INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
FALTAS JUSTIFICADAS
Sumário


I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;
II- A expressão “dias consecutivos”, constante da Cláusula 82ª do Contrato Colectivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal -AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso.

Texto Integral




Processo 11379/21.0T8PRT.P1.S1

Revista

65/22

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


FICO CABLES – Fábrica de Acessórios e Equipamentos Industriais, Lda. intentou acção especial de interpretação de cláusula de convenção colectiva de trabalho contra AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, peticionando que seja proferida “decisão de interpretação da Cláusula 82.ª do CCT em causa, no sentido de que a menção a “dias consecutivos” não pode ser interpretada como referindo-se apenas a “dias úteis” ou “dias de trabalho”.

Citados, os Réus contestaram.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Tudo visto e nos termos expostos julga-se a acção procedente por provada e em consequência declara-se que a cláusula 82ª do CCT celebrado entre os aqui demandados e acima identificada deverá ser interpretada como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso)”.

O Réu SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia interpôs recurso de apelação.

Os Juízes do Tribunal da Relação, por acórdão de 13.07.2022, acordaram “em julgar procedente a apelação, decidindo que:

- A expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal - AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias consecutivos de falta ao trabalho”.

A Ré AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e a Autora FICO CABLES – Fábrica de Acessórios e Equipamentos Industriais, Lda. vieram interpor recurso de revista.

Formulando as seguintes conclusões:
A Ré - AIMMAP:
“A. No âmbito do Processo 11379/21.0T8PRT.P1, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, Secção Social, com a referência ...74, do qual a, ora Recorrente, AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, vem, nos termos do disposto no art.º 185º n.º 2 do Código do Processo de Trabalho, Interpor Recurso de Revista, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, com fundamento na “violação de lei substantiva por erro de interpretação ou aplicação”;
B. No que às custas se refere, não obstante a ora Recorrente estar isenta face à sua natureza jurídica – associação privada sem fins lucrativos – e natureza da ação judicial – interpretação de cláusula de convenção coletiva de trabalho -conforme decorre dos art.º 4 n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, da Decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho e do voto vencido constante dos presentes autos, a ora Recorrente não se conforma igualmente  com a sua condenação em custas, pelo que se requer a revogação da sua condenação em custas.

C. O presente recurso diz respeito à supra identificada Decisão que decidiu que “A expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal - AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias consecutivos de falta ao trabalho.”.

D. Com efeito, a presente ação respeita à interpretação do CCT celebrado entre as demandadas, publicado no BTE nº 20 de 29/5/2019, em concreto, a sua cláusula 82ª que sob a epígrafe “Faltas por motivo de falecimento de parentes ou afins”, consagra o seguinte:

1- Nos termos da alínea b) do número 2 da cláusula anterior, o trabalhador pode faltar justificadamente:

a) Até cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim n 1º grau na linha recta (pais ou filhos, por parentesco ou adopção plena, padrastos, enteados, sogros, genros e noras);
b) Até dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou em 2º grau da linha colateral (avós ou bisavós por parentesco ou afinidade, netos e bisnetos por parentesco, afinidade oi adopção plena, irmãos consanguíneos ou por adopção plena e cunhados).

2- Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior ao falecimento de pessoa que via em união de facto ou economia comum com o trabalhador nos termos previstos na lei”.

E. Precisando,   conforme   colocado   pelo   Tribunal   recorrido,   encontra-se em discussão, a interpretação a fazer da expressão “dias consecutivos” constante daquela se, apenas, como dias úteis, ou seja, fazendo a sua contagem em concordância com o conceito de “falta” e, consequentemente, só se considerando, naqueles, os dias em que existe obrigação de trabalhar, como defende a recorrente ou, então, como foi peticionado e decidido, como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso).”,

F. O presente recurso do Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação tem como fundamento a “violação de lei substantiva por erro de interpretação
ou aplicação”, mais precisamente violação do disposto no art.º 9º do Código
Civil, dos princípios da liberdade e autonomia contratual previstos nos artigos
405º do Cód. Civil e artigos 1º, 2º, 443º n.º 1 alínea a), 478º, 492º do Cód.
Trabalho, princípio da filiação previsto no artigo 496º do Cód. Trabalho
ignorando-se ainda a CCT como fonte tanto negocial como ordenadora
conforme previsto nos artigos 1º, 2º e 496º do Código do Trabalho, nos termos
do n.º 1 do art.º 674º do Código de Processo Civil.

G. As normas violadas, porque não foram aplicadas na atividade interpretativa em toda a sua plenitude e sentido, pelo Tribunal recorrido, com o devido respeito, levaram a que se decidisse como se decidiu, quando devia ter sido ter confirmada a Decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho que decidiu “A expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal - AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias consecutivos de falta ao trabalho.”.

H. De facto, a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, recorreu às “(...) regras de interpretação decorrentes do art. 9º do CC, - conforme consta da mesma a pag 11 daquela Decisão - o qual dispõe que “1 - A interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir do texto legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2 -Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

I. No entanto, na sua atividade interpretativa, não obstante ter como princípio e limite a letra da Lei, não valorou os restantes elementos interpretativos pertinentes na sua atividade interpretativa, nomeadamente os elementos lógicos como os elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

J. Conforme entendimento constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2014 de 02-06-2014 publicitado no Diário da República n.º 105/2014, série I de 2014-06-02, “(...) na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das   convenções   colectivas   de   trabalho   regem   as   regras   atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil
(2), visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem
susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros
(3).            (...) A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma "tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal" (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

K. O que aconteceu foi, sim, uma interpretação reduzida, com o devido respeito.

L. Com efeito, não foi tido em conta na Decisão recorrida:

- O entendimento adotado por empresas, trabalhadores e a própria ACT a respeito do sentido da expressão “dias consecutivos” como dias seguidos de calendário;
- Que apenas com a publicação da “Nota Técnica n.º 7 da ACT”, em agosto de 2018 foi colocada a hipótese, pela primeira vez, de a expressão dias consecutivos ser entendida como dias úteis no caso das "faltas por motivo de falecimento de familiar", pois assim constava da Nota Técnica da ACT e os agentes de uma relação de trabalho olham e temem a ACT enquanto entidade sancionadora, não obstante a falta de sustentação legal na referida Nota Técnica, pois não resulta da Lei, da letra da Lei, que os dias consecutivos por morte de familiar fossem dias úteis de trabalho;

- Foi ignorado o valor negocial e ordenador da cláusula 82ª, a qual na parte que aqui releva existe desde 2010, data da primeira publicação do identificado CCT.

- Foi ignorado o contexto da lei, assim, como desconsideradas as disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins e o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico;

- Foi ignorada a expressão “dias consecutivos” na sua literalidade;

- Foram descurados os princípios da liberdade e autonomia contratual previstos nos artigos 405º do Cód. Civil e artigos 1º, 2º, 443º n.º 1 alínea a), 478º, 492º do Cód. Trabalho que permitem às partes outorgantes de uma CCT estabelecer os termos de uma cláusula de forma livre, desde que não viole a Lei e bem assim o princípio da filiação previsto no artigo 496º do Cód. Trabalho que obriga as partes outorgantes bem como as suas representadas a aplicarem o clausulado da CCT, descartando esta como fonte tanto negocial como ordenadora conforme previsto nos artigos 1º, 2º e 496º do Código do Trabalho, nos termos do n.º 1 do art.º 674º do Código de Processo Civil.

M. Conforme voto vencido, constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a que se adere totalmente, “em idênticas normas, como a do art. 250º do Cód. do Trabalho, o termo “consecutivos” não tem merecido qualquer outra interpretação que não a de que os dias deverão ser considerados como sendo seguidos (independentemente de serem dias úteis ou de descanso), citando-se aqui a título exemplificativo os Acórdãos da Rel. do Porto de 06/10/2014, proc. nº 433/13.2TTGDM.P1 e de 25/03/2019, proc. nº 1248/18.7T8MTS.P1, ambos, in, www.dgsi.pt. »

(...) Ora, tendo em conta o sentido literal da norma, referindo-se a dias “consecutivos”, como bem se considerou na decisão recorrida e tendo em conta a globalidade do diploma legal onde a cláusula se insere, àquela não poderá ser-lhe dado outro sentido que senão o de “dias seguidos”, precisamente, o significado literal de “dias consecutivos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”. Pois, concordamos que se de outro modo os interessados o tivessem querido, tê-lo-iam dito, como fizeram noutras normas do diploma em causa, onde até utilizaram a expressão “dias úteis consecutivos”.

Basta para o efeito, como bem diz a requerente, ter em atenção como são utilizadas, noutras cláusulas da CCT, em causa, para diferentes situações, as expressões “dias úteis” (Cláusula 38.ª, n.º 3), “dias seguidos” (Cláusula 81.ª, n.º 2, alínea a)), “dias consecutivos” (Cláusula 82.ª) e “dias úteis consecutivos” (Cláusulas 72.ª, alínea d) e 73.ª, n.º 6) e, ainda, o que na Cláusula 68.ª do CCT, se esclarece sobre o que são considerados dias úteis para efeitos de férias, para podermos concordar, como a sua alegação de que, “caso se pretendesse que os dias concedidos ao trabalhador por falecimento de um familiar se considerassem os “(…) dias úteis da semana, com exceção dos feriados e dos dias de descanso semanal (…)”, então bastaria uma simples remissão para a referida disposição”.

(...)Assim, acolhemos o entendimento de que a expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal - AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo “dias seguidos”, independentemente de serem dias úteis, dias de trabalho ou dias de descanso.

Sentido de interpretação que consideramos, como já dissemos, porque a única coisa que aquela cláusula estabelece é o modo de contagem, dos dias que o trabalhador pode faltar, não violando, assim, qualquer regime imperativo do regime de faltas, ao contrário, justifica as faltas por nojo e respeita a sua duração, tal como estabelecido no CT, art. 251º.

Acrescendo, ainda, como bem referiu e cita a Mª Juíza “a quo”, ser o sentido e a interpretação, acabada de fazer, idêntica à que, nesta secção, vem sendo feita quanto à expressão “consecutivos” constante da norma do Código do Trabalho. (...).».

Por fim, acresce dizer, novamente reiterando o devido respeito, que no Acórdão que fez vencimento não se fez a interpretação da cláusula 82ª em comparação com a redacção dada às demais cláusulas que referimos no projecto que não obteve vencimento.
Razão porque, no projecto que não obteve vencimento, julgava improcedente a apelação e confirmava na íntegra a decisão recorrida.” .
N. Prosseguindo, a expressão "dias consecutivos" quer referir-se a dias de calendário e não a dias úteis, tanto mais que quando as partes outorgantes do CCT in casu quiseram referir-se a dias úteis assim o fizeram, como por exemplo na cl.ª 67ª e 68º do CCT que se referem a dias de férias úteis e à majoração de férias em dias úteis ou na cl.ª 73ª n.º 6 relativa ao gozo obrigatório de 10 dias úteis consecutivos de férias quando haja lugar a férias interpoladas ou na cl.ª 84ª n.º 5 no que diz respeito ao prazo de apresentação da justificação de falta, que também se reporta a dias úteis;

O. Assim como o próprio Legislador - quando pretendeu que as faltas, ou licenças, ou dispensas ou créditos de horas fossem considerados em dias úteis, usou a expressão dias úteis como por exemplo nos casos previstos no art.º 43º do Cód. Trabalho no que diz respeito à licença exclusiva do pai de 20 dias úteis; art.º 92º do Cód. Trabalho relativa à licença sem retribuição de 10 dias úteis do trabalhador-estudante, entre outros exemplos;

P. Por sua vez, nos casos em que se pretendeu que os dias em causa não fossem tidos como dias úteis, mas sim dias seguidos de calendário, temos os casos previstos na cl.ª 8º n.º 4 do CCT no que diz respeito ao prazo de 30 dias de resposta pela empresa ao pedido de progressão na carreira do trabalhador (imagine-se se fossem 30 dias úteis para responder!); o prazo de 60 dias seguidos previsto na cl.ª 13 n.º 3 do CCT para entrega dos documentos relativos ao cumprimento do dever de informação (imagine-se se fossem 60 dias úteis para entregar tal informação!); o prazo previsto cl.ª 21ª n.º 10 do CCT quanto ao aviso de prévio de comunicação de transferência do trabalhador para outro local de trabalho, entre muitos outros casos.
Q. Acresce que, não obstante a falta seja, conceptualmente, a ausência do trabalhador quando está obrigado a prestar trabalho, tal conceito deve ser confrontado e interpretado com as ausências, sejam elas caracterizadas ou apelidadas de licenças, créditos, faltas ou férias, consideradas como tempo de serviço por se tratarem de figuras jurídicas relevantes para perceber o contexto daquela cláusula e os efeitos decorrentes da fixação do entendimento vertido no Acórdão recorrido.

R. É que será fácil, contornar tal interpretação para aqueles que sejam mais engenhosos ou astutos; bastará ao empregador convocar trabalho em banco de horas, conforme previsto na cláusula 53ª do referido CCT (podendo inclusive ser na modalidade de não prestação de trabalho) ou trabalho suplementar para que haja “obrigação de prestação de trabalho” e consequentemente ficcionar a existência de uma falta ao trabalho.

S. Da mesma forma, o Legislador pretendendo referir-se a dias seguidos, ou consecutivos ou não úteis, não usou a expressão úteis, como no caso das faltas por motivo de casamento, alegado pela ora Recorrente na sua Resposta ao Recurso interposto para o Tribunal da Relação, previstas na alínea a) do n.º 2 do art.º 249º do CT, sendo pacífico o entendimento que estes os 15 dias seguidos são 15 dias de calendário e não dias úteis. A este respeito o Tribunal recorrido na sua Decisão não ponderou sequer a história/evolução das faltas por casamento.

T. Se se adotasse a interpretação da Decisão recorrida, o direito a faltar 15 dias seguidos por motivo de casamento equivaleria a quase um mês de faltas por casamento, o que ninguém concebe, sejam empregadores, trabalhadores e a própria ACT.

U. Relevam ainda os usos laborais nesta matéria, pois “desde sempre”, pelo menos desde o Decreto-Lei n.º 49 408 de 24 de novembro de 1969 que dias seguidos ou consecutivos eram entendidos, por todos os agentes numa relação de trabalho como dias de calendário incluindo fins de semana, dias úteis e feriados e os dias úteis eram entendidos como dias úteis excluindo-se por isso os dias de descanso, sábado e domingo, e feriados.

V. Resulta do exposto, que a expressão “dias consecutivos” deve ser entendida como seguidos, neles se incluindo os dias úteis, os dias de descanso e os feriados, assim se clarificando e adotando uma posição justa e equilibrada que abarque todos os casos, nomeadamente os de trabalhadores cujos dias “normais” de trabalho ocorram ao sábado e ao domingo nas empresas de laboração continua e os dias de descanso ocorram à segunda-feira e terça-feira por exemplo, os casos das equipas de fim de semana previsto no art.º203º n.º 2 do Cód. Trabalho ou dos trabalhadores que laboram apenas um dia por semana:

1. Imagine-se o caso do trabalhador que trabalha apenas um dia por semana; neste caso se o direito a faltar cinco dias por morte de familiar fossem contados em dias úteis de trabalho, este trabalhador ficaria cinco (5) semanas sem trabalhar!

2. O mesmo se passaria no que diz respeito aos 22 dias úteis de férias; no caso de um trabalhador trabalhar apenas um dia por semana, este ficaria, de acordo com a interpretação sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto, 22 semanas de férias, ou seja, quase meio ano sem trabalhar!

Imagine-se agora o caso do trabalhador que trabalha apenas nos dias de fim de semana da generalidade dos trabalhadores, as chamadas equipas de fim de semana, previsto no art.º 203º n.º 2 do Cód. Trabalho. Neste caso, haverá que proceder da mesma forma: marcar os cinco dias por morte de familiar de forma seguida, e não apenas nos dias úteis de trabalho, sob pena de o trabalhador ficar duas semanas e mais um dia de mais um fim de semana sem trabalhar ao passo que os que trabalham cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira, ficariam apenas uma semana sem trabalhar.

W. Os casos acima descritos, de acordo com o entendimento vertido na Decisão recorrida, são incompreensíveis, injustos e inadequados.

X. Acresce que os conceitos de direito não obstante deverem, poderem, ser interpretados de forma atualista, não se pode perder nunca de vista a forma como nasceram e qual o bem protegido, ou seja a ratio legis; dias úteis são dias úteis, excluindo-se por isso os dias de descanso (e ainda que contados de forma seguida como no caso das 5 faltas injustificadas) e dias seguidos, de calendário, são dias seguidos, de calendário incluindo os dias úteis e feriados e dias de descanso, tendo presente a adoção do calendário gregoriano do ano civil.

Y. A Decisão recorrida ao decidir como decidiu violou a lei substantiva com uma errada interpretação ou aplicação, conforme cima detalhado; aliás como ensina o Senhor Professor Doutor Júlio Gomes “deve conceber-se a autonomia coletiva como um meio de reforçar e não de suprimir a autonomia individual. Trata-se de uma autotutela exercida coletivamente através de uma organização que é expressão da liberdade dos seus filiados e que deve servir o interesse destes e respeitar um núcleo irredutível de direitos individuais de cada filiado. E o sindicato representa em primeira linha aqueles que nele se filiam e que confiam, através da sua filiação livre, naquele sindicato para a defesa e representação dos seus interesses (individuais e como coletivo). A legitimação destas associações resulta, assim, em primeira linha, segundo esta conceção, da filiação, tratando-se uma legitimação “vertical ascendente”. (...)Há aqui, pelo menos nos países de civil law, um meio de atuação diverso e reforçado relativamente aos outros contratos, porventura mesmo em relação aos chamados “contratos normativos”, de direito privado, através do reconhecimento de uma fonte de direito, meio de atuação que só é possível através do poder do Estado que assumiu a tarefa da promoção da contratação coletiva. Esse meio significa que o sindicato quando celebra uma convenção coletiva não se limita a assumir em nome dos filiados direitos e obrigações contratuais, não se tratando da representação civil clássica: o sindicato é parte, é o sujeito da convenção (e não os seus filiados) e pode negociar muitas matérias que não poderiam sequer ser negociadas ao nível dos contratos individuais de trabalho. Mas seria errado, quanto a nós, conceber os filiados como “terceiros” clássicos totalmente estranhos à convenção e a quem ela se aplica heteronomamente como pretende Daniel Krämer. A lei – desde logo a Constituição e depois a lei ordinária – ao criar o mecanismo da negociação coletiva abre um novo espaço para o exercício pelos trabalhadores da sua autonomia privada, embora um espaço necessariamente coletivo. Associando-se livre e espontaneamente em sindicatos podem participar na negociação de matérias que estariam vedadas.8 Z. Em consequência, a cl.ª 82º deve ser interpretada no sentido de que a expressão “dias consecutivos” referem-se a dias seguidos de calendário, neles se incluindo os dias úteis de trabalho e os dias de fim de semana intercorrentes ou dias de descanso e bem assim os feriados, nada devendo ser apontado à Douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto e em consequência deve ser revogada Decisão recorrida fixando-se o entendimento que a expressão dias consecutivos deve ser interpretada como sendo “dias seguidos”, independentemente de serem dias úteis, dias de trabalho ou dias de descanso:

AA. Da condenação em custas e da isenção de custas.

A Recorrente não se conforma igualmente com a Decisão recorrida que a condenou em “Custas da ação e da apelação pelas Ré/Apelada”;

BB.     Nos termos do disposto no art.º 4 n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais estão isentos de custas “As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;

CC.     A Recorrente AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, é uma associação de empregadores, de direito privado, (conforme decorre do art.º 1º dos respetivos Estatutos, juntos aos autos como Documento ... das Alegações apresentadas com a Ref.ª ...81), regularmente constituída e que adquiriu personalidade jurídica através do registo dos seus Estatutos na Divisão de Regulamentação Colectiva e Organizações do Trabalho (conforme a respetiva certidão permanente com o código de acesso n.º ...89 constante do art.º 32º das Alegações apresentadas com a Ref.ª ...81) ;

DD.     tendo o objectivo de coordenar toda a política de desenvolvimento dos sectores que abrange, representando, defendendo e promovendo os interesses comuns dos seus associados junto de terceiros. (cfr. art.sº 1 e 2º Doc. ...) e ainda a celebração de Convenções Colectivas de Trabalho (cfr. alínea d) do n.º 2 do art.º 2º Doc. ...);

EE. Foi, por isso, no pleno exercício daquela competência que a aqui Recorrente celebrou um CCT com o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e Energia, que se encontra junto aos presentes autos, onde se encontra a cl.ª 82ª cuja interpretação se discute na presente ação, cujos efeitos afetarão as empresas associadas da AIMMAP e respetivos trabalhadores, por força do princípio da filiação;

FF. Ora, nos termos do art.º 527º do Código de Processo Civil que A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. (...)”;

GG. Sucede   que   nos   termos   do   art.º   4º   do   Regulamento   das   Custas Processuais, além de estar fixada a isenção da ora Recorrente, está fixada na alínea f) do n.º 1 do art.º 4º que a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido (cfr n. 5 do art.º 4º) ou quando deu origem no processo a encargos, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida (cfr n.º 6 do art.º 4º);

HH.     Ora, não só a Recorrente não deu causa à presente ação, nem o seu pedido de fixação da interpretação no sentido de os dias consecutivos deverem ser interpretados como dias seguidos de calendário incluindo os dias de descanso, dias úteis e feriados não era totalmente improcedente, nem foi totalmente vencida como se pode ler do voto vencido constante da decisão recorrida e da própria decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
II. Pelo que, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 616º do Código de Processo Civil, vem Requerer a revogação da sua condenação em custas por estar isenta de custas e bem assim Requerer que seja declarada isenta de custas.
A Autora:

A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente a apelação do Réu SINDEL, decidindo que a expressão “dias consecutivos” constante da Cláusula 82.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AIMMAP e o SINDEL deve ser interpretada como sendo dias consecutivos de falta ao trabalho.

B. A Recorrente não se conforma com o sentido da decisão proferida, considerando que o Acórdão recorrido, por erro de interpretação e de aplicação, viola lei substantiva.

C. O presente recurso deve ser admitido nos termos do disposto no artigo 185.º, n.º 2 do Código do Processo do Trabalho e nos artigos 671.º, n.º 1 e 674.º do Código de Processo Civil.

D. A interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei.

E. Na interpretação da Cláusula 82.ª do CCT, deveria o Acórdão recorrido ter reconstituído o “pensamento legislativo”, isto é, a vontade das partes outorgantes da convenção coletiva de trabalho.

F. Desde a celebração da convenção coletiva de trabalho no decurso do ano de 2010, as partes interpretaram e aplicaram a Cláusula 82.ª do CCT como sendo dias seguidos ou ininterruptos (dias corridos de calendário).

G. Após a emissão da “Nota técnica n.º 7” pela Autoridade das Condições de Trabalho, em agosto de 2018, os representantes sindicais do Réu/Recorrido SINDEL passaram a defender tese contrária junto da Autora/Recorrente.
H. A expressão “dias consecutivos” foi utilizada na convenção coletiva de trabalho com o sentido de dias seguidos (de calendário), independentemente de serem dias de trabalho, feriados ou dias de descanso.

I. No momento da celebração do CCT era este o entendimento que as partes tinham.

J.     É essa a interpretação que se retira do elemento literal da cláusula e sempre foi esta a prática entre as partes outorgantes.

K.   Analisando o CCT em questão, constata-se que são utilizadas, para diferentes situações, as expressões “dias úteis” (vg. Cláusula 38.a, n.s 3), “dias seguidos” [vg. Cláusula 81.a, n.s 2, alínea a)], “dias consecutivos” (Cláusula 82.a) e “dias úteis consecutivos” (vg. Cláusulas 72.a, alínea d) e 73.ª, n.º 6).

L.  Acaso os dias de falta justificada conferidos ao trabalhador ao abrigo da Cláusula 82.ª do CCT fossem dias úteis consecutivos, então essa redação teria que ser adotada, à imagem do que sucedeu relativamente às Cláusulas 72.ª, alínea d) e 73.ª, n.º 6 do CCT, por razões de coerência sistemática.

M. Através da interpretação judicial de cláusula de convenção coletiva de trabalho as partes não podem alcançar aquilo que não tenham logrado obter no decurso das negociações.

N. A razão de ser da Cláusula 82.ª do CCT reside na possibilidade de permitir ao trabalhador um período de tempo de afastamento das suas obrigações profissionais e do seu local de trabalho.

O. Este prazo deve ser igual para todos os trabalhadores.

P. A convenção coletiva de trabalho aplica-se a uma multiplicidade de relações laborais.

Q. No setor de atividade da Recorrente é pratica comum haver trabalhadores que prestam trabalho com horário a tempo parcial, horário concentrado (de 3 ou 4 dias de trabalho por semana) ou que apenas trabalham nos dias de folga ou descanso dos demais (trabalhadores que apenas trabalham ao sábado e domingo e que compõem o chamado “turno de fim-de- semana”).

R. A interpretação acolhida pelo Acórdão recorrido no sentido que a expressão “dias consecutivos” constante da Cláusula 82.ª do CCT se refere a dias consecutivos de falta ao trabalho e não a dias seguidos de calendário, por permitir a criação de condições para que certos trabalhadores, face aos mesmos factos (falecimento de familiar), possam vir a ter um prazo superior ao de outros, conduz a uma situação de discriminação.

S. A única forma de o evitar consiste na interpretação autêntica que os Réus/Recorridos deram à Cláusula 82.ª do CCT, a qual constituiu a prática consensual durante anos e que resulta na interpretação acolhida pela decisão da 1.ª instância e, ainda, na declaração de voto de vencida ao Acórdão recorrido: a referência a “dias consecutivos” na Cláusula 82.ª do CCT deve ser interpretada no sentido de serem dias seguidos de calendário, independentemente de serem dias de trabalho, feriados ou dias de descanso.

T. Só assim os dois ou cinco dias previstos na Cláusula representarão o mesmo prazo para todos os trabalhadores, seja qual for a sua circunstância.

U. O Acórdão recorrido interpreta a expressão “dias consecutivos” à luz do conceito de falta ínsito no artigo 248.º do Código do Trabalho.

V. Tal como invocado pela Ré AIMMAP nos presentes autos, a interpretação acolhida pelo Acórdão recorrido poderá conferir ao trabalhador a possibilidade de se afastar das suas obrigações profissionais, durante dois ou cinco dias de trabalho, e, simultaneamente, permitir que este seja convocado pelo empregador para prestar trabalho suplementar ou em regime de banco de horas.

W. Do mesmo modo, um trabalhador em regime de horário concentrado poderá não gozar os dois ou cinco dias de ausência previstos na Cláusula 82.ª do CCT.
X. Não poderá ser essa a solução que as partes outorgantes pretenderam alcançar com a consagração de tal norma.

Y. Atendendo à razão de ser da norma e à interpretação e aplicação que lhe foi conferida pelas partes ao longo de quase uma década, a expressão “dias consecutivos” deve ser interpretada como sendo dias seguidos, incluindo os dias úteis ou dias de trabalho, os dias de descanso e feriados.

Z. Nestes termos, deveria o recurso de apelação ter sido julgado improcedente e ser mantida a decisão da 1.ª instância.

AA. O Acórdão recorrido viola, entre outros que V. Exas. doutamente suprirão, o disposto nos artigos 9.º e 405.º do Código Civil, 1.º, 2.º, 443.º, n.º 1, 478.º e 496.º do Código do Trabalho e o disposto na convenção coletiva de trabalho celebrada entre os Réus AIMMAP e SINDEL.

BB. Devendo, por isso, o Acórdão recorrido ser revogado, decidindo-se que a Cláusula 82.ª do CCT deve ser interpretada como sendo dias seguidos, incluindo não apenas os dias úteis ou dias de trabalho, mas também os dias em que o trabalhador não tem que prestar trabalho, nomeadamente os dias de descanso e os feriados.

O Réu SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia apresentou contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.


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Cumpre apreciar e decidir.
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:

- como deve ser interpretada a expressão “dias consecutivos” constante da cláusula 82.º do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia[1].

- se a AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal beneficia de isenção de custas.


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Como factualidade relevante temos a descrita no relatório deste acórdão.

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- o direito:

- a primeira questão- como deve ser interpretada a expressão “dias consecutivos” constante da cláusula 82.º do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia: 

Na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo ou regulativo – como é o caso, uma vez que estamos perante cláusulas cuja finalidade é a de regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores e o empregador - há que ponderar, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas – de aplicação directa aos contratos de trabalho em vigor – e, por outro lado, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados- ac. do STJ de  01-10-2015., Proc. º 4156/10.6 TTLSB.L1.S1.

Este Supremo Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções colectivas deve seguir as regras da interpretação da lei- cfr., entre outros, os ac. 22-06-2022, Proc. nº 14406/20.5T8SNT.L1.S1, e de 01-06-2022,  Proc. n. º 638/20.0T8PRT.P1.S1 (4.ª Secção)

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete  o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação  do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

“I. A interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei.

II. O enunciado linguístico da norma é o ponto de partida da atividade interpretativa, cujo objetivo é procurar reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

III. Na atividade de interpretação devem ser considerados os limites do próprio texto, de forma a excluir entre os seus possíveis sentidos o pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”- ac. do STJ de 14-04-2021, Proc. n.º 378/19.2T8PNF.P1.S1.
I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no art. 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.
II. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.- ac. de 28-09-2017, Processo n.º 1148/16.5T8BRG.G1.S1.

Vejamos, então, de harmonia com estes critérios, como interpretar a cláusula em questão:

Cujo texto é, sob a epígrafe “Faltas por motivo de falecimento de parentes ou afins”:

1- Nos termos da alínea b) do número 2 da cláusula anterior, o trabalhador pode faltar justificadamente:

a) Até cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1º grau na linha recta (pais ou filhos, por parentesco ou adopção plena, padrastos, enteados, sogros, genros e noras);

b) Até dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou em 2º grau da linha colateral (avós ou bisavós por parentesco ou afinidade, netos e bisnetos por parentesco, afinidade ou adopção plena, irmãos consanguíneos ou por adopção plena e cunhados).

2 - Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior ao falecimento de pessoa que via em união de facto ou economia comum com o trabalhador nos termos previstos na lei”.

                

O que está em discussão é  a interpretação a fazer da expressão “dias consecutivos” constante de tal cláusula: se, apenas, como dias úteis, ou seja, fazendo a sua contagem em concordância com o conceito de “falta”, interpretando a expressão “dias consecutivos” por referência ao conceito de falta ínsito no artº 248.º do Código do Trabalho e, consequentemente, só se considerando, naqueles, os dias em que existe obrigação de trabalhar, como decidiu, com voto de vencido, a Relação, ou, então, como concluíram a 1ª instância e o referido voto de vencido, como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso.

Repare-se que a redacção da cláusula em questão é idêntica à do artº 251º, nºs 1 e 2, do CT:

1 - O trabalhador pode faltar justificadamente:

a) Até 20 dias consecutivos, por falecimento de descendente ou afim no 1.º grau na linha reta;

b) Até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim ascendente no 1.º grau na linha reta;

c) Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral. 2 - Aplica-se o disposto na alínea b) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica.

Ora, e como se disse, se no domínio da interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho se deve atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, tendo em conta o sentido literal da norma, referindo-se a dias “consecutivos”, bem como a globalidade do diploma legal onde a cláusula se insere, àquela não poderá ser-lhe dado outro sentido que senão o de “dias seguidos”, precisamente, o significado literal de “dias consecutivos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”.

Como adverte o voto de vencido na Relação, se de outro modo os interessados o tivessem querido, tê-lo-iam dito, como fizeram noutras normas do diploma em causa, onde até utilizaram a expressão “dias úteis consecutivos”.

Basta, para o efeito, ter em atenção como são utilizadas, noutras cláusulas da CCT em causa, para diferentes situações, as expressões “dias úteis” (Cláusula 38.ª, n.º 3), “dias seguidos” (Cláusula 81.ª, n.º 2, alínea a)), “dias consecutivos” (Cláusula 82.ª) e “dias úteis consecutivos” (Cláusulas 72.ª, alínea d) e 73.ª, n.º 6) e, ainda, o que na Cláusula 68.ª se esclarece sobre o que são considerados dias úteis para efeitos de férias.

É este apelo à globalidade das normas do CCT em questão que não pode deixar de se efectuar.

Repare-se que na norma interpretanda, tal como acontece com o artº 251º do CT, a única coisa que se estabelece é o modo de contagem dos dias que o trabalhador pode faltar, não violando, assim, qualquer imperatividade  do regime de faltas- cfr. artº 250º do mesmo diploma.

Daí que, e salvo o muito e devido respeito, não se pode, como faz o acórdão recorrido, proceder a uma interpretação redutora da cláusula fazendo apelo ao conceito de “falta”, tal como definido no artº 248º do CT.

Mas, além deste argumento há ainda um outro que nos parece relevante e, mais do que isso, também decisivo, e que consiste na circunstância deste diploma legal se aplicar a uma multiplicidade de relações laborais, nas quais se poderão integrar trabalhadores que exerçam a sua actividade laboral aos fins-de-semana, pelo que interpretar os dias de faltas “consecutivos” como sendo dias úteis determinaria, em nosso entender, uma franca discriminação entre trabalhadores no sentido de que os que gozassem o seu descanso aos fins-de-semana seriam beneficiados relativamente aos demais.

Multiplicidade que também abrange aqueles que apenas trabalham alguns dos dias da semana, em relação aos quais também se verificaria essa injustificada desigualdade. A ser adoptada a interpretação acolhida pelo acórdão recorrido de que estão em causa, na contagem dos dias de faltas por falecimento, os dias em que existe obrigação de trabalhar, chegar-se-ia a soluções absurdas, por isso mesmo inaceitáveis, e, principal e decisivamente, constituindo factor de discriminação injustificada dos trabalhadores. Basta pensar na situação em que o trabalhador apenas presta a sua actividade num dia da semana: teria direito a faltar, no caso da al. a), durante cinco semanas. O mesmo se passaria com aqueles que não prestam trabalho durante todos os dias considerados úteis- segunda a sexta-feira e no período temporal total, ou seja, trabalhadores que prestam trabalho com horário a tempo parcial, horário concentrado (de 2, 3 ou 4 dias de trabalho por semana) ou que apenas trabalham nos dias de folga ou descanso dos demais.

Certamente que as partes outorgantes não desejaram tais situações de discriminação.

E a interpretação que defendemos não deixa de respeitar a razão de ser deste tipo de norma: permitir ao trabalhador um certo período de tempo em que não tenha de se preocupar com as suas obrigações laborais, por forma a poder exercer os primeiros dias de luto sem aquelas preocupações, com maior disponibilidade  para estar com os seus familiares próximos.

Procedem, assim, os recursos.

- a segunda questão- se a AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal beneficia de isenção de custas:

A mesma mostra-se prejudicada, pela simples razão de que as custas ficariam, em todas as instâncias, a  cargo do Recorrido (não fosse a isenção de que goza), sendo que a  AIMMAP obteve ganho de causa.

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Decisão:

Nos termos expostos, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, e decidindo-se que a expressão “dias consecutivos”, constante da Cláusula 82ª do Contrato Colectivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal -AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso.

As custas em todas as instâncias seriam a cargo do Recorrido- SINDEL, não fosse a isenção de que goza.

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Em conformidade com o disposto no artigo 186.º do CPT deverá este acórdão, após trânsito em julgado, ser publicado no Diário da República, 1.ª Série-A, e no Boletim do Trabalho e Emprego.

Lisboa, 19/04/2023

Ramalho Pinto (Relator)

Domingos José de Morais                                                       

Azevedo Mendes

Mário Belo Morgado

Júlio Gomes

Henrique Araújo- Presidente

Sumário (da responsabilidade do Relator).

                       

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[1] Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 15 de Março de 2010 e tem alterações publicadas nos Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1, de 8 de Janeiro de 2013, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 32, de 29 de Agosto de 2014, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2016, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2017, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, de 8 de Maio de 2018 e a última e actual publicação, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de Maio de 2019.