CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO
SINAL
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I - Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, com a, inerente, consequência da imediata rejeição do recurso, nessa parte, a recorrente que se limita a impugnar em termos latos, genéricos, a matéria dada como não provada, por falta de prova, sem fazer concreta e contextualizada análise crítica das provas que impõem decisão diversa de cada questão de facto impugnada (v. nº1, al. b), do art. 640º, do CPC).
II - Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto fixada, mantendo-se esta, o conhecimento daquela fica necessariamente prejudicado (nº2, do artigo 608º, ex vi da parte final, do nº2, do art. 663º, e, ainda, do nº6, deste artigo, ambos do CPC).
III - A mora ou atraso na realização da prestação (art. 803º e 805º, do CC) só é fundamento de resolução do contrato quando se converta em incumprimento definitivo, derivado da perda de interesse na prestação, da falta de realização desta no prazo razoável fixado pelo credor (nº1, do art. 808º, do CC) ou, ainda, de situação que configure recusa, pelo devedor, a efetuar a prestação.
IV - Subsume-se a esta situação de incumprimento definitivo, também enquadrável no referido art. 808º, a comunicação do promitente comprador ao promitente vendedor de recusa da prestação por impossibilidade de a realizar dada a não obtenção do, imprescindível, financiamento bancário.
V - E incumprido, definitivamente, o contrato promessa de compra e venda pelo promitente comprador tem a promitente vendedora direito a fazer seu o sinal prestado.

Texto Integral

Apelação nº1245/21.5T8AVR.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Aveiro - Juiz 2

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorrida: A..., Lda

AA, residente em ..., ..., ... Alemanha, veio propor a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., Lda, com sede na Av.ª ..., ..., ... Aveiro, pedindo a condenação desta a restituir-lhe a quantia de 5.000,00 € que deste recebeu a título de sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que vendeu o imóvel objeto daquele contrato a terceiros, a liquidar oportunamente, conforme a data daquela venda que vier a apurar-se, mas que se estimam em quantia não inferior a 500,00 €.
Pede, ainda, subsidiariamente, para o caso de vir a improceder aquele pedido, seja declarada a nulidade, por vício de forma, do contrato promessa ora invocado e documentado, por via disso se condenando a Ré a restituir ao Autor a quantia de 5.000,00 € que dele recebeu, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação para a presente ação, a liquidar oportunamente.
Alega, para tanto, que, por contrato promessa de compra e venda celebrado em 05/11/2008, a Ré prometeu vender ao ora Autor, e este, por sua vez, lhe prometeu comprar o bem imóvel que refere, tendo, nessa data, a título de sinal e princípio de pagamento, pago à Ré a quantia de 5.000,00 €, mais tendo sido estipulado que o restante daquele preço seria pago em duas tranches, 10.000,00 € até 10 de Dezembro de 2008 e o restante, 245.000,00 €, no ato da escritura de compra e venda, a realizar até ao final do mês de Fevereiro de 2009. Mais alega que à época da outorga daquele contrato, ficou assente e aceite por ambas as Partes que o Autor teria de recorrer e obter financiamento bancário para conseguir meios de pagamento do restante do preço nos montantes e datas nele estipuladas, em caso contrário ficando o contrato sem efeito, com devolução ao Autor do sinal pago e, como o Autor não conseguiu financiamento no montante necessário para pagar a restante parte do preço, em 08 de Janeiro de 2009 entre ele e a Ré foi acordado esperar mais 3 meses a ver se tal financiamento seria conseguido, e, em caso negativo, conforme proposta da própria Ré, esta devolveria ao Autor o sinal por este pago inicialmente, quando vendesse o imóvel a terceiro. Invoca ter-se mantido a impossibilidade de o Autor conseguir o necessário financiamento, e, por escrito que enviou à Ré em 11/04/2009 e que esta logo recebeu, lhe comunicou a situação e, apesar de a mesma ter vendido o imóvel, nunca ela lhe devolveu a quantia de 5.000,00 € que lhe entregou a título de sinal, nada mais lhe dizendo.
Alega, ainda, que o contrato promessa foi celebrado por escrito particular, mas sem reconhecimento presencial das assinaturas de quem nele interveio como promitente vendedor e como promitente comprador (ou seja, a Ré/seu legal representante com poderes para o acto e o ora Autor), nem, obviamente, foi certificada (aquando desse reconhecimento, e pela mesma entidade que o efectuasse) a existência da licença de utilização ou de construção do imóvel, pelo que o mesmo é nulo, por vício de forma.
A Ré contestou invocando que Autor e ré acordaram que a escritura de compra e venda seria realizada, impreterivelmente, até ao final do mês de fevereiro de 2009, devendo o autor avisar a ré, por qualquer meio, da hora e local da realização da escritura, com pelo menos 8 dias de antecedência, sendo falso caber à Ré agendar a realização da escritura pública bem como que o negócio supra descrito estivesse dependente de qualquer aprovação de crédito bancário, nunca tendo acordado a devolução de qualquer montante a título de sinal se o autor não obtivesse crédito bancário ou acordou qualquer prorrogação de prazo para celebração da escritura de compra e venda. Sustenta que, como o próprio autor confessa, foi o mesmo quem, por facto não imputável à ré, perdeu o interesse no negócio e ficou impossibilitado de o realizar e tendo o autor deixado de cumprir a sua obrigação pode a ré fazer suas as coisas entregues, ou seja, pode a ré reter o valor do sinal, o que fez.
Invoca, ainda, que no contrato promessa de compra e venda o autor e a ré prescindiram, mutuamente, do reconhecimento de assinaturas e demais formalidades, pelo que não pode agora o autor fazer uso de tal nulidade e esquivar-se ao cumprimento do acordo efetuado, pois tal constitui um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, numa clara violação ao princípio da tutela confiança.
Apresentou o Autor resposta a pugnar pela improcedência das exceções invocadas.
Foi proferido despacho saneador, com dispensa de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas de prova.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
Pelo exposto, julgando improcedente a ação, por não provada, o Tribunal decide:
- Absolver a Ré A..., Lda de todos os pedidos formulados pelo Autor AA.
Custas a cargo do Autor”.
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Apresentou o Autor recurso de apelação pugnando por que seja revogada a Sentença recorrida, julgando-se a ação procedente quanto ao pedido principal ou, a assim se não considerar, quanto ao pedido subsidiário, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Como resulta da prova produzida oralmente na Audiência Final e dos excertos da respectiva gravação presentemente transcritos, identificados e localizados nos pontos 5.1., 5.2 e 5.3 das precedentes alegações, que se dão por reproduzidos, deve considerar-se provada a matéria de facto enunciada nas alíneas a), b), c), d) e e) dos “Factos não provados”,
II. Por essa razão, conjugando-se tais factos com os factos elencados nos pontos 1. a 10. dos “Factos provados” devendo considerar-se como provados os fundamentos invocados pela Autora nos seus articulados e que determinam a procedência do seu pedido principal,
III. Acrescendo que, como decorre do princípio da indivisibilidade da declaração confessória (judicial ou extrajudicial) consagrado no Artigo 360.º do C. Civil, do teor do artigo 20. da douta contestação decorre estarem plenamente provados todos os factos alegados pelo Autor no artigo 8. da sua petição inicial, incluindo o teor do documento n.º 3 (carta enviada pelo Autor à Ré) que está expressamente alegado naquele artigo 8. da petição inicial, ou seja, a aceitação pelo Autor da proposta da Ré de lhe devolver o sinal entregue por este quando vendesse o imóvel objecto do contrato-promessa, o que igualmente determina a procedência do pedido principal.
IV. Acresce estar demonstrado que o Autor não teve qualquer intervenção na minuta do contrato-promessa, nem possibilidade de a alterar, tendo-lhe a mesma sido imposta pela Ré, designadamente, na parte em que é atribuída ao Autor a renúncia ao reconhecimento presencial das assinaturas do contrato,
V. Assim sendo este um contrato de adesão, previsto e regulado no Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, tendo sido violados os deveres de informação estabelecidos nos Artigos 5.º e 6.º deste Diploma Legal,
VI. O que determina a nulidade daquela renúncia e por via disso, a nulidade do contrato-promessa por violação do disposto no n.º 3 do Artigo 410.º, por aplicação do disposto no Artigo 220.º, ambos do C. Civil.
VII. Acresce ainda que nunca a Ré promoveu a notificação admonitória do Autor para o cumprimento do contrato-promessa, assim não podendo invocar o incumprimento definitivo do contrato por este nem podendo fazer seu o sinal entregue, não beneficiando do disposto no n.º 2 do Artigo 442.º do C.Civil.
VIII. Não foi oferecida nem produzida prova de nenhum dos pressupostos do abuso de direito previsto no Artigo 334.º do C.Civil, nem nenhum facto subsumível a esses pressupostos resulta ou pode extrair-se da factualidade considerada provada,
IX. Nem tais pressupostos resultam de qualquer presunção legalmente admissível, assim violando a douta Sentença recorrida, além das demais disposições legais citadas, o disposto no Artigo 349.º do C. Civil.
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Respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso e por que seja confirmada a sentença recorrida, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A) O objeto do presente recurso é composto pela impugnação, pelo apelante, da decisão de facto e de direito, no entanto, a sentença recorrida decidiu bem quer de facto, quer de direito, não devendo ser objeto de nenhum reparo nem de nenhuma alteração.
B) É a fundamentação que permite conhecer os elementos considerados relevantes para a decisão e, por essa via, possibilitar o controlo da sua coerência e racionalidade. No tocante à decisão da matéria de facto, esse dever de motivação cumpre-se através da exposição dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz sobre a prova – ou da falta dela – dos factos. Dado que as provas produzidas na audiência estão, em regra, sujeitas à livre – mas sempre prudente – convicção do Tribunal, este está vinculado ao dever de expor os fundamentos da sua convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, para que, por aplicação das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção. A motivação deve, por isso, objetivar as razões da convicção do juiz – assente nas regras da ciência, da lógica e da experiência – de modo que essa convicção seja capaz de impor aos outros e, portanto, de os convencer do bom fundamento da decisão. O que se verificou, sem qualquer dúvida, na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
C) A parte da impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada e não apreciada, porque viola o art. 640.º, n.º 1, al. b) e 2, al. a) do CPC, dado que o apelante não indicou os concretos meios probatórios, com transcrição expressa das passagens dos depoimentos das testemunhas sobre os factos que, no seu entender, foram mal julgados.
D) O Apelante sustenta/mistura argumentos sobre a falta de credibilidade das testemunhas com o conhecimento destas sobre os factos no entanto, não assiste qualquer razão ao apelante, porquanto de acordo como as referidas testemunhas prestaram o seu depoimento, a forma como relataram os factos e a forma como se comportaram, revelou que depuseram de forma imparcial, coerente, isenta e desapaixonada, motivo qual a sua proximidade com a apelada não as impediu de dizerem a verdade e relatarem os factos tal como ocorreram.
E) Os factos provados e não provados não devem ser alterados, continuando a ser considerados tal qual vêm descritos na sentença do Tribunal a quo, resultante dos depoimentos das testemunhas bem como, de toda a prova documental.
F) No que concerne à impugnação da matéria de direito, não deve a mesma merecer provimento, dado que face aos factos considerados provados, as soluções de direito da sentença recorrida estão corretas.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto: da (in)observância dos ónus impostos e da pretendida alteração;
2. Da decisão de mérito: do contrato celebrado, sua validade e incumprimento do mesmo.
3. Da necessidade de interpelação admonitória (para conversão da mora em incumprimento definitivo) e da questão nova.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição):
1. Por escrito particular celebrado no dia 5 de Novembro de 2008, as partes celebraram um acordo denominado “contrato promessa de compra e venda”, pelo qual o autor prometia comprar e a ré prometia vender a «Moradia do tipo T-4, sito na Rua ..., Quinta ..., na freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ..., titulada com a Licença de Utilização n.º ... emitida em 02/04/2004 pela CM...» - cfr. cláusula primeira, do documento de fls. 9 e 10 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Com a celebração do referido acordo o autor pagou, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) à ré, da qual esta lhe deu imediata quitação.
3. Estipulou-se que o restante valor acordado seria pago em duas tranches, concretamente, 10.000,00 €, como reforço do sinal, até 10 de Dezembro de 2008, e 245.000,00 €, como liquidação no ato da escritura de compra e venda, a realizar até ao final do mês de Fevereiro de 2009. Para a celebração da escritura, o Autor deveria avisar a Ré, por qualquer meio, da hora e local da sua realização, com pelo menos oito dias de antecedência – cfr. cláusulas terceira e quarta do acordo celebrado.
4. O Autor não conseguiu financiamento no montante necessário para pagar a restante parte do preço além do sinal entregue.
5. A Ré permutou o imóvel, identificado em 1), em 14.05.2010, recebendo, em troca, uma fração autónoma (no valor de cento e cinquenta mil euros) e a quantia de cem mil euros – cfr. certidão de título de permuta e mutuo com hipoteca de fls. 53 a 57, cujo teor se dá aqui dá por integralmente reproduzido.
6. A Ré não devolveu ao Autor a quantia de 5.000,00 €, mencionada em 2).
7. As assinaturas constantes do acordo referido em 1), tanto do autor promitente comprador, como da ré promitente vendedora, não foram reconhecidas presencialmente, nem foi certificada a existência da licença de utilização ou de construção do imóvel.
8. Na cláusula quinta do acordo celebrado exarou-se que: “A) Os contraentes prescindem livre e mutuamente das formalidades previstas pelo art. 410, n.º 3 do Código Civil, pelo que nenhum deles poderá vir a invocar a nulidade deste contrato pela omissão de tais requisitos.(…)”.
9. O acordo escrito em 1) foi minutado pela Ré, promitente vendedora.
10. O Autor não procedeu ao pagamento do reforço do sinal, nem procedeu à marcação da escritura de compra e venda, conforme o acordo referido em 3).
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os restantes factos alegados, nomeadamente, com relevância não se provou que:
a) À época da outorga daquele contrato, ficou assente e aceite por ambas as Partes que o Autor teria de recorrer e obter financiamento bancário para conseguir meios de pagamento do restante do preço nos montantes e datas nele estipuladas, em caso contrário ficando o contrato sem efeito, com devolução ao Autor do sinal pago.
b) Em 08 de Janeiro de 2009 entre Autor e a Ré foi acordado esperar mais 3 meses para que o Autor conseguisse financiamento bancário para a compra do imóvel e, em caso negativo, conforme proposta da própria Ré, esta devolveria ao Autor o sinal por este pago inicialmente, quando vendesse o imóvel a terceiro.
c) Perante a impossibilidade de o Autor conseguir o financiamento no montante necessário, enviou à Ré, em 11/04/2009, uma missiva, que esta logo recebeu, comunicando-lhe essa impossibilidade e aceitando a proposta da Ré de lhe devolver o sinal entregue quando vendesse a vivenda objeto do contrato.
d) O Autor assinou o acordo escrito referido em 1) desacompanhado de quem quer que pudesse elucidá-lo, no pressuposto aludido em a), mas que a Ré não inseriu no texto do acordo.
e) O Autor não teve consciência do mencionado em 8), do significado e alcance da sua dispensa, sendo que tal cláusula não foi lida, nem comunicada pela Ré.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da impugnação da decisão de facto: inobservância dos ónus impostos.
Atendendo ao objeto do recurso, delimitado, como vimos, pelas conclusões das alegações, cumpre, agora, fixar a matéria de facto para que, de seguida, se possa entrar na apreciação da decisão de mérito. Para tal, e atenta a impugnação apresentada, cabe, antes de mais, analisar, da observância pela apelante, impugnante, dos ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que,
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
“a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Como resulta do referido preceito, e seguindo a posição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[1].
Com efeito, com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador impôs o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes a possibilidade de impugnar a matéria de facto, passando o Tribunal de segunda instância a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando, desse modo, um duplo grau de jurisdição em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre do estatuído no nº1, do art. 662º, que consagra que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Verifica-se, assim, que a possibilidade de alteração da matéria de facto que, sendo excecional, passou a função normal do Tribunal da Relação, elevado a, verdadeiro, Tribunal de substituição, preenchidos que se mostrem os referidos requisitos legais, conferindo-se às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a permitir-lhes reagir contra erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas e a alcançar maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e tal só é alcançado “perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados” por forma a permitir ao Tribunal da Relação “formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”[2].
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, à Relação cabe proceder a um novo julgamento, limitado, contudo, à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (nº5, do art. 607º).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das supra referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente[3]. Apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, continuando, por isso, o Tribunal da Relação, de 2ª instância, a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[4], não podendo conhecer de matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja objeto de impugnação.
E impõe-se, desde logo, por isso, ao recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[5].
É imposição da lei e entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente delimite o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.
Não obstante o consagrado alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º [6], impondo-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) que impõem decisão diversa da impugnada;
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[7], critérios estes que têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça[8].
Este Tribunal Superior começou a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão, dos ónus secundários, que respeitam a requisitos formais e, quanto aos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1, do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso[9].
Contudo, vem-se a assistir na Jurisprudência, principalmente na do STJ, a um decréscimo da exigência de rigor, quando razões de proporcionalidade e razoabilidade a não imponham, passando a admitir a apreciação do recurso mesmo em casos de conclusões omissas quanto aos concretos pontos impugnados desde que os mesmos se encontrem devidamente especificados no corpo das alegações[10].
Assim, vem sendo entendido e decidido pelos vários Tribunais da Relação e foi-o em diversos acórdãos, designadamente em que a ora relatora foi adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães[11] e, também, em relatados pela ora relatora[12]. E, com efeito, o “ónus de impugnação especificada”, emergente do disposto no art. 640º, n.º 1, do C. P. Civil, prende-se em especial com a definição do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida)[13].
Destarte, cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º).[14].
Como de forma elucidativa considerou o Tribunal da Relação de Guimarães, ao rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto, “deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do tribunal ad quem, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex. officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor, claramente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1)”, mais referindo “Sabemos que o preceituado no citado artº 640 em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.
Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes - cf. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 124 e entre outros, os Acórdãos do STJ de 9.07.2015, P..405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, P.6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt. e Acórdão do STJ proferido no processo nº 471/10.T1CSSC.L1. S1 com data de 09.02.2017.
O acolhimento da pretensão da recorrente traduzir-se-ia numa total reapreciação da prova pela 2.ª Instância e a abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 11 de abril de 2018 e proferido no processo nº 786/16.5T8VRL.G1.S1 consulta de todos in dgsi.pt.
(…) o escrutínio da matéria de facto por parte da Relação é seletivo não se confundindo com uma mais ou menos genérica, abstrata e difusa reapreciação dos factos e das provas- ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18.01.2018 e proferido no processo nº 668/15.3T8FAR.E1: S2 in dgsi.pt
(…)Não apontam em concreto qualquer erro de julgamento, limitando-se a indicar provas – as que vão de encontro à sua pretensão - que avaliam de um certo modo – diferente do que o tribunal efectuou e propondo a seguir, conjuntamente, a alteração das respostas de acordo com a sua versão.
Porém a impugnação da matéria de facto não pode fundar-se na simples discordância sobre a valoração de um meio de prova devendo ter por fundamento um erro de percepção desse meio de prova ou os meios de prova – por ex.: o tribunal, na fundamentação, refere que determinada testemunha afirmou este e aquele facto, e ela não produziu tais afirmações.
Na essência, os recorrentes limitam-se a fazer a sua própria apreciação de parte da prova que apresenta em sentido diferente daquele que foi sufragado pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, pretendendo por esta via impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal e atacando a convicção que o julgador formou sobre cada um desses depoimentos.
Acontece que não compete a este Tribunal sindicar a credibilidade do Tribunal recorrido.
A credibilidade de um depoimento decorre directamente da imediação, ou seja, do contacto direto com a testemunha na audiência, da forma como a mesma encara e responde às questões que lhe são colocadas, elemento que tem uma clara dimensão subjetiva inerente à apreciação do juiz e que escapa à sindicância do tribunal de recurso, na falta de bases objetivas que lancem a dúvida sobre a razoabilidade da credibilidade inspirada- neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.04.2018 proferido no processo nº 462/09.0TTBRP.L2.S1 in dgsi.pt
Pelo que pretendendo os recorrentes estribarem a impugnação da decisão da matéria de facto apenas na convicção diversa que formaram sobre a credibilidade de alguns meios de prova, sem que sustentadamente mostrassem que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, naturalmente que isso impede que dela se conheça. (…)
Sob pena de se estar a considerar a “livre convicção dos Recorrentes”, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correta.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material?
«Pretende-se que o advogado apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se «impunha» a formação de uma convicção no sentido pretendido pelo recorrente.
Se o não fizer, ainda que de forma deficiente, salvo se o erro na apreciação da prova for ostensivo, o tribunal de recurso não tem uma questão de facto para decidir, ou seja, à argumentação do tribunal recorrido não se opõe qualquer outra argumentação alternativa.» - Acórdão do TRP, de 17.03.2014 (processo 3785/11.5TBVFR.P1, Relator Alberto Ruço)”[15].
“Nos termos do nº1, al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinja o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[16].
Assim, e como decidiu o STJ, “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou.” e “Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas”. Mais esclarece “A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”[17].
Das conclusões é exigível que, no mínimo, conste, de forma clara, quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto. E não observado o ónus primário de indicação da decisão a proferir, a que respeita a al. c) do nº 1 do artigo 640º por parte do recorrente é de rejeitar a reapreciação da decisão de facto[18].
É, pois, pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter além da indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, o concreto, específico, sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Assim, mesmo o “Supremo Tribunal de Justiça continua, de uma forma reiterada, a decidir que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
São, assim, dois os ónus que, em sede das conclusões do Recurso, impendem sobre o Recorrente que pretende impugnar a matéria de facto.
O primeiro ónus é constituído pela indicação dos pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo Tribunal de Recurso.
O segundo ónus é constituído pela indicação da decisão alternativa que se pretende que o Tribunal de Recurso adopte.
Ora, é patente e manifesto que a Recorrente não cumpriu aqueles ónus, ao não indicar nas conclusões do Recurso, qual era a matéria de facto (provada e não provada) que pretendia, de uma forma especificada, impugnar.
Nessa medida, tem que se entender que a Recorrente, ao não cumprir esse ónus, acabou por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Este não cumprimento deste ónus tornaria, assim, impossível a pronúncia do Tribunal sobre essa factualidade, pois que a consequência desse não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) é a rejeição da impugnação na parte correspondente – e caso o presente Tribunal se pronunciasse poder-se-ia até entender que incorreria no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC como de uma forma precisa se conclui no recente ac. do STJ de . 19.6.2019 (Relator: Helder Almeida) atrás citado”[19].
E a delimitação tem de ser concreta e específica. O recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura da decisão impugnada. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos, sendo “de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, se a alusão a determinados meios probatórios bem como ao quadro factual alegado é efetuada de forma genérica, sem que se estabeleça a necessária ligação entre os meios probatórios (ou as circunstâncias processuais mencionadas) e um determinado ou concreto resultado[20].
Analisando as conclusões das alegações do Apelante, constata-se que o Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, não faz referência a concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto, de cada concreta e especificada questão e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ter sido proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.
Na verdade, e após o que refere no corpo das alegações, formula o Apelante as conclusões supra referidas, que, como se referiu, delimitam o objeto do recurso.
E, efetivamente, verifica-se que o recorrente, indicando pontos que considera incorretamente julgados:
- não especifica os meios probatórios que determinam/impõem decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos impugnados, analisando criticamente as provas no contexto da análise efetuada pela decisão impugnada.
Assim, e na verdade, o referido nas alegações e conclusões da alegação não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados. A falta de indicação por parte da apelante dos elementos probatórios a imporem a alteração de cada um desses pontos nos termos por ele propugnados, relativamente a cada facto concreto, situação esta que se verifica in casu, tem, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no nº3, do art. 639º[21].
E, como se decidiu a Relação de Lisboa “Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas” e “Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo[22].
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016: Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, daí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
O recorrente faz comentários à análise probatória vertida na sentença recorrida em termos genéricos, omitindo o que impõe a, pretendida, decisão diversa, que não indica justificadamente. Não é efetuada análise crítica das provas nem análise contextualizada do, sobre elas, decidido, sequer são apontadas respostas que se imponham a cada um dos pontos impugnados.
Com efeito, insurge-se o apelante contra a decisão da matéria de facto afirmando deverem os factos não provados – compostos pelas alíneas a), b), c), d) e e) - “ser julgados provados”.
Não satisfaz, contudo, os ónus de especificação impostos, designadamente especificada análise crítica das provas quanto a cada facto, por forma a fundamentar erro de julgamento, manifestando, sim, inconformismo, por ser outra a sua opinião.
Aponta erro do Tribunal a quo quanto às respostas dadas aos factos não provados, mas não faz a análise crítica da decisão, assente na livre convicção formada pelo julgador e por ele, objetivamente, revelada como supra se exarou, verificando-se ausência de prova da matéria levada a cada um dos pontos de facto considerados não provados (falta de prova).
O apelante, que impugna a decisão da matéria de facto, faz menção, em bloco, a factos que entende incorretamente julgados, não satisfazendo, na totalidade, as imposições supracitadas nas alíneas do nº1, do art. 640º, pois não indicou os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre especificados pontos da matéria de facto diversa da recorrida. E, na verdade, a lei não se contenta com que o recorrente diga qual a matéria de facto que considera incorretamente julgada, impondo-lhe, além disso, que a indique e que mencione os concretos meios probatórios que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Ora, o recorrente não menciona as razões porque decisão diversa da tomada se impõe, facto por facto e, na verdade, para que a decisão da matéria de facto possa ser impugnada necessário é que se especifique e fundamente o que impõe decisão diversa, não bastando mera convicção, opinião ou ato da vontade do recorrente de aceitar ou não aceitar, não bastando, pois o vão inconformismo do apelante.
Analisadas as alegações de recurso e no seguimento do que se referiu, constata-se a omissão pelo recorrente do cumprimento do ónus estatuídos na al. b), do nº1, do art. 640º, pelo que se impõe a rejeição do recurso, genérico, da matéria de facto interposto pelo Autor/Apelante.
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Conclui o apelante decorrer do princípio da indivisibilidade da declaração confessória (judicial ou extrajudicial), consagrado no Artigo 360.º do C. Civil e do teor do artigo 20º, da contestação, que estão plenamente provados todos os factos alegados pelo Autor no artigo 8º, da sua petição inicial.
Quanto ao pretendido pelo apelante, no sentido de se considerar que a Ré confessa a aceitação pelo Autor da proposta da Ré de lhe devolver o sinal entregue por este quando vendesse o imóvel objeto do contrato-promessa, por “do teor do artigo 20. da douta contestação decorrer estarem plenamente provados todos os factos alegados pelo Autor no artigo 8, da sua petição inicial, incluindo o teor do documento n.º 3 (carta enviada pelo Autor à Ré)”, assim se não verifica, pois no artigo 20º o que referido vem é que o Autor confessa no artigo 8º da p.i., o que aceita para não mais ser retirado, que manteve a sua impossibilidade de realizar o negócio, por facto não imputável à Ré, dado não ter conseguido empréstimo bancário imprescindível a pagar o que se obrigou no contrato. Tudo o mais alegado no artigo 8º foi impugnado (cfr art. 20º e 16º, da contestação), impugnando, expressamente, a Ré, ao longo da contestação, o alegado acordo, ao articular “Nunca a ré acordou com o autor a dependência do negócio de um hipotético crédito bancário” (cfr. art. 15º) e “Nem nunca a ré acordou a devolução de qualquer montante a título de sinal se o autor não obtivesse crédito bancário”(v. art. 16º), e impugnando o documento em causa (cfr. art. 3º).
Consagra o art. 360º, do CC, com a epígrafe “Indivisibilidade da confissão” que:
Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar, também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão”.
Ora, a alegada, no articulado da causa, impossibilidade do Autor e, face a ela, a recusa/desistência do negócio, por falta de disponibilidade financeira, nenhuma relação tem com o acordo (de a Ré devolver ao Autor o sinal entregue por este quando vendesse o imóvel objecto do contrato-promessa) a densificar a causa de pedir e a fundar o pedido, não infirmando a eficácia do facto confessado nem modificando ou extinguindo os efeitos do mesmo, acordo este que a Ré em momento algum confessa, antes afirma direta e expressamente ter inexistido, impugnando diretamente o facto em causa, alegado pelo Autor a densificar causa de pedir do pedido principal que formula.
Na verdade, a força probatória plena da confissão vale para a confissão simples, em que a parte se limita a confessar um facto desfavorável, não para a confissão complexa ou para a confissão qualificada. O princípio da indivisibilidade da confissão complexa e da confissão qualificada significa que a parte que se quiser aproveitar da confissão como prova plena tem de aceitar a declaração total do confitente, quer a que respeita a factos favoráveis, quer aos desfavoráveis, tendo de aceitar, também, como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexatidão, o que determina que não tenha força probatória plena, mas antes que seja uma prova de livre apreciação[23].
No caso, o Autor alega na petição inicial que não conseguiu o financiamento necessário para pagar a restante parte do preço além do sinal entregue (cfr. arts 6º e 8º).
Tal facto foi alegado na petição inicial e mais alega o Autor que comunicou essa situação à Ré em 11/4/2009, por escrito que a Ré logo recebeu, mais referindo que lhe comunicou, também, aceitar a proposta da Ré de lhe devolver o sinal entregue quando vendesse a vivenda, juntando o doc. de fls 12.
Ora, a Ré não aceita, sequer, o conteúdo do documento e o que quer que seja que dele conste, tão só aceita, podendo, livremente, fazê-lo (cfr. art. 571º e 574º, do CPC, a consagrar “ónus de impugnação” do réu), factos articulados pelo Autor na petição inicial, entre eles que o Autor nada mais pagou senão o sinal e que a recusa de pagamento pelo Autor se deveu a impossibilidade do mesmo de realizar o negócio, dado não ter conseguido o, necessário, empréstimo bancário. Tudo o mais alegado no artigo 8º foi impugnado (cfr art. 20º e 16º, da contestação), impugnando, concretamente, a Ré, no exercício de um ónus seu, ter celebrado com o Autor acordo de devolução do sinal.
Assim, nenhuma alteração cabe fazer à decisão de facto, improcedendo, nesta parte, a impugnação.
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2. Da decisão de mérito: do contrato celebrado, sua validade e incumprimento do mesmo.
Em causa nos autos está um contrato que bem mereceu a qualificação de contrato-promessa de compra e venda de imóvel e em que houve o pagamento, pelo Autor, promitente comprador, de cinco mil euros a título de sinal e princípio de pagamento, bem referindo o Tribunal a quo inexistir motivo para determinar a devolução da quantia entregue, fundamentando:
“Pode definir-se o contrato-promessa, com base no artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil, como “A convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”. Diz-se contrato prometido ou definitivo aquele cuja realização se pretende (compra e venda, sociedade, locação, mandato, etc.).
Nas palavras de ANTUNES VARELA (“Das Obrigações em Geral”, volume I, 7.ª edição, página 313): “O contrato-promessa cria a obrigação de contratar, ou, mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. A obrigação assumida por ambos os contraentes, ou por um deles se a promessa é apenas unilateral, tem assim por objecto uma prática de facto positivo, um “facere oportere”. E o direito correspondente atribuído à outra parte traduz-se numa verdadeira pretensão.”.
O contrato-promessa regula-se pelo regime geral dos contratos, em regra, pelo regime especial dos artigos 410.º a 413.º, 441.º, 442.º, 755.º, n.º 1, alínea f), e 830.º, todos do Código Civil, e também, nos termos do artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil, pelas disposições legais relativas ao contrato prometido (princípio da equiparação) com excepção das normas relativas à forma e as que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
Pretende o autor que a ré seja condenada a devolver a quantia correspondente ao sinal prestado.
É, precisamente, a existência de um sinal que determina a aplicação do regime, algo complexo, previsto na norma seguinte do diploma que vem sendo citado (art. 442º), pois que, na falta deste, as consequências derivadas do incumprimento contratual, fundadoras de responsabilidade civil, apurar-se-iam de acordo com as regras gerais, tendentes a cobrir os danos efectivamente ocorridos.
No caso em apreço, existe sinal e o Autor pretende a sua devolução, invocando que teria sido acordada uma condição resolutiva. Contudo, não logrou provar, conforme lhe competia, essa mesma factualidade (cfr. factos não provados inscritos nas alíneas a) e b)).
Conforme preceitua o artigo 442.º n.º 2 do C. Civil “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue;(…)”. “O sinal aproxima-se, então, da natureza de arras penitenciais, correspectivo da faculdade de desistir do contrato («ius poenitendi») – assim, Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, “Contrato-promessa, uma síntese do regime actual”, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 1999, págs. 64-65 (o negrito é nosso).
No caso dos autos, o Autor acordou com a Ré que o restante valor acordado seria pago em duas tranches, concretamente, 10.000,00 €, como reforço do sinal, até 10 de Dezembro de 2008, e 245.000,00 €, como liquidação no acto da escritura de compra e venda, a realizar até ao final do mês de Fevereiro de 2009.
Mais acordou que para a celebração da escritura, o Autor deveria avisar a Ré, por qualquer meio, da hora e local da sua realização, com pelo menos oito dias de antecedência.
Contudo, o Autor não procedeu a qualquer outro pagamento, nem agendou a escritura definitiva, pelo que o incumprimento definitivo do acordado tem de lhe ser exclusivamente imputado (e não à sociedade Ré que apenas em Abril de 2010 permutou o imóvel objeto do contrato promessa)”.
Bem considerou o Tribunal a quo e, dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo o apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que assim se mantém inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.

Sempre se dirá que, na verdade, inexiste motivo para determinar a devolução da quantia entregue, pois alegando o Autor ter ficado impossibilitado de celebrar o contrato de compra e venda bem resulta, do que por ele é alegado que este contrato se não celebrou por facto imputável ao Autor que, face à não obtenção do, necessário, empréstimo (cfr. f,p, nº4), ficou impossibilitado de pagar, o que o levou a comunicar à Ré a sua recusa/desistência da celebração do contrato, como o mesmo expressamente afirma na petição inicial.
Com efeito, alegou, como fundamento da ação, embora não tenha logrado provar que:
- À época da outorga daquele contrato, ficou assente e aceite por ambas as Partes que o Autor teria de recorrer e obter financiamento bancário para conseguir meios de pagamento do restante do preço nos montantes e datas nele estipuladas, em caso contrário ficando o contrato sem efeito, com devolução ao Autor do sinal pago;
- Em 08 de Janeiro de 2009 entre Autor e a Ré foi acordado esperar mais 3 meses para que o Autor conseguisse financiamento bancário para a compra do imóvel e, em caso negativo, conforme proposta da própria Ré, esta devolveria ao Autor o sinal por este pago inicialmente, quando vendesse o imóvel a terceiro;
- Perante a impossibilidade de o Autor conseguir o financiamento no montante necessário, enviou à Ré em 11/04/2009 uma missiva, que esta logo recebeu, comunicando-lhe essa impossibilidade e aceitando a proposta da Ré de lhe devolver o sinal entregue quando vendesse a vivenda objecto do contrato.
Neste conspecto, bem resulta, pois, da própria alegação do Autor, na petição inicial com que introduziu a sua pretensão em juízo, que se verificou a impossibilidade deste conseguir o financiamento no montante necessário aos pagamentos a efetuar à Ré e que comunicou à mesma essa impossibilidade, a qual, somente após conhecer a recusa/desistência/desinteresse do Autor na compra da vivenda, a vendeu a terceiros.
Assim, nunca havendo fundamento para devolução do sinal em dobro, sequer peticionada, pois que, como o próprio Autor reconhece, o contrato promessa foi, definitivamente, incumprido por facto imputável a si, que não conseguiu financiamento e recusou, por isso, a prestação, desistindo do negócio, sequer o há, tão só, em singelo, como peticionado, pois que não foi efetuada prova do invocado acordo - de ter ficado assente e aceite por ambas as Partes que o Autor teria de recorrer e obter financiamento bancário para conseguir meios de pagamento do restante do preço nos montantes e datas nele estipuladas, em caso contrário ficando o contrato sem efeito, com devolução ao Autor do sinal pago.
O incumprimento definitivo do acordado é imputável ao próprio Autor, não à sociedade Ré, que permutou o imóvel objeto do contrato promessa apenas em Abril de 2010, após a manifestada recusa/impossibilidade/perda de interesse do Autor, o que este expressamente afirma.
E nenhum acordo escrito tendo resultado provado, sequer verbal, a estabelecer, por vontade de ambas as partes, a devolução do sinal, cabendo o ónus da prova de tal facto, constitutivo do direito do Autor ao mesmo, nos termos do estatuído no nº1, do art. 342º, do CC, é de manter a decisão do Tribunal a quo.
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Quando à arguida nulidade, resultando provado que as assinaturas de Autor e Ré no contrato promessa sub judice não foram reconhecidas presencialmente e que também não foi certificada (pela entidade que deveria proceder a tal reconhecimento) a existência de licença de utilização e ou de construção, omissão de requisitos determinante de uma invalidade subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal, arguível a todo o tempo, apenas invocável pelos contraentes mas, quanto ao promitente vendedor, apenas no caso de o seu não cumprimento ser imputável ao promitente comprador, bem entendeu o Tribunal a quo improcederem, na totalidade, os pedidos formulados pelo Autor, impondo-se a absolvição da Ré por:
“Sendo certo que a omissão dos requisitos de forma legalmente previstos por lei determina a nulidade do contrato analisado – artº 220 do C. Civil -, em regra, a tal constatação segue-se, se pedida, a declaração da mesma e a consequente restituição de tudo o que tiver sido prestado em cumprimento do negócio nulo - art° 289 do C. Civil.
Contudo, a Ré invoca que o Autor atua com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, numa clara violação ao princípio da tutela confiança.
Neste conspecto, provou-se que na cláusula quinta do acordo celebrado exarou-se que: “A) Os contraentes prescindem livre e mutuamente das formalidades previstas pelo art.410, n.º 3 do Código Civil, pelo que nenhum deles poderá vir a invocar a nulidade deste contrato pela omissão de tais requisitos.(…)”.
Ora, conforme se entendeu no Ac. do STJ de 06.05.2004, processo n.º 04B1291 (exmo Cons. Araújo de Barros), que aqui se segue de perto, “Quando as partes, no próprio contrato, declaram prescindir dessa formalidade e renunciar à invocação da respectiva omissão, ocorre válida renúncia tácita dos contraentes ao direito de anular o negócio, extinguindo-se, em consequência, esse direito”.
Ou seja, impõe-se a conclusão de que o direito do Autor de ver declarado nulo o contrato-promessa se encontra extinto, já que, tendo ele renunciado ao direito de anular, o não pode agora exercer.
E mesmo que assim não se entendesse, impõe-se não esquecer que o Autor, desde Dezembro de 2008 e até à propositura desta ação (em 18.04.2021) nunca demonstrou, pela sua conduta, entender que o contrato não era válido por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, criando assim na Ré, durante mais de doze anos - atento o facto de a ação ter entrado em juízo em Abril de 2021 - a convicção de que não iria invocar a nulidade aludida do contrato promessa.
Ora, se é certo que o demandante teria, à partida, o direito a ser restituído do valor por si pago a título de sinal à Ré - por força da omissão formal dos requisitos do contrato promessa em causa, não é menos certo, porém, que se entende que a sua conduta, ao longo dos doze anos subsequentes à outorga do contrato promessa, criou na Ré a convicção de que não invocaria a nulidade do negócio, razão pela qual sempre se entenderia ser manifestamente abusiva, por contrária à boa-fé, a arguição da mencionada nulidade, por subsunção à figura do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium - ver art° 334 do C. Civil.
Assim não pode deixar de se considerar, não podendo esta válvula de segurança do sistema deixar de operar para impor, como referido pelo Tribunal a quo, o equilíbrio e a justiça do caso concreto.
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3. Da necessidade de interpelação admonitória, para conversão da mora em incumprimento definitivo, e da questão nova.
Conclui o Autor, nas alegações de recurso:
- nunca ter a Ré promovido a notificação admonitória do Autor para o cumprimento do contrato-promessa, não podendo, por isso, invocar o incumprimento definitivo do contrato por este nem podendo fazer seu o sinal entregue, não beneficiando do disposto no n.º 2, do artigo 442.º, do Código Civil;
- ser o contrato celebrado com a Ré, um contrato de adesão, previsto e regulado no Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, e terem sido violados os deveres de informação estabelecidos nos artigos 5.º e 6.º, daquele diploma legal, o que determina a nulidade da cláusula de renúncia aludida no f. p. nº 8, e, por via disso, a nulidade do contrato-promessa, por violação do disposto no referido n.º 3 do artigo 410.º, por aplicação do disposto no artigo 220.º, ambos do C. Civil.
Ora, assim se não verifica, como vimos, bem resultando:
i) o incumprimento definitivo do contrato promessa, por facto imputável ao Autor, que nada pagou, a não ser os 5.000,00 € de sinal, e que não conseguindo o financiamento e se encontrando impossibilitado de realizar a prestação a que se vinculou, como ele próprio deixa afirmado ao densificar, na petição inicial, a causa de pedir, recusou o seu cumprimento;
ii) não estarmos perante um contrato de adesão, mas perante um acordo, e por isso, objeto de negociação, embora o escrito tenha sido “minutado pela Ré”. Tal questão, nova, é, como veremos de conhecimento vedado e este Tribunal, de recurso.

Analisemos da necessidade de interpelação admonitória para a verificação de incumprimento definitivo do Autor.
Estabelece o referido artigo 808º, com a epígrafe “Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento”:
“1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
2. A perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente”.
Consagra este artigo duas situações em que a mora se converte em incumprimento definitivo, além da própria recusa:
- uma, a da perda de interesse creditório decorrente de a obrigação não ter sido cumprida, quando deveria tê-lo sido;
- outra, a de a prestação debitória não ter sido realizada dentro do prazo suplementar que razoavelmente tenha sido fixado pelo credor, ainda interessado na prestação.
São, pois, estes os dois modos consagrados na lei de convolação da mora em incumprimento definitivo.
O primeiro é o da perda de interesse em consequência da mora, sendo que não basta que o credor afirme que a prestação já não corresponde ao seu interesse, havendo que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas[24]. Tem a prestação de ser, ainda, possível enquanto conduta ou ação de prestar mas, a sua realização de já não satisfazer o interesse do credor, isto é, já não redundar em benefício do credor porque não lhe proporciona a utilidade conforme ao programa obrigacional, caso em que a mora se converte em não cumprimento definitivo[25].
A lei não se contenta com a simples perda (subjetiva) do interesse do credor na prestação em mora para decretar a resolubilidade do contrato; o nº2 do artigo exige que a perda do interesse seja apreciada objetivamente”[26]. “A perda do interesse na prestação não pode filiar-se numa simples mudança de vontade do credor desacompanhada de qualquer circunstância além da mora, como seja o facto de, por causa da mora, o negócio já não ser do seu agrado; também não basta, para fundamentar a resolução qualquer circunstância que justifique a extinção do contrato aos olhos do credor. A perda do interesse há de ser justificada segundo um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas”[27]. A objetividade da perda do interesse do credor na prestação verifica-se se fundada em causa objetiva, razoavelmente compreensível e aceitável ao juízo comum de pessoas normais em atuação negocial, de boa fé, de lisura e de honestidade no trato[28] , sendo de afastar subjetivismos[29]; isto é, a perda do interesse deve ser justificada segundo um critério de razoabilidade entendido pela generalidade das pessoas[30].
Se tal se não verificar, o contrato continua a ter interesse para as partes e a mora só pode converter-se em incumprimento definitivo pelo segundo modo de convolação.
O segundo reporta-se aos casos em que o interesse creditório não desapareceu, mas a sua satisfação não se compadece com longa demora, oferecendo o mercado meios alternativos ao credor. Neste caso, a solução para a satisfação do interesse do credor passa pela fixação de um prazo suplementar admonitório ao devedor, findo o qual, sem cumprimento, a situação jurídica é de incumprimento definitivo[31], tendo tal prazo de ser razoável e entendendo “pacificamente a doutrina que a comunicação do prazo suplementar tem de ser acompanhada da advertência de que, se a prestação não for realizada dentro dele, o efeito será o de se considerar definitivamente incumprida a obrigação”[32].
Considera-se prazo razoável, para o cumprimento da prestação, aquele que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, aos usos correntes e aos ditames da boa fé, permite ao devedor satisfazer, dentro dele, o seu dever de prestar, não sendo de convocar para o efeito o tempo de mora do devedor, pois que o que está em causa é saber se o prazo é adequado para possibilitar a prestação e não a punir a mora[33].
O prazo a que alude o nº1 “é um prazo limite, que o credor terá de fixar sob a cominação de a prestação deixar de lhe interessar a partir de então, é um prazo especial, que, tanto vale para as obrigações puras, como para aquelas que, ab initio ou a posteriori, foi fixado um termo, conquanto nada impeça que ele, seja estipulado logo no momento constitutivo da obrigação”[34] e destina-se a “conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato (e de não ter, além do mais, que restituir a contraprestação que eventualmente tenha já recebido), tem de ser uma dilação razoável em vista dessa finalidade. E terá ainda de ser fixado, pela mesma razão, em termos de claramente deixar transparecer a intenção do credor”[35].
A interpelação admonitória consiste numa intimação formal do credor ao devedor em mora para que cumpra a obrigação dentro de determinado prazo, sob pena de se considerar como definitivamente incumprida a obrigação[36]. Essa interpelação admonitória tem de conter três elementos:
(i)- a intimação para o cumprimento;
(ii)- a fixação de um termo perentório para o cumprimento;
(iii)- a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo[37].
Assim, a simples mora ou atraso na realização da prestação só é fundamento de resolução quando se converta num não cumprimento definitivo, derivado da perda de interesse na prestação ou da falta de realização desta no prazo razoável fixado pelo credor.
Contudo, verifica-se logo situação de incumprimento definitivo quando o devedor recusa o cumprimento, manifesta que não vai cumprir, o caso, em que o Autor, promitente comprador, manifesta impossibilidade de pagar por falta de disponibilidade financeira dado não ter conseguido obter financiamento no montante necessário a pagar a restante parte do preço além do sinal entregue (cfr. f. p. nº4).
Assim, já antes de transmitido o imóvel a terceiros se havia verificado o incumprimento definitivo por facto imputável ao Autor, como entendeu o Tribunal a quo, pois que o mesmo, que não pagou nas datas acordadas, entrando em mora, viu a falta de necessário, financiamento, motivadora da recusa da prestação, impossibilitar-lhe o cumprimento do contrato e afirmou, expressamente, à parte contrária, não cumprir.
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Por último, cumpre referir que se apresentou o apelante a suscitar no recurso questão nova, invocando estarmos perante contrato de adesão, com recurso a cláusulas contratuais gerais, e sustentando a nulidade de cláusulas não negociadas, questões que não foram, pelo mesmo, suscitadas em primeira instância e que, assim, não foram objeto de pronúncia pelo tribunal a quo na decisão posta em crise, e que, por isso, não podem ser objeto de recurso.
Na verdade, é unânime o entendimento de que questões novas, não invocadas nem decididas na primeira instância, não podem ser apreciadas pelo tribunal de recurso, pois que no nosso sistema de recursos vigora um modelo de revisão ou reponderação, por contraponto a um modelo de reexame. Neste sistema, ao tribunal superior é permitida a reapreciação ex novo da questão decidida pelo tribunal a quo, o mesmo não sucedendo naquele, vigente entre nós, em que o tribunal ad quem apenas exerce um controlo da sentença recorrida. Este tribunal realiza um novo julgamento sobre o decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas em 1ª instância, encontrando-se o mesmo, ao proferir a decisão, em idêntica situação à do juiz da 1ª instância, no momento em que proferiu a sua, ante, por isso, as mesmas preclusões, quer ao nível das questões de facto quer ao do direito, ocorridas na 1ª instância.
Neste entendimento, vem, quer a doutrina e a jurisprudência, a afirmar que o recurso é o meio para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação do tribunal inferior e não para criar decisão sobre matéria nova, que lhe não foi submetida. Deste modo, recurso é o meio próprio de impugnação de uma concreta decisão judicial, o instrumento para suscitar o reexame das questões submetidas à apreciação do tribunal no âmbito de uma concreta relação material controvertida, delimitada pelo seu objeto: causa de pedir, pedido e exceções deduzidas.
E, como refere Miguel Teixeira de Sousa, o objeto do recurso é constituído por um pedido e por um fundamento, sendo o pedido a pretensão de que seja revogada a decisão impugnada e o fundamento a invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in iudicando), sendo que o objeto do recurso tem, sem prejuízo das questões que sempre se apresentem como de conhecimento de oficioso, não precludidas, de se conter no objeto da decisão recorrida, ou seja, no domínio da relação material controvertida convocada pelas partes para ser dirimida, não podendo extravasar desse âmbito.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 27 de fevereiro de 2023
Assinado eletronicamente pelas Juízas Desembargadoras
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
_________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs 155 e seg.
[2] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017, pag. 153
[4] Ibidem, pág. 153.
[5] Ibidem, pags 155 e seg e 159
[6] Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
[7] Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
[8] Acs. do STJ 12/5/2016: Proc. 324/10.9TTALM..L1.S1 e de 31/5/2016: Proc. 1184/10.5TTMTS.P1:S1, (Relatora: Ana Luísa Geraldes), ambos acessíveis in dgsi.net, onde, em ambos, se considerou: “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe”, “Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” e “O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado”.
[9] Acs. do STJ de 27/10/2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1 (Relator: Ribeiro Cardoso) e proc. 3176/11.8TBBCL.G1.S1 (Relator: José Rainho), este onde se decidiu “Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na alínea c) do nº 1 do art. 640º do CPCivil, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões”, “A rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório no quadro dos art.s 655º e 3º do CPCivil” e “A interpretação dos art.s 639º e 640º do CPCivil no sentido de a rejeição da impugnação da matéria de facto não dever ser precedida de um despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões não viola o art. 20º da Constituição da República Portuguesa”, ambos acessíveis in dgsi.net
[10] Acs. do STJ de 8/2/2018, proc. 8440/14.1T8PRT.P1.S1 (Relatora: Maria da Graça Trigo), onde se entendeu “De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal” e “Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, identificando e transcrevendo o depoimento testemunhal que, no seu entender, impõe decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações, ainda que de forma menos clara, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação referida em III, o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC.” e de 6/6/2018, proc. 1474/16.3T8CLD.C1.S1 (Relator: Ferreira Pinto), onde se decidiu: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” e “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC”, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[11] Acs. RG de 31/10/2018, proc. 5151/16.7T8GMR-B.G1 e de 23/5/2019, proc. 234/15.3T8AVV.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias) , que seguimos.
[12] Ac da RG de 21/9/2017, proc. 8834/12.7TBBRG-A.G1, de 18/12/2017, proc. 4601/13.9TBBRG.G1, de 1/2/2018, proc. 1045/16.4T8BRG.G1 e Acs da RP de 13/1/2020, Proc. 2494/18.9T8VLG.P1 e de 18/11/2019, proc. 1592/13.0TBMTS-A.P1, este in dgsi, onde se decidiu “1-O apelante deve, nos termos do art. 639º, do CPC, apresentar a sua alegação concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão, por forma a que as conclusões sejam um resumo preciso do que alegou e pretende seja apreciado, delimitando elas o objeto do recurso. 2- Ao impugnar a decisão de facto, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, definir o objeto fáctico da impugnação, não podendo deixar de indicar quais os concretos factos que deixa impugnados. As referidas faltas de indicação especificada por parte do apelante, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso”.
[13] Ac. RG de 24/4/2019, proc. 3966/17.8T8GMR.G1 (Relator: António Penha).
[14] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág.770
[15] Ac. RG de 14/3/2019, proc. 491/17.0T8BGC.G1 (Relatora: Maria Purificação Carvalho), in dgsi.pt
[16] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[17] Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2
[18] Acs da RP de 27/1/2020, proc. 192/17.0T8BAO.P1 e de 11/5/2020, proc. 4435/17.1T8VNG.P1 (Relatora M. Fátima Andrade, que a ora relatora subscreveu como adjunta), este onde se escreve “Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas.
Fazendo uma resenha alargada desta temática vide:
- Ac. TRG de 07/04/2016, Relator José Amaral in www.dgsi.pt/jtrg;
- Acs. STJ de 01/10/2015, Relatora Ana Luísa Geraldes, de 22/09/2015, Relator Pinto de Almeida, de 29/10/2015 Relator Lopes do Rego, de 06/12/2016 Relator Garcia Calejo (todos in www.dgsi.pt/jstj );
- Ac. STJ de 27/09/2018 Relator José Sousa Lameira, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”;
- e mais recentemente, Ac. STJ de 21/03/2019, Relatora Rosa Tching, no qual e após se ter feito uma distinção entre ónus primários e secundários de alegação e concretização para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC (nos seguintes termos e tal como ali sumariado)
“I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”,
se concluiu, para o efeito convocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aferição do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º no que concerne aos aspetos de ordem formal
“III. (…) enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.””.
[19] Acs da RP de 18/11/2019, proc. 796/14.2T8VNG.P2 (Relator: Pedro Damião e Cunha, que subscrevemos como adjunta), onde se refere “Em cumprimento da obrigação de proceder à análise crítica da prova produzida, o Juiz, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda de liberdade de julgamento garantida pela manutenção da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5 do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
IV- Tal como se impõe que o tribunal faça esta análise critica das provas, também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos, sendo que, quando isso suceda, deve tal conduta processual constituir motivo de rejeição da Impugnação da matéria de facto” e de 18/11/2019, processo 151/14.4TBBAO.P1 onde se decidiu “Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelos Recorrentes quando não se deixa expressa a decisão que, no entender dos mesmos, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
[20] Acs. RG de 9/4/2019, proc. n.º 673/17.5T8PTL.G1 e de 13/6/2019, proc. n.º 12903/17.9YIPRT.G1 (Relator: Paulo Reis), acessíveis in dgsi.pt, onde se refere “tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza) , «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado»”.
[21] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[22] Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.7TVLSB.L1-6 (Relator: Vitor Amaral), acessível in dgsi.Net
[23] Ac. do STJ de 15/5/2013, proc. 3039/09, Sumários, 2013, p. 334, citado em anotação ar art. 360º, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, Abril/2018, Ediforum, pág. 317 [24] Galvão Telles, Obrigações, 3ª, pág 253
[25] J. Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág. 85
[26] Antunes Varela, RLJ, 118º, 54
[27] Ibidem, pág. 55, nota 1
[28] Ac. STJ de 10/3/2005, CJ/STJ, 2005, 1º, 126
[29] Ac. do STJ de 18/6/2013, proc, 13/09, Sumários, 2013, p. 434, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Abril 2018, Ediforum, pág. 836
[30] Ac. do STJ de 12/3/2013, proc. 310/05: Sumários, 2013, p. 187, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Abril 2018, Ediforum, pág 836
[31] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág. 1015 e segs
[32] Ibidem, pág 1016 e seg.
[33] Ac. do STJ, de 5/5/2015, proc. 27319/10: Sumários, Maio/2015, p.18, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Abril 2018, Ediforum, pág 837.
[34] Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed., 2º, pag. 109
[35] Ibidem, pág 109
[36] Ac. do STJ de 31/3/2004, proc. 03B4465.dgsi.net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Abril 2018, Ediforum, pág 832 e seg.
[37] Acs. do STJ de 18/11/2004, Proc. 04B3449. dgsi.Net, e de28/6/2011, Proc. 208/05.dgsi.Net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Abril 2018, Ediforum, pág 833