DECISÕES DO AGENTE DE EXECUÇÃO
NÃO IMPUGNAÇÃO
CARÁTER DEFINITIVO
EFEITO VINCULATIVO
Sumário

As decisões tomadas pelos agentes de execução que não forem objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas als. c) e d) do nº. 1 do artº. 723º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente com o efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial, não podendo ser contrariadas por despacho posterior.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Arlindo Oliveira



Processo 1799/18.3T8VIS.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA e BB vieram instaurar ação executiva contra a Massa Insolvente de A... Lda.,  visando a entrega do armazém correspondente à letra "B" sito na Via ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o art. ...65 e o pagamento da quantia em dívida que liquidaram em 21.056,00.

Apresentaram como título executivo a sentença proferida em 22/7/2019, no âmbito do processo nº 1799/18....  que condenou a executada:

. a entregar aos exequentes, devoluto de pessoas e bens, o referido armazém;

. a  pagar-lhes, como dívida da massa insolvente, a título de indemnização pela ocupação do identificado armazém, desde 1/1/2019 até à data da instauração da ação declarativa (11/4/2019) a quantia de 4.544,00€; e,

.  a pagar aos Exequentes, como dívida da massa insolvente, a quantia de 1.920,00€ por cada mês que decorresse, desde a data da instauração da ação até efetiva restituição do armazém.

Mais alegaram que, transitada em julgado a referida sentença, a Executada continuou a ocupar o armazém e a não pagar qualquer quantia pela sua ocupação indevida.

            No âmbito da execução foi penhorado um saldo bancário titulado pela executada, no Banco Português, S.A., no montante de 12.256,80. Não tendo sido encontrados outros bens penhoráveis, foi declarada a extinção da execução pela Sra. agente de execução (AE),  notificada às partes em 06.10.2021.

            Em 22.07.2021, a Sra. AE notificou as partes da liquidação a que procedeu e para, querendo, reclamarem no prazo de 10 dias, e notificou ainda os exequentes para, caso se conformasse com o valor que tinham a receber, comunicarem via citius, por requerimento próprio, o seu NIB, para, após o decurso do prazo para a reclamação, proceder à transferência do seu crédito no valor de 10.264,88.

            . A Sra. AE procedeu à seguinte liquidação:

            . A)EM DEPÓSITO:                                                              12.568,80;

            .B) DEVIDO AO EXEQUENTE

Quantia exequenda   21.056,00

Taxa de justiça                 25,50

Juros de mora              1.292,20

Juros compulsórios ¼     235,06

Adiantamento AE             94,10

Adiantamento AE            250,92

SOMA ……………………………….22.953,78

.C) DEVIDO AO ESTADO

Juros compulsórios (1/4) 235,06

SOMA ………………………………….235,06

.D) DEVIDO AO AGENTE DE EXECUÇÃO

Calculado nos termos da portaria 282/2013 de

29/0, C/ IVA (23% incluído) …………1.757,00

PAGAMENTOS

Ao exequente ……………………………………… -10.264,80

Ao Estado……………………………………………… -235,06

À agente de execução……………………………….....-1.757,00

EM DÍVIDA………………………………………….. -12.688,98.

            Em 13.09.2021, a Sra. AE emitiu a Ordem de Pagamento aos exequentes.

Em 14.10.2021, no âmbito do apenso G foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julgo as contas da administração da massa insolvente de A..., Lda., relativas à atividade exercida pelo administrador da insolvência, Sr. Dr. CC, validamente prestadas, ficando consignado que, sem prejuízo da contabilização das custas, da remuneração fixa do Sr. administrador da insolvência e do montante que vier a ser liquidado no âmbito da execução apensa ao processo de insolvência, apresentam o saldo positivo de €13.647,00 (treze mil, seiscentos e quarenta e sete euros).

Sem custas, já que o processo de insolvência abrange as contas da administração

(art.º 303.º, do CIRE).

Registe e notifique.”

Seguidamente foi ordenado que, atendendo à manifesta insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa, nos autos principais, se notificassem os credores, a insolvente e o Sr. administrador da insolvência para dizerem o que se lhes oferecesse sobre o encerramento do processo de insolvência nos termos previstos no artigo 230.º, n.º 1, d) e 232.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e ainda, atento o disposto, entre outros, no artigo 232.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 541.º do Código de Processo Civil, se ordenou a notificação da Sr.ª agente de execução, dos exequentes e da executada para dizerem o que se lhes oferecesse sobre o pagamento das custas do processo de insolvência, que englobam também o reembolso do montante a adiantar pelo IGFEJ a título de remuneração do Sr. administrador da insolvência.

            Notificados, vieram os ora apelantes juntar requerimento à execução e, simultaneamente, ao apenso G e aos autos principais, em 12.11.2021, onde designadamente alegaram que:

“(…) Salvo o merecido respeito, a liquidação do processo de execução está finalizada e

consolidou-se com o trânsito em julgado.

10. Ao abrigo do disposto no art. 172.º, n.º 3 do CIRE, as dívidas da massa são devidas e devem ser pagas na data dos respetivos vencimentos.

11. Nos presentes autos, a dívida da massa aos aqui Exequentes foi parcialmente paga através da entrega da penhora do saldo penhorado, quando o vencimento da dívida já havia sido largamente ultrapassado.

Assim:

12. Do saldo existente de 13.647,00€ terá sobrado após a penhora a quantia de 1.390,20€ (13.647,00€ - 12.256,80€).

13. É esta quantia de 1.390,20€ que responderá pelas custas que se apurarem ser devidas.

14. No que tange às custas no montante de 692,88€ alegadamente suportadas pelo Sr.Administrador de Insolvência através da sua conta pessoal, verifica-se que o referido

pagamento terá sido realizado em 12/11/2020 (de acordo com o comprovativo que juntou aos autos) – requerimento com a refª Citius n.º .

15. Ora, a penhora apenas foi realizada em Junho de 2021, motivo pelo qual desconhece se a razão para o Sr. Administrador de Insolvência proceder a pagamentos alegadamente através da sua conta pessoal, quando a conta da massa insolvência teria nessa data fundos suficientes para o efeito, desconhecendo-se a que título e por que motivo o terá feito.

16. Não existindo, assim, a nosso ver e salvo melhor opinião, razão para acolher o invocado direito à sua restituição.

17. Assim, salvo melhor opinião, as custas do processo que se apurarem ser devidas ao Tribunal, a remuneração do Senhor Administrador e as outras dívidas da massa (incluindo a restante dívida ainda não paga aos aqui Exequentes) serão pagas, na medida do possível, através do indicado saldo remanescente que existirá de acordo com as contas apresentadas pelo Sr. Administrador de Insolvência.

18. Não sendo o saldo remanescente suficiente para a satisfação das custas e das restantes dívidas da massa, deverá o processo ser encerrado ao abrigo do disposto no art. 230.º, n.º 1, d) do CIRE.

Foi ordenada a notificação do Sr. Administrador da Insolvência (AI) para se pronunciar e em 10.03.2022, o Sr. AI juntou requerimento onde concluiu:

“Desta forma, e face ao exposto,

1. O dinheiro apurado para massa deverá estar todo à disposição da massa para que sejam feitos os pagamentos de sua responsabilidade de acordo com o definido no n.º 3 do art.º 172.º do CIRE, que refere que “o pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo”;

2. Até podemos concluir que a dívida dos credores AA e BB venceu-se anteriormente e, como tal, deve ser paga em primeiro lugar, mas, salvo melhor opinião, o pagamento será feito pelo AI e não pela execução da penhora efetuada à conta da massa;

3. Até porque, “quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente”, o processo encerra, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do art.º 230.º do CIRE, como muito bem referem os credores da massa, apenas falhando no que referem em relação ao valor a ser utilizado, defendo eles que seja apena o saldo remanescente.”

Em 10.10.2022, os exequentes notificados para se pronunciarem sobre o requerimento do sr. AI, juntaram requerimento, onde concluíram:

“Isto posto:

38. A Massa Insolvente não se opôs à penhora.

39. Notificada da liquidação da execução (ref.ª 4802579), da qual resultou o pagamento de 10.264,80€ aos Exequentes, 235,06€ ao Estado a título de juros compulsórios e 1.757,00€ à Agente de Execução, ficando ainda em dívida aos Exequentes a quantia de 12.688,98€, o AI não apresentou qualquer reclamação.

40. Em face do exposto, nada mais haverá a determinar nos presentes autos quanto à liquidação do resultado da penhora, atenta a extemporaneidade para esse efeito.”

            E, em 24.10.2022, foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido:

            “De acordo com o disposto no artigo 541.º do Código de Processo Civil as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas dos bens penhorados.

Por força desta disposição, aplicável com as devidas adaptações ao processo de insolvência, as custas da execução, dos apensos e da insolvência saem precípuas dos bens penhorados, ou seja, antes de se proceder ao pagamento aos credores, incluindo aos credores da massa insolvente, há que retirar a quantia necessária para pagamento das custas.

A precipuidade abrange as custas de que a executada é devedora.

No caso dos autos a executada é a massa insolvente.

A massa insolvente é responsável pelo pagamento das custas do processo de insolvência (art. 304.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), que compreendem, entre outros, a remuneração do administrador da insolvência, no montante de €2.000,00, acrescido de IVA (art.º 23.º, n.º 1 da Lei n.º 22/2013, de 26-02), sendo certo que, por determinação do n.º 3 do artigo 32.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, é incluída nas custas do processo.

Por sentença transitada em julgado, foram julgadas prestadas as contas da administração da massa insolvente, relativas à atividade exercida pelo administrador da insolvência que, sem prejuízo da contabilização das custas, da remuneração fixa do Sr. administrador da insolvência e do montante que vier a ser liquidado no âmbito desta execução, apresentavam o saldo positivo de €13.647,00 (treze mil, seiscentos e quarenta e sete euros).

Atendendo ao valor da execução e ao saldo apurado para a massa insolvente, não haverá lugar à realização do rateio final, por a massa insolvente ser consumida pelas respetivas dívidas.

Nestes autos, foi penhorada a importância de €12.256,80. É manifesto que a diferença em relação ao valor apurado não é suficiente para pagamento das custas da responsabilidade da massa insolvente, não podendo os exequentes receber o valor necessário ao pagamento das mesmas.[1]

Por conseguinte, determina-se que se liquide a responsabilidade da executada, onde se incluem as custas destes autos, do processo de insolvência -que englobam o valor da remuneração fixa do administrador da insolvência - e respetivos apensos, que saem precípuas do valor penhorado. “

            Os exequentes não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

I. Em 18/11/2022, foi proferido despacho nestes autos de execução que considerou que os Exequentes não podiam receber o valor penhorado necessários ao pagamento das custas da responsabilidade da massa insolvente, determinando que fosse liquidada a responsabilidade da executada, que inclui as custas destes autos, do processo de insolvência – que englobam o valor da remuneração fixa do administrador de insolvência – e respetivos apensos, que saem precípuos do valor penhorado.

II. Sucede que, com o merecido respeito pela ciência jurídica do Meritíssimo Juiz a quo, o douto despacho não poderá manter-se, porquanto:

a. É nulo por excesso de pronuncia (art. 615.º, n.º 1 d) ex vi art. 613.º, n.º 3 do CPC), i. por um lado, por tratar-se de decisão proferida após a extinção do processo (arts. 613.º, 750.º e 849.º do CPC); e

ii. por outro lado, por falta de competência do juiz para proferir o despacho, atento o disposto no art. 723.º, a contrario, do CPC;

b. Enferma de erro no julgamento sobre a matéria de direito, por errada interpretação e aplicação do art. 541.º do CPC; dos arts. 32.º, n.º 3, 89.º, n.º 1, 172.º, n.º 3 e 232.º, n.º 3 do CIRE e do art. 30.º, n.º 1 da Lei 22/2013.

III. Nos presentes autos, a Executada foi citada em 03/02/2020, notificada da penhora do saldo bancário em 30/06/2021, notificada da liquidação e nota discriminativa de honorários e despesas da Agente de Execução em 22/07/2021 e notificada para indicar bens à penhora, com a cominação da extinção da execução, em 16/09/2021.

IV. A Executada não apresentou qualquer reação processual, tendo precludido a faculdade, pelo decurso do prazo legal para o efeito, de reagir por oposição à execução, oposição à penhora e reclamação da liquidação.

V. O que foi confirmado pela secretaria deste tribunal em 02/09/2021 e levou a que em 13/09/2021 a Agente de Execução promovesse a distribuição do saldo penhorado nos termos da liquidação já anteriormente notificada aos intervenientes processuais, e pela qual procedeu à entrega ao Exequente de 10.264,80€, ao Estado de 235,06€ a título de juros compulsórios e à Agente de Execução de 1.757,00€ (1428,46€ + IVA à taxa legal de 23%) a título de honorários e despesas da agente de execução.

VI. Não tendo a executada reagido, a extinção da execução e todos os atos praticados e decisões tomadas pela Agente de Execução, tornaram-se definitivos, equiparados ao trânsito em julgado.

VII. De onde decorre, por um lado, que estabilizaram-se os efeitos dos atos praticados na execução – incluindo a entrega da quantia penhorada nos termos liquidados pela Agente de Execução – e a impossibilidade de colocar em causa a liquidação organizada e realizada pela Agente de Execução.

VIII. Uma vez extinto em 06/10/2021 o processo por decisão da Agente de Execução, o despacho notificado mais de um ano depois, em 18/11/2022, foi proferido num momento em que já se havia esgotado o poder jurisdicional do juiz, por força do disposto nos arts. 613.º, 750.º e 849.º do CPC.

IX. Assim, o despacho é nulo por excesso de pronúncia (arts. 613.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, d), ex vi art. 613.º, n.º 3 do CPC) ou processualmente inexistente e ineficaz, pelo que não poderá subsistir.

Por outro prisma:

X. O despacho recorrido extravasa as competências do juiz em sede de ação executiva.

XI. As competências do juiz na ação executiva vêm delimitadas no art. 723.º do CPC.

XII. O despacho recorrido não se enquadra em nenhuma das competências reservadas ao juiz no referido preceito.

XIII. A Executada não desencadeou nos presentes autos um pedido de intervenção do juiz nos termos das competências que lhe são conferidas nas hipóteses previstas no art. 723.º do CPC e não existe outra previsão de atribuição de competência ao juiz (art. 723.º, n.º 1, proémio do CPC) na qual se enquadre o despacho recorrido.

XIV. Pelo que, também consubstancia uma nulidade do despacho por excesso de pronúncia ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, d) do CPC, ex vi art. 613.º, n.º 3 do CPC.

Sem conceder:

XV. O despacho não se poderá manter por errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto.

XVI. Preceitua o art. 172.º, n.º 3 do CIRE que “o pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo”.

XVII. Nos termos do art. 89.º, n.º 1 do CIRE, a contrario e art. 172.º, n.º 3 do CIRE é legítimo os credores instaurarem execução para pagamento de dívidas da massa insolvente, o que sucedeu in casu, dado que o crédito dos exequentes foi reconhecido por sentença judicial que correu termos no apenso -C aos autos principais da insolvência.

XVIII. Nos autos principais não foi proferida decisão de encerramento do processo por insuficiência da massa, pelo que não é aplicável o art. 232.º, n.º 3 do CIRE.

XIX. Não é aplicável aos presente autos, com as devidas adaptações o disposto no art. 541.º do CIRE, atenta a previsão do art. 232.º, n.º 3 do CIRE, que é uma norma especial em relação àquela.

XX. Assim, não estando o processo ainda em condições de ser remetido à conta, por ainda não existir decisão de encerramento, tendo sido legítima a entrega do resultado da penhora aos Exequentes, ao Estado (nos juros compulsórios) e à Agente de Execução (despesas e honorários) – arts. 89.º, n.º 1 e 172.º, n.º 3 do CIRE –, não existe qualquer fundamento legal para se considerar que os Exequentes não podem receber o valor necessário ao pagamento das custas.

XXI. Até porque o resultado da penhora já lhes foi entregue em 13/09/2021.

Isto posto:

XXII. Se o saldo da Massa Insolvente é insuficiente para a satisfação das custas e da remuneração devida ao administrador de insolvência, então competirá ao Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P., nos termos do art. 32.º, n.º 3 do CIRE e do art. 30.º, n.º 1 da Lei 22/2013, suportar esses encargos.

Nestes termos e nos melhores de Direito que doutamente serão supridos, concedendo provimento ao presente recurso, substituindo por Acórdão que:

A. declare a nulidade do despacho por excesso de pronúncia;

Sem conceder,

B. revogue o despacho por errada interpretação e aplicação das normas jurídicas previstas nos arts. 541.º do CPC; 32.º, n.º 3, 89.º, n.º 1, 172.º, n.º 3 e 232.º, n.º 3 do CIRE e art. 30.º, n.º 1 da Lei 22/2013, substituindo-o por acórdão que mantenha a entrega da penhora aos Exequentes, se fará a Inteira e Habitual JUSTIÇA!

O Ministério.-Público contra-alegou, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma:

(…).

II – Objeto do recurso
De acordo com as conclusões da apelação, as questões a resolver são as seguintes:

. se o despacho é nulo por excesso de pronúncia; e,

. se o despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente as normas jurídicas previstas nos arts. 541.º do CPC; 32.º, n.º 3, 89.º, n.º 1, 172.º, n.º 3 e 232.º, n.º 3 do CIRE e art. 30.º, n.º 1 da Lei 22/2013.

III – Fundamentação

A situação factual é a supra descrita.

Da nulidade do despacho recorrido

A sentença será nula, quer no caso de o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 615º, nº 1, alínea d), do CPC).

Desde logo, importa precisar o que deve entender-se por questões, cujo conhecimento ou não conhecimento constitui nulidade por excesso ou falta de pronúncia. Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum” constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artº 615, nº 1, al. d) do CPC, devendo distinguir-se as verdadeiras questões dos meros raciocínios, razões, argumentos ou considerações, não impondo a lei que o tribunal aprecie estes últimos,  mas apenas as primeiras.

 Por questões deve entender-se “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente cumpre, ao juiz, conhecer” (José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 670),

O artº 615º, nº 1, alínea d) tem de ser interpretado em conjugação com o disposto no artº 608, nº 2, 2ª parte, do CPC, que impõe que o juiz não se ocupe senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Defendem os apelantes que as diversas decisões tomadas pelo agente de execução ao longo da execução  que não foram objeto de reclamação ou impugnação pelas partes intervenientes, no tempo devido, estabilizaram-se e consolidaram-se definitivamente, com efeito vinculativo, semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial.

Não tendo a executada reclamado da liquidação efetuada em 22.07.2021, a mesma tornou-se definitiva.

Mais alegou que o despacho recorrido foi proferido após a extinção do processo numa fase em que já não era possível convocar a intervenção jurisdicional do juiz, pelo que é uma decisão proferida depois de esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

E em consequência da estabilização por ausência de qualquer reação processual, em 13.09.2021, a Sra. Agente de Execução concretizou a liquidação, com o pagamento das custas processuais da ação executiva, a entrega do remanescente do resultado da penhora aos exequentes e o pagamento de 235,06 juros compulsórios ao Estado.

A decisão recorrida proferida mais de um ano após a liquidação, ao determinar que os exequentes não podem receber o valor necessário às custas do processo de insolvência, colide e altera os termos da liquidação apresentada e notificada pela Agente de Execução, apesar da executada dela não ter reclamado.

O Ministério Público, por sua vez, defende que o despacho não é nulo por excesso de pronúncia, porque o Mmo Juiz se pronunciou sobre as questões de que devia tomar conhecimento, não tendo qualquer fundamento legal afirmar que o juiz não se pode pronunciar “sobre custas/princípio da precipuidade”. Pendendo questões sobre custas para resolver, não é legítimo apelar à extinção do processo para obstar à respetiva apreciação.

Vejamos:

Em 14.10.2021, no âmbito do apenso G foi proferida sentença julgando as contas da administração da massa insolvente.

Seguidamente foi ordenado que, atendendo à manifesta insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa, nos autos principais, se notificassem os credores, a insolvente e o Sr. administrador da insolvência para dizerem o que se lhes oferecesse sobre o encerramento do processo de insolvência nos termos previstos no artigo 230.º, n.º 1, d) e 232.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e ainda, atento o disposto, entre outros, no artigo 232.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 541.º do Código de Processo Civil, se ordenou também a notificação da Sr.ª agente de execução, dos exequentes e da executada para dizerem o que se lhes oferecesse sobre o pagamento das custas do processo de insolvência, que englobam também o reembolso do montante a adiantar pelo IGFEJ,  a título de remuneração do Sr. administrador da insolvência.

            Notificados, vieram os ora apelantes, em 12.11.2021, juntar requerimento à execução e, simultaneamente,  ao apenso G e aos autos principais.

Foi ordenada a notificação do Sr. AI para se pronunciar, o qual, em 10.03.2022, juntou requerimento aos autos,

Em 10.10.2022, os exequentes notificados para se pronunciarem sobre o requerimento do sr. AI, juntaram requerimento, onde concluíram:

“Isto posto:

38. A Massa Insolvente não se opôs à penhora.

39. Notificada da liquidação da execução (ref.ª 4802579), da qual resultou o pagamento de 10.264,80€ aos Exequentes, 235,06€ ao Estado a título de juros compulsórios e 1.757,00€ à Agente de Execução, ficando ainda em dívida aos Exequentes a quantia de 12.688,98€, o AI não apresentou qualquer reclamação.

40. Em face do exposto, nada mais haverá a determinar nos presentes autos quanto à liquidação do resultado da penhora, atenta a extemporaneidade para esse efeito.”

            E foi na sequência destes requerimentos que foi proferido o despacho recorrido, conhecendo das questões suscitadas.

Assim, o despacho recorrido não é nulo por excesso de pronúncia, tendo conhecido das questões submetidas à sua apreciação que o juiz não podia deixar de apreciar e decidir e insere-se no âmbito das suas competências próprias (artº 723º, nº1, alínea d) do CPC).

Se ocorreu erro de julgamento

Embora se tenha entendido que o despacho recorrido não era nulo, tal não significa que o mesmo seja de manter, assistindo razão aos apelantes quando defendem que as decisões proferidas pela Sra. AE que não foram objeto de qualquer reclamação, se consolidaram.

Estipula o  artigo 719.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Repartição de competências” que “Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz (…)”.

No atual modelo da ação executiva, as competências do juiz são restritas e tipificadas, sem prejuízo da reserva de jurisdição prevista no artº 202º, nº 2 da CRP (cfr. defendem Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil anotado, 2º volume, 2020, Almedina, pág. 59). O juiz apenas pode fiscalizar a legalidade dos atos processuais no âmbito do que lhe for solicitado, para além de apreciar questões de conhecimento oficioso.

A  intervenção do agente de execução no processo executivo é subsidiária, em relação à secretaria e ao juiz, constituindo ainda entendimento prevalecente (decorrente do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 19/9, e do demais direito positivo) que a relação entre o juiz e o agente de execução não se pauta por uma relação hierárquica do segundo para com o primeiro, inexistindo da parte deste um poder geral de controlo sobre a atuação do segundo, que não se confunde com o controle jurisdicional previsto no artigo 723.º (cfr. se defende nos  Acórdãos do TRC de 27-06-2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1 e do TRE  de 27.05.2021, proc. 2561/15.0T8STB-E.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

De acordo com o nº 1 do artº 723 do CPC, a lei especificamente atribui ao juiz, sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, competência para:

a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;

b) Julgar a oposição à execução, e penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;

c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;

d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

Atos  decisórios são aqueles em que o Agente de Execução identifica uma possível solução jurídica para uma questão de que deva conhecer ou que tome na sequência de um pedido efetuado pela parte.

A alínea d) constitui uma norma aberta, de caráter residual, abrangendo designadamente a reação à inação do agente de execução, cfr.se defendeu no Ac. do TRL de 27.10.2016, proc. 127/13.9YUSTR-C.L1-9, onde se considerou  que  “Tratando-se na alínea d), do nº1 do artigo 723º, de uma norma em branco, a mesma deve ser materializada e densificada, em cada momento e processo, pelos intervenientes previstos nessa mesma norma, a saber: juiz, partes, intervenientes acidentais e agente de execução.”

O recurso à alínea d) poderá ser utilizado para esclarecer dúvidas sobre a solução jurídica ou sobre a interpretação de determinados preceitos legais e, designadamente,  para os efeitos previstos nos artigos 755º, nº 4 e 855º, nº 2, alínea b) do CPC.

As decisões tomadas pelos agentes de execução que não forem objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas als. c) e d) do nº. 1 do artº. 723º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente com o efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial, (cfr. se defende no acórdão do TRC de  27.06.2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1).

            A decisão da Sra. AE que procedeu à liquidação da execução foi notificada às partes e não foi objeto de qualquer reclamação, tendo em consequência, sido emitida ordem de pagamento aos exequentes da quantia de 10.264,80. Estas decisões foram tomadas pela Sra. AE no exercício de competências que lhe são próprias (artº 780º, nº 13 do CPC).

As decisões da Sra. AE não reclamadas, consolidaram-se, e não podem ser contrariadas por posterior despacho do Mmo. Juiz de execução (cfr. se defende no citado Ac. desta Relação de 27.06.2017), prevalecendo sobre aquele (o que ocorre, em última análise, por aplicação analógica do disposto no artº. 625º do CPC), ficando prejudicadas as demais questões suscitadas.

            Sumário:

            (…).

            IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª secção desta Relação em julgar procedente o recurso, e, consequentemente, revogam o despacho recorrido.

            Custas pela apelada.

            Notifique.

            Coimbra, 2 de maio de 2023



[1] Sublinhado nosso.