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PENA NÃO PREVISTA E CONTRÁRIA AO ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL PORTUGUÊS
PENA COMPLEMENTAR À PENA EFETIVA DE PRISÃO
Sumário
I – A pena complementar de acompanhamento sócio-judiciário prevista no artigo 131-36-1 do Código Penal francês aplicada ao condenado, que se seguia ao cumprimento da pena de efetiva de prisão, também paralelamente aplicada, contraria o nosso ordenamento jurídico penal pelo que não pode ser reconhecida e executada em Portugal. II – Essa pena complementar não se equipara a qualquer pena acessória, prevista pela legislação nacional.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães. I – Relatório
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Guimarães, vem, em conformidade com o disposto na Lei. n.º 158/2015, de 17 de Setembro, e em aplicação da Decisão-Quadro 2008/947/JAI, do Conselho, de 27/11/2008, vem requerer o reconhecimento no nosso País de decisão judicial relativa à liberdade condicional e ainda de sanção alternativa, uma pena complementar, contra:
AA, nascido a .../.../1984, em ..., de nacionalidade portuguesa, filho de AA e de BB, agora residente na Rua ..., em ..., ... ..., concelho ..., Comarca ....
Alega para tanto o seguinte (transcrição):
“1. Pela sentença de 07/07/2020, transitada em julgado em 12/02/2021, sentença proferida em recurso da sentença do Tribunal Correcional de ..., a 27/01/2020, no proc. ...47, pelo Tribunal de Apelação de ..., ..., foi o AA condenado na pena global de 6 anos de prisão pela autoria de 3 crimes não prescritos:
a) Por em ..., ..., no dia 09 de Agosto de 2018, ter cometido voluntariamente violências que provocaram uma incapacidade total de trabalho superior a 8 dias, neste caso 10 dias, sobre a pessoa de CC, com a circunstância que os factos foram cometidos por pessoa que é ou já tinha sido cônjuge, concubino ou parceiro ligado à referida vítima por um pacto de solidariedade, fazendo uso ou ameaça com arma, no caso com uma faca, uma muleta e um cinto, crime previstos pelo ART.22-12, ART.222-II do Código PENAL Francês, e punidos pelos ART.222-12 AL.24, ART.222-44, ART.222-45, ART.222-47 AL.1, ART 131-C,C-2-26, do mesmo Código;
b) Por em ..., ..., no dia 09 de Agosto de 2018, ter detido, sem autorização Legal, uma ou mais armas, munições da categoria B, neste caso, uma pistola semiautomática da marca ... n.° A...13 Calibre 380, crime previsto pelos ART.222 -52 AL.1 do Código PENAL Francês, e ART.L.312-1, ART.L.312-4, ART. 311-2 AL.12°, ART.R.312-21, ART.R.312-13, ART.R.311-2 §11 do C.S.l. e punidos pelos ART.222-52 AL.1, ART.222-62, ART.222-63, ART.222-64, ART.222-65, ART.222-66 do Código PENAL Francês; e
c) Por em ..., ..., entre o dia 01 de Agosto 2015 e 09 de Agosto 2018, ter cometido voluntariamente violências habituais sobre a pessoa de CC, violências essas que não provocaram uma incapacidade total de trabalho superior a 8 dias, com a circunstância de que os factos foram cometidos por pessoa que é ou já tinha sido cônjuge, concubino ou parceiro ligado à referida vítima por um pacto de solidariedade, crime previsto petos ART.222-14 L.6, AL.5, ART.132-80 C.PENAL, e reprimidos petos ART. 4°, ART.222-44, ART.222- 45, ART.222-47 AL.1, ART.222-48 AL.2, ART.222-48-2, ART.131-26-1, do Código PENAL Francês, e ART.378, ART.379-1 do Código CIVIL Francês.
2. Nos termos dessa sentença, foi ainda condenado na pena complementar de acompanhamento sócio-judiciário pelo prazo de 5 anos, com a advertência de que cumpriria mais 3 anos de prisão em caso de incumprimento.
3. O condenado AA, que esteve presente no seu julgamento, foi detido a 16/08/2018, e por decisão judicial de 30/09/2022, da juíza de execução de penas do Tribunal Judicial ..., da jurisdição do Tribunal de Apelação de ..., ..., decisão passada em julgado a 10/10/2022, foi colocado em liberdade condicional, com expulsão do território francês, a partir de 15/11/2022, e sob sujeição aos seguintes deveres:
a. Exercer uma atividade profissional ou seguir um ensino ou uma formação profissional;
b. Estabelecer a sua residência em casa de DD, na Rua ..., em ..., ..., Portugal;
c. Submeter-se a exames médicos, tratamentos e cuidados de saúde, mesmo em regime de hospitalização, cuidados psicológicos e psiquiátricos relacionados com os factos que foram objecto da condenação, até 15/11/2027;
c. Reparar, no todo ou em parte e de acordo com as suas faculdades contributivas, os danos causados pelo seu crime, mesmo na falta de uma decisão coerciva cível;
e. Abster-se de entrar em território francês durante 3 anos, até 15/11/2025;
f Abster-se de contactar com a vítima EE;
g. Não possuir ou transportar uma qualquer arma;
h. Obter prévia autorização do Juiz de Execução de Penas para se deslocar para o estrangeiro, para mudança de emprego ou de residência susceptível de impedir a execução das obrigações impostas;
i. Responder ás convocatórias;
j. Receber o técnico social e comunicar-lhe as informações ou documentos que o habilitem ao controlo das obrigações impostas;
k. Avisar o técnico social de qualquer mudança de residência e de qualquer deslocação cuja duração exceda 15 dias e informar do regresso.
4. A factualidade e os crimes acima indicados constam da certidão e da decisão judicial que se anexam, e que foram transmitidas a este tribunal para reconhecimento e execução em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/947/JAI de 27 de Novembro de 2008, transposta para o direito interno peta citada Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.
5. A certidão, devidamente transmitida em língua portuguesa, foi emitida em conformidade com o formulário cujo modelo constituí o anexo III deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida.
6. Apresenta-se oferecida com a sentença traduzida para português - artigo 30. °, n.º 2, da Lei n.º 158/2015.
7. Os crimes acima indicados não fazem parte do n.°1 do art.º 10 da Decisão Quadro 2008/947/JAI — art.º 3, n.°1 da Lei 158/2015, todavia verifica-se a circunstância da dupla incriminação prevista no n.º 2 do predito artigo, pois que os crimes acima indicados estão previstos na legislação portuguesa:
a) No art.º 145, n°1, al. a), n.°2 e 132, n.°2, al. b) do Código Penal — crime de ofensa à integridade física qualificada;
b) No art.º 152, n.°1 do Código Penal — crime de violência doméstica; e
c) No art.º 86, n.°1 da Lei n.º 5/2006, de 23/02 — crime de detenção de arma proibida.
8. O condenado requerido tem nacionalidade portuguesa e agora reside e trabalha em ... com uma pessoa da sua família apás ter sido afastado do território francês, verificando-se que a vigilância em território nacional dos deveres acima referidos e que lhe foram fixados pela autoridade judiciária do Estado de emissão contribuirá para atingir o objetivo de facilitar e zelar pela sua reinserção social, nos termos do artigo 1 da Decisão-Quadro 2008/947/JAI - (A presente decisão-quadro visa facilitar a reinserção social da pessoa condenada...), e artigo 1 n.°2, da Lei 158/2015.
9. Este tribunal é o territorialmente competente para reconhecer a sentença, de acordo com o disposto no artigo 34. °, n.º 1, da dita Lei 158/2015, referida.
10. Não se mostram verificados quaisquer motivos de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da condenação previstos no artigo 36. ° da Lei n.º 152/2015 citada.
Pelo exposto, se requer a V. Exª. que, D. e A.:
a) Seja designado defensor ao requerido condenado;
b) Sejam notificados deste requerimento o defensor e o requerido condenado, nos termos e para os efeitos do art.º 16-A, n.°1 e do art.º 35-A da Lei 158/2015;
c) Seja comunicado ao Estado emissor a instauração deste procedimento de cooperação judiciária penal — artigo 43, al. a) da Lei n.º 158/2015;
d) Seja proferida decisão de reconhecimento da sentença;
e) Seja ordenada a sua transmissão, oportunamente, ao Juízo Local Criminal ..., Comarca ..., de acordo com o disposto no artigo 34, n.º 2 da Lei n.º 158/2015 — “2 - É competente para executar a sentença que aplique sanções alternativas à pena de prisão e para fiscalizar as sanções alternativas o juízo local com competência em matéria criminal na área em que a pessoa condenada tenha residência, nos termos do número anterior”.
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Foi junta certidão emitida pela autoridade de emissão, cópia da sentença condenatória e do acórdão que a confirmou, bem como da decisão judicial que colocou o condenado em liberdade condicional e demais expediente enviado pela autoridade de emissão.
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Foi nomeado defensor oficioso ao condenado AA e foi cumprido o disposto no artigo 16ºA, nº1 da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro.
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O condenado apresentou oposição na qual considera que deverá deferir-se o pedido de reconhecimento da decisão judicial relativa à liberdade condicional com as retificações de que a proibição do condenado entrar em território francês tem como limite o dia 5 de maio de 2023 e que a data limite da sujeição a exames médicos, tratamento ou cuidados, mesmo sob o regime de hospitalização: cuidado psicológico ou psiquiátrico tem como limite temporal o términus da medida de liberdade condicional.
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Foi cumprido o disposto no artigo 16-A nº 4 da Lei nº 158/2015, de 17 de setembro.
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A ilustre defensora produziu alegações escritas, nas quais apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“A – Foi concedido ao arguido através de decisão judicial de 30/09/2022, da Juíza de Execução de penas do Tribunal ..., benefício da libertação condicional a partir de 15 de novembro de 2022, sob reserva da sua recondução à fronteira com destino ao seu pais de origem (PORTUGAL).
B – Está subordinada à execução de expulsão do território nacional onde ele tem proibição de aparecer au 05/05/2023.
C - Ficando ainda sujeito às medidas de controlo do artigo 132-44 do código penal francês e às obrigações especiais do artigo 132-45 do mesmo código.
E – Pelo que o limite de sujeição a exames médicos, tratamento ou cuidados, mesmo sob cuidado psicológico ou psiquiátrico coincidirá com o términus da medida da liberdade condicional”.
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O Ministério Público promoveu que “previamente à prolação previamente à prolação de decisão final, e a coberto do previsto no art.º 36, n.º4, in fine, da Lei 158/2015, deverá recolher-se junto da autoridade emitente da certidão uma informação complementar no sentido do pleno esclarecimento:
a) Sobre a data em que acaba para o condenado AA a proibição de entrada em território francês e
b) Sobre a data em que termina para o condenado AA a obrigação de submissão a medidas de exame médico, tratamento ou cuidados, mesmo sob o regime de hospitalização, cuidado psicológico ou psiquiátrico relacionado com os factos objecto da condenação”.
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Foi proferido então despacho a solicitar à autoridade competente do Estado emissor que prestasse e esclarecesse quais eram as referidas datas.
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Foram prestadas as pretendidas informações complementares, nas quais se esclareceu que o condenado está interdito de entrar em território francês até ao dia 16 de novembro de 2025 e que quanto à obrigação de seguir um tratamento, fixada pela autoridade judiciária, terminará no final da pena, ou seja em 15 de novembro de 2027.
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Dessa informação foi dado conhecimento quer ao condenado, quer ao Ministério Público, tendo este promovido que os autos fossem conclusos para decisão.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Fundamentação.
Face ao teor dos documentos junto aos autos, designadamente da certidão emitida pela autoridade de emissão, da cópia de sentença condenatória e do acórdão que a confirmou, bem como da decisão que concedeu a liberdade condicional, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Por sentença de 07/07/2020, transitada em julgado em 12/02/2021, proferido pelo Tribunal de Apelação de ..., ... em recurso da sentença do Tribunal Correcional de ..., de 27/01/2020, no proc. ...47, foi o AA condenado na pena global de 6 anos de prisão pela autoria dos seguintes 3 crimes não prescritos:
a) Por em ..., ..., no dia 09 de Agosto de 2018, ter cometido voluntariamente violências que provocaram uma incapacidade total de trabalho superior a 8 dias, neste caso 10 dias, sobre a pessoa de CC, com a circunstância que os factos foram cometidos por pessoa que é ou já tinha sido cônjuge, concubino ou parceiro ligado à referida vítima por um pacto de solidariedade, fazendo uso ou ameaça com arma, no caso com uma faca, uma muleta e um cinto, crime previstos pelo ART.22-12, ART.222-II do Código PENAL Francês, e punidos pelos ART.222-12 AL.24, ART.222-44, ART.222-45, ART.222-47 AL.1, ART 131-C,C-2-26, do mesmo Código;
b) Por em ..., ..., no dia 09 de Agosto de 2018, ter detido, sem autorização Legal, uma ou mais armas, munições da categoria B, neste caso, uma pistola semiautomática da marca ... n.° A...13 Calibre 380, crime previsto pelos ART.222 -52 AL.1 do Código PENAL Francês, e ART.L.312-1, ART.L.312-4, ART. 311-2 AL.12°, ART.R.312-21, ART.R.312-13, ART.R.311-2 §11 do C.S.l. e punidos pelos ART.222-52 AL.1, ART.222-62, ART.222-63, ART.222-64, ART.222-65, ART.222-66 do Código PENAL Francês; e
c) Por em ..., ..., entre o dia 01 de Agosto 2015 e 09 de Agosto 2018, ter cometido voluntariamente violências habituais sobre a pessoa de CC, violências essas que não provocaram uma incapacidade total de trabalho superior a 8 dias, com a circunstância de que os factos foram cometidos por pessoa que é ou já tinha sido cônjuge, concubino ou parceiro ligado à referida vítima por um pacto de solidariedade, crime previsto petos ART.222-14 L.6, AL.5, ART.132-80 C.PENAL, e reprimidos petos ART. 4°, ART.222-44, ART.222- 45, ART.222-47 AL.1, ART.222-48 AL.2, ART.222-48-2, ART.131-26-1, do Código PENAL Francês, e ART.378, ART.379-1 do Código CIVIL Francês.
B) Foi também condenado na pena complementar de acompanhamento sócio-judiciário pelo prazo de 5 anos, nos termos da qual tinha de se submeter às seguintes medidas de controlo:
· Responder às convocatórias
· Receber o trabalhador social e comunicar-lhe as informações ou documentos que permitam o controlo do cumprimento das obrigações;
· Prevenir o trabalhador social de qualquer mudança de emprego;
· Prevenir o trabalhador social de qualquer deslocação cuja duração exceda 15 dias e informar do regresso;
· Prevenir o assistente social de qualquer mudança de residência;
· Obter a autorização prévia do juiz da aplicação das penas de qualquer mudança de emprego ou de residência suscetível de entravar a execução das obrigações
· Informar previamente o juiz da aplicação das penas de qualquer deslocação para o estrangeiro,
Devendo ainda satisfazer as seguintes obrigações específicas:
· Injunção de tratamentos num psiquiatra e num psicólogo;
· Proibição de entrar em contacto com a vítima Sra CC.
C) Foi advertido que em caso de incumprimento do seu acompanhamento socio-judicial, será condenado a uma pena de prisão de três anos, a título de pena complementar.
D) O condenado AA, que esteve presente no seu julgamento, foi detido a 16/08/2018, e por decisão judicial de 30/09/2022, da juíza de execução de penas do Tribunal Judicial ..., da jurisdição do Tribunal de Apelação de ..., ..., transitada em julgado a 10/10/2022, foi colocado em liberdade condicional, com expulsão do território francês, a partir de 15/11/2022, e sob sujeição aos seguintes deveres:
- Exercer uma atividade profissional ou seguir um ensino ou uma formação profissional;
- Estabelecer a sua residência em casa de DD, na Rua ..., em ..., ..., Portugal;
- Submeter-se a exames médicos, tratamentos e cuidados de saúde, mesmo em regime de hospitalização, cuidados psicológicos e psiquiátricos relacionados com os factos que foram objecto da condenação;
- Reparar, no todo ou em parte e de acordo com as suas faculdades contributivas, os danos causados pelo seu crime, mesmo na falta de uma decisão coerciva cível;
- Abster-se de entrar em qualquer lugar, qualquer categoria de lugares ou zona especialmente designada do território nacional francês;
- Abster-se de contactar com a vítima EE;
- Não possuir ou transportar uma qualquer arma;
- Obter prévia autorização do Juiz de Execução de Penas para se deslocar para o estrangeiro.
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A Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, transpondo a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27 de novembro, do Conselho, veio substituir o regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos artigos 234º a 240º do Código de Processo Penal, estabelecendo um procedimento específico mais simples e célere, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando concretamente o reconhecimento da sentença penal estrangeira e a execução, em Portugal, da condenação ou de reconhecimento e execução de sentenças ou de decisões relativas à liberdade condicional emitidas por outro Estado-Membro.
O artigo 3º, n.º 1, Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro dispõe que são reconhecidas e executadas, sem controlo da dupla incriminação do facto, as sentenças que respeitem às infrações aí expressamente previstas, desde que, de acordo com a lei do Estado de emissão, sejam puníveis como pena privativa da liberdade de duração máxima não inferior a três anos, sendo que, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, no caso de infrações não referidas no número anterior, o reconhecimento da sentença e a execução da pena de prisão ou medida privativa de liberdade, da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, bem como o reconhecimento da decisão relativa à liberdade condicional pela autoridade judiciária portuguesa ficam sujeitos à condição de a mesma se referir a factos que também constituam uma infração punível pela lei interna, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação na legislação do Estado de emissão.
No caso em apreço, os crimes pelos quais o AA foi condenado, não se encontram no elenco do nº 1 do referido artigo 3º, mas todos eles encontram-se previstos na legislação penal portuguesa, ou seja; nos artigos 145º, n°1, al. a), n.°2 e 132, n.°2, al. b) do Código Penal — crime de ofensa à integridade física qualificada; 152º, n.°1 do Código Penal — crime de violência doméstica; e 86º, n.°1 da Lei n.º 5/2006, de 23/02 — crime de detenção de arma proibida, pelo que se mostra verificado o pressuposto da dupla incriminação.
Pretende-se nos presentes autos o reconhecimento da decisão judicial de 30/09/2022, da juíza de execução de penas do Tribunal Judicial ..., da jurisdição do Tribunal de Apelação de ..., ..., transitada em julgado a 10/10/2022, que colocou o arguido em liberdade condicional, com expulsão do território francês, a partir de 15/11/2022, sob sujeição de deveres.
Levanta o condenado a questão de saber até que data se encontra proibido de entrar em território francês.
Na referia decisão que concedeu a liberdade condicional não é determinado que essa data é 5 de maio de 2023, apenas se lembra que essa medida estava “subordinada à execução da medida de expulsão do território nacional onde ele tem a proibição de aparecer até au 05/05/2023”.[1]
Conforme esclarecimento prestado [2] a data da proibição de entrada em território francês do condenado AA foi alterada da data inicialmente prevista de 5 de maio de 2023 para o dia 16 de novembro de 2025, por força de entretanto o mesmo ter sido colocado em liberdade condicional, tendo sido notificado dessa decisão fixada pela autoridade administrativa competente, através de carta registada com a/r.
Está assim o AA proibido de entrar em território francês até ao dia 16 de novembro de 2025.
No que concerne à obrigação de se submeter a tratamento o mesmo decorrerá até à data prevista para o final da pena principal, a qual naturalmente não foi alterada pela situação de liberdade condicional em que o arguido se encontra, ou seja, 15 de novembro de 2027.
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Pretende-se ainda que seja reconhecida a pena complementar de acompanhamento sócio-judiciário pelo prazo de 5 anos, com a advertência de que cumpriria mais 3 anos de prisão em caso de incumprimento desse acompanhamento, pena essa também aplicada pelo Tribunal Correcional de ..., de 27/01/2020, no proc. ...47, confirmada pelo Tribunal de Apelação de ..., conjuntamente com a pena de seis anos de prisão efetiva, também aí aplicada ao AA.
Esta pena encontra-se prevista no artigo 131-36-1 do Código Penal francês sendo que implica, para o condenado a obrigação de se submeter, sob o controlo judicial e durante a duração determinada na sentença condenatória de medidas de vigilância e assistência destinadas a prevenir a reincidência.
Deste modo, para além da pena de prisão efetiva de seis anos, o arguido foi condenado a uma pena complementar de 5 anos de acompanhamento sócio-judiciário (“suivi socio-judiciaire”), a qual em caso de incumprimento implicava que acrescesse mais 3 anos de prisão.
Ora, esta pena complementar à pena efetiva de prisão e que se segue ao cumprimento desta, não está prevista e contraria o nosso ordenamento jurídico penal pelo que não pode ser reconhecida e executada em Portugal.
Inexistem entre nós penas complementares que sucedam ao cumprimento da pena principal, sendo certo que o regime do “suivi socio-judiciaire”, não tem equiparação a uma pena acessória prevista entre nós.
No nosso ordenamento jurídico, cumprida a pena aplicada ao condenado, mostra-se satisfeita a sua finalidade, encontrando-se assim expiada a culpa do arguido, não havendo lugar a esta pena de acompanhamento que para além de complementar é sucessiva e sob pena de violação do princípio da legalidade, contido no artigo 29º da CRP e artigo 1º nº 1 do Código Penal.
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III. Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em deferir parcialmente o requerido e consequentemente:
- Reconhecer a decisão judicial datada de 30/09/2022, proferida pela juíza de execução de penas do Tribunal Judicial ..., da jurisdição do Tribunal de Apelação de ..., ..., transitada em julgado a 10/10/2022, que colocou o arguido AA em liberdade condicional, com expulsão do território francês, a partir de 15/11/2022, sob sujeição de deveres, sendo que o de proibição de entrada em território francês termina em 16 de novembro de 2025 e que a obrigação de se submeter a tratamento terminará em 15 de novembro de 2027.
- Não reconhecer e executar a sentença proferida pelo Tribunal Correcional de ..., de 27/01/2020, no proc. ...47, confirmada pelo Tribunal de Apelação de ..., na parte em que condenou o arguido na pena complementar de acompanhamento sócio-judiciário pelo prazo de 5 anos.
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Sem tributação em custas, sem prejuízo do pagamento de honorários à Exmª. defensora nomeado ao requerido.
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Notifique.
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Transitado, cumpra-se o disposto no artigo 21.º da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, informando a Autoridade competente do Estado de emissão da presente decisão e remetam-se os autos à 1ª Instância.
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Guimarães, 10 de julho de 2023. (Decisão elaborada pelo relator com recurso a meios informáticos e integralmente revista pelos subscritores, que assinam digitalmente).
Pedro Freitas Pinto (Juiz Desembargador Relator)
Fátima Sanches (Juíza Desembargadora 1º Adjunta)
Anabela Varizo Martins (Juíza Desembargadora 2ª Adjunta)
[1] Transcrição da tradução efetuada [2] Cfr. fls. 117 a 120