RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
ILICITUDE
CULPA
DANO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO
INTERMEDIÁRIO
Sumário


I- O art.º 314, do CVM, diz-nos no que respeita à responsabilidade do intermediário financeiro, que a mesma existe perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado da autoridade pública, pelo que e decorrentemente, evidenciando-se que a prova do facto ilícito incumbirá ao lesado, já no que respeita à culpa, a mesma presume-se se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais, e em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação.
II- Para que se verifiquem assim os pressupostos da responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro, importa ainda ficar demonstrado o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro, bem como apreciar a existência do nexo de causalidade, que deve resultar do factualismo apurado.

Texto Integral




REVISTA n.º 2684/18.4T8LRA.C1.S1

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

           

I - Relatório

1. AA interpôs contra BANCO BIC PORTUGUÊS, SA, ação declarativa de condenação pedindo que o R. seja condenado a pagar lhe a quantia de 50.000,00€, a título de capital, 4.372,60€, de juros vencidos desde 9 de maio de 2016, data do vencimento da obrigação e a data da propositura da ação, 10.07.2018, até efetivo e integral pagamento.

1.1. Alega para tanto, que era cliente habitual de uma agência do BPN, lá tendo as suas economias.

No ano de 2006, numa das suas visitas à agência foi abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, prazo de retorno de 10 anos, sem risco e capital garantido, mais lhe referindo que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco BPN na altura a 100%, com a designação de SNL – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS.

Após ponderação, aceitou a proposta, subscrevendo uma obrigação no valor de 50.000,00€, com prazo de vencimento de 10 anos, devendo o reembolso ocorrer a 9 de maio de 2016, com remuneração de juros semestrais, à taxa de 4,5%, no primeiro semestre, 1,15%+Euribor a 6 meses nos 9 cupões seguintes e de 1,50%+Euribor a 6 meses nos restantes semestres.

A remuneração dos juros foi realizada nas respetivas datas de vencimento, creditada na sua conta bancária, não tendo sido devolvido o capital investido na data do vencimento da subscrição, nem em data posterior.

1.2. O R. veio contestar, invocando a prescrição e impugnando o factualismo aduzido.

1.3. O A. respondeu à exceção invocada.

2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o R. do pedido.

2.1. Inconformado, veio o A interpor recurso de apelação, que embora com fundamentos diferentes confirmou a sentença.

3. Novamente, inconformado veio o A. interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões (transcritas)

I- O recurso interposto é de Revista Excecional, a admitir nos termos disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.

II. Ambas as decisões, de 1.ª Instância e Relação, acabam por absolver o Banco Réu, da condenação na restituição do capital investido, acrescido de juros vencidos e vincendos, em consequência da violação do dever de informação deste, enquanto intermediário financeiro.

III. O Recorrente pediu, em sede de 1.ª Instância a condenação do Réu no pagamento da quantia de 50.000,00 € a título de capital, acrescida de 4.372,60 € a título de juros vencidos desde 9 de maio de 2016 e ainda, juros vincendos desde a data da instauração da ação até efetivo e integral pagamento.

IV. Alegou, em síntese, que:

A. Era cliente habitual da Agência do BPN do Louriçal e lá detinha as suas economias, existindo entre si, e os funcionários daquela instituição bancária uma relação de confiança e proximidade;

B. No ano de 2006, foi abordado para aplicar as suas poupanças, “num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido.”;

C. Subscreveu uma obrigação “SLN 2006”, no valor nominal de 50.000,00 €, que implicou a ordem de débito, através da sua conta, daquele montante, cujo prazo de vencimento era de 10 anos, com remuneração de juros semestrais;

D. Na data do vencimento da subscrição a Ré não devolveu o capital investido, nem em data posterior;

E. A Ré é responsável, com a referida sociedade, pelo reembolso do valor peticionado, visto que, à data dos factos, entre as partes estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira, sendo quem comercializou o produto, prestando informações que levou o cliente adquiri-lo;

F. A Ré encontrava-se adstrita ao cumprimento de determinados deveres, designadamente, à necessidade de orientação da sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, à boa fé, diligência, transparência e lealdade, nos termos do artigo 305.º do CVM;

G. Mais ainda, e não menos importante aos deveres de informação a que aludem os artigos 7.º, n.º 1 e 312.º n.º 1 do CVM, que foram violados no presente caso, designadamente no que respeita à garantia de reembolso do capital investido.

V. Já em sede de recurso de apelação alegou, em síntese:

A. A solução vertida na sentença recorrida não constitui uma solução justa para o presente caso, motivo pelo qual não se pode concordar com a mesma;

B. O funcionário da Ré sabia que o Autor  não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa;

C. O funcionário do Ré, BB, que testemunhou em sede de julgamento assegurou que foi transmitido ao Autor que o reembolso do capital aplicado era garantido, porquanto não era um produto de risco, com rentabilidade assegurada, juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando que avisasse a agência com a antecedência de alguns dias, tal como o Autor confirmou em sede de declarações de parte;

D. Aquela subscrição foi efetuada pelo convencimento do Autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 10 anos;

E. No momento da subscrição, o Réu apenas entregou ao Autor o referido boletim, com a aposição do logotipo do BPN, fazendo crer que se tratava de um produto do próprio banco, sem que lhe tivesse sido entregue qualquer nota informativa, como aliás, o Réu acaba por reconhecer nos artigos 57.º e 58.º da sua contestação, avançado apenas que tal nota poderia ser consultada no banco;

F. Na verdade, era o Réu quem estava obrigado a apresentar a nota informativa e não o Autor a solicitá-la;

G. No que concerne à subscrição do produto pelo Autor, com o efetivo conhecimento de que se tratava de obrigações SLN, esclareça-se, desde já, que o Autor referiu tal circunstância na sua petição inicial, porque hoje é conhecedor e sabedor do produto que, na realidade, subscreveu, diversamente do que ocorreu à época, sem que se tenha pretendido, com tal formulação, criar a convicção contrária;

H. Naquela altura, nunca o Autor tinha ouvido falar na empresa SLN, porquanto o que lhe foi proposto foi a realização de um depósito a prazo no BPN, ao que acedeu, considerando a relação de confiança existente;

I. A explicitada atuação do Banco Réu é enquadrável na figura da intermediação financeira, funcionando, simultaneamente, como intermediário financeiro e como instituição de crédito;

J. Nessa qualidade, encontrava-se o Réu, adstrito ao cumprimento de determinados deveres, designadamente à necessidade de orientação da sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, da atuação de boa fé, diligência, transparência e lealdade e, ainda de suma relevância, pelo rigoroso cumprimento do dever de informação, nos termos do artigo 304.º do CVM;

K. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo;

L. Ora, o incumprimento dos deveres de informação é sancionado no quadro da responsabilidade civil contratual, desde logo pelo artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do mesmo Código. Porém, impões lançar mão da presunção constante do n.º 2 do transcrito artigo 304.º - A do CVM;

M. Em boa verdade, o banco Réu, assegurou que o produto financeiro, Obrigação SLN 2006, no qual o Autor investiu era tão seguro como um depósito e que poderiam resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência a terceiros;

N. No presente caso, não foi ilidida pelo Réu a presunção de culpa que sobre si impende, como intermediário financeiro, nos termos do artigo 304.º, n.º 2 do CVM, pelo que se deveria ter concluído pela atuação culposa do Banco Réu;

O. No que respeita à prescrição, cumpre referir que o artigo 324.º, n.º 2 do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos, porém aplicável somente nos casos de culpa leve ou levíssima como resulta da ressalva inicial, “salvo dolo ou culpa grave”;

P. Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua atuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, como referido, somos de crer que o Réu atuou com elevado grau de censura, isto é, com culpa grave;

Q. Sendo então de aplicar-se, ao caso vertente, não o artigo 342.º, n.º 2 CVM, mas o prazo geral do artigo 309.º Código Civil, de vinte anos.

VI. Estamos, assim, perante um caso de responsabilidade civil do intermediário financeiro na apresentação de instrumentos financeiros a clientes investidores com a consequente subscrição por estes.

VII. Os deveres de informação a que o intermediário financeiro está adstrito, têm sido objeto de variadíssima jurisprudência distinta e extremamente oposta.

VIII. São, as referidas posições, opostas quanto ao grau de informação necessário, no que concerne ao risco de insolvência da entidade emitente dos produtos financeiros, colocando em perigo o cumprimento da obrigação de reembolso, bem como da menção feita de “capital garantido” e a interpretação e consequências jurídicas da menção.

IX. Divergem, também, quanto ao comportamento que deve ser adotado pelo cliente-investidor, de cuidado e diligência com vista ao seu total esclarecimento, bem como no grau de noção exigido quanto aos produtos que se está a adquirir.

X. São muitas as ações pendentes nos tribunais portugueses que versão sobre esta matéria, e são muitos os lesados por estes não reembolsos. Pelo que, existe uma necessidade generalizada de estabilização da aplicação do direito quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por força da violação do dever de informação.

XI. É necessário definir, qual o grau necessário de informação para combater o risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”, como se preenchem os deveres de diligência e cuidado a ter por parte do cliente-investidor, qual o grau de exigência a atribuir à figura do homem diligente ou se bastar-nos-á a figura do homem médio.

XII.O homem médio, basta-se com a informação prestada nas agências bancárias, na maior parte das vezes sem o devido esclarecimento ou pior, levando o cliente a adquirir produtos, mas ficando este com a ideia errada dos mesmos.

XIII. Se a entrega do boletim de subscrição do produto configura ou não prova bastante da não violação do dever de informação.

XIV. Discute-se, pois, o grau de informação que deve ser prestada, pelo Banco, enquanto intermediário financeiro e o nível de vinculação que a apresentação de produtos financeiros, para efeitos de responsabilidade pelo reembolso do investimento que supostamente caberia à entidade emitente.

XV. É do conhecimento geral, que esta questão tem um grande impacto económico-social em Portugal, visível pela quantidade de situações semelhantes que dão entrada, todos os dias, nos nossos Tribunais. Face à repetição desta discussão urge estabilizar a aplicação das regas do direito nesta matéria, estando assim demonstrada a relevância jurídica da questão, ora em causa, bem como da sua necessidade para melhor aplicação do direito e a sua relevância social.

XVI. Face ao exposto, deve o presente recurso de revista ser admitido, nos moldes propugnados.

XVII. Relativamente à livre apreciação da prova, importa esclarecer que estamos perante a apreciação de uma questão de direito, que, enquanto tal, se integra plenamente, na nossa perspetiva e salvo melhor opinião, nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

XVIII. Na verdade, consideramos que durante a audiência de discussão e julgamento são trazidos ao conhecimento do tribunal circunstâncias da vida e pedaços do real, através dos depoimentos das testemunhas. Perante essas “histórias” reais (a prova), compete ao juiz avaliá-las livremente, sendo certo que esta discricionariedade do julgador sofre as limitações constantes do artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, estando, assim, a livre apreciação da prova, sujeita ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência que a vida vai proporcionando. Contudo, é de realçar que a Lei fala de livre apreciação e não de apreciação arbitrária…

XIX. Assim, a análise da prova produzida não é mais do que uma questão de direito, já que o julgador, aquando da realização da sua tarefa deverá mobilizar os seus conhecimentos jurídicos.

XX. Denota-se, ao longo da leitura do acórdão proferido pelo douto Tribunal, no que tange à impugnação da matéria de facto que este, com o devido respeito, se limitou a ler a sentença e “assinar por baixo”. O que é grave é não se pode aceitar, uma vez que estamos do lado da parte “mais fraca” da relação contratual.  

XXI. O Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal da Relação, julgou e reapreciou, respetivamente, incorretamente a prova realizada em audiência de julgamento e fora dela. Pois houve uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova, limitado pelas regras da experiência comum, quando o Tribunal formou a sua convicção acerca das declarações de parte do Recorrente, julgando as mesmas insuficientes para o convencimento do Tribunal e concluindo pelo sentido do escasso ou nulo interesse das declarações de parte, do ora Recorrente, enquanto meio de prova. Falhando, assim, em valorar, enquanto meio de prova, corretamente.

XXII. Ora, embora possa não constar expressamente da Petição Inicial, encontra-se subentendido e, salvo melhor opinião, ficou mais que provado que o ora Recorrente, apenas realizou a subscrição porque se encontrava convicto de que se tratava de um produto com as características de um depósito a prazo, e por lhe ter sido proposto a realização de um depósito a prazo, pelo que assim o entendeu.

XXIII. Verifica-se, desde logo, tanto no depoimento da testemunha arrolada, BB, que foi quem explicou o produto financeiro, que o fez dessa forma, que se tratava de um “depósito a prazo com capital garantido”, como na tomada de declarações de parte do Recorrente.

XXIV. No que concerne à subscrição do produto, com o efetivo conhecimento de que se tratava de obrigações SLN, é notório que o Autor o referiu tal circunstância na sua Petição Inicial, porque hoje, e não à data dos factos, é conhecedor e sabedor do produto que, na realidade subscreveu.

XXV. Ora, não existiu, nem poderia, qualquer intuito de criar no Douto Tribunal a convicção de que, o Recorrente tinha a plena consciência de que se tratava de obrigações SLN, pois tal circunstância não corresponde à verdade.

XXVI. A avaliação das provas, na perspetiva do Recorrente, impunham decisão diversa da recorrida, ou que se determinasse a renovação das provas!

XXVII. Assim, mesmo perante a limitação dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao julgamento da matéria de facto, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, violando o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil.

XXVIII.  Pois, concluiu, que o supra exposto configura factos novos essenciais, não alegados na Petição Inicial.

XXIX. Não pode a convicção do julgador assentar apenas naquilo que se encontra descrito nos articulados! O direito é mais que isso! Deve assentar na prova produzida em julgamento e num juízo de prognose póstuma, onde verificaria a verdadeira convicção do Recorrente.

XXX. Assim, o Tribunal da Relação, deveria ter feito uso dos poderes que lhe são concedidos pelo legislador no artigo 662.º do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, está claramente ferido de nulidade, nulidade essa, que expressamente se argui.

XXXI. Ao absolver o Réu, o Tribunal de 1.ª instância procedeu a uma apreciação arbitrária da prova, assente num puro subjetivismo, proibido por lei. E na sua senda continuou o Tribunal da Relação de Coimbra.

XXXII. Pelo que, face ao exposto, o Tribunal, perante a produção de prova realizada, não poderia nem deveria ter decidido no sentido em que fez.

XXXIII. O artigo 7.º do CVM, prevê que a informação fornecida, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. Prestada de uma forma não exaustiva mas acessível, explicando-se tudo o que se torne necessário ao indicado fim, numa linguagem em que o cliente consiga entender e conforme a maior ou menor complexidade do produto financeiro subscrito.

XXXIV. O homem médio, que é por norma o tipo de cliente-investidor que se sente atraído por este tipo de investimentos financeiros, não tem qualificação, nem capacidade para recolher informações que o levem a tomar uma decisão de investimento esclarecida.

XXXV. Portanto, a informação passada pelas agências na pessoa dos seus funcionários, que será o mesmo que dizer a instituição bancária, é que permite ao cliente-investidor fazer uma ponderação esclarecida da relação entre risco e rendimento.

XXXVI. Estando no âmbito da responsabilidade contratual, quer ao nível da formação do contrato, quer ao nível da sua execução e cumprimento, cumpre-nos apreciar o preenchimento dos pressupostos que integram tal responsabilidade, nomeadamente ao nível da ilicitude, da culpa, do nexo causal e do dano.

XXXVII. Provado que ficou que o banco procurou o cliente, com o intuito de que este subscrevesse, in casu, obrigações subordinadas e o informou de que o produto era seguro com garantia de capital.

XXXVIII. Que no momento da subscrição, não cumpriu com profundidade, o já explanado, e seu dever de informação legalmente exigível, isto é, não explicou de forma clara e inequívoca o produto financeiro que o cliente-investidor estava a subscrever, a sua natureza, e mais importante, a certeza ou incerteza do reembolso do capital versus a possibilidade de perda total ou parcial, assim concretamente o risco aplicável àquele produto financeiro.

XXXIX. O Tribunal da Relação, ao contrário da conclusão a que chegou o Tribunal a quo, entendeu que com a sua conduta o Recorrido praticou um ato ilícito, de forma culposa, verificando a existência de um dano, sofrido pelo ora Recorrente.

XL. No entanto, na sua perspetiva, não existe nexo causal, entre o facto (conduta do Recorrido) e o dano do Recorrente, que se traduz na perda do capital. Acabando por revelar, claramente, uma defeituosa apreciação das provas.

XLI. Assentou a sua ideia na base de que não ficou provado, nem é possível extrair da factualidade descrita que, o Recorrente só subscreveu o referido produto porque lhe foi dada a garantia, na informação que lhe foi prestada pelo ora Recorrido, “de não haver risco na subscrição do mesmo, pois que se soubesse (de tal tendo sido informado) haver risco de perda do capital investido/aplicado não o teria feito.”

XLII. Isto porque, “não se mostra, assim, provado que foi a incorreta/insuficiente informação prestado pelo R. que deu causa (adequada) ao dano (perda do capital investido) sofrido pelo R., ou seja, que sejam essa informação (nos moldes em que lhe foi fornecida) nunca teria subscrito o aludido produto.”

XLIII. O que arrepia, completamente, a apreciação da prova, pois a base de sustentação é fraca, havendo um claro erro notório na apreciação da mesma.

XLIV. Assim, não se compreende o facto do Tribunal da Relação, entender não estar preenchido o pressuposto relativo ao nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Vejamos, se existe um facto ilícito, presumidamente culposo, que corresponde à verificação/constatação da violação do dever de informação por parte do Recorrido e um dano, que corresponde à perda do capital investido pelo Recorrente, que diga-se e, em boa verdade nunca passou por situação semelhante, foi sempre aconselhado da mesma forma, pela mesma pessoa e sempre com a menção de “capital garantido”, levando o Recorrente a crer que poderia estabelecer uma relação de confiança com os funcionários do banco.

XLV. Posto isto, quanto ao nexo de causalidade (adotando-se a teoria da causalidade adequada), sempre se dirá que o mesmo está preenchido, uma vez que resulta claramente da apreciação das provas que este (Recorrente) não teria subscrito o produto se tivesse sido adequadamente informado.

XLVI. O Recorrente acreditava que se tratava de um depósito a prazo e o facto de ter assinado o boletim de subscrição das obrigações subordinadas, em nada o levou a crer que fosse um produto diferente de um depósito a prazo, até pela explicação e informações que lhe foram dadas pelo funcionário do intermediário financeiro acerca do produto.

XLVII. Tais factos, ficaram mais que provados em sede de audiência de discussão e julgamento, no entanto tanto a 1.ª Julgadora, como o Tribunal da Relação, apreciaram, claramente, de forma errada a prova.

XLVIII.  O dano, isto é, a perda do capital investido, não teria acontecido se o Recorrente tivesse sido cabalmente informado, uma vez que não teria subscrito, como é obvio, face ao seu perfil de investidor, as referidas obrigações subordinadas.

XLIX. Basta um juízo de prognose póstuma: existe um facto ilícito, que se presume culposo (a violação do dever de informação), um dano (perda de capital, as poupanças de uma vida de valor considerável), colocando-nos na posição do Recorrente, à data dos factos e não sabendo o que agora sabe, teríamos subscrito as referidas obrigações subordinadas, se tivéssemos sido cabalmente esclarecidos sobre o risco das mesmas?

A resposta é clara, e é um redondo NÃO!

L. É de concluir, que se encontra preenchido o nexo de causalidade, uma vez que a perda do capital, apenas teve lugar porque o Recorrido não cumpriu com o dever de informação a que estava adstrito. Pelo que, salvo o devido respeito, nos parece descabida a afirmação do Tribunal da Relação.

LI. Assim, não se entende o que levou o tribunal a chegar a essa conclusão, pois da prova produzida resulta, claramente, que se encontram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil (contratual e pré-contratual).

LII. No que respeita à prescrição, sobre o qual a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e o Acórdão do Tribunal da Relação, não chegaram a pronunciar-se, mas que foi suscitada pelo aqui Recorrido, cumpre referir que o artigo 324.º, n.º 2 do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo  nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão o do negócio e dos respetivos termos”.

LIII. Daqui decorre que o prazo de dois anos é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima como resulta da ressalva inicial, “salvo dolo ou culpa grave”.

LIV. Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua atuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, como referido, somos de crer que o este atuou com elevado grau de censura, isto é, com culpa grave.

LV. Sendo então de aplicar-se, ao caso vertente, não o artigo 342.º, n.º 2 do CVM, mas o prazo geral do artigo 309.º Código Civil, de vinte anos.

LVI. Razão pela qual:

- Ao decidir como decidiu, absolvendo o Banco Réu, com os fundamentos e termos como o fez, Tribunal de 1.ª Instância, corroborado pelo Tribunal da Relação, violou o princípio da livre apreciação da prova, disposto no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

- A decisão recorrida como está fundamentada, traduz-se numa convicção arbitrária do julgador, pela errada apreciação e valoração da prova.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta,

3.1. O R. veio apresentar contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

3.2. O Desembargador Relator admitiu o recurso de revista.

3.3. O então Conselheiro Relator determinou o prosseguimento dos autos como revista ordinária, bem como a suspensão da instância recursória até à publicação do recurso de uniformização com sessão de julgamento já iniciada, processo n.º 1479/16.....

4. Junta a respetiva certidão, com nota de trânsito em julgado, cumpre apreciar e decidir.

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II – Enquadramento facto-jurídico

A . Dos factos.

Foram considerados provados os seguintes factos:

Factos da Petição Inicial:

1. O Réu, até 2012 denominado de BPN – Banco Português de Negócios, S.A., viu, em novembro de 2008, as ações representativas do seu capital social serem nacionalizadas, capital esse que era detido na sua totalidade pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

2. Após a referida nacionalização, o capital social do BPN foi adquirido pelo Banco BIC Português, S.A. e, de seguida, incorporado por fusão neste Banco, motivo pelo qual se propõe contra si a presente ação.

3. O Autor era cliente da Agência do BPN do Louriçal.

4. Entre si e os funcionários da Instituição Bancária referida existia uma relação de confiança e proximidade, característica de um meio pequeno onde todos se conhecem e de largos anos de convivência.

5. No ano de 2006, numa das suas várias visitas à Agência bancária, foi abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido.

6. Referiram-lhe também que tal produto correspondia à emissão de obrigações subordinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (posteriormente GALILEI, SGPS, S.A.).

7. Face ao supra exposto, após ponderação, o Autor veio a aceitar a proposta, subscrevendo uma obrigação SLN 2006, no valor nominal de € 50.000 (cinquenta mil euros).

8. Tal subscrição implicou a ordem de débito, através da sua conta, no montante de €50.000 (cinquenta mil euros), que, de resto, correspondia ao valor mínimo de subscrição do produto financeiro, na data da liquidação financeira aposta no boletim de subscrição – 18 de maio de 2006.

9. O prazo de vencimento era de 10 (dez) anos, com remuneração de juros semestrais, à taxa de 4,5% no primeiro semestre, 1,15% + Euribor a 6 meses nos 9 cupões seguintes e de 1,50% + Euribor a 6 meses nos restantes semestres.

10. O reembolso deveria ocorrer a 09 de maio de 2016.

11. A remuneração dos juros foi sendo feita nas respetivas datas de vencimento, creditados na conta bancária titulada pelo Autor.

12. Sucede que, na data do vencimento da subscrição, isto é, a 09 de maio de 2016, o Réu não devolveu o capital investido, nem em data posterior.

13. Entretanto, teve o Autor conhecimento, no ano de 2015, que a sociedade GALILEU, SGPS, S.A. apresentou um Processo Especial e Revitalização (PER), que correu termos na ... Secção do Comércio, da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 22922/15...., no âmbito do qual estes apresentaram reclamação de crédito.

14. Apesar da reclamação apresentada, o Autor não obteve qualquer sucesso, permanecendo sem que fosse restituído o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

15. Em 2016, o ora signatário, mandatado pelo Autor, dirigiu missiva ao Réu, na qual lhe solicitou o reembolso do capital, todavia sem sucesso, motivo pelo qual se propõe a presente ação.

Factos da Contestação:

16. No momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

17. Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

18. No mês seguinte ao das referidas operações o subscritor recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada.

19. Como também foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos.

20. Da mesma forma, foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extrato e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada.

21. Tudo isto nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação.

22. O subscritor sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.

23. E que aplicava o seu dinheiro em produtos diferentes do simples depósito a prazo.

Foram considerados como não provados:

Não resultaram não provados factos com relevo para decidir.

B. Do direito.

Das questões a conhecer:

1. Matéria de facto.

2. Responsabilidade do intermediário financeiro.

   Da matéria de facto

1. Invoca o Recorrente que houve violação do princípio da livre apreciação da prova, tendo sido julgada e reapreciada, incorretamente, a prova produzia em sede de julgamento e fora dela, no que concerne às declarações de parte do Recorrente, não as valorizando de forma devida, na conclusão do seu escasso ou nulo interesse como meio de prova.

Com efeito, embora não conste expressamente da petição inicial, ficou subentendido e mais que provado que apenas realizou a subscrição por se mostrar convicto de que se tratava de um produto com as características de um depósito bancário, e por lhe ter sido proposto a realização de um depósito a prazo, assim o entendendo, tal decorrendo também do depoimento da testemunha arrolada.

Considera, desse modo que a Relação deveria ter feito uso dos poderes que lhe são conferidos, nos termos do art.º 662, do CPC, configurando uma nulidade, que argui, pois se verifica uma apreciação arbitrária, não podendo o Tribunal decidir no sentido que o fez.

1.2. Como se sabe, o recurso de revista é o recurso ordinário que cabe dos acórdãos do Tribunal da Relação, tendo assim como fundamento, art.º 674, n.º1, a violação da lei substantiva – nas modalidades de erro de interpretação, de aplicação, ou da determinação da  norma aplicável -, ou a violação da lei processual, incluindo aquela de que possa resultar alguma nulidade de decisão prevista no art.º 615, ex vi art.º 666, n.º1, todos do CPC.

A competência deste Tribunal, Supremo Tribunal de Justiça, está assim confinada à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, enquanto ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, mas também o estado, qualidade e situação reais das pessoas e das coisas, percetíveis como tal que não tem de ser necessariamente simples[1], ficando desse modo vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido pelo o adequado, art.º 682, n.º1, do CPC.

Por sua vez, quanto à violação da lei de processo, prendendo-se com a tramitação processual, nomeadamente no que concerne à verificação de pressupostos processuais ou outros fatores que determinam a validade da instância, bem como o cumprimento das regras adjetivas a observar pelo Tribunal da Relação no conhecimento do recurso de apelação[2], caso das reportadas aos termos como foram interpretadas e aplicadas as normas que regem o ónus de impugnação previsto no art.º 640, do CPC, na mesma inclui-se também o conhecimento das nulidades do Acórdão da Relação que possam ter sido arguidas, cuja apreciação apenas pode ser realizada se o recurso de revista, normal ou excecional, for admitido.

Vem se entendendo que a razão de ser de tal regime, com exclusão do conhecimento da matéria de facto, tem a sua justificação na maior proximidade das instâncias relativamente à matéria de facto, estando reservada para o STJ a função de harmonização da interpretação e aplicação da lei[3], e assenta nas fontes de direito que contém as normas suscetíveis de ser apreciadas pelo STJ[4], (…) e na exclusão do controlo de critérios de decisão não normativos[5].

Com efeito, como decorre do art.º 662, n.º1, impende sobre a Relação o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa da proferida, estabelecendo-se no n.º 2 e n.º 3 do mesmo preceito legal, um conjunto de decisões e procedimentos que podem ser determinados e seguidos, consignando-se expressamente no n.º 4, também do art.º 662, do CPC, que das decisões da Relação previstas nos aludidos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o STJ, num compreensível afastamento da possibilidade de pronúncia sobre a matéria de facto, vedada que lhe está a competência, ficando desse modo impedido de censurar o uso dos poderes conferidos à Relação, por tais dispositivos legais[6].

Tal não significa, nem contraria o mencionado, que o STJ não possa sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto no caso de erros de julgamento, no que concerne à identificação, interpretação e aplicação de uma norma do direito probatório material, como consta do disposto no art.º 674, n.º 3, bem como determinar a baixa dos autos à Relação, art.º 682, n.º 3, ambos do CPC, quando seja necessária a ampliação da matéria facto com vista a constituir a base suficiente para poder ser prolatada a decisão de direito pelo STJ.

1.3.  Revertendo estes considerandos para o caso sob análise, ressalta do alegado pela Recorrente que a mesma discorda do juízo de facto levado a cabo pelas Instâncias, que se pronunciaram conforme os elementos de prova recolhidos nos autos, questionando a apreciação feita, pretendendo que o Tribunal tivesse usado dos poderes que lhe são conferidos no art.º 662, do CPC, no que concerne à modificação da decisão sobre a matéria de facto, não só quando solicitada pelas partes, mas também ex officio.

No entanto, sem prejuízo das deficiências apontadas no que concerne à impugnação da matéria de facto, ainda assim o Acórdão formulou o seu juízo no atendimento dos elementos constantes dos autos, maxime, tendo em conta os termos como o Recorrente conformou a ação, na alegação fáctica tida por conveniente.

No âmbito de tal apreciação o Tribunal da Relação não entendeu que deveria usar os aludidos poderes, formando livremente a sua convicção, e é esta que questionada pelo Recorrente, pretendendo que fosse atendida uma factualidade, que seria considerada se não tivesse sido violado o princípio da livre apreciação da prova, e não houvesse uma convicção arbitrária na valoração e interpretação da prova.

Não estando em causa um erro de julgamento no que respeita à identificação, interpretação e aplicação de uma norma do direito probatório material, como consta do disposto no art.º 674, n.º 3, do CPC, nem que seja necessária a ampliação da matéria facto com vista a constituir a base suficiente para poder ser prolatada a decisão de direito pelo STJ,  manifesto se torna que o fundamento invocado para determinar a intervenção limitada apontada deste Tribunal quanto à matéria de facto, não permite que o juízo feito pelas Instâncias, nos termos em que o foi, seja sindicado, e necessariamente o não exercício dos poderes do art.º 662, do CPC, inexistindo, em conformidade a arguida nulidade, pelo não uso de tais poderes.   

Improcede, nesta parte o recurso deduzido.

Da responsabilidade do intermediário financeiro

2.   As decisões proferidas pelas Instâncias, embora coincidindo com a não responsabilização do Banco Recorrido, seguiram caminhos diversos. Em sede de sentença foi entendido que o Recorrido não tinha praticado quaisquer factos ilícitos, por toda a informação prestada ao Autor/Recorrente, aquando da subscrição da aplicação tinha sido verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, adequada e proporcional às características do investidor, tendo em conta o tipo de produto financeiro em causa, pelo que na falta de ilicitude, inútil se mostrava analisar os demais pressupostos da obrigação de indemnizar.

  Por sua vez o Tribunal da Relação, entendendo que não fora integralmente cumprido o dever de informação, havendo desse modo a prática de um facto ilícito, considerou que não ficara apurado, nem sequer alegado, o exigível nexo de causalidade, pois  não havia factualidade que o preenchesse.

Contrapõe o Recorrente que da prova produzida resulta, claramente que se mostram reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil contratual e pré-contratual.

2.1. O Recorrente configurou o presente recurso, em termos de responsabilidade contratual e pré-contratual do Banco Recorrido, no âmbito da intermediação financeira.

Assim, sempre nos teremos de ater à realidade específica a considerar, reportada ao mercado de valores mobiliários, tido como ponto de encontro entre a oferta, assegurada pelas entidades emitentes, e a procura levada a cabo pelos investidores, relevando para tanto a existência de agentes económicos qualificados, caso dos intermediários financeiros, como resultava do art.º 289, n.º 1, a) e 293, do CVM, nomeadamente as instituições de crédito, como a referenciada nos autos.
O intermediário financeiro atua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera destes que se repercutem as consequências – positivas e negativas – das operações de subscrição ou transação de valores mobiliários, encontrando-se entre as atividades de intermediação financeira os serviços de investimento em valores mobiliários.
Sabido é, também, que como decorre do disposto no art.º 573, do CC, a obrigação de informação existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias, na consagração de uma regra geral, de acordo com o princípio da boa fé, sem prejuízo do que possa ser estabelecida convencionalmente, ou decorrer de preceitos especiais.

No concerne aos valores mobiliários, diz-nos o art.º 7, do CVM, que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, nomeadamente a relativa a atividades de intermediação e emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores, seja qual for o meio de divulgação, aferindo-se o requisito da completude da informação em função do meio utilizado.

Por sua vez resulta do art.º 312, do CVM, que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, caso das respeitantes aos riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente.

Na verdade, conforme também se consigna no art.º 304, do CVM, os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, observando, com todos os intervenientes no mercado, os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, na medida em que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar sublinhando-se que a regra da adequação do serviço prestado ao perfil do cliente não sofre qualquer desvio em virtude do meio de contratação utilizado, devendo ser formulado segundo um critério subjetivo, em termos de autodeterminação pelo investidor-cliente.

Compreende-se que no tipo de negócios em causa sobressaía a exigibilidade de as partes se pautarem de acordo com o princípio da confiança, essencial ao tráfico mercantil, prestando as informações necessárias à prossecução dos interesses do cliente, na medida em que se mostra adequado para tanto, ainda que em termos não tão abrangentes que posteriores quadros normativos vieram consagrar, mas sempre num atendimento de um padrão de diligência exigível a entidades especialmente autorizadas e qualificadas ao exercício das funções que se apresentam a prestar, num contexto específico de uma atividade, que se tendencialmente orientada para um grupo social restrito, veio a alargar-se, abrangendo largos setores sociais.

Diz-nos, por sua vez o art.º 314, do CVM, no que respeita à responsabilidade do intermediário financeiro, que a mesma existe perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado da autoridade pública, pelo que e decorrentemente, evidenciando-se que a prova do facto ilícito incumbirá ao lesado, já no que respeita à culpa, a mesma presume-se se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais, e em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação, n.º2, da mesma disposição legal.

Para que se verifiquem assim os pressupostos da responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro, importa ainda ficar demonstrado o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro, bem como apreciar a existência do nexo de causalidade, que deve resultar do factualismo apurado.

Aqui chegados releva fazer a nota, que se prende com o conhecido número de casos existentes nos Tribunais e as decisões proferidas, debruçando-se sobre situações em que está em causa a subscrição deste produto financeiro ou similar, certo é, que não pode ser esquecido, que cada um assenta num determinado factualismo alegado e provado, daí que não se possa considerar que há uma solução, mas sim uma para cada realidade, para além das igualmente conhecidas divergências em termos doutrinários/jurisprudenciais.

Sem prejuízo do aludido quando ao aspeto casuístico de cada caso, importa ater-nos ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, deste Tribunal, n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de novembro de 2022[7] foi uniformizada a Jurisprudência, nos seguintes termos:

1- No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 -  Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

2.3. Em conformidade, compreende-se que a apreciação casuística no atendimento da matéria de facto apurada nos autos atenda aos segmentos uniformizadores, respaldando-nos, quando a razão de ser dos mesmos,  em termos de fundamentação de direito, na formulada no Acórdão Uniformizador.

Reportando-nos aos autos resulta apurado sendo o Recorrente cliente de uma Agência do BPN, existia entre ele e os funcionários da Instituição Bancária uma relação de confiança e proximidade, característica de um meio pequeno onde todos se conhecem e de largos anos de convivência.

No ano de 2006, numa das suas várias visitas à Agência bancária, Recorrente foi abordado para aplicar as suas poupanças num produto financeiro novo, com boa taxa de rentabilidade, com prazo de retorno de dez anos e sem risco, com capital garantido, referindo-lhe também que tal produto correspondia à emissão de obrigações subor-dinadas de uma entidade que detinha o Banco (BPN na altura) a 100%, com a designação de “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A, posteriormente GALILEI, SGPS, S.A.

Face ao supra exposto, após ponderação, o Autor veio a aceitar a proposta, subscrevendo uma obrigação SLN 2006, no valor nominal de € 50.000 (cinquenta mil euros), implicando uma ordem de débito, através da sua conta, no montante de €50.000, na data da liquidação financeira aposta no boletim de subscrição – 18 de maio de 2006.

O prazo de vencimento era de 10 (dez) anos, com remuneração de juros semestrais, à taxa de 4,5% no primeiro semestre, 1,15% + Euribor a 6 meses nos 9 cupões seguintes e de 1,50% + Euribor a 6 meses nos restantes semestres, devendo o reembolso ocorrer a 09 de maio de 2016.

No momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga, ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente, recebendo o Recorrente, no mês seguinte ao das referidas operações, por correio, um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como um extrato periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos, e creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extrato e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada, tudo nunca suscitando da sua parte qualquer reclamação.

O Recorrente sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património, e que aplicava o seu dinheiro em produtos diferentes do simples depósito a prazo.

Tanto assim,  que entretanto, tendo o Recorrente conhecimento, no ano de 2015, que a sociedade GALILEU, SGPS, S.A. apresentara um Processo Especial e Revitalização (PER), apresentou ele próprio, uma reclamação de crédito, que não obteve sucesso, e na data do vencimento da subscrição, isto é, a 09 de maio de 2016, o Recorrido não devolveu o capital investido, nem em data posterior.

Evidencia-se que aquando da subscrição o Recorrente sabia que estava a subscrever um produto financeiro, obrigação subordinada, indicada as características que foram do conhecimento do mesmo, determinando-se em conformidade, até porque não lhe era estranha a realidade financeira que não se confunde com um contrato de depósito a prazo, sendo desse modo uma informação clara, no sentido de suficientemente esclarecedora, com a profundidade necessária face às características do cliente, informado, com apetência para a variedade de produtos financeiros.

É certo que lhe foi indicado que o produto era sem risco, com capital garantido, mas também se apurou que no momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga, ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente, correspondendo a uma informação objetiva, não dependente de quaisquer outras variantes analíticas, ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto[8], mas, efetivamente não verdadeira, como se veio a concretizar.

Podendo-se configurar ainda assim uma violação do dever de informação, para a responsabilização do Recorrido, na reunião dos respetivos pressupostos, na previsão da ilicitude, dano e culpa presumida, art.º 799, n.º1, do CPC, importa que fique demonstrada a existência do nexo de causalidade entre essa informação e o dano, traduzido na perda do capital investido na subscrição do produto financeiro.

Para tanto, era necessário que o Recorrente tivesse logrado provar que caso tivesse recebido a informação completa, o mesmo não teria subscrito a obrigação.

Ora, do factualismo relevante apurado e acima descrito, não avulta que tal tenha ficado demonstrado, o que determina, necessariamente, a improcedência do pedido do Recorrente, sem mais considerações, por despiciendas.

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III – DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar a revista.

Custas pelo Recorrente.

 

Lisboa, 17 de janeiro de 2022

Ana Resende (Relatora)

Maria José Mouro

Graça Amaral

                                                          

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Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.

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[1] Como, sem perder a atualidade, refere Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol III, fls. 206 e seguintes, no estabelecimento da dicotomia, da matéria de facto apurada à margem direta da lei, averiguando factos cuja existência não dependa da interpretação de qualquer norma jurídica, matéria já de direito.
[2] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, fls. 474 e segs.
[3] Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, fls. 233, apud Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil.
[4] Por reporte à explicitação do conceito de “lei substantiva”, constante do n.º 2, do art.º 674.
[5] Lebre de Freitas, e outros, obra citada, fls. 234.
[6] Cf. Ac. STJ de 30.11.2011, processo n.º 581/1999.P1.S1, o uso ou não uso dos poderes da Relação, em termos de decisões negativas ou positivas, desde que fundadas em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgado, reportam-se à valoração da matéria de facto, pronúncia sobre a matéria de facto que é vedada ao STJ, Ac. STJ de 4.07.2013, processo n.º 1727/07.1TBSTS-L.P1, não pode em sede de revista sindicar-se alegados erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, Ac. STJ de 05.05.2016, processo n.º 690/13.4TVPRT.P1.S1,  cumprindo às instâncias apurar a matéria de facto, só a Relação pode emitir um juízo de valor sobre o apurado na 1.ª instância, Ac. STJ de 24.11.2020, processo n.º 2350/17.8T9PRT.P1.S1., o que Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efetivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova, competindo mediante iniciativa da parte pronunciar-se sobre a legalidade do apuramento dos factos, Ac. STJ de 18.06.2019, processo n.º 745705.9TBFIG.C1.S2,  a livre apreciação da prova não é sindicável pelo STJ, todos in www.dgsi.pt.
[7] Com a Declaração de Retificação n.º 31/2022, relativa ao sumário, de 21 de novembro de 2022.
[8] Cf. o Acórdão de Uniformização indicado.