INSOLVÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PRESSUPOSTOS
DUPLA CONFORME
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
IDENTIDADE DE FACTOS
JUIZ RELATOR
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I- O atual regime do recurso de revista, ordinária e excecional, previsto no art.º 671, do CPC,  nos parâmetros estabelecidos, não visa garantir, genericamente, um terceiro grau de jurisdição, resultando tais limitações não só da aludida disposição legal, e do consignado no art.º 672, também do CPC, com os demais normativos correlativos do regime em causa, mas também tendo em conta citérios decorrentes do art.º 629, do mesmo diploma, para além das limitações especificamente consignadas em matérias diversas, tais como, entre outras, a insolvência e os processos de jurisdição voluntária
II-  Apenas se configura a revista excecional, quando nas situações previstas no n.º do art.º 671, n.º1, não pode o Supremo Tribunal da mesma conhecer por, segundo o disposto no n.º 3, do mesmo art.º 671, do CPC, se verificar uma situação de dupla conforme, salvaguardando o legislador, neste regime restrito, que se mostrem verificados os requisitos no art.º 672, n.º1, alíneas a), b) e c), ainda do CPC.
III- A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias.
IV- Antes do processo ser remetido à Formação, destinada exclusivamente a ultrapassar o impedimento da dupla conforme, deverá o Conselheiro relator aferir dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, bem como da existência de limitações recursórias, como a decorrente do art.º 14, n.º1, do CIRE, caindo-se assim no âmbito da revista normal, e desse modo competindo ao Conselheiro relator averiguar os respetivos requisitos.

Texto Integral




Processo n.º 22770/19.2T8LSB-F.L1.S1.

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - RELATÓRIO   
1. AA, ora Recorrente, foi nomeado administrador de insolvência, nos autos em que foi proferida sentença de 18.12.2019, a declarar insolvente, Macanthony Reality International – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.
2. No âmbito da insolvência declarada foram apreendidos e liquidados bens.
3. Em sede de verificação e graduação de créditos foram verificados créditos no montante global de 4.271.661,98€.
4. Resulta da sentença que julgou validamente prestadas as contas da administração da massa insolvente: receitas no montante de 4.551.270,03€, e as despesas no montante de 3.372,83€, “nestas estando incluídos, para além do mais, 1.230.00€ referente à segunda prestação da remuneração fixa”, tendo o Recorrente, enquanto Administrador da insolvência recebido “do IGFEJ 204,00€ referente a provisão para despesas e 1.230,00€ referente à primeira prestação da remuneração fixa”.
5.  Por decisão de 21.09.2022 foi fixada a remuneração variável ao Recorrente nos seguintes termos:
Remuneração variável (artigo 23.º da Lei n.º 22/13, de 26 de fevereiro)
Foi apurado o valor total de receitas de €4.551.270,03.
Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente que no caso concreto somam €57.365,83, divididos da seguinte forma:
- custas do processo de insolvência – €55.223,00 (alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
- despesas da massa insolvente – €2.142,83 (despesas aprovadas na prestação de contas);
O resultado da liquidação é de €4.493.904,20.
A remuneração, achada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 29.º, é de €224.695,21.
Para calcular a majoração prevista no n.º 7 do artigo 23.º, há que considerar o valor efetivamente disponível para pagamento a credores que, no caso vertente, é de €4.215.069,10 (correspondente ao valor da receita da liquidação, deduzidas as despesas acima elencadas, o valor da remuneração fixa, incluindo impostos, e o valor da remuneração variável, incluindo impostos, antes da majoração).
Foram reconhecidos créditos no valor global de €4.271.661,98.
O grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 98,68%.
O valor da majoração, calculado nos termos do disposto no referido n.º 7, é então de €207.971,50 (€4.215.069,10 x 5% x 98,68%).
O valor aritmético da remuneração variável é assim de €432.666,71.
Todavia, por força do disposto no n.º 10 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, a remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo, ou seja a remuneração calculada sobre o resultado da liquidação massa insolvente, não pode ser superior a €100.000,00.
Assim, tendo em conta o preceito supra citado fixa-se a remuneração do Sr. Administrador de Insolvência em €100.000,00 (cem mil euros).
6. Inconformado veio o Recorrente interpor recurso de apelação, que por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2022, que julgou totalmente improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
7. Ainda inconformado veio o Recorrente interpor o presente recurso de revista excecional, por a decisão ser recorrível nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º1 do art.º 672, do CPC, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (transcritas)
A. O presente recurso de revista excecional incide sobre o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 20 de dezembro de 2022 e objeto de notificação ao ora subscritor com data de certificação a 21 de dezembro de 2022, e que tem por objeto a quantificação e atribuição da remuneração variável e em particular os cálculos a serem efetuados com vista a apurar o quantum de remuneração a que o Exmo. Sr. Administrador de Insolvência terá direito a receber.
B. O iter de cálculos da retribuição variável a atribuir a que se assiste no Douto Acórdão padece de critica e assim de não aceitação por parte do ora recorrente, conduzindo-nos à necessidade da sua substituição por outro em conformidade com todo o alegado, de forma a sermos conduzidos para um mais forte contributo para a boa administração da justiça.
C. Sobretudo está em causa a decisão plasmada no Douto Acórdão e que se encontra configurada no primeiro ponto do seu sumário, resumidamente quando decide que “I-O limite previsto no art. 23º nº10 do Estatuto do Administrador Judicial é aplicável à remuneração variável total, compreendendo a majoração, . . . “. Em causa está em saber se tal limite de € 100.000,00 se aplica, também, aos valores obtidos em sede de majoração da remuneração, nos termos do nº 10 do artigo 23º do EAJ.
D.  Uma outra questão se entende submeter à apreciação superior: o da fixação do valor a considerar como remuneração variável para efeitos da majoração do nº 7 do artigo 23º do EAJ, isto é, “ do valor alcançado por aplicação da regra do nº 6”.
E. Uma terceira matéria, por umbilicalmente ligadas às duas questões que se consideram objeto do presente recurso, se entende, também, submeter a apreciação, qual seja a do cálculo do valor das despesas da massa insolvente para efeitos dos valores a considerar para cálculo da remuneração variável, nos termos do nº 6 do artigo 23º do EAJ;
F. Ainda que considerando a letra do artigo 14º do CIRE, entende o recorrente que não podemos deixar de considerar que o presente recurso é admissível pelas três vias consagradas no nº 1 do artigo 672º do CPC (as alíneas a), b) e c) desse mesmo número).. Como norma processual especial, em relação à regra geral consagrada naquele artigo do CPC, o artigo 14º do CIRE apenas e só pode ser interpretado no sentido de tal especialidade apenas ser chamado quando em causa o processo de insolvência em si mesmo (leia-se, o pedido de insolvência, encerramento dos autos de insolvência (conforme nº 5) e assim, também, como refere o artigo, “. . . nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência. . . “.). De acordo com vasta jurisprudência quanto à admissibilidade de recurso de revista excecional, apesar da verificação de dupla conforme, em casos de incidentes de qualificação ou matéria de resolução de negócios em benefício da massa insolvente ou de competência do tribunal em razão da matéria.
G. A assim não se entender, o que não se aceita, poderíamos em muitos casos, e in casu tal ocorreria, de sermos confrontados com uma manifesta denegação da justiça, de um manifesto atropelo a princípios da igualdade e proporcionalidade, da violação de princípio da confiança e da segurança jurídica, pondo em causa os princípios com força constitucional, em conformidade com o artigo 2º e 13º da CRP, quais sejam o princípio da igualdade, princípio da segurança (a partir do princípio do Estado de Direito Democrático plasmado no artigo 2º da CRP), princípio da segurança jurídica (conforme o nº 4 do artigo 282º da CRP) e o princípio da confiança.
H. Pela simples leitura do artigo 14º do CIRE, os riscos de se verificarem os atropelos constitucionais sempre ocorreriam em caso de se verificar uma dupla conforme em toda e qualquer matéria que fosse objeto de apreciação num processo de insolvência e se traduzisse em matéria nova sobre a qual ainda não tivessem sido proferidos acórdãos que permitissem a aferição da existência de acórdãos contraditórios, apesar de estarmos perante matérias de especial relevância jurídica e social. A não admissibilidade do presente recurso pelas duas vias consagradas nas alíneas a) e b) do artigo 672º do CPC, conduz-nos, pois, a terrenos de inconstitucionalidade, nomeadamente pela violação dos artigos 2º e 18º da CRP e dos princípios indicados nos números 17 a 22º supra, inconstitucionalidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
I.    A terceira via daquele mesmo nº 1 – a alínea c) – constitui uma via trilhada pela existência de acórdão contraditório: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.11.2022 – 462/12.3TJCBR-AF.C1, cuja cópia se anexa protestando-se a junção da certidão já requerida conforme documento que se junta (doc. ...1 e ...2). Para além desse acórdão fundamento, um outro acompanha o presente recurso, constituindo uma clara fundamentação jurisprudencial: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.09.22 – Proc 1211/17.5T8AMT.P1 (doc. ...3).
J.    Por outro lado, seja em sede de fundamentação da relevância jurídica e social, nos termos das alíneas a) e b) do nº 1 e 2 do artigo 672º do CPC e a necessidade de ter por cumpridos tais requisitos, seja em sede de fundamentação quanto aos três itens objeto do presente recurso, chamou-se à colação tudo quanto é defendido pelo MM Juiz Dr. Nuno Marcelo Freitas de Araújo, in “A remuneração do administrador judicial e a sua apreciação depois de abril de 2022, Revista Digital Data Venia, 2022”, seja do expendido no Douto Parecer da Autoria do Exmo. Senhor Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Alexandre de Soveral Martins datado a 20 de novembro de 2022 e que agora se junta (doc. ...4).
 K. E no que respeita aos valores da majoração desde logo afirmar, conforme Doto Parecer: i)”no âmbito de um processo de insolvência de liquidação, a majoração a efetuar nos termos do artigo 23º nº 7, do EAJ deve ser calculada a partir do montante dos créditos satisfeitos, aplicando-se a esse montante a percentagem de 5%”[4ª conclusão], mais acrescentando,
L. E, nesta sede, afirmar de forma perentória que tal questão e tais [sub] matérias constituem questões de especial relevância jurídica exigindo assim a clareza de todas as questões atinentes para se alcançar “. . . uma melhor aplicação do direito . . .” e em que estão em causa “ . . . interesses de particular relevância social . . .”, conforme alíneas a) e b) do artigo 672º do CPC.
M. Estando no âmbito de autos de insolvência, terá de se afirmar que todas as matérias com ele relacionados assumem um potencial de relevância jurídica e de particular interesse social, na medida em que a insolvência de uma pessoa coletiva, como a presente, desencadeia um conjunto de variados interesses e da necessidade da sua defesa, provoca um vasto conjunto de iniciativas processuais, seja a resolução de negócios em favor da massa insolvente, seja a problemática do incidente de qualificação, seja a apresentação omnipresente das reclamações de créditos, sejam as opções a tomar em sede de PER ou PEAP – da sua apresentação, da adesão ao mesmo,, do sentido do voto, etc. - se investidos na posição de credores ou de candidatos a “recuperados”.
N. Tendo como objetivo a satisfação dos créditos, a remuneração do administrador de insolvência é um fator a considerar pois a mesma constitui uma dívida da massa, o mesmo é dizer, uma dívida que se coloca numa posição preferencial de pagamento . . . com consequências óbvias para a satisfação dos créditos.
O. Ora, em sede de remuneração variável não podemos deixar de chamar à colação a Diretiva 2019/1023 de 20 de junho de 2019 cuja epígrafe é elucidativa quanto à matéria em causa “. . . e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência . . . ”.
P. Dando como integralmente reproduzidos todos os considerandos da Diretiva, e assim toda a Diretiva, destacamos apenas quando a mesma refere “ . . . A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e eliminar os obstáculos ao exercício de liberdades fundamentais como a livre circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento, . . . deverão ajudar a evitar a perda de postos de trabalho e a perda de conhecimentos especializados e competências, e maximizar o valor total em benefício dos credores . . .” ou a referência a que“. . . as insolvências a nível exclusivamente nacional podem ter impacto no funcionamento do mercado interno através do chamado efeito de dominó, pelo qual a insolvência de um devedor pode desencadear outras insolvências na cadeia de abastecimento.
Q. É patente pois a relevância social da matéria em causa, bem como a relevância jurídica que a Diretiva manifesta.
R. Também no estudo do MM Magistrado mencionado e no Douto Parecer referido estão presentes estas realidades chamando à atenção para a importância social e relevância jurídica da matéria em caus: “Finalmente, e em terceiro lugar, assume importância no tratamento da questão da remuneração do AJ, e em geral na perspetiva financeira da sua atuação, a questão da clareza dos valores aplicáveis e do seu pagamento…. Está em causa, aliás, um evidente corolário do princípio da segurança e certeza jurídicas, aqui encarado na vertente da “cognoscibilidade, estabilidade e previsibilidade do direito, que possibilita às pessoas prever os efeitos jurídicos da vida social, conhecer os seus direitos e deveres, saber, em suma, com o que contam na ordem jurídica”.
S. Poderemos pois concluir que a matéria em causa, a da remuneração do administrador de insolvência, ou melhor, a da remuneração variável do administrador de insolvência, sempre assumiram na jurisprudência foros de discussão, tem sido objeto, em crescendo, de dedicação doutrinal, merece tratamento próprio no seio da União Europeia, sendo nuclear no seio de um qualquer processo de insolvência [com a macro importância destes processos em termos económicos, empresariais, laborais, sociais, familiares, fiscais, etc.] pelo que a sua relevância jurídica é indiscutível. Tratando-se de matéria de indiscutível relevância jurídica com o impacto em múltiplas e variadíssimas vertentes de qualquer sociedade de Estado de Direito, a necessidade, ou absoluta necessidade, de uma cada vez maior clareza e adequada resposta ao princípio da segurança jurídica, exigem que se considere como questão que terá de ser apreciada para que ocorra uma melhor aplicação do direito.
T. A afirmação da multiplicidade de vertentes que se cruzam num processo de insolvência e assim nas questões relacionadas com o exercício de funções e dessa forma com a remuneração das mesmas, levam-nos, inevitavelmente, à conclusão de estarmos perante interesses de particular relevância social.
U. Tudo isto significa que deve o presente recurso ser admitido nos termos do artigo 672º, nº 1 alínea a) e b) do CPC, contribuindo pela especial relevância jurídica para uma melhor aplicação do Direito, considerando ainda estarmos perante interesses de particular relevância social.
V. Também cabe recurso de revista excecional, nos termos da al. c) do n.º1 do artigo 672.º do CPC, na medida em que o acórdão recorrido se encontra em contradição com outro, sendo, este, o acórdão fundamento que permite demonstrar a oposição de acórdãos: o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra ao 09.11.2022, no âmbito dos autos 462/12.3TJCBR-AF.C1 (doc. ...1), onde se considera que o limite do nº 10 do artigo 23º do EAJ (os € 100.000,00) apenas se aplica ao cálculo do valor obtido do cálculo dos 5% sobre o resultado da liquidação, isto é, apenas e só sobre o valor obtido nos termos da alínea b) do nº 4, e assim do nº6, do mesmo artigo, sendo que também o Acórdão do TR Porto de 26.09.2022 – Proc 1211/17.5T8AMT.P1 (doc. ...3) segue a mesma tese do acórdão fundamento.
W. Mais se diga que a contradição do acórdão ora recorrido e aquele outro proferido pelo TR de Coimbra – o acórdão fundamento - ainda existe quanto ao valor de base de cálculo / valor de partida, para calcular a majoração que se discute: Em causa está em considerar no ponto de partida, para cálculo da majoração nos termos do nº 7 do artigo, o valor (acrescido de IVA) que resulta da aplicação dos 5% ao resultado da liquidação em termos brutos (sem atender ao referido travão) e que em ambos os casos excede os € 100.000,00 ou considerar como ponto de partida, para cálculo da majoração nos termos do nº 7 do artigo, o valor (acrescido de IVA) dos € 100.000,00, considerando assim o referido limite, independentemente do valor obtido pelos cálculos da alínea b) do n.º 4 e do nº 6 do artigo 23º do CIRE.
X. Uma outra questão, objeto de recurso de apelação consiste em saber quais os valores a considerar como despesas, isto é, quais os montantes a deduzir, na linguagem do nº 6 do artigo 23º do EAJ. Entende o recorrente que, considerando a linguagem do nº 6 do artigo 23º do EAJ, o valor da remuneração fixa não deve ser computado nos valores a deduzir, conforme se explana em sede de alegações com a apresentação das respetivas contas, obtendo-se os valores a considerar como base para cálculo da majoração (para além da necessidade de uma correta contabilização do valor de 204 euros).
Y. Assim, entende-se que o montante a deduzir, para efeitos do nº 6 do art 23º do EAJ, para pagamento das dívidas da massa é o valor de € 55.223,00 [56.453,00 (valor de conta de custas já pago pelo administrador de insolvência e que inclui os 204 euros) – 1230 ] + 461,91 + 246,92 = € 55.931,83, pelo que o resultado da liquidação para efeitos do cálculo do art 23/4/b é de € 4.495.338,20.
Z. Na verdade, a aplicação dos 5% aos referidos € 4.495.338,20 conduz-nos ao valor de € 224.766,91, valor este que para efeitos da remuneração variável do administrador de insolvência é, apenas e só, um valor teórico, já que dúvidas não restam que o mesmo é reduzido, por imperativo legal, para € 100.000,00 (a que acrescerá o iva), sendo tal iter de cálculos o seguido pelo acórdão fundamento (ac. do TRC de 09.11.2022) e pelo acórdão do TR do Porto de setembro de 2022.
AA. Não pode o ora recorrente concordar que para efeitos de encontrar o valor sobre o qual se vai calcular a majoração a atribuir em sede da “segunda tranche” da remuneração variável do administrador de insolvência (artigo 23º nº 7 do EAJ), se considere, nos cálculos do ora recorrente, os indicados € 224.766,91 (raciocínio seguido pelo Douto Acórdão), pois àquele valor de resultado líquido apenas e só, pode ser deduzido o valor de € 100.000,00 (a que acresce o iva) e nunca o valor de € 224.766,91 (ou o valor de € 224.695,21 da douta sentença).
BB.A razão é simples e lógica. O valor de € 124.766,91 (= € 224.766,91 – 100.000,00) não é pago ao administrador de insolvência. O valor de € 124.766,91 permanece como valor disponível para satisfação dos créditos. Haverá a acrescentar o valor da remuneração fixa para alcançar o valor para satisfação dos créditos.
CC. Ou seja, nos cálculos do ora recorrente, o valor de € 4.369.878,20 (= 4.495.338,20 – 123.000,00 – 2.460,00) será o valor disponível para satisfação dos credores sobre o qual vão ser aplicados os 5% de majoração do nº 7 do artigo 23º do EAJ, sendo este, também, o iter de cálculos que com toda a transparência e simplicidade de raciocínio matemático e exposição surge no apresentado acórdão fundamento (acórdão do T R Coimbra de 09.11.2022): “Na decisão recorrida entendeu-se que a remuneração variável prevista no artº 23º, nº 4, alínea b), ascendia a 212.431,00, correspondendo a 5% sobre o resultado da liquidação no montante de 4.248.620,05, valor este que resultou da seguinte operação: total das receitas de liquidação (4.487.824,00), menos despesas da massa (173.090,60) menos remuneração fixado Administrador da Insolvência (2.460,00),menos custas do processo de insolvência(63.653,63). A quantia de 212.431,00 foi, seguidamente, reduzida para a quantia de 100.000,00 por força do disposto no artº 23º, nº 10, à qual acresceu Iva, à taxa de 23%, no total de 123.000,00.
[. . . ]
Como tal, o resultado da liquidação será de 4.248.620,05€ (4.487.824,28€ -173.090.60€ - 2.460,00€ - 63.653,63€), pelo que a remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 4, alínea b), ascende a 212.431,00€, mas que, em face da aplicação da disposição contida no artigo 23.º, n.º 10, do EAJ, se fixa em 100.000,00€, a que acresce o IVA, à taxa de 23%, totalizando 123.000,00€.
Para calcular a majoração a que se reporta o n.º 7 do artigo 23.º haverá, em primeiro lugar, que deduzir ao resultado da liquidação a remuneração variável calculada nos termos do n.º 4, alínea b) (4.248.620,05€ - 123.000,00€)”.[sublinhados e negritos nossos]
DD. Torna-se pois patente a oposição de acórdãos quanto a este ponto em concreto que se apresentou como um dos objetos deste recurso de revista excecional: o valor a considerar para efeitos de calcular os valores disponíveis para os credores e assim o valor sobre o qual se vai calcular o valor de majoração, é o valor de 100.000,00 (acrescido de iva) considerando o limite do nº 10 do artigo 23º do EAJ na medida em que este é o valor limite a pagar ao administrador de insolvência por força dos 5% do resultado da liquidação.
EE. Encontra-se, pois, preenchida a alínea c) do nº 2 do artigo 672º do CPC. Encontram-se preenchidas as formalidades exigidas por tal normativo. Estando perante a problemática da remuneração do administrador de insolvência e aqui em particular perante uma questão de majoração de valores, e assim as repercussões nas contas a efetuar pelos credores, estamos, assim, perante questões de especial relevância jurídica com importantes implicações para uma adequada aplicação do Direito e afinal também perante questões de especial relevância social.
FF. Por outro lado, no que tange à aplicação do limite do nº 10 do artigo 23º do EAJ a toda a remuneração variável do administrador de insolvência no seu global, o presente acórdão apresenta-se em manifesta contradição / oposição com o acórdão do TR de Coimbra de 09.11.22 aqui apresentado como acórdão fundamento. E também em completo desacordo com o outro acórdão que nos tem inspirado, o acórdão do TR do Porto de 26.09.22.
GG. Nesta matéria não podemos deixar de chamar à colação o nº 2 do artigo 9º do CCivil e em especial quanto ao termo de “porém” que significa um termo de oposição face a um conjunto de parâmetros interpretativos do seu nº 1. Terá de se afirmar: a “interpretação criativa”, permita-se a expressão, plasmada no Douto Acórdão não tem qualquer, ainda que mínima, correspondência verbal com o que o nº10 do artigo 23º expressa. Nem sequer podemos dizer que tal interpretação seria aceitável perante um pensamento legislativo incorretamente expresso.
HH.(Na verdade, o administrador de insolvência no Acórdão fundamento do TRC, viu a sua remuneração total ser fixada em 141.730,65 €, e no acórdão do TRP viu a sua remuneração ser fixada em 248.443,95 €. Enquanto que o recorrente, não poderia ver a sua remuneração fixada em valor superior a100.000,00 €… sendo a legislação aplicável a mesma, mesmo quando como é o caso o grau de satisfação dos créditos é muito próximo dos 100%)
II. A simplicidade da redação do nº 10 e a referência expressa à alínea b) do nº 4 do mesmo artigo - e apenas a essa mesma alínea, e não já a alínea a) - não pode permitir ao intérprete com uma qualquer criatividade interpretativa, ler aí, também, para assim aplicar tal limite, o nº 7 do mesmo artigo. Dir-se-á então que também tal limite se aplica aos casos de recuperação, ou seja, à referida alínea a) do nº 4 do referido artigo.
JJ. Neste âmbito acompanhamos o evidenciado no Douto escrito na identificada revista pelo MM Juiz Dr. Nuno Araújo (pg. 94): “Finalmente, a remuneração por recuperação não tem limites, i.é, não está sujeita ao limite máximo de € 100.000,00 estabelecido no art.23.º/10 somente para a remuneração por liquidação prevista na al. b) do nº4.”
Por outro lado, parece ser oportuno recorrer, de novo, ao Douto Parecer da Autoria do Exmo. Senhor Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Alexandre de Soveral Martins datado a 20 de novembro de 2022 e que agora se junta (doc. ...2):
Por isso mesmo, o valor que o administrador judicial terá a receber será tanto maior quanto maior for o valor da situação líquida (art. 23.º, 4, a), do EAJ) ou o resultado da liquidação da massa insolvente (art. 23.º, 4, b), do EAJ).
No que diz respeito à majoração legalmente prevista, quanto maior for o montante dos créditos satisfeitos, maior será o valor que o administrador judicial receberá (art. 23.º, 7 do EAJ). E isso, naturalmente, estimulará a atuação do administrador judicial no sentido de se alcançarem valores mais elevados quanto aos créditos satisfeitos.
KK. Mesmo do ponto de vista teleológico, e chamando novamente à colação a Diretiva [UE] 2019/1023, e que aliás o identificado MM Juiz também aporta no seu estudo, haverá a considerar que um dos objetivos é a ““ . . . resolução eficiente dos processos”, sendo que também em sede do Douto Ac TR do Porto (2ª secção – proc. 2631/20.3T8OAZ-E.P1) se assiste à chamada à colação do “estimular a sua diligência no sentido de obter para os bens da massa insolvente o valor mais alto possível”.
LL. Dir-se-á que nunca poderia a lei falar em majoração para vir dizer que afinal . . . não existe majoração. A lei primeiramente anunciava a majoração, um certo plus, para depois vir dizer que afinal a majoração já não existe. Limitar a majoração é negar o próprio conceito de majoração. Aniquilar o próprio conceito. Eliminar uma realidade que a lei pretendeu manter e alimentar.
MM. Na verdade, também no caso em apreciação pelo TR de Coimbra–o nosso acórdão fundamento - a seguir a tese apresentada no acórdão de que se recorre, a majoração seria letra morta.
NN. Lembremos nesta fase que mesmo após o pagamento da remuneração variável do administrador de insolvência contemplando a majoração sem o limite do nº 10 do artigo 23º do EAJ, a satisfação dos credores continua a atingir percentagens superiores a 95%..
OO. É assim que no Douto Parecer que juntamos é referido.
A majoração que se obtém pela aplicação do art. 23.º, 7, do EAJ diz respeito a um conjunto muito vasto de possíveis intervenções do administrador judicial. O preceito começa por esclarecer que a majoração em causa terá lugar nos casos que são abrangidos pelos n.ºs 5e 6 do mesmo art. 23.º («O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado […]»).
O regime da remuneração variável que encontramos no art. 23.º, 4 a 7, do EAJ tem uma razão de ser que nos parece clara: trata-se de criar incentivos para que o administrador judicial procure condições que permitam ao devedor alcançar a melhor situação líquida possível ou, em caso de liquidação, para que procure alcançar a satisfação dos credores do devedor na maior medida possível.
“Por isso mesmo, o valor que o administrador judicial terá a receber será tanto maior quanto maior for o valor da situação líquida (art. 23.º, 4, a), do EAJ) ou o resultado da liquidação da massa insolvente (art. 23.º, 4, b), do EAJ).
No que diz respeito à majoração legalmente prevista, quanto maior for o montante dos créditos satisfeitos, maior será o valor que o administrador judicial receberá (art. 23.º, 7 do EAJ). E isso, naturalmente, estimulará a atuação do administrador judicial no sentido de se alcançarem valores mais elevados quanto aos créditos satisfeitos.”
PP. Nas considerações quanto à teleologia das normas e da majoração em particular, sempre se dirá, apelando ao acórdão do TR do Porto de 26-09-2022–Proc1211/17.5T8AMT.P1 (já várias vezes mencionado) chama á colação do resultado dos serviços prestados pelo administrador da insolvência, sendo proporcional a esse resultado.
QQ. O próprio acórdão fundamento refere:
“. . . resulta que a remuneração em questão visa também incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível e premiá-los pelo resultado efetivamente obtido e que se presume resultar, pelo menos em parte, do seu empenho e do seu esforço, pelo que a consideração do grau de satisfação de créditos resulta coerente com a intenção do legislador, a ser considerada na fixação da remuneração.
RR. Acresce que nem do ponto de vista histórico assistirá base para a “interpretação criativa” a que assistimos no presente acórdão recorrido: a portaria que em momento anterior era a base de cálculo para a majoração da remuneração variável do administrador de insolvência não estabelecia por si um limite.
SS. Mais acresce que a inserção sistemática do nº 10 também se traduz em argumento sem qualquer sustentação considerando todos os outros parâmetros interpretativos a que temos vindo a fazer referência. E continuamos a acompanhar seja o Douto Parecer do Prof Soveral Martins, seja o expendido por escrito pelo MM Juiz Nuno Araújo.
TT. A ser assim, faria todo o sentido que o nº 8 do mesmo artigo fosse apresentado no iter de construção do artigo 23º do EAJ num outro momento ou porventura integrasse o limite do nº10.
UU. A integração sistemática do nº 10 é totalmente apagada pelos outros critérios interpretativos – dir-se-ia, inócua. Bastaria que, por exemplo, o nº 10 repetisse a redação do nº 8: “”se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação . . .”. A lei nada disso diz.
VV. Reitere-se que o acórdão de que ora se recorre afasta expressamente a aplicação deste nº 8 não sendo, pois, o mesmo objeto de análise ou objeto de recurso.
WW. Assim, acompanhando o iter de cálculos apresentado no acórdão fundamento (acórdão do TR de Coimbra de 09.11.2022) é clarividente que o limite dos € 100.000,00 apenas se aplica ao valor obtido pelos cálculos efetua dos pelo resultado da liquidação, isto é, seguindo a letra da lei (o seu espírito, sentido e integração), os valores obtidos com base na alínea b) do nº 4 do artigo em causa. Transcrevemos o que nele consta:
O presente recurso visa apenas o segmento da decisão que fixou a remuneração prevista no n.º 7 do artº 23º do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro (diploma ao qual se referem todas as disposições legais que venham a ser citadas, sem indicação da fonte) que prevê a majoração da remuneração variável já calculada de acordo com os nºs 4, 6 e 10 do artº 23º, considerando a apelante que a decisão fez errada interpretação da mencionada disposição legal.
Por fim, o valor global da remuneração variável corresponderá à soma do resultado da primeira operação, prevista no artigo 23.º, n.º 4, alínea b), com a majoração a que se reporta o n.º 7. [sublinhado e negrito nossos]. Como se alegava, os cálculos apresentados conduziram-nos a que o limite do nº 10 do artigo 23º se aplicasse apenas ao normativo que a sua letra indica.
XX. Mas mais aí se menciona:
Para calcular a majoração a que se reporta o n.º 7 do artigo 23.º haverá, em primeiro lugar, que deduzir ao resultado da liquidação a remuneração variável calculada nos termos do n.º 4, alínea b) (4.248.620,05€ - 123.000,00€). O total, de 4.125.620,05€, é . . . . O montante ao qual se aplicará o fator de majoração de 5% será, . . . e a majoração de 41.730,65€ (825.124,01€ x 5%).[sublinhado e negrito nossos – nesta parte em oposição ao acórdão recorrido].
Adicionando a remuneração prevista no artigo 23.º, n.º 4, alínea b), de 100.000,00€, à majoração, de 41.730,65€, obtemos o valor de 141.730,65€, a que acresce o IVA, no valor de 32.598,05€, num total de 174.328,70
YY. Resulta claro que o acórdão fundamento estabelece que o limite dos € 100.000,00 previsto no nº 10 do artigo 23º não se aplica, ao valor obtido para a remuneração variável do administrador de insolvência advindos da majoração. O limite dos € 100.000,00 não se aplica ao valor da majoração.
ZZ. Não podemos deixar de apelar ainda ao constante no acórdão do TR Porto de 26-09.2022:
No que se refere aos 5% do resultando da liquidação estabelece o limite máximo de €100.000,00 (artigo 23.º, n.º 10 do EAJ), e quanto aos 5% do montante dos créditos satisfeitos, estabelece que o valor a pagar é função do grau de satisfação dos créditos.
Aliás, esta forma de remuneração não é exclusiva dos administradores da insolvência sendo também comum aos agentes de execução, cuja remuneração adicional é também função do valor recuperado ou garantido, podendo as percentagens de remuneração atingir os10%, como resulta do Anexo VIII à Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, ou dos liquidatários, administradores ou entidades encarregadas de venda extrajudicial, como resulta do artigo 17.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais.
Termos em que e nos mais de direito que V. Exas. entendam considerar, deve ser proferido despacho de admissibilidade do presente recurso e, consequentemente,
UM. Deve ser decidido que os valores da remuneração fixa do administrador de insolvência não se incluem nos valores a deduzir para alcançar o valor de resultado de liquidação, para efeitos dos cálculos mencionados na alínea b) do nº 4 do artigo 23º do EAJ;
DOIS. Deve ser decidido que o valor a considerar para cálculo do montante para satisfação dos créditos e assim a base de cálculo para efeitos de majoração, é o valor de € 100.000,00 (acrescido de IVA), por força do nº10 do artigo 23º do EAJ e não qualquer outro, se superior a este, que resulte dos cálculos dos 5% do resultado da liquidação nos termos da alínea b) do nº 4 e do nº 6 do artigo 23º do EAJ;
TRES. Deve ser decidido que o limite estabelecido por força do nº10 do artigo 23º do EAJ se aplica apenas ao valor obtido dos cálculos dos 5% do resultado da liquidação nos termos da alínea b) do nº 4 e do nº 6 do artigo 23º do EAJ e já não ao valor obtido resultado da majoração nos precisos termos do nº 7 do mesmo artigo 23º do EAJ.
8. Ordenado o cumprimento do disposto no art.º 655, n.º1, do CPC, o Recorrente veio pronunciar-se reiterando o já vertido nas suas alegações.
9. Foi proferido despacho que considerando inadmissível o recurso não conheceu do seu objeto, considerando-o findo.
10. O Recorrente veio apresentar reclamação para a conferência, formulando as seguintes conclusões: (Transcritas)

A. Nos termos da Douta Decisão objeto de reclamação assistimos a como que a convolação do recurso apresentado em revista normal. No entanto, não poderemos deixar de manter a nossa tese da apreciação do presente recurso, como de revista excecional e assim com a problemática da trilogia de fundamento que o artigo 672º , no seu nº 1 enuncia.

B. Ao não ter submetido, s.m.o e s.d.r., como se entende que lhe competia, o presente recurso à formação consignada no nº 3 do artigo 672º, do CPC, e ao ter decidido, singularmente, incorreu em nulidade de decisão considerando que caberia a tal formação de três juízes configurar o destino do recurso em apreço. O recurso deveria ser apreciado, e admite-se, previamente, assim distribuído, pela formação específica consagrada no nº 3 do mencionado 672º do CPC.

C. Nesta matéria não pode deixar de se dar nota da exigibilidade da harmonia do sistema quando afinal também a conferência é ela a tradução da pretensão, da intenção, da vontade do legislador, em que a admissibilidade do recurso, e aqui, seja ele de revista normal ou excecional, fosse objeto de apreciação e decisão colegial.

D. E, eis aqui a primeira pretensão, o primeiro fundamento, como que o primeiro pedido em sede de reclamação: apreciação da admissibilidade do recurso é da competência de tal formação específica.

E. O recorrente/reclamante manifesta de forma clara o seu entendimento no sentido de que, como vários acórdãos partilham, também a via das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC, são vias possíveis para que o tribunal superior venha a submeter à sua análise a matéria cuja apreciação se requer: pela sua relevância jurídica e social. Aliás, o próprio despacho de admissibilidade do presente recurso em sede de TR de Lisboa admite tal caminho, bem como, em despacho proferido pelo TR de Guimarães, no âmbito do incidente de qualificação, a correr termos sob o número 1257/13.2TJCBR-X.G1 de 03.04.2023, se afirma: “admito o recurso de revista excecional interposto nos termos do artigo 672/1-a) e b) do C.P. Civil . . .”

F. A admitir-se a interpretação minimalista - a de só analise quanto à oposição de julgados - muito mais além do que uma interpretação restritiva, seria afinal permitir a não observância dos mais elementares princípios do estado de direito, como o princípio da segurança jurídica, o princípio da igualdade, seja na sua vertente positiva seja na vertente negativa, o princípio da estabilidade das decisões, o princípio da não existência de decisões finais surpresa, tudo com clara e ampla defesa e afirmação constitucional.

G. E é assim que se terá de aceitar que tal estreitamento recursivo é mais acentuado, nos termos do artigo 14º do CIRE, e de forma muito clara, “no processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença da declaração de insolvência . . .”. Mas, com a mesma veemência se afirma que apenas é de concluir que a vontade do legislador foi a de restringir a amplitude da opção recursiva aos casos da declaração de insolvência e da reação, por via de embargos, a essa mesma declaração. Dir-se-á, de outro modo, tal restrição recursiva apenas operará em sede de autos de insolvência, nos seus autos principais.

H. E, admite-se, assim terá o sistema de se proteger considerando que está em causa afinal a existência, ou não, de uma realidade nova: a situação insolvencial e assim o mencionado, como que, de um novo ente jurídico, seja no caso da insolvência das pessoas particulares, seja no caso de insolvência das pessoas coletivas: a massa insolvente.

I. E aqui temos de novo, na verdade, de considerar, de apelar, aos princípios constitucionais, cuja observação, é, claramente, posta em crise. Na verdade, considerar que em todas as matérias que podem ser debatidas no âmbito da insolvência, cuja panóplia é extremamente vasta apenas e só possa ser permitido o caminho do duplo recurso por via de oposição/contradição de acórdãos, é permitir a afirmação de claras e patentes inconstitucionalidades, uma vez em causa um conjunto de princípios com consagração constitucional, como já alegámos supra. Estarão em causa regras violadoras de princípios constitucionais, como a tutela jurisprudencial efetiva, em conformidade com o artigo 20, nº 1 do CPC, e os princípios da igualdade, proporcionalidade, confiança e certeza e segurança jurídicos, consagrados nos artigos 2º, 13º e 282º do CRP. E não poderemos deixar, ainda, de considerar que o Estado de Direito deve sempre caminhar no sentido de todos aqueles princípios constitucionais serem afirmados e reforçados quando o litígio judicial e a oposição salutar de teses não coincidentes, assim o permitam.

J. Terá aqui de se afirmar que tais princípios serão sempre afirmados e reforçados quando em causa questões de relevância jurídica e/ou interesses de particular relevância social. Aliás, nesta matéria não pode deixar de se entender que tal relevância jurídica, é muitas vezes, como que uma visão de angulo diverso (ou outra face da mesma moeda) de questões de particular relevância social.

K. Tais dois fundamentos consagrados nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672, não podem deixar de ser analisados com particular e umbilical ligação entre si e nomeadamente a tais princípios com consagração constitucional.

L. E quanto à relevância jurídica da matéria – em causa está afinal a remuneração variável do administrador de insolvência com evidente repercussão no fim último da insolvência, qual seja, o da satisfação dos credores – chamamos aqui à colação o afirmado por Abrantes Geraldes, quando refere que em casos de legislação nova que se deve considerar a dupla recorribilidade. Entendemos que quanto à relevância jurídica da matéria em causa bastará pensar na importância que a matéria insolvencial vem assumindo do fruto afinal da imperiosidade de o sistema legal/jurídico acompanharem a vivencia da sociedade, das empresas, etc.

M. E o mesmo se dirá, até com o mesmo argumentário, quando em causa interesses de particular relevância social. Estando perante clausulas gerais assentes em conceitos indeterminados, a importância da matéria insolvencial é patente quando temos de afirmar que é matéria de interesse importante da comunidade, diremos, de particular e atual interesse.

N. De facto, em análise, seja no acórdão fundamento, seja no acórdão objeto de recurso, está a nova redação do artigo 23º da Lei 22/2023 de 26 de fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial) dada pela Lei 9/2022 de 11 de janeiro. Deve, pois, o presente recurso ser apreciado à luz daqueles fundamentos das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC.

O. Quanto à via recursiva da oposição/contradição de acórdãos, o ora recorrente necessariamente tem de continuar a afirmar que também a via recursiva da alínea c) do nº 1 e do nº 2 do artigo 672º do CPC deve ter aqui lugar. Sendo afinal a via a que alude o artigo 14º do CIRE. Ou seja, quando em causa a oposição/contradição de acórdãos não pode deixar de se entender que os apelos aos dois normativos são claramente possíveis.

P. A admitir-se a tese do Douto despacho de que a única via recursiva é a da revista, como temos alegado, normal, atípica, estaremos perante, de novo, uma tese ultra restritiva na sua interpretação, uma tese minimalista, que nos conduziria, facilmente, à impossibilidade/inadmissibilidade de recurso perante uma dupla conforme quando em matéria de insolvências.

Q. Se a admissão e a procedência de tal tese minimalista apresenta, como desfecho, várias questões de inconstitucionalidade, como também já estiveram presentes em sede de recurso, a exigibilidade de uma contradição frontal (s.d.r., embora se trate de conceito ambíguo) é a tradução da admissibilidade de uma visão, ainda mais, restritiva no âmbito de uma visão já de si minimalista.

R. Não pode, não deve, aceitar-se que dentro de um, já de si, limitado número de casos, o acesso

à justiça, e repete-se, também em causa quando relevantes questões jurídicas e sociais estiverem em causa, seja ainda mais limitado. A exigibilidade de uma oposição frontal, terá de se afirmar, seria a consagração de estarmos, também nesta vertente, perante a violação dos mais elevados princípios do Estado de Direito e assim perante claras e evidentes interpretações que põem em causa todos aqueles princípios supra enunciados com forte acolhimento constitucional.

S. A verdade é que estamos perante: i) o domínio da mesma legislação, leia-se, a interpretação da Lei 22/2013, em particular no seu artigo 23ª; ii) decisões de forma divergente quanto à mesma questão fundamental de direito.

T. A questão em causa, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, é a mesma: os cálculos da remuneração variável do administrador judicial. Em ambos os casos está a fixação global dessa mesma remuneração. Tal fixação exige, e como se observa em ambos os acórdãos, um iter de cálculos que implica uma análise global, sistemática, enquadradora, histórica, pelo menos daquele artigo 23º da Lei 22/2023, no seu todo. Só assim podermos estar perante a obediência a critérios interpretativos adequados. A interpretação daquela mesmo normativo não pode ser parcelar, sob pena de violação das mais elementares regras interpretativas. O tal iter de cálculos é um todo e um só.

U. Isto é, estamos perante a mesma questão fundamental de direito, a remuneração do administrador judicial: a sua forma global de cálculo.

V. E aqui, de novo, não poderemos deixar de chamar à colação todos aqueles princípios e toda a teleologia que está na base do regime do recurso de revista excecional: i) melhor aplicação do direito; ii) segurança jurídica; iii) eliminação de fortes divergências jurisprudenciais; iv) contribuir para o caminho da uniformização.

W. Secundando o douto despacho: estamos perante a mesma questão fundamental de direito. i) quando a mesma disposição legal se mostra, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos; ii) havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação. Estamos perante – à luz da norma – um idêntico núcleo da situação de facto. Os mesmos preceitos são interpretados e aplicados de forma diferente a enquadramentos factuais idênticos.

X. Em ambos os acórdãos: i) é explanado o iter de cálculos, com base em critérios interpretativos, do nº 6 do artigo 23º do diploma em causa; ii) é alcançado o valor de partida para os cálculos a efetuar no termos do nº 7 do artigo; iii) são efetuados os cálculos de acordo com interpretação entendida como a mais adequada; iv) não se analisa o nº 8 do mesmo artigo; v) é analisado e interpretado o nº 10 do mesmo artigo, e, aqui, de forma divergente. Ou seja, de forma expressa, o limite do nº 10 do artigo 23º é objeto de análise, interpretação, aplicação e fundamentação, em ambos os acórdãos.

Y. O acórdão recorrido aplica, após todos os cálculos efetuados, o travão dos € 100.000,00 a toda a remuneração variável, e, em contradição/oposição, e o acórdão fundamento, também após e no âmbito do iter de cálculos, aplica aquele mesmo travão apenas e só ao cálculo do valor obtido por via do resultado da liquidação (ou seja, nos termos do nº 10, da alínea b) do nº4, ambos do artigo 23º do EAJ).

Z. Teremos de afirmar: é patente (é frontal) a oposição de acórdãos: num acórdão (recorrido), temos um limite global, no outro (acórdão fundamento) tal limite não existe sendo a remuneração variável atribuída sem esse limite.

AA. Ora, perante a mesma questão fundamental de direito em causa (a decisão e interpretação quanto à remuneração do administrador judicial não pode ser “fatiada”), ainda que não, a admitir-se, milimetricamente coincidentes, não podemos deixar de pugnar pela admissibilidade do recurso, sob pena de violação dos princípios constitucionais supra mencionados.

BB. “Nesta perspetiva, importar ter em especial atenção as regras proclamadas pelo legislador no que concerne à aplicação e interpretação da lei, sendo de realçar que, nos termos do art. 8, nº 3 do CC, um dos valores a preservar pelo sistema é o do tratamento igualitário de casos análogos, Importa também notar, de acordo com o comando do art. 9, nº 2 do CC, a ilegitimidade de uma solução que não encontre no texto legal um mínimo de correspondência.”
11. Cumpre apreciar.

           

           

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
1. Na decisão singular, ora em crise, consignou-se:
“Merece acolhimento o entendimento que o atual regime do recurso de revista, ordinária e excecional, previsto no art.º 671, do CPC,  nos parâmetros estabelecidos, não visa garantir, genericamente, um terceiro grau de jurisdição, resultando tais limitações não só da aludida disposição legal, e do consignado no art.º 672, também do CPC, com os demais normativos correlativos do regime em causa, mas também tendo em conta citérios decorrentes do art.º 629, do mesmo diploma, para além das limitações especificamente consignadas em matérias diversas, tais como, entre outras, a insolvência e os processos de jurisdição voluntária[1].

Podendo dizer-se que no art.º 671, do CPC, encontram-se as regras essenciais da revista, no artigo 672, são previstos os casos de revista excecional, aquando da existência de dupla conforme, desde que se mostrem reunidos os demais pressupostos da admissibilidade da revista (normal).

Com efeito, previamente à apreciação de tal pressuposto de admissibilidade do recurso de revista excecional, compete ao relator a quem o processo foi distribuído avaliar se estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso, necessariamente exigíveis, que regulam a admissão da revista normal, e condicionam o direito de interposição de recurso.

A admissibilidade da revista excecional, se invocado qualquer  dos fundamentos legalmente indicados – interesse jurídico, relevo social e contradição jurisprudencial – é apreciada pela Formação nos termos do disposto no art.º 672, n.º3, no âmbito da verificação das suas condições próprias apontadas constantes do art.º 672, n.º1,  também do CPC.

Desse modo, apenas se configura a revista excecional, quando nas situações previstas no n.º do art.º 671, n.º1, não pode o Supremo Tribunal da mesma conhecer por, segundo o disposto no n.º 3, do mesmo art.º 671, do CPC, se verifica uma situação de dupla conforme[2], salvaguardando o legislador, neste regime restrito, que se mostrem verificados os requisitos no art.º 672, n.º1, alíneas a), b) e c), ainda do CPC.
No entanto, tal como acima se aludiu, relativamente a certas matérias, como no caso do processo de insolvência, situação dos autos, são estabelecidas restrições próprias, nos termos do art.º 14, n.º1, do CIRE, afastando a admissibilidade do recurso dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, salvo a existência de oposição de julgados relativos a acórdãos proferidos por alguma Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, a aferir pelo relator a quem foi distribuído o processo, e necessariamente excluído a revista excecional no atendimento da sua conformação legal.

Tais restrições em termos do regime recursório são entendidas como não violadoras de princípios constitucionais, caso da tutela jurisdicional efetiva,  ínsito no art.º 20, n.º1, igualdade, proporcionalidade, confiança e segurança jurídica, artigos 2.º, 13.º e 282.º da CRP, referenciados pelo Recorrente, porquanto o direito ao recurso não é um direito absoluto ou irrestrito, sendo objeto de diversas restrições justificadas. É o próprio Tribunal Constitucional que o afirma, esclarecendo que a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos[3].
Compreende-se desse modo, que reiteradamente se venha afirmando na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com a confirmação da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a garantia de acesso ao direito, não determina a garantia de um duplo grau de jurisdição, isto é, não impõe o direito ao recurso das decisões judiciais, deixando ao legislador uma ampla margem de liberdade de conformação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, e em conformidade, muito menos obriga a um duplo grau de recurso, ou seja, um triplo grau de jurisdição, pelo que, deste modo, e no que concerne ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, inexiste previsão expressa no art.º 20, da CRP, não emergindo esta como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade, não ditando que se considerem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as decisões, como a em causa nos autos[4].
Revertendo estes considerandos para os autos, manifesto se torna, quanto à admissibilidade do recurso apresentado pelo Recorrente, nada obsta que possa ser considerado como revista “normal” no regime previsto no art.º 14, n.º 1, do CIRE, dependente da existência de oposição de julgados.

Estamos perante oposição/contradição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, “quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação”[5], ou, isto é, quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma é idêntico, havendo conflito jurisprudencial se os mesmos preceitos são interpretados e aplicados a enquadramentos factuais idênticos[6].

A contradição deve ser frontal, e não implícita, não bastando que se tenha abordado o mesmo instituto, pressupondo que a subsunção jurídica realizada em quaisquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem ser atribuída relevância a elementos de natureza acessória, sublinhando, que tendo o recurso sido admitido com o único fundamento de contradição jurisprudencial, e desse modo como objetivo reapreciar o acórdão recorrido a partir da resposta que seja dada à apontada questão essencial de direito, não podem ser abordadas outras questões[7].

Em suma, a oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias.

No contexto legal delimitado, no que concerne aos fundamentos invocados para a admissibilidade do recurso apresentado pelo Recorrente, em função das questões postas no mesmo, são inadmissíveis as pretensões recursórias, quanto ao cálculo do valor das despesas da massa insolvente para efeitos dos valores a considerar para cálculo da remuneração variável, nos termos do n.º6, do art.º 23, a fixação do valor a considerar como remuneração variável para efeitos da majoração do n.º 7 do art.º 23.º do EAJ, isto é, o valor alcançado por aplicação da regra do n.º 6, e o limite previsto no art.º 23, n.º 10, do EAJ, e a sua aplicação à remuneração variável total, compreendendo a majoração. com base nas alíneas a) e b) do art.º 672, do CPC, por se consubstanciarem em questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica seja necessária para uma melhor aplicação do direito, ou estejam em causa interesses de particular relevância social.

Deste modo importa, sim aferir da existência de contradição de julgados, nos moldes apontados, no atendimento do Acórdão fundamento apresentado, Acórdão da Relação de Coimbra de 9.11.2022, processo n.º 462/12.3TJCBR-AF.C1.
O Recorrente identifica como o principal objeto do recurso, referindo não ser o único, a aplicação do limite de 100.000,00€ a todo o montante global da remuneração variável do administrador de insolvência, isto é, a interpretação e aplicabilidade do n.º 10, do art.º 23 do EAJ, sendo certo que resulta do alegado que “as demais questões” se prendem com o cálculo da remuneração variável em função do funcionamento do “travão” dos 100.000,00€, constante do aludido n.º 10, do art.º 23, do EAJ.
No Acórdão fundamento consignou-se “O presente recurso visa apenas o segmento da decisão que fixou a remuneração prevista no n.º 7 do artº 23º do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro (diploma ao qual se referem todas as disposições legais que venham a ser citadas, sem indicação da fonte) que prevê a majoração da remuneração variável já calculada de acordo com os nºs 4, 6 e 10 do artº 23º, considerando a apelante que a decisão fez errada interpretação da mencionada disposição legal.” , referindo as operações levadas a cabo na decisão ali recorrida, reitera “ O que está em causa, como se referiu, é apenas a remuneração devida nos termos do n.º 7, que a decisão recorrida considerou que deve ser calculada, tendo como referência o grau de satisfação dos créditos reclamados. No entender da apelante a atual redação do artº 23º introduzida pela Lei 9/2022, de 11/01, refere-se expressamente ao valor que existe para distribuição e não em percentagem, sendo totalmente irrelevante o grau ou percentagem de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos”, prosseguindo com a discrição das operações realizadas em sede da decisão ali proferida quanto à majoração, bem como as levadas a cabo pelo ali apelante.
Mais se fez constar: “Efetivamente, não se pode deixar de reconhecer que a redação do nº 7 não é clara. Reconhece-se que leitura literal da segunda parte do referido n.º 7 parece apontar para uma remuneração que corresponderia (em qualquer caso) a 5% do valor dos créditos satisfeitos, como defende a apelante. Contudo, a primeira parte do preceito remete, a nosso entender, de uma forma que se nos afigura inequívoca, para um critério de fixação da remuneração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, que não se compadece, de modo algum, com uma remuneração fixada numa percentagem (5%) a incidir sobre o montante dos créditos satisfeitos sem qualquer consideração pela percentagem que esses créditos representam no valor global dos créditos que haviam sido reclamados e admitidos (cf. se defende nos Acs. desta Relação de 28.09.2022, processo 2495/20.7T8ACB.C1 e de 11.10.2022, processo 3947/08.2TJCBR-AY.C1, este último relatado pelo aqui segundo adjunto).(…) “E, não obstante, por força da alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, o EAJ ter passado a conter as regras de cálculo da remuneração (deixando, portanto, de o fazer com referência a qualquer portaria), a redação da primeira parte do n.º 7 do art.º 23.º(anteriormente n.º 5) manteve-se inalterada, continuando, portanto, a fazer referência ao facto de a remuneração ser majorada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Neste circunstancialismo, afigura-se que a intenção do legislador não foi alterar o modo como a majoração era calculada, ou seja, em função do grau de satisfação dos créditos ou percentagem de créditos admitidos que foi satisfeita. Se a intenção da lei tivesse sido de alterar o regime até então em vigor, não teria reproduzido na primeira parte do nº 7, o que já constava do anterior nº 5, eliminando a referência ao facto da remuneração ser majorada, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, dizendo apenas – como seria mais lógico – que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6, seria majorado em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, o que não fez. Ao alterar a redação do artº 23º com a Lei n.º 9/2022, a intenção do legislador terá sido apenas a de afastar a remissão que, anteriormente, era feita para uma portaria, passando a regular diretamente essa matéria, mantendo o critério estabelecido, o grau de satisfação dos créditos, majorando a remuneração em 5% da percentagem de créditos satisfeitos em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos (cf. se defende nos Acs. citados desta Relação que temos vindo a seguir de perto).”.

A exposição propositadamente longa permite-nos facilmente concluir que no Acórdão fundamento foi tratada e analisada uma única questão, a majoração prevista no n.º 7, do art.º 23, do EAJ, enquanto objeto do recurso, e que foi assim conhecida nos autos, e não a que se prende com a forma de cálculo da remuneração variável no atendimento das questões postas pelo Recorrente, maxime a interpretação e aplicação do disposto no n.º 10, do art.º 23, do EAJ.
Não se escamoteando que no Acórdão fundamente se mostra efetuada a enunciação de cálculos, na qual se mostra mencionado o n.º 10, do art.º 23, bem como outros números desta disposição legal, certo é que não se mostram explanados, e subsequentemente analisados, os termos dos critérios utilizados na vertente pretendida pelo Recorrente, pois tal exercício só é feito  para o cálculo da majoração, prevista no n.º 7 do art.º 23, do Estatuto do Administrador de Insolvência, até por ser, repita-se, o objeto do recurso.
Deste modo, diversamente do que pretende o Recorrente, a indicação das operações realizadas para a determinação do montante da remuneração variável, levada a cabo pelo Acórdão fundamento, não preenche o requisito da análise da mesma questão fundamental de direito, no sentido de se revelar essencial para a resolução do litígio em ambos os processos, consubstanciando-se numa contradição, expressamente delineada, e como tal atendível em termos da admissibilidade do recurso de revista interposto.  
Em conformidade com o exposto, não se conhece do objeto do recurso, que assim se considera findo, nos termos do art.º 652, n.º1, b), por força do constante no art.º 679, ambos do CPC.”
2. No conhecimento, adiante-se que não se divisa motivo para que não devam ser atendidas as razões vertidas no Despacho impugnado pelo Reclamante, no que concerne à inadmissibilidade do recurso de revista (normal ou excecional) interposto pelo mesmo.
Vem contudo o Reclamante invocar uma nulidade decorrente do processo não ter sido apresentado à Formação para aferir da admissibilidade da revista excecional, buscando respaldo para tal admissão nos despachos dos Senhores Desembargadores relatores que admitem recursos de revista excecional, como no caso dos autos, embora com reporte tão só ao recurso de revista.

Ora não se configura questionável, que a lei processual civil estabelece regras que regem a admissibilidade do recurso, próprias do que venha a ser interposto, mas que se centram na observância de requisitos essenciais que se prendem com a legitimidade do recorrente, a possibilidade da decisão ser recorrível, e a observação do prazo estabelecido para a respetiva interposição.

Deste modo, ao Desembargador relator, que tramita todos os termos da instância recursiva que lhe foi distribuída, até final, art.º 652, n.º1, do CPC, como é o caso sob análise e a quem o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal foi apresentado, compete ordenar a subida do recurso, se a tal nada obstar, art.º 641, n.º1, do mesmo diploma legal, indicando-se neste preceito legal, agora no n.º 2, que o “requerimento é indeferido”, se entender que a decisão não admite recurso, foi interposto fora do prazo, ou o requerente/recorrente carece das condições necessárias para recorrer.

A decisão proferida, se admitir o recurso, não vincula o tribunal superior, não pode ser impugnada pelas partes, n.º5, enquanto aquela que não o admita pode ser impugnada através de reclamação, n.º 6, ambos do mesmo art.º 641.

A rejeição do recurso deve resultar da análise do requerimento e respetivas alegações apresentados, tal como foram delineadas pelas partes, numa apreciação que passa pela sua leitura e atendimento dos preceitos legais atendíveis no concerne à admissibilidade do recurso particular em causa, e assim não pode necessariamente importar no conhecimento do mesmo, reservado para o Tribunal superior, sendo que em situações como a convocada pelo Reclamante, isto é, requisitos para a existência da revista excecional, bem como a contradição de julgados como fundamento do recurso, a devida aferição do pedido recursório no concerne à sua admissibilidade, incumbe ao relator do Tribunal superior a quem o processo for distribuído, nos termos dos artigos  652, n.º1, b) e 679, do CPC.

Por sua vez, conforme o mencionado no despacho ora em crise, antes do processo ser remetido à Formação, destinada exclusivamente a ultrapassar o impedimento da dupla conforme[8], deverá o Conselheiro relator aferir dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, bem como da existência de limitações recursórias, como a decorrente nos autos, ex vi art.º 14, n.º1, do CIRE, caindo-se assim no âmbito da revista normal, cabendo à Conselheira relatora averiguar os respetivos requisitos, isto é, a oposição de julgados[9].
Manifesto se torna que inexiste qualquer nulidade, não tendo o Reclamante aduzido quaisquer outras novas razões, para além das já enunciadas nas alegações apresentadas, como as reportadas a violação de princípios constitucionais, ou a ausência de julgados contraditórios, apreciadas que foram nos termos delineados na Decisão singular, merecendo total assentimento, tornam despicienda a sua repetição.
3. Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida.        

Custas pelo Reclamante, com três UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 11 de julho de 2023

                                                                                                            

Ana Resende (Relatora)
                                                            
Maria José Mouro                                        

Graça Amaral
     

                                                          

Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC).

                                                                                                         

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[1] Cf. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, pág. 99 a 102, e Lopes do Rego, O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 764, apud Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pág. 401.
[2]Acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância (…)”, percecionando-se, três requisitos, sem dificuldade a unanimidade da decisão colegial, a conformidade da decisão, no universo das situações processualmente admissíveis, bem como a fundamentação essencialmente diferente, balizando-se pela estruturação lógica argumentativa da decisão proferida pelas instâncias, fazendo apelo a um diferente enquadramento jurídico da causa, afastados ficando aspetos secundários, caso do aditamento de outros fundamentos, que não se traduzam em percurso normativo diverso, de igual modo não relevando alterações factuais operadas pelo Tribunal da Relação sem reflexos na subsunção jurídica, cf. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, n.º 7/2022, in DR. n.º 201/2022, I série, de 18.10.2022, com amplas referências Jurisprudenciais e Doutrinárias.
[3] Ac. do STJ de 24.5.2022, processo n.º 20464/95.1TVLSB.L1-A.S1, apud  Acórdão do STJ, de 13.7.2022, processo n.º14281/21.2T8LSB.P1-A.S1, in www.dgsi.pt.

[4] A mero título de exemplo, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/97 e 132/2001, publicados no Diário da República, 2.ª Série, respetivamente de 30.06.1997 e de 25.06. 2001,  13 de julho de 2021, processo n.º 541/2021, reportando,  Acórdãos do Tribunal Constitucional,  processos, n.ºs 40/2008,  638/98, na senda de entre outros, 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98 e 276/98, 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007, 263/2020, de 13.05.2020, 159/2019, proferido no processo nº 43/16, in www.tribunalconstitucional.pt, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.03.2021, processo n.º 17369/19.6T8PRT.P1.S2., de 26.01.2021, processo n.º1028/19.2T8VRL.G1.S1, de 21.03.2019, processo n.º 850/14.0YRLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt.
[5] Cf. Ac. STJ de 12.01.2021, processo n.º 817/16.4T8FLG.P1.SA-A, in www.dgsi.pt.
[6] Cf. Ac STJ de 9.03.2021, processo n.º 4359/19.8T8VNF.G1.S1, apud Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 116/117, in www.dgsi.pt.
[7] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pág. 76/77.
[8] Ac. do STJ de 11 de janeiro de 2023, da Formação, processo n.º 1753/21.8T8OAZ-L.P1.S2.
[9] Ac. do STJ acima citado.