alta cinética e causas médicas. O movimento de deslocação de uma secretária não corresponde a um movimento de traumatismo de alta energia, pelo que não se considera adequado para provocar a fratura descrita nos autos.
2- A osteoporose grave de que o sinistrado é portador é suscetível de provocar fraturas ao nível descritos nos autos, sintomáticas ou não, sem exigência da existência de trauma.
3- As fraturas por osteoporose grave têm uma evolução para a cura clínica lenta e insidiosa, sendo que o carácter recente imagiológico pode corresponder até semanas.
4- A osteopenia e osteoporose graves não foram agravadas pelo movimento de deslocação da secretária.
5- Não, uma vez que, como já referido acima os peritos referem que não houve agravamento da doença do sinistrado.».
Eis os meios probatórios produzidos nos autos.
E o que se alcança dos dois últimos autos de exame por junta médica é que o colégio de peritos respondeu aos quesitos formulados pela Relação e aos esclarecimentos posteriores solicitados pela 1.ª instância, de forma clara e assertiva, como reconhece o próprio recorrente nas conclusões do recurso.
E mais, fê-lo de forma completa, devidamente fundamentada e bastante esclarecedora, pelo que não há qualquer insuficiência desta prova.
Resulta evidente do laudo da junta médica que o movimento de deslocação da secretária realizado em 26-12-2018 não provocou qualquer lesão ou sequela (cf. resposta aos quesitos 3.º e 7.º elaborados pela Relação), nem agravou a osteopenia e osteoporose graves de que padecia o sinistrado (cf. resposta aos esclarecimentos 4.º e 5.º solicitados pelo tribunal a quo). Quanto à fratura de L1, a mesma só poderia ter sido originada por duas causas primordiais:
- uma delas seria um traumatismo de alta energia, não correspondendo o movimento de deslocação da secretária a este tipo de traumatismo. Um traumatismo de alta energia corresponde mais a situações do tipo queda em altura, acidente de viação, etc.
- a outra identificar-se-ia com causas médicas, lesões tumorais, medicação, hipertiroidismo e osteoporose marcada. Ora, embora em 26-12-2018, o sinistrado sofresse de osteoporose e a fratura lombar resulte, muito provavelmente, desse patologia (cf. resposta ao esclarecimento 2.º solicitado pelo tribunal a quo), o certo é que nada revela que a fratura tenha sido originada pelo movimento de deslocação da secretária ou que se tenha agravado em resultado desse movimento. O que resulta do relatório da junta médica é que a fratura em causa provavelmente já existiria há semanas, embora assintomática, e que é característico deste tipo de fraturas terem uma evolução para a cura clínica lenta e insidiosa (resposta aos esclarecimentos 2.º e 3.º, pedidos pela 1.ª instância).
É certo que os pareceres do perito do GML e da junta médica se contradizem.
Todavia, é aí que entra a avaliação, a valoração e o exame crítico da prova, que o julgador tem de realizar.
E atendendo aos concretos laudos periciais em confronto, acompanhamos a 1.ª instância no entendimento de que o laudo da junta médica, que é subscrito por três peritos, se sobrepõe, pela sua qualidade, à restante prova produzida.
O laudo está consistentemente fundamentado e explica adequadamente porque a fratura que estava em discussão - traumatismo da coluna dorso lombar - não resultou nem foi agravada pelo movimento de deslocação da secretária.
Ademais o sinistrado não pode beneficiar da presunção prevista no artigo 10.º, n.º 1 da LAT, porquanto a fratura não foi constatada no local e no tempo de trabalho, nem foi detetada imediatamente a seguir ao acidente ou com uma proximidade temporal que se possa considerar imediata[5]. A fratura apenas é mencionada na ressonância magnética realizada em 03-01-2019, ou seja, decorridos 8 dias após o evento que se aprecia nos autos. E, repare-se, as incapacidades temporárias que o perito do GML atribuiu ao sinistrado iniciam-se apenas em 25-02-2019, ou seja mais de 2 meses após o acidente.
Dito de outro modo, para beneficiar da presunção prevista no mencionado artigo 10.º, n.º 1, teria de ser possível inferir que a lesão (fratura dorsal) se revelou no local e no tempo de trabalho ou logo após – cf. acórdão desta Secção Social de 09-03-2016 (Proc. n.º 94/12.6TTTMR.E1), consultável em www.dgsi.pt.
Pelo interesse e relevância, citamos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2008 (Proc. n.º 2916/07-4.º), Sumários, Fev/2008:
«V- Não beneficia da referia presunção (da lesão/descolamento da retina ser consequência de acidente de trabalho), o Autor que, ao serviço da entidade empregadora, ao manusear o ferro, uma parte deste embateu nos seus óculos, quebrando uma das lentes, sentindo na ocasião uma dor, mas continuando a trabalhar, assim como nos dias subsequentes, vindo-lhe cinco dias depois a ser diagnosticado o referido descolamento da retina. VI- Daí que caiba ao Autor provar que as alterações orgânicas e funcionais que o afetaram resultaram do evento em causa».
Concluindo, porque a manifestação da lesão não foi imediata, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, recaia sobre o sinistrado o ónus de provar que a fratura que depois foi detetada, ou eventualmente qualquer outra lesão, foi uma consequência resultante do esforço físico realizado com a deslocação da secretária.
E, tendo em consideração a prova produzida, essa demonstração não foi concretizada.
Entendemos, por isso, que a decisão de facto impugnada não merece censura e concluímos pela improcedência da impugnação da decisão fáctica.
*
V. Enquadramento jurídico
A segunda questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se a seguradora pode ser responsabilizada pela reparação do acidente ao abrigo do artigo 11.º da LAT.
Vejamos.
Prescreve o artigo 11.º da LAT:
1 - A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
2 - Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.
3 - No caso de o sinistrado estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.
4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando do acidente resulte a inutilização ou danificação das ajudas técnicas de que o sinistrado já era portador, o mesmo tem direito à sua reparação ou substituição.
5 - Confere também direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento subsequente a um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento.
No vertente caso, não está em causa qualquer uma das situações previstas nos n.ºs 3 a 5 do artigo, pelo que incidiremos o nosso foco apenas nas situações contempladas nos n.ºs 1 e 2 do citado preceito legal.
Conforme decorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2013 (Proc. n.º 118/10.1TTLMG.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt, o n.º 1 respeita a todas aquelas situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito; já o n.º 2 ocupa-se de duas situações distintas que não têm a ver com a predisposição patológica da vítima, mas antes com: (i) a lesão ou doença consecutiva ao acidente agravada por lesão ou doença anterior ao acidente (1.ª parte da norma); (ii) o agravamento da lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este (2.ª parte da norma).
Em qualquer uma das situações previstas nos aludidos n.ºs 1 e 2 garante-se o direito à reparação do acidente de trabalho, salvo se a predisposição patológica do sinistrado tiver sido ocultada (parte final do n.º 1) ou se o sinistrado já estiver a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição pela lesão ou doença anterior, caso contrário a incapacidade é avaliada como se tudo resultasse do acidente (parte final do n.º 2).
Obviamente que o ónus de alegar e provar a verificação de situação excludente do direito à reparação conferido por estes números, recai sobre a entidade responsável pela reparação, nos termos previstos pelo artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
Por seu turno, a alegação e prova da verificação dos pressupostos do direito reconhecido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º, compete ao sinistrado, de harmonia com o disposto no n.º 1 do aludido artigo 342.º.
Importa, porém, esclarecer que a montante da aplicação do artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 está o ónus de alegação e prova da ocorrência de um evento caracterizável como acidente de trabalho, que recai sobre o sinistrado ou sobre os beneficiários legais (em caso de morte do sinistrado).
Escreveu-se no acórdão desta Secção Social de 11-07-2013 (Proc. n.º 159/10.9TTEVR.E1), consultável em www.dgsi.pt:
«I – O conceito de acidente de trabalho é delimitado por três elementos cumulativos:
(i) o local de trabalho – elemento espacial, (ii) o tempo de trabalho – elemento temporal, (iii) e o nexo de causalidade entre o evento e a lesão, perturbação ou doença – elemento causal.
II – O nexo de causalidade desdobra-se em duas condições: (i) tem que haver um nexo de causa-efeito entre o evento lesivo (acidente) e a lesão corporal, perturbação funcional ou doença; (ii) que a lesão corporal, perturbação funcional ou doença, dê causa à incapacidade, permanente ou temporária, para trabalhar, ou à morte.
III – De acordo com a regra geral constante do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, cabe ao trabalhador, ou ao beneficiário legal, a prova dos elementos que integram o conceito de acidente de trabalho, incluindo a verificação do acidente e o elemento causal.
IV – Contudo, se a lesão for constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, presume-se consequência do acidente de trabalho.
V – Mas tal não liberta o sinistrado, ou os beneficiários legais, do ónus da prova quanto ao próprio evento (acidente) causador das lesões.
(…)
VII – A predisposição patológica não exclui o direito à reparação desde que se tenha verificado um acidente de trabalho: caso o evento ocorrido não possa qualificar-se como acidente de trabalho, não pode invocar-se a existência de uma predisposição patológica para sustentar a reparação dos danos.
VIII – Em conformidade com a proposição anterior, não sendo de qualificar o sinistro ocorrido nos autos como acidente de trabalho, não pode, para efeitos de reparação de acidentes de trabalho prevista na Lei n.º 98/2009, invocar-se a existência de uma predisposição patológica do trabalhador para sofrer enfarte de miocárdio.».
Ora, após leitura da sentença recorrida, verificamos que na mesma foi decidido que o evento ocorrido em 26-12-2018 (deslocação de uma secretária com vista a permitir a prossecução de trabalhos de pintura das paredes do local de trabalho e o súbito acometimento de forte dor na coluna dorsal que obrigou o recorrente a ajoelhar-se no solo) não foi caracterizado como acidente de trabalho, por não se enquadrar, de acordo com o tribunal a quo, no disposto no artigo 8.º da LAT.
Desde já se adianta que a decisão recorrida não merece censura.
Estatui o artigo 8.º, n.º 1, da LAT que é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte
Assim, o conceito de acidente de trabalho é delimitado por três elementos cumulativos: um espacial – o local de trabalho – outro temporal - o tempo de trabalho – e, por último, um causal – o nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença.
Recorrendo às palavras de Victor Ribeiro, in Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, Rei dos Livros, 1984, pág. 219 e seguintes: «acidente de trabalho é pois uma cadeia de factos em que cada um dos respetivos elos estejam entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento naturalístico tem que resultar da relação de trabalho; como a lesão, perturbação ou doença, terão que resultar daquele evento; e, finalmente, a morte ou incapacidade para o trabalho deverão filiar-se causalmente na lesão, perturbação ou doença».
No caso que nos ocupa, a 1.ª instância não qualificou o acidente ocorrido como de trabalho por não ter resultado demonstrado que o sinistrado, em consequência de ter deslocado a secretária, obedecendo a uma ordem da empregadora, sofreu lesão corporal.
Concordamos.
Ficou demonstrado nos autos que no dia 26-12-2018, o sinistrado, quando, por ordem da entidade empregadora, procedia à deslocação de uma secretária a fim de permitir a prossecução de trabalhos de pintura das paredes, foi acometido de forte dor na coluna dorsal que o obrigou a ajoelhar-se no solo.
Todavia, uma dor não é uma lesão corporal.
Conforme se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-10-1999 (Proc. n.º 99S173), publicado em www.dgsi.pt, a dor é «tão somente um sintoma, uma reação orgânica a uma lesão ou anomalia».
Ou seja, em decorrência do evento, o sinistrado teve um quadro sintomatológico de dor temporária, não se tendo apurado, porém, que essa dor proviesse de lesão causada pelo esforço físico do movimento de deslocação da secretária, de agravamento de doença ou anomalia física pré-existente, ou de alguma predisposição patológica do sinistrado.
Logo, não resultou demonstrada a verificação do elemento causal necessário à caracterização do acidente.
Assim sendo, bem andou a 1.ª instância ao não qualificar o acidente como de trabalho.
Um último esclarecimento, infere-se do auto de tentativa de (não) conciliação, datado de 29-09-2020, que a seguradora «reconhece a existência e caracterização do acidente como de trabalho».
Ora, esta Secção Social já decidiu em anterior aresto que só a admissão de factos concretos na tentativa de conciliação vincula a parte e não as meras conclusões jurídicas qualificativos – cf. acórdão de 19-11-2020 (Proc. n.º 95/18.0T8STR.E1), acessível em www.dgsi.pt.
Prosseguindo, não tendo, a montante, o sinistrado logrado provar que no dia 26-12-2018 sofreu um acidente qualificável como acidente de trabalho, não há fundamento para que seja aplicável o disposto no artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 da LAT e, consequentemente, para se reconhecer qualquer responsabilidade da seguradora pela reparação do acidente.
Resumindo e concluindo, sufragamos a decisão recorrida e, por consequência, o recurso terá de improceder.
As custas do recurso serão suportadas pelo recorrente – artigo 527.º do Código de Processo Civil – sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficie.
Notifique.

Évora, 6 de junho de 2024
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
Mário Branco Coelho
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Substituímos a letra A que constava da sentença pela Letra R.
[3] Subsidiariamente aplicável ao processo laboral, por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
[4] Cf. “Nota de Alta de Neurocirurgia”, junta ao processo.
[5] Salientamos que no Dicionário on line da Porto Editora, o adjetivo “imediato” é definido como: «que se segue ou precede sem nada de permeio; numa série, seguinte; que não tem nada de permeio, contíguo, próximo» - cf. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/imediato.