A obrigatoriedade de remição de uma pensão objecto de revisão da incapacidade deve ser apreciada de acordo com os pressupostos previstos no regime legal em vigor à data da fixação inicial da pensão.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Relator: Felizardo Paiva.
Adjuntos: Paula Roberto.
Mário Rodrigues da Silva.
I – Nos presentes autos de acidente de trabalho em que é responsável F..., SA foi fixada ao Sinistrado AA, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1966, natural de ... [...], nacional de Portugal, com domicílio no ..., Nº ..., ... ..., o coeficiente global de incapacidade de 21,375%, devido às lesões que lhe advieram do acidente de trabalho em causa nos autos.
Foi realizado o exame médico-legal a que alude o artigo 145.º, n.º 1 a 4, do Código de Processo do Trabalho, o qual concluiu ser de fixar a incapacidade em 25,48%.
No entanto, inconformada, a Companhia de Seguros requereu a realização de junta médica, o que foi deferido.
Realizada tal Junta Médica foi, por esta, de forma unânime, emitido laudo concluindo que o sinistrado sofre, devido às lesões mencionadas nos autos, de um coeficiente global de incapacidade de 21,8%.
“Compulsados os autos constata-se que, por decisão datada de 08-01-2015, com a Ref.ª 25376571, foi fixada ao/à Sinistrado/a uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 21,375%.
O requerimento de revisão dessa incapacidade deu entrada em 03/07/2022.
Assim, cumpre agora decidir se, neste caso concreto, existiu um agravamento do quadro clínico do/a Sinistrado/a que justifique a revisão da incapacidade anteriormente fixada.
Considerando o conteúdo do exame de revisão constante no relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho e dos autos de junta médica, entende-se que a IPP sofrida pelo/a sinistrado/a, em consequência do acidente a que se reportam os autos deve fixar-se em 21,8%.
Assim, atento o disposto no artº 145º, nº 5 e 6 do Código de Processo de Trabalho, declaro que a desvalorização laboral permanente do/a identificado/a sinistrado/a sofreu agravamento e, por consequência, decide-se aumentar a IPP do sinistrado para 21,8% desde a data da entrada do requerimento em juízo.
Contudo, neste momento, o sinistrado tem mais de 50 anos de idade, pelo que importa, aplicar a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, aprovada pelo Decreto Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
De acordo com o n.º 5 das Instruções gerais da TNI: «5 - 5- Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor. (…)».
Segundo esta Tabela a aplicação do factor 1.5 é automática, estando dependente apenas da verificação da idade do sinistrado, é apenas necessário que o sinistrado tenha uma idade de 50 anos ou mais.
Ora, a «bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais, mas a aplicação do facto 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – pode igualmente ser aplicável nos casos em que só após a data da alta a referida idade é atingida pelo sinistrado.
Na verdade, o factor 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um fato: a idade[1].
E se assim é, a «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do factor 1.5 depende apenas do facto idade[2].
Impõe-se, assim concluir que está verificado o referido pressuposto de aplicação do factor de bonificação 1.5..
Assim, atento o disposto no artº 145º, nº 5 e 6 do Código de Processo de Trabalho, declaro que a desvalorização laboral permanente do/a identificado/a sinistrado/a sofreu agravamento e, por consequência, decide-se aumentar a IPP do sinistrado para 32,70%, desde a data da entrada do requerimento em juízo.
Atento o referido grau de desvalorização e a retribuição anual auferida pelo/a sinistrado/a a pensão anual a que passou a ter direito desde 03/07/2022, é de € 1.890,71.
Contudo, como já foi remida a pensão de €1.235,903, apenas é devida ao Sinistrado a diferença entre aqueles valores.
Esta pensão deverá ser satisfeita adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.
Tem ainda, o sinistrado, direito ao pagamento dos subsídios de férias e Natal correspondentes a 1/14 da pensão anual, a satisfazer nos meses de Maio e Novembro respectivamente, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.
A Companhia de Seguros, deverá, ainda, suportar as despesas relativas a transporte, nos termos dos artigos 25, nº1, al. f), e 39º e 40º da NLAT, que no caso se computam em €10,51, atendendo a que percorreu 52Km à razão de € 0,204 por km4
Nos termos do disposto no número 1 do artigo 539.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, será a Companhia de Seguros responsável também pelo pagamento das custas processuais.
Assim sendo, e tendo presente todos os elementos de facto acima expostos, ao abrigo do disposto nos já mencionados preceitos legais, o Tribunal decide:
A – Fixar em 32,70%, o coeficiente global de incapacidade do sinistrado
B - Fixar a pensão anual devido ao sinistrado no montante de €1.890,71 (mil oitocentos e noventa euros e setenta e um cêntimos) com efeitos a partir do dia 08/03/2022, sendo apenas devido pela Companhia de Seguros o pagamento de €654,81, atenta a remição da pensão anteriormente fixada;
Esta pensão deverá ser satisfeita adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.
Tem ainda, a/o sinistrada/o, direito ao pagamento dos subsídios de férias e Natal correspondentes a 1/14 da pensão anual, a satisfazer nos meses de Maio e Novembro respectivamente, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.
C – Quantia acrescida de juros, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data do vencimento até integral pagamento.
D – Condenar a Companhia de Seguros a pagar ao/à sinistrado/a, o montante de €10.51 (dez euros e cinquenta e um cêntimos) a título de despesas de transporte”.
1. A ora Recorrente não se pode conformar com a parte decisória da douta sentença, mormente por fixar que a pensão anual devida ao sinistrado não é obrigatoriamente remível, por aplicação da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
2. O acidente de trabalho em discussão nos autos ocorreu a 11-11-2006.
3. O Tribunal a quo para a decisão da causa aplicou a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
4. Contudo, à data dos factos, o regime reparatório aplicável ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado é a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
5. Nos termos do artigo 41º da Lei 100/97, esse diploma legal é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após o dia 1 de Janeiro de 2000.
6. Por outro lado, a Lei 98/2009 entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2010 e, conforme estipulado no seu artigo 187.º n.º 1, deverá aplicar-se aos acidentes de trabalho ocorridos após essa data.
7. O que não se coaduna com a data do acidente a que os presentes autos se reportam.
8. Assim, o regime reparatório aplicável ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em Novembro de 2006 é, então, a Lei n.º 100/97 de 13 Setembro, e não a Lei n.º 98/2009.
9. Logo, tendo em consideração a legislação aplicável há que atentar na Lei 100/97, bem como no Decreto que a regulamenta – Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, – e, consequentemente, nas condições de remição aí previstas.
10. Face ao grau de desvalorização atribuída (IPP de 32,70%) e a retribuição anual auferida, o sinistrado passou a ter direito a uma pensão anual e vitalícia de 1.890,71€, desde 03- 07-2022.
11. Valor esse que cumpre o requisito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, por ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.
12. Nos termos da norma mencionada, as pensões de valor reduzido, como é o caso da dos presentes autos, devem ser obrigatoriamente remidas.
13. Ao contrário da Lei n.º 98/2009 os pressupostos de verificação da obrigatoriedade de remição não são cumulativos.
14. Partilhando deste entendimento atente-se para os casos presentes no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-01-2008, Relator Azevedo Mendes, proferido no âmbito do processo 636/04.0TTAGD.C1, bem como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-07-2004, Relator Vítor Mesquita, proferido no âmbito do processo 04S1513.
15. Deste modo, a decisão recorrida por assentar em pressupostos legais que não são aplicáveis, e por violar o disposto no artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99, deve ser revogada, admitindo-se a remição da pensão do sinistrado com dedução dos valores anteriormente remidos.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, devendo a Sentença recorrida ser revogada, sendo admitida a remição da pensão arbitrada ao sinistrado.
(…).
Conforme refere a recorrente o acidente de trabalho em discussão nos autos ocorreu a 11-11-2006.
O Tribunal a quo para a decisão relativa à remição da pensão aplicou a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
À data da ocorrência do acidente, o regime reparatório aplicável era o da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
Nos termos do artigo 41º da Lei 100/97, esse diploma legal é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após o dia 1 de Janeiro de 2000.
A LAT actual (Lei 98/2009) entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2010 e, conforme estipulado no seu artigo 187.º n.º 1, apenas se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após essa data.
O acórdão citado pelo Exmº Procurador nas contra alegações apresentadas apenas se refere, se bem o interpretámos, ao regime processual aplicável ao incidente de revisão, nada dizendo quanto ao regime aplicável à remição de pensões.
E quanto a este regime, no nosso entendimento, resulta claro da lei que lhe é aplicável o regime em vigor à data do acidente.
Na verdade, a pensão que resulta do incidente de revisão não é uma pensão nova pois apenas o seu valor é alterado.
A pensão é a mesma que foi fixada inicialmente, só variando o seu montante.
Os pressupostos da remição devem, também por esta razão, ser aferidos tendo em conta a Lei aplicável ao acidente que, no caso, é a Lei 100/97 13/09 (artº 33º) e DL 143/99 de 30.04 (artº 56º).
Lê-se no Ac. desta Relação de 26.02.2009 proferido no processo 636/04.0TTAGD.C1[3] “Como tem sido posição manifestada por esta Relação, no Acórdão de 16-12-2004 (processo nº 2733/04, in www.dgsi.pt) e Acórdão de 17/01/2008 (processo nº 636/04.0TTAGD.C1, in www.dgsi.pt) o incidente de revisão de pensão não gera uma nova pensão, mas apenas uma eventual alteração da pensão já fixada, sendo que os pressupostos a considerar na eventual alteração do montante de uma pensão por acidente de trabalho têm de ser os mesmos que se verificavam à data da fixação inicial da dita, nomeadamente a retribuição, o salário mínimo nacional, a idade e a data da alta”.
Trata-se, da mesma pensão reparatória do acidente de trabalho e não de uma nova pensão - tal como refere o artigo 145º nº 4 do CPT, o juiz, revista a incapacidade, mantém, aumenta ou reduz a pensão antes fixada. Estamos sempre perante uma pensão preexistente e não uma nova pensão. Neste sentido escreveu Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 641 da 4.ª edição): "A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova".
Assim sendo, para efeitos do artigo 50º do Dec. 360/71, o salário mínimo nacional considerado para o cálculo da fixação inicial da pensão deve ser o considerado para efeitos da sua revisão, já que os pressupostos iniciais desse cálculo se devem considerar estabilizados só ocorrendo, depois, alteração no grau de incapacidade”.
(…)
A não ser assim operar-se-ia uma "actualização" da pensão por via diversa da que tem sido considerada pelo legislador”.
Assim, “mutatis mutandis” a remuneração mínima mensal garantida para efeitos de remição deve ser a que vigorava à data da fixação inicial da pensão, ou seja, € 505 (DL 144/2014 de 30/09).
Nos termos da alínea a) do nº1 do artº 56º do DL 143/99 eram obrigatoriamente remidas as pensões anuais devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão[4].
Ora, no caso, o valor da pensão (€1.890,71) após revisão é inferior a € 3.030 (505 x 6) não deixando a pensão de ser obrigatoriamente remível por a IPP ser superior a 30%.
(…).
Coimbra, 12 de Abril de 2023
*
(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
(Mário Sérgio Ferreira rodrigues da Silva)