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MOBBING
ASSÉDIO LABORAL
REQUISITOS
DISCRIMINAÇÃO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário
1. O assédio moral caracteriza-se pela ocorrência de: a) comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios; b) reiteração de tais comportamentos; e, c) consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e sobre o seu emprego. 2. Numa estrutura empresarial hierarquizada, não cabe ao trabalhador exercer o poder de direcção e determinar as tarefas que há-de exercer, pois tal determinação cabe ao empregador, que atribui as funções mais adequadas às aptidões e qualificação profissional do trabalhador, dentro da actividade para que se encontra contratado. 3. Para que se verifique em concreto discriminação, é necessário que sejam alegados factos objectivos através dos quais se possa inferior que foi violado o tratamento igualitário e a proibição de discriminação, designadamente, identificando qual ou quais os fundamentos dessa mesma discriminação. 4. O art. 25.º n.º 5 do Código do Trabalho apenas permite a inversão do ónus da prova se o trabalhador alegar e provar algum factor característico de discriminação. Sem prova de que há diferença de tratamento e que tal tem por base algum factor de discriminação, a inversão do ónus da prova não tem lugar. 5. A pendência de um processo crime não constitui, per se, um factor de discriminação, pois o princípio da presunção de inocência mantém-se, até decisão condenatória transitada em julgado. 6. A simples pendência de um inquérito crime não pode ser entendido como implicando, necessariamente, alguma diferença de tratamento no acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, como tal enquadrável na previsão do art. 24.º n.º 1 do Código do Trabalho. 7. E muito menos quando nem sequer está demonstrado que o trabalhador tenha sido constituído arguido ou seja suspeito de algum crime. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Portalegre, AA demandou:
1. Santa Casa da Misericórdia de ...;
2. BB;
3. CC;
4. DD;
5. EE; e,
6. FF;
pedindo a declaração de ilegitimidade e incompetência da Comissão Administrativa na tomada de decisões relativas às Casas de Acolhimento, a condenação no reconhecimento de prática de atitudes e comportamentos enquadrados no conceito de assédio moral, voluntário e culposo, julgadas discriminatórias as práticas dos RR. tendentes ao esvaziamento de funções e à adopção de comportamentos hostis para com o A., a condenação da Ré em prestação efectiva do seu trabalho habitual anterior ao esvaziamento, a condenação da Ré no pagamento dos danos patrimoniais que se vierem a apurar na fase declarativa ou em liquidação de sentença, a condenação dos RR. em indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 35.000,00, e a condenação da Ré em sanção pecuniária compulsória de € 100,00/dia e indemnização condigna a dividir em partes iguais pelo A. e pelo Estado, até cumprir as obrigações sentenciadas.
Alegou que, exercendo funções de Director Coordenador das Casas de Acolhimento da Ré, foram tomadas decisões pelos restantes Réus, membros da comissão administrativa, de conteúdo discriminatório e persecutório que consubstanciam assédio moral e que, na prática, o esvaziaram de funções, o que lhe causou sofrimento, angústia e ansiedade.
Contestando, os RR. invocaram a ineptidão da petição inicial e a incompetência do tribunal em razão da matéria para apreciar a extensão dos actos da Comissão Administrativa, alegaram a ilegitimidade passiva dos RR. pessoas singulares, rejeitaram as práticas discriminatórias invocadas pelo A. e pediram a sua condenação como litigante de má fé.
O A. apresentou articulado superveniente, fundado na instauração de procedimento disciplinar.
Realizado julgamento, a sentença decidiu:
· julgar verificada a excepção de incompetência material para apreciar o pedido formulado em I do petitório (ilegitimidade e incompetência da Comissão Administrativa na tomada de decisões relativas às Casas de Acolhimento), dele absolvendo os Réus da instância;
· julgar improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial;
· julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos RR. pessoas singulares; e,
· julgar a causa totalmente improcedente, absolvendo os RR. de todos os pedidos.
Inconformado, o A. recorre, colocando nas suas conclusões – longas e prolixas, que assim se resumem, tanto mais que não existe a obrigação de aqui copiar o respectivo texto – as seguintes questões fundamentais:
- nulidade da sentença ao considerar provados factos não alegados e que se revelaram essenciais para a decisão da causa;
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à aplicação da regra de presunção de culpa do empregador resultante do art. 799.º do Código Civil;
- nulidade da sentença por falta de fundamentação quanto aos pressupostos do assédio moral;
- nulidade da sentença, por ambiguidade e obscuridade, quanto à fundamentação da decisão de falta de credibilidade da testemunha GG;
- impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos 20, 21, 22, 23, 46, 47 e 60, no sentido de ser declarado provado que o A. não obteve qualquer resposta aos email’s ali elencados;
- alteração da resposta aos factos provados n.ºs 51, 52 e 55;
- aditamento à matéria provada de factos numerados de 7-A, 7-B, 21-A, 23-A, 31-A, 51-A, 52-A, 55-A, 56-A, 58-A, 65, 66, 67 e 68;
- os factos considerados não provados nas als. E), G), H), J) a S), X) e Y) devem passar para a matéria de facto provada;
- deve ser aplicada a presunção de culpa do empregador, face ao art. 799º do Código Civil, por incumprimento das obrigações decorrentes dos arts. 15.º a 29.º, 127.º e 129.º do Código do Trabalho;
- tendo o A. invocado a prática de comportamentos discriminatórios face à sua pessoa determinados pela existência de um processo criminal em que o mesmo, embora não sendo arguido, foi alvo de buscas, concretizando os mesmos bem como os trabalhadores face aos quais se sentia discriminado, deve ser aplicada a repartição do ónus da prova prevista no art. 25.º n.º 5 do Código do Trabalho;
- cabe assim ao empregador o ónus de demonstrar que a diferença de tratamento não se baseia em factor de discriminação;
- tendo o A. desempenhado as funções de Director Técnico desde a sua admissão até à delegação de competências, a nomeação de novos Directores Técnicos para o seu lugar concretiza o esvaziamento de funções;
- a atribuição de novas tarefas para as quais o A. não tinha competência nem havia sido contratado configura violação do dever de ocupação efectiva, violando a sua dignidade e integrando tal prática o conceito de assédio moral;
- o afastamento do A. das Casas de Acolhimento e a atribuição de novo local de trabalho a que correspondia uma sala da família, sita entre dois quartos de utentes, dentro do Lar Residencial em pleno 2.º confinamento geral e obrigatório, isolado dos seus colegas de trabalho habituais bem como de quaisquer trabalhadores da Ré, permite concluir pela existência de assédio moral;
- os comportamentos descritos permitem verificar a prática de actuações pela Ré contra o A., durante certo período de tempo, aptas a criar-lhe um ambiente de trabalho hostil, humilhante, vexatório e desestabilizador, com consequências nefastas para a sua saúde física e psíquica.
As respostas dos RR. sustentam a manutenção do julgado.
Na suas contra-alegações, os RR. pessoas singulares ampliam o âmbito do recurso, apenas para a hipótese da pretensão do Recorrente proceder, argumentando que deve proceder a excepção de ilegitimidade passiva que invocaram.
Nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público formulou parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumpre decidir.
Da arguição de nulidade da sentença
Argumenta o Recorrente que a sentença incorreu em nulidade, sob múltiplos argumentos, argumentando a consideração de factos não alegados e que se revelaram essenciais para a decisão da causa, a omissão de pronúncia quanto à aplicação da regra de presunção de culpa do empregador, a falta de fundamentação quanto aos pressupostos do assédio moral, bem como a ambiguidade e obscuridade quanto à fundamentação da decisão de falta de credibilidade de uma testemunha, tudo nos termos do art. 615.º n.º 1 als. b), c) e d) do Código de Processo Civil.
No que respeita à invocação de falta de fundamentação – alínea b) daquela norma – diremos que apenas ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso, mas não a respectiva nulidade.
Citando Alberto dos Reis[1], “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”
Também Teixeira de Sousa[2] afirma que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…). O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível.”
Não sendo exigível que a fundamentação seja longa nem exaustiva, bastando que o Tribunal justifique a sua posição, ainda que se forma concisa ou pouco persuasiva, faz-se notar, de todo o modo, que a sentença recorrida especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão.
O Recorrente alega que a sentença recorrida não apreciou devidamente os pressupostos do assédio moral, mas certo é que a decisão recorrida preocupa-se em analisar, de forma aprofundada, os requisitos dessa figura jurídica e em averiguar se no caso concreto ocorre algum factor de discriminação.
O que se passa é que o Recorrente discorda da análise jurídica realizada na sentença, mas tal não configura falta de fundamentação, poderá tão só traduzir-se em erro de direito e determinar a alteração da decisão recorrida, mas dessa análise iremos ocupar-nos mais adiante.
Assim, porque a fundamentação de facto e de direito justificativa da decisão constam da sentença recorrida, fica afastada esta arguição de nulidade.
Quanto à alegação de ambiguidade ou obscuridade da sentença e a decisão – alínea c) do n.º 1 do art. 615.º – diremos que a sentença será nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Alberto dos Reis[3] escrevia que esta nulidade verifica-se “quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)”, quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
E também se escreveu[4] que a lei refere-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) (Nestes) casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”
No caso dos autos, a motivação de facto afirma o seguinte quanto ao depoimento da testemunha GG: “o tribunal considerou as declarações da testemunha GG, psicóloga aposentada e que presidiu à CA durante cerca de 15 dias, completamente tendenciosas e pouco isentas, manifestando juízos conclusivos sobre a sua leitura dos presentes autos e defendendo o Autor contra as suspeições e os rumores que diz circularem, movidos por sentimentos de vingança e tricas internas da Ré Santa Casa. Porque prestou declarações de forma bastante comprometida e nada objectivas não mereceu a credibilidade do tribunal.”
O que a sentença faz é justificar os fundamentos pelos quais considerou tendenciosas as declarações desta testemunha: manifestou juízos conclusivos e apresentou uma postura flagrante de defesa do Recorrente quanto a “suspeições” e “rumores” que circulam na Ré, “movidos por sentimentos de vingança e tricas internas da Ré”.
A fundamentação existe, está expressa de forma clara e traduz o exercício pelo tribunal recorrido do seu poder de livre apreciação da prova, pelo que de modo algum se pode dizer que ocorre alguma nulidade nesse exercício.
Se o Recorrente discorda dessa conclusão da sentença recorrida, o seu fundamento de recurso não é a invocação de nulidade, mas a identificação dos factos incorrectamente decididos e a justificação da validade, sinceridade e imparcialidade do depoimento, de modo a permitir à Relação a alteração da decisão de facto, no uso dos poderes que lhe são atribuídos pelo art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Logo, também esta linha de arguição de nulidade não merece atendimento.
Quanto ao fundamento de nulidade por omissão de pronúncia – alínea d) do n.º 1 do art. 615.º – diremos que esta nulidade apenas ocorre quando o juiz não resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, ou conheça de outras questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso das mesmas.
Referia o Prof. Alberto dos Reis[5], que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (…), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
No caso, o Recorrente argui a nulidade da sentença por considerar provados factos não alegados e que se revelaram essenciais para a decisão da causa, e por omissão de pronúncia quanto à aplicação da regra de presunção de culpa do empregador.
Quanto à consideração de factos provados não alegados, o Recorrente não alega qual o concreto facto que foi julgado provado e não estava alegado. Lendo as suas alegações, o Recorrente insurge-se contra partes da fundamentação de direito utilizada na sentença recorrida, que considera não sustentada na matéria de facto provada, mas certo é que tal poderá apenas traduzir-se em mero erro de direito, mas não em violação da regra inscrita no art. 72.º n.º 1 do Código de Processo Civil e no art. 5.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
E quanto à omissão de pronúncia sobre a presunção de culpa do empregador, o Recorrente, na sua petição inicial, invoca essa figura como um segundo passo a cumprir quando sejam apuradas situações de assédio moral – máxime, nos arts. 164.º, 165.º e 167.º da sua petição inicial. E tal é bem patente na passagem doutrinária de Carolina Amante citada no art. 165.º daquela peça: “…sendo alegada pelo trabalhador a existência de assédio moral e sendo dado como provado comportamentos que possam ser qualificáveis como tal entender-se-á que o mesmo decorre de um incumprimento contratual da entidade empregadora, aplicando-se nesta parte o disposto no art. 799º, do Código Civil que estipula uma presunção de culpa…”.
Ora, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – art. 608.º n.º 2, primeira parte, do Código de Processo Civil. E foi esse o dever que a sentença cumpriu, aliás na linha do próprio raciocínio lógico apresentado pelo Recorrente na sua petição inicial: primeiro apurou se existia algum comportamento enquadrável na figura do assédio laboral ou se ocorria algum factor de discriminação; e, tendo obtido uma resposta negativa, não tinha de partir para o segundo passo da análise, relativo à presunção de culpa do empregador.
De todo o modo, lendo a sentença, esta aprecia as questões apresentadas pelas partes, de forma exaustiva, não se podendo ali surpreender qualquer omissão de pronúncia.
Pode o Recorrente não concordar com os argumentos e conclusões da sentença recorrida, mas tal juízo apenas poderá fundar a sua revogação por erro de direito, mas não a anulação. Julgam-se, pois, improcedentes todas as arguições de nulidade invocadas pelo Recorrente.
Da impugnação da matéria de facto
(…)
Em resumo, improcede toda a impugnação da matéria de facto.
A matéria de facto fica assim estabelecida, nos precisos termos que constam da sentença:
1. O pai do Autor, HH, assumiu o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Portalegre durante o período de 2012 a 2018.
2. À data, faziam parte da Mesa Administrativa, os seguintes elementos:
Primeiro Mandato 2012 a 2014 II, ..., JJ, KK, LL, MM, NN.
Segundo Mandato 2014-2018 OO, PP, KK, JJ, MM e QQ.
3. Cessando as suas funções em 2018, foi eleito como novo Provedor OO, em Janeiro de 2019 integrando a sua Mesa Administrativa RR inicialmente como Vice-Provedora, depois como vogal, KK inicialmente como tesoureira, depois como vogal, SS como Secretário, QQ como vogal, TT como vogal e posteriormente como secretária e UU como vogal suplente e posteriormente como tesoureiro, VV inicialmente como vogal e posteriormente como Vice-Provedora.
4. Por decreto proferido em 13 de Outubro de 2020, o Bispo ... e ... exonerou os órgãos sociais em funções e nomeou a Comissão Administrativa integrada pelos 2º a 6º Réus, inicialmente presidida por GG e que, decorridos 15 dias, apresentou a sua demissão.
5. Encontra-se pendente nos serviços do Ministério Público ..., inquérito crime relativo à prática de actos ilícitos criminais no seio da Santa Casa da Misericórdia ..., na sequência do qual foram realizadas diversas buscas.
6. Mercê da demissão de GG, foi mantida a Comissão Administrativa nomeada com os restantes membros que a integravam, os 2º a 6º Réus e prorrogada a sua nomeação por mais seis meses.
7. O Autor foi admitido ao serviço da 1ª Ré no dia 1 de Julho de 2014 para desempenhar as funções de Director Coordenador das Casas de Acolhimento de Nossa Senhora da Conceição e de Santo António, assumindo de facto, a Direcção de ambas as Casas de Acolhimento.
8. Com o início do Acordo de Cooperação entre a 1.ª Ré e a Segurança Social o contrato de trabalho do Autor – que inicialmente foi celebrado pelo período de 2 meses – foi convertido em contrato de trabalho sem termo.
9. O Autor tinha as seguintes atribuições, para além das constantes no Acordo Colectivo aplicável constante do BTE n.º 38, de 15/10/2016: “a) Garantir os direitos das crianças e jovens em acolhimento, conforme previstos especialmente pela Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo; b) Zelar pelas condições que garantam a protecção, bem-estar, educação e desenvolvimento integral das crianças e jovens acolhidas; c) Assegurar que cada criança ou jovem tenha o seu projecto de promoção e protecção adequado e reavaliado periodicamente, promovendo uma estratégia de autonomização de cada criança ou jovem, desde o primeiro dia de acolhimento dessas crianças ou jovens na casa; d) Assegurar os procedimentos inerentes à protecção e promoção da saúde das crianças e jovens acolhidas; e) Coordenar globalmente as actividades relacionadas com o apoio e acompanhamento das crianças e jovens, mantendo com estes contacto directo durante a sua permanência no exercício das suas funções; f) Promover a articulação necessária com as entidades com competência em matéria de infância e juventude, com as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, com as Equipas Multidisciplinares de Apoio aos Tribunais, com o Instituto da Segurança Social, I.P., com os Tribunais e outras entidades da comunidade; g) Integrar e presidir a Equipa Técnica; h) Elaborar o plano geral de actividades, ouvida a equipa técnica; i) Elaborar o relatório de actividades e submetê-lo a aprovação superior; j) Assegurar a gestão dos meios humanos, materiais e financeiros que lhe estejam afectos; k) Fomentar o aperfeiçoamento técnico e profissional do pessoal afecto às casas de acolhimento, zelando pela formação e orientação técnica. l) Fomentar o espírito de grupo dentro do estabelecimento, entre a Equipa Técnica, a Equipa Educativa, Equipa Administrativa e a Equipa de Apoio, liderando estas quatro equipas; m) Fazer a gestão e controlo dos horários e férias do pessoal afecto às casas de acolhimento; n) Convocar e dinamizar reuniões das diferentes equipas de modo a articular estratégias de trabalho comuns; o) Zelar pela conservação, manutenção e rentabilização das instalações, equipamentos e outros bens afectos ao funcionamento das casas de acolhimento; p) Gerir o fundo fixo; q) Zelar pelo cumprimento do regulamento Interno, cumprindo e fazendo cumprir o mesmo junto dos diferentes sectores; r) Ser um modelo de referência e dar o exemplo, enquanto pessoa de bem, formada, equilibrada e útil à sociedade.”
10. Para a realização das funções supra elencadas o Autor contava com um colaborador de suporte directo nas diversas valências, nomeadamente, WW e Director Pedagógico – XX e YY – Psicólogos – ZZ e AAA – Assistentes Sociais – e BBB.
11. Em 21 de Outubro o Autor reuniu com o Réu EE, membro da Comissão Administrativa, tendo sido transmitida, entre o mais, a necessidade de transferência do fundo fixo para gestão interna das Casas de Acolhimento relativo ao mês de Outubro.
12. CCC, técnico administrativo das Casas de Acolhimento, é o funcionário responsável pela gestão do fundo fixo, entregando, no final de cada mês, as facturas relativas às despesas apresentadas e recebendo o fundo fixo do mês seguinte.
13. No dia 27/10/2020 recebeu o Autor um e-mail subscrito pelos Réus CC e FF, membros da Comissão Administrativa, requerendo que o pedido relativo às semanadas dos jovens fosse realizado por escrito contendo a relação dos jovens, dados de identificação e montantes para que a Presidente os aprovasse passando a entrega dos referidos montantes a ser assegurada pela Comissão, conforme documento 9 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. Mercê do supra exposto, respondeu o Autor conforme consta do e-mail junto como documento 9 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15. No dia 28 de Outubro de 2020, os membros da Comissão Administrativa tomaram posse efectiva nas suas funções.
16. No dia 28/10/2020 o Autor enviou um e-mail à CA solicitando a emissão de declaração de circulação para o Dr. DDD – supervisor externo da PAJE – se poder deslocar às casas de acolhimento, conforme documento 10 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. No mês de Outubro de 2020, as Casas de Acolhimento não receberam o fundo fixo, o que motivou novo e-mail enviado pelo Autor à CA, conforme documento 11 junto com a petição inicial.
18. No dia 30 de Outubro de 2020, a CA agendou uma reunião com o Autor, que decorreu no dia 2 de Novembro de 2020, na Casa de Acolhimento ....
19. No dia 5 de Novembro de 2020, o Autor recebeu um e-mail da Ré DD, questionando-o sobe os horários da equipa, conforme documento 12 junto com a petição inicial.
20. No dia 5 de Novembro de 2020, o Autor solicitou autorização para participação numa acção de formação com custo por pessoa no valor de 30,00 €, conforme documento 13 junto com a petição inicial.
21. No dia 6 de Novembro de 2020, o Autor remeteu novo e-mail para a CA solicitando verba para fazer face às despesas por si elencadas, conforme consta de documento 14 junto com a petição inicial.
22. No dia 11 de Novembro de 2020, o Autor remeteu novo e-mail para a CA solicitando verba para fazer face às despesas por si elencadas, conforme consta de documento 15 junto com a petição inicial.
23. No dia 11 de Novembro de 2020, o Autor remeteu novo e-mail para a CA solicitando verba para fazer face às despesas por si elencadas, conforme consta de documento 16 junto com a petição inicial.
24. No dia 4 de Dezembro de 2020, o Autor remeteu novo e-mail para a CA solicitando verba para fazer face às despesas por si elencadas, conforme consta de documento 17 junto com a petição inicial.
25. No dia 4 de Dezembro de 2020, o Réu CC respondeu ao e-mail supra referido, conforme consta de documento 18 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
26. Mercê do supra exposto, o Autor respondeu ao Réu CC no seu e-mail de 10 de Dezembro de 2020, conforme documento 19 junto com a petição inicial.
27. No dia 13 de Dezembro de 2020, a Ré DD questionou o Autor sobre a conversão dos contratos de trabalho de alguns trabalhadores, conforme mail junto como documento 20 junto com a petição inicial.
28. O Autor respondeu, informando que, no seu entendimento, o trabalhador EEE não deveria ver o seu contrato de trabalho renovado, conforme documento 21 junto com a petição inicial.
29. Apesar do supra exposto, o trabalhador EEE manteve-se em funções, denunciando o seu contrato de trabalho, por iniciativa própria, pouco tempo depois.
30. No dia 17 de Dezembro de 2020, o Réu CC remeteu ao Autor um e-mail solicitando esclarecimentos relativamente à aquisição de dois termómetros no valor de 35,00 € cada, conforme documento 22 junto com a petição inicial.
31. O Autor comentou a sua preocupação com as dificuldades de aquisição das prendas de Natal dos menores acolhidos junto de GG, presidente demissionária da CA, que diligenciou pela obtenção de verbas junto de entidades externas.
32. Mercê do supra exposto, a Ré DD enviou e-mail junto como documento 23 da petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a GG, com conhecimento do Autor.
33. No dia 18 de Dezembro de 2020, a CA remeteu a DDD, com conhecimento do Autor, e-mail informando-o da cessação dos serviços da PAJE, conforme documento 24 junto com a petição inicial.
34. DDD prestava serviços de supervisão para as Casas de Acolhimento desde 2017.
35. Sem a consulta ou parecer prévio do Autor, a Comissão decidiu que as semanadas dos jovens passariam a ser pagas na sede da 1ª Ré, conforme documento 25 junto com a petição inicial.
36. Mercê do supra exposto, o Autor emitiu um parecer técnico, conforme documento 26 junto com a petição inicial, o qual não foi levado em consideração pela CA.
37. No dia 4 de Janeiro de 2021, o Autor solicitou o pagamento urgente das semanadas dos jovens, conforme documento 27 junto com a petição inicial, o qual foi respondido pelo Réu CC nesse mesmo dia 4 de Janeiro.
38. A CA instaurou um procedimento disciplinar ao Autor por alegada violação dos deveres de lealdade, conforme consta de nota de culpa junta como documento 28 o qual culminou com a aplicação ao Autor da sanção de repreensão escrita.
39. Mercê do supra exposto, o Autor intentou acção de impugnação judicial que correu termos neste juízo sob o nº 340/21.5T8ptg e que terminou por inutilidade superveniente da lide por a sanção disciplinar que lhe fora aplicada ter sido revogada pela Mesa Administrativa da Ré Santa Casa por deliberação de 18 de Setembro de 2021.
40. No dia 2 de Fevereiro de 2021, a Ré BB enviou ao Autor e-mail solicitando informação sobre o resultado de testes Covid, conforme documento 30 junto com a petição inicial.
41. No dia 16 de Fevereiro de 2021, o Autor enviou um e-mail à CA solicitando autorização para realização de uma entrevista ao Jornal Público, conforme documento 31 junto com a petição inicial.
42. No dia 26 de Fevereiro de 2021, a Ré BB respondeu ao e-mail do Autor, autorizando-o a dar a entrevista e manifestando intenção de estar presente conforme documento 32 junto com a petição inicial.
43. A CA comunicou à trabalhadora FFF a sua intenção de cessar o seu CT, facto de que o Autor apenas teve conhecimento por terceiro, conforme doc. 33 junto com a petição inicial.
44. A CA comunicou ao trabalhador GGG a sua intenção de cessar o seu CT, facto de que o Autor apenas teve conhecimento por terceiro, conforme doc. 34 junto com a petição inicial.
45. A CA transferiu a cozinheira HHH para a sede, facto de que o Autor apenas teve conhecimento por terceiro, conforme doc. 34 junto com a petição inicial.
46. Em 5 de Abril de 2022, o Autor enviou e-mail questionando os Réus sobre a cessação da colaboração com os serviços da DGRSP, conforme documento junto como documento 35.
47. Em 1 de Março de 2022, o Autor enviou e-mail questionando os Réus sobre o destino do projecto Portugal Inovação Social, conforme documento junto como documento 36.
48. O Autor teve conhecimento da Circular Informativa nº 5/2021, de 4 de Fevereiro de 2021 relativa a bolsa de horas, por e-mail enviado em Março de 2021, conforme documento 37 junto com a petição inicial.
49. Em 3 de Março de 2021, a Ré BB enviou ao Autor e-mail recusando a prestação de informações relativas aos irmãos da Santa Casa, conforme documento 38 junto com a petição inicial.
50. Em Dezembro de 2020 o Autor reuniu com as 2ª e 4ª Rés que lhe solicitaram maior apoio à Comissão Administrativa e que passasse a ocupar um gabinete nas instalações da sede da 1ª Ré, ao que o Autor prontamente acedeu.
51. Mercê do supra exposto, solicitaram as 2ª e 4ª Rés que o Autor indicasse duas pessoas da sua confiança tendo em vista a sua nomeação como Directores Técnicos das Casas de Acolhimento de Nossa Senhora da Conceição e de Santo António.
52. Mercê do supra exposto, o Autor indicou WW e BBB, que foram nomeados pela CA Directores Técnicos das Casas de Acolhimento em Janeiro de 2021, facto que foi comunicado ao Autor, conforme documento 40 junto com a petição inicial.
53. Apesar de inicialmente ter aceitado deslocar-se para as instalações na sede da 1ª Ré, posteriormente, em 8 de Janeiro de 2021 o Autor propôs à CA repartir a sua presença entre a sede e as Casas de Acolhimento.
54. Em resposta, em 8 de Janeiro de 2021, a Ré BB enviou e-mail ao Autor, esclarecendo-o sobre a necessidade de iniciar funções nas instalações da sede, conforme documento 41 junto com a petição inicial.
55. No dia 8 de Janeiro de 2021, o Autor apresentou-se nas instalações da sede da 1ª Ré, tendo sido recebido pela Directora Técnica da Estrutura Residencial para Idosos (ERPI), III, que o encaminhou para um gabinete onde se encontrava uma mesa e duas cadeiras.
56. Em 8 de Janeiro de 2021, a Ré BB enviou ao Autor e-mail informando-o que iriam providenciar por ligação à internet, disponibilizando-se para reunir com o Autor, conforme documento 43 junto com a petição inicial.
57. Em 11 de Janeiro de 2021, o Autor enviou e-mail à CA solicitando mobiliário e material de apoio, conforme documento 44 junto com a petição inicial.
58. Mercê da nomeação de WW e de BBB como Directores Técnicos das Casas de Acolhimento, em 27 de Janeiro de 2021 a CA emitiu uma Delegação de Competências, conforme documento 56 junto com a petição inicial.
59. Mercê do supra exposto, a CA solicitou ao Autor que elaborasse um estudo da viabilidade económica e financeira das Casas de Acolhimento, sugerindo a implementação de medidas de controle de custos tendo em vista permitir maior eficiência na sua gestão.
60. Na sequência do pedido feito pela CA, o Autor solicitou diversos elementos financeiros e contabilísticos, que mereceram resposta conforme documentos 46 a 54 juntos com a petição inicial.
61. No dia 20 de Janeiro de 2021, a Ré DD solicitou ao Autor que prestasse trabalho, presencialmente, nas instalações da sede da 1ª Ré tal como sucedia com os demais Directores Técnicos, bem como que usasse o “cartão” para controlo de assiduidade, conforme documento 55 junto com a petição inicial.
62. Em 2019, a 1.ª Ré deliberou emitir um louvor ao Autor, pelo cumprimento zeloso das suas funções como Director Coordenador das Casas de Acolhimento de Nossa Senhora da Conceição e de Santo António, conforme documento 57 junto com a petição inicial.
63. Após a propositura dos presentes autos foi instaurado contra o Autor procedimento disciplinar, conforme nota de culpa de que o Autor foi notificado em 2 de Junho de 2021, junta como documento 1 do articulado superveniente e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
64. Na sequência de infecção pelo vírus SARS COV- II, no dia 27 de Janeiro de 2022, o Autor foi submetido a cirurgia para tratamento de úlcera no canal pilórico, tendo permanecido internado no serviço de cirurgia do Hospital ..., em ..., entre 26 de Janeiro de 2022 e 4 de Fevereiro de 2022 e, em situação de incapacidade para o trabalho no período compreendido entre 7 de Fevereiro e 18 de Fevereiro de 2022.
APLICANDO O DIREITO Do assédio moral
O assédio moral ou mobbing, engloba comportamentos que isoladamente seriam lícitos e poderiam até parecer insignificantes, mas que ganham relevo distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo. Como refere Júlio Gomes[8], «o principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento».
Ainda de acordo com o ensinamento deste autor[9], aquilo que caracteriza o mobbing são três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. Em primeiro lugar, estão em causa comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios – revestindo o assédio uma polimorfia de comportamentos – e frequentemente ilícitos. Em segundo lugar, é a repetição de tais comportamentos hostis, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral. Em terceiro lugar, as consequências de tais comportamentos sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego, conduzindo-a a um processo de exclusão profissional.
Júlio Gomes[10] adverte também «que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um mobbing, sendo, aliás, importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direcção são necessariamente um mobbing, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção. (…) Em todo o caso, e como já se disse, o principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório.»
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando que “não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado. Mesmo que se possa retirar do art. 29.º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma – respeito pela integridade psíquica e moral do trabalhador.”[11]
A sentença recorrida considerou não ter ocorrido assédio moral, utilizando abundante fundamentação e com pormenorizada análise dos factos – muito bem efectuada, diga-se – e que conduzem às seguintes conclusões fundamentais: «(…) apesar de o Autor ver os actos de gestão da CA todos dirigidos a destratar e desconsiderar pessoalmente o próprio, o tribunal não alcança em que medida é que medidas de contenção orçamental e gestão financeira e de recursos humanos, todas motivadas pela situação de grave desequilíbrio financeiro atravessado pela 1.ª Ré, poderão ter esse desiderato, ou, independentemente do intuito com que foram praticadas, provocar no Autor tais sentimentos de humilhação, enxovalho e perseguição. (…) Assim, inexistindo quaisquer comportamentos ilícitos e culposos por parte dos Réus e não sendo demonstrados quaisquer danos sofridos pelo Autor nem o respectivo nexo de causalidade adequada entre a conduta dos Réus e os mesmos, verifica-se que não estão, contrariamente ao pretendido pelo Autor, reunidos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, ficando por isso prejudicado o conhecimento da responsabilidade solidária dos Réus com a 1ª Ré nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 335º do CT.»
De facto, os factos provados não demonstram a adopção repetitiva de comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios do Recorrente, e muito menos quaisquer consequências na sua saúde física e psíquica, o que desde logo dita o insucesso da causa.
Já se escreveu no Supremo Tribunal de Justiça o seguinte: “Numa estrutura empresarial hierarquizada, não saber lidar com a pressão inerente ao exercício de funções, por mais ou menos qualificadas que possam ser, pode ter origens ou causas várias, mas não integra, em abstracto, o conceito de assédio moral nos termos prescritos no citado artigo 29.º do CT.”[12]
Na hierarquia da 1.ª Ré, não cabe ao Recorrente exercer o poder de direcção e determinar as tarefas que há-de exercer, pois tal determinação cabe ao empregador, que atribui as funções mais adequadas às aptidões e qualificação profissional do trabalhador, dentro da actividade para que se encontra contratado – art. 118.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Todas as funções que foram cometidas ao Recorrente, em especial as que lhe foram atribuídas através do despacho de delegação de competências de 27.01.2021, enquadram-se na categoria profissional para a qual foi contratado, de Director Coordenador das Casas de Acolhimento, com as atribuições melhor descritas no ponto 9 do elenco fáctico.
Não se argumente que a nomeação de directores técnicos para as Casas de Acolhimento redundou em esvaziamento de funções do Recorrente – tais directores eram pessoas que ele mesmo indicou e da sua confiança pessoal e profissional, e as suas funções eram distintas daquelas que ao Recorrente estavam cometidas.
Quanto ao gabinete atribuído na sede da 1.ª Ré, o Recorrente aceitou inicialmente essa deslocação, o mesmo estava mobilado e foi providenciada ligação à Internet, pelo que também não se detecta qualquer comportamento hostil, humilhante ou vexatório.
Insiste o Recorrente que ocorreram comportamentos discriminatórios em relação à sua pessoa, mas não aponta qualquer dos factores de discriminação apontados no art. 24.º n.º 1 do Código do Trabalho.
E voltamos a acompanhar a muito bem fundamentada sentença recorrida: «(…) para que se verifique em concreto discriminação, é necessário que sejam alegados factos objectivos através dos quais se possa inferior que foi violado o tratamento igualitário e a proibição de discriminação, designadamente, identificando qual ou quais os fundamentos dessa mesma discriminação. Sente-se, ou sentiu-se o Autor discriminado com base na sua idade, sexo, orientação sexual, religião ou convicção política ou ideológica? Não sabemos porque tal não foi sequer alegado. Não basta dizer que se sentiu discriminado relativamente a este ou aquele trabalhador para que haja discriminação. É preciso dizer porquê e em que circunstâncias aconteceu a diferença de tratamento para que o empregador possa rebater e justificar se essa diferença existiu e porquê. As considerações vagas, genéricas, imprecisas e sobretudo conclusivas tecidas pelo Autor não permitem ao julgador densificar e preencher o conceito jurídico de discriminação, porquanto não são alicerçadas em factualidade concreta que a suporte.»
Finalmente, quanto à inversão do ónus da prova, Ana Cristina Ribeiro Costa escreve o seguinte: “a escolha a fazer não influi, a nosso ver, na repartição do ónus da prova, já que ainda que a responsabilidade seja contratual, o que ocorrerá será apenas a aplicação da norma do art. 799º do CC, ou seja, uma presunção de culpa do assediador, competindo a este demonstrar alternativamente que o incumprimento não procede de culpa sua. Assim, não há qualquer inversão do ónus da prova mas uma presunção de culpa do devedor, demonstrado que seja o incumprimento da obrigação. Logo, a vítima terá sempre que demonstrar o incumprimento de parte do assediador, sem prejuízo de, provado esse incumprimento, beneficiar de uma presunção de que o mesmo foi culposo.”[13] Com efeito, o art. 25.º n.º 5 do Código do Trabalho apenas permite a inversão do ónus da prova se o trabalhador alegar e provar algum factor característico de discriminação. Sem prova de que há diferença de tratamento e que tal tem por base algum factor de discriminação, a inversão do ónus da prova não tem lugar.
Nas alegações, o Recorrente sustenta que o factor de discriminação reside na instauração do inquérito crime e na realização de buscas no seu domicílio e no seu gabinete.
Porém, não está demonstrado que a instauração de tal inquérito crime seja da responsabilidade dos RR., ou sequer que estes tenham especial domínio sobre as diligências de prova que ali são realizadas.
Ademais, a pendência de um tal processo não constitui, per se, um factor de discriminação, pois o princípio da presunção de inocência mantém-se, até decisão condenatória transitada em julgado, e a simples pendência do inquérito crime não pode ser entendido como implicando, necessariamente, alguma diferença de tratamento no acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, como tal enquadrável na previsão do art. 24.º n.º 1 do Código do Trabalho – e muito menos quando nem sequer está provado que o Recorrente tenha sido constituído arguido ou seja suspeito de algum crime.
Enfim, não demonstrados os requisitos legais da figura invocada como causa de pedir da acção – nada ficou provado quanto comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios, e muito menos se provou qualquer consequência na saúde física e psíquica do trabalhador – resta-nos confirmar a sentença recorrida.
Para terminar, quanto à ampliação do âmbito do recurso deduzida pelos RR. pessoas singulares nas suas alegações, estes declararam que exerciam esse direito apenas para a hipótese da pretensão do Recorrente proceder.
Tal não sucedeu, pelo que a apreciação desta questão fica prejudicada, por inutilidade – art. 130.º do Código de Processo Civil.
DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação da sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 11 de Maio de 2023
Mário Branco Coelho Paula do Paço Emília Ramos Costa
__________________________________________________
[1] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.
[2] In Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1.ª ed., pág. 689.
[5] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 143.
[6] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2008 (Proc. 07S2898), em www.dgsi.pt.
[7] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 24.10.2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Na jurisprudência, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2016 (Proc. 2/13.7TTBRG.G1.S1), da Relação de Évora de 28.09.2017 (Proc. 1415/16.8T8TMR.E1, subscrito pelo ora relator) e da Relação de Guimarães de 10.07.2019 (Proc. 3235/18.6T8VNF.G1), todos em www.dgsi.pt.
[8] In Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 426.
[9] Loc. cit., págs. 428 a 430.
[10] Desta vez em “Algumas observações sobre o mobbing nas relações de trabalho subordinado”, e-book do CEJ “O Assédio no Trabalho”, Setembro de 2014, págs. 120 e 121.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.2018 (Proc. 532/11.5TTSTR.E1.S1), publicado em www.dgsi.pt, confirmando o aresto desta Relação de Évora de 13.07.2017, igualmente publicado na mesma base de dados, em que o Relator foi o mesmo do presente.
[12] Acórdão de 29.11.2022 (Proc. 1591/18.5T8CTB.C3.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[13] In Notas sobre o ónus da prova e danos morais no assédio: caminhos a desbravar, no IX Colóquio sobre o Direito do Trabalho do Supremo Tribunal de Justiça, 18.10.2017, texto disponível em linha em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/int_ana_costa.pdf, pág. 7.