RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
ILICITUDE
CULPA
DANO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO
INTERMEDIÁRIO
Sumário


I- O art.º 314, do CVM, diz-nos no que respeita à responsabilidade do intermediário financeiro, que a mesma existe perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado da autoridade pública, pelo que e decorrentemente, evidenciando-se que a prova do facto ilícito incumbirá ao lesado, já no que respeita à culpa, a mesma presume-se se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais, e em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação.
II- Para que se verifiquem assim os pressupostos da responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro, importa ainda ficar demonstrado o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro, bem como apreciar a existência do nexo de causalidade, que deve resultar do factualismo apurado.

Texto Integral




REVISTA n.º 2351/17.6T8CBR.L1.S1

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

           

I - Relatório

1.  AA veio interpor contra BANCO BIC PORTUGUÊS, SA, antes designado de BPN- BANCO PORTUGÊS DE NEGÓCIOS, SA,. ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação do R. a restituir/pagar a quantia de 150.000,00€, acrescida de juros moratórios, desde 27 de outubro de 2014, data em que aquele se comprometeu a proceder ao reembolso, e os vincendos, até integral pagamento, bem como a quantia de 5.000€ a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, com juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.

1.1. Alega para tanto que em inícios de outubro de 2014 dirigiu-se a uma das agências do R. indicando ao funcionário da mesma que pretendia abrir uma conta bancária para depositar, a prazo, a quantia de 150.000,00€, em que lhe fosse garantido o capital como os juros remuneratórios com uma taxa de juro vantajosa, pretendendo que o juro fosse liquidado de seis em seis meses.

O funcionário, de forma imediata e verbal, transmitiu que a melhor taxa que o R. podia oferecer, era uma taxa bruta anual de 4,5%, pelo prazo de 10 anos, aplicando-se essa taxa nos primeiros dez semestres, e nos restantes a Euribor a 6 meses acrescida de 1,75%, estando garantido o reembolso do capital no prazo de vencimento, como também podia tal valor ser resgatado antes da data do vencimento e em qualquer altura, apenas com a perda de juros do período correspondente.

Ficou sempre claro entre as partes que o pretendido pelo A. era a aplicação das suas economias num produto que não apresentasse riscos financeiros e que no vencimento da mesma lhe fosse restituído todo o capital depositado, acrescido dos juros contratados, sem qualquer riscos de perda de capital e/ou juros, tendo sido esta condição sine qua non para poder aplicar o seu dinheiro, ficando sempre garantido o capital relativamente ao montante que pretendia depositar.

O A. confiou nas informações recebidas do R. e dada a confiança que depositou no referido funcionário, por, aparentemente, demonstrar aptidão e conhecimentos técnicos sobre assuntos bancários, ao contrário do A. que não possuía quaisquer conhecimentos de mercado financeiro, muito menos no que concerne à aquisição/subscrição de valores mobiliários.

Atendendo ao que lhe foi transmitido pelo funcionário do R, a aplicação não tinha qualquer risco, pois tratar-se-ia de um depósito a prazo com a garantia do banco e sem que alguma vez tivesse sido mencionado ou solicitado qualquer autorização para o seu dinheiro ser aplicado em qualquer outra aplicação, nomeadamente que implicasse qualquer risco de perda total ou parcial do capital e/ou juros.

O A. aceitou proceder à aplicação das suas economias no depósito a prazo proposto, sendo garantido que não havia riscos, havendo sempre o reembolso total do capital investido, pois se tratava de um depósito a prazo, sabendo o funcionário que para o A. era condição sine qua non aplicar as economias em produtos que o R. garantisse o reembolso do capital depositado.

Constituiu, assim como pensava, um depósito a prazo no valor de 150.000,00€, sem qualquer risco, com vencimento em 27 de outubro, data em que o R. se obrigou a proceder ao depósito do capital investido, acreditando convicto que este último lhe seria creditado pelo R na sua conta à ordem.

Acontece que na data do vencimento, não obstante lhe terem sempre sido pagos os juros remuneratórios convencionados, não foi creditado o capital que lhe tinha sido garantido pelo funcionário do R., e só então teve conhecimento que o montante que lhe confiara tinha sido pelo mesmo abusivamente utilizado, em seu nome, na compra de títulos mobiliários, três obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

Como leigo na matéria, desconhecia em absoluto, por nunca lhe ter sido transmitido pelo R. que tipo de produto financeiro se tratava, até porque sempre ter sido comunicado ao A. que se trataria de um depósito a prazo, tal como consta das instruções do R., através de um administrador aos funcionários das agências, no sentido de se tratar de um depósito a prazo.

O A. sente-se enganado e desrespeitado pelo R., que abusivamente utilizou o seu dinheiro, vivendo a angústia e o sofrimento de não reaver e ter disponível as suas economias, impedindo-o de as utilizar, materializado em muitas horas de sono perdidas, provocadas por constantes insónias, não conseguindo abstrair-se do sucedido, com o inerente aumento da ansiedade e do stress acumulado por essa situação, com forte desgaste psicológico e emocional, deixando-o cansado, abalado e triste.

1.2. O R. veio contestar, por exceção e impugnando o factualismo aduzido.

1.3. Realizado o julgamento foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente, absolvendo o R. do pedido.

2. Inconformado veio o A. interpor recurso de apelação, que julgou parcialmente procedente a apelação[1], condenando o R. a pagar ao A. a quantia de 150.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados da citação até integral pagamento.

3. Ora inconformado o R. veio interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (transcritas)

1. A decisão recorrida, apesar do pedido na ação ser de restituição, parece fazer “tábua rasa” das próprias pretensões do A., aliás devidamente estribadas nos factos alegados, e presumindo tudo quanto faltava à alegação do A., aliás, até de factos que reputamos de essenciais, acaba por condenar o R. com base no instituto da responsabilidade civil do Banco como intermediário financeiro.

2) A decisão em crise parte de pressupostos em si mesmos errados, mas pior, carentes de qualquer fundamentação que não seja meramente intuitiva, seja quanto à verificação da ilicitude ou do nexo causal!

3) A decisão recorrida afirma simplesmente, a determinado passo, que “(...) o banco como entidade qualificada que labora no mercado, não podia ignorar que o risco dos depósitos a prazo não é efetivamente equiparável não risco de subscrição de obrigações por uma sociedade comercial.” Ficamos, todavia, sem saber o que quer fosse sobre as efetivas diferenças entre o risco inerente a um DP e a uma subscrição de obrigações de obrigações emitidas pela sociedade-mãe de um Banco.

4) Não esclarecendo concretamente o risco a que se refere, não podemos deixar de entender que a decisão se quis referir à possibilidade de incumprimento do reembolso... não entrevemos, aliás, qualquer outro.

5) Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

6) Ora, este risco existe em todo e qualquer contrato, sendo que qualquer tipo de vinculação jurídica tem como destino necessário uma de duas possibilidades: ou CUMPRIMENTO ou INCUMPRIMENTO!

7) Ou seja, a possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8) E, por isso mesmo, não é objeto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial!

9) Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.

Por outro lado,

10) Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

11) Em 2006, a entidade emitente era dona do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio!

12) A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

13) Ora, o risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

14) É este o exato risco de um Depósito a Prazo! Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

15) E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo. É que se, por um lado, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta até Dezembro de 2008[2], e, portanto, nunca cobriria o valor de 50.000,00€, correspondente a uma Obrigação, é verdade também, por outro lado, que nenhum cliente, e os AA. certamente, efetuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD!

16) Ou seja, a segurança que os AA., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exatamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!

17) Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações–razão porque dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

18) Por fim, o risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente! E só não foi factualmente equivalente por intervenção do Estado, através da nacionalização do capital social do Banco-R. por Decreto-Lei de 11 de Novembro de 2008. Todavia, note-se que mesmo os pressupostos dessa nacionalização mais não são do que um repositório dos pressupostos da insolvência!

Em suma,

19) Tudo o que foi informado ao A. era, à data, verdadeiro e atual!

20) E com isto não podemos deixar de concluir que o Banco não incorreu na prática de qualquer tipo de ilícito, pois que a comparação do risco das Obrigações aos Depósitos a Prazo não era, de todo, abusiva!

21) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

22) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

23) Daqui não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital!

24) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

25) De resto, insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa!

26) A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. De facto, esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais. Ora, a apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! Apenas são o que parecem, uma enumeração de características de um produto!

27) A ideia que perpassa é que o Tribunal a quo (embora nunca o afirme na decisão) reputa as obrigações como um “produto de risco”, contra os depósitos a prazo que seriam muito mais seguros...

28) Ora, não é porque um investimento se revela ruinoso, que o mesmo pode ser classificado, à partida, como investimento de risco…

29) E a verdade é que ficámos sem perceber a razão de ser da maior segurança atribuída aos DP’s.

30) A decisão recorrida violou, por errónea interpretação ou aplicação o disposto nos art.ºs 312º-E e 324º nº 2 do CdVM.

31) Acaba a decisão recorrida por vir a declarar presumir, pelo mero facto da comparação dos riscos da subscrição com os de um Depósito a Prazo a causalidade entre esta comparação e o dano sofrido pelo A., limitando-se a afirmar: “Mas esse não é o caso do investidor não qualificado, como é o A., cuja formação de vontade não obedece aos processos analíticos e conscientes do investidor institucional. O processo difuso de formação da vontade associado ao investidor não qualificado, assenta basicamente na confiança; é ela que funciona como condicionante e, por isso, neste contexto, não é descabido a nosso ver, presumir que foi precisamente esse o quadro condicionante da formação da vontade do A.. Que outro poderia ter tido, se ele é um investidor não qualificado? Note-se que não há qualquer elemento na matéria de facto provada ou não provada que enfraqueça semelhante ilação”.

32) O Tribunal a quo nem sequer assume uma verdadeira presunção judicial a este respeito, pois que não estabelece qual o facto provado de que retira um facto desconhecido, violando assim o previsto no art.º 349º do Código Civil.

33) Aliás, nem sequer levou um qualquer facto ao elenco dos factos provados na sequência de pseudo-presunção!

34) Somos por isso confrontados com uma mera dedução, de natureza puramente jurídica, e que retira, do ilícito e culpa, a verificação do nexo, assim o presumindo (informalmente, dizemos nós), e invertendo a distribuição do ónus da prova.

35) Analisar a verificação de nexo causal trata-se de averiguar se o facto ilícito foi causa adequada da produção do dano.

36) Não podemos deixar de apontar, antes de mais, que do elenco de factos provados de qualquer dos acórdãos em confronto não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o ato de subscrição ou o dano.

37) De resto, no que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar do ilícito ou culpa – em ambos os casos, juízos de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

38) E nem se diga que a prova da causalidade constituiria um esforço probatório inexigível ao A.

39) É que a prova de um tal facto ser-lhe-ia sempre mais facilitada do que a sua contraprova o seria para o Réu. E afirmamos isto desde logo por, como vimos, o facto ser da esfera pessoal do próprio A., e exatamente e por isso lhe ser mais fácil demonstrá-lo!

40) Até pela distribuição do esforço probatório exigido sempre deveria caber ao A. a prova de que acaso tivesse sabido algo mais (não sabemos bem o quê!) não teria subscrito qualquer obrigação SLN.

Ademais,

41) Uma tal presunção não resulta de qualquer norma, ou de qualquer juízo de normalidade sequer.

42) E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

Por outro lado,

43) A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que diz respeito ao nexo de causalidade.

44) Na verdade, aquele nexo de causalidade parte dos mesmos exatos termos em que existe a essencialidade do erro.

45) Assim, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão - nada disto foi feito! E desde logo nada disto foi sequer foi alegado!

46) Assim, ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade civil...

47) Em bom rigor, a origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio! Ainda que os AA. tenham investido especificamente por qualquer deficiente informação, esse engano apenas os conduziu à realização de um investimento - à data normal e confiável! O dano resulta apenas quando a emitente não cumpre a sua obrigação de reembolso!

48) O Tribunal recorrido violou assim o disposto nos art.ºs 342º, 344º, 349º e 563º do Código Civil

3.1. O A. veio também apresentar contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: (transcritas)

A)  Alega o Recorrente que o douto Acórdão violou o disposto nos artigos 342º, 344º, 349º e 563º, todos do Código Civil, mas a verdade é que o mesmo não merece qualquer reparo.

B)  Quanto ao alegado no ponto “ilicitude – risco das obrigações”, como ficou demonstrado, não é verdade que, quanto a esta matéria, o douto Acórdão se limita a afirmar que “o risco de subscrição de obrigações não é equiparável” ao risco dos depósitos a prazo”, sem nada mais acrescentar ou sem justificar ou que quer que fosse…”, referindo que é abusiva, pois parte dessa premissa para afirmar a ilicitude da conduta e presumir a causalidade entre essa mesma ilicitude e o dano”.

C)  Ora, da transcrição da apreciação jurídica do Acórdão que foi feita a este respeito, resulta que o douto Tribunal “a quo” cumpriu de forma séria, convincente e desinteressada os deveres de fundamentação a que estava adstrito, demonstrando factual e juridicamente que o Recorrente, no exercício da sua atividade, agiu efetivamente de forma ilícita e com culpa grave para com o Recorrido, uma vez que prestou informações ao Recorrido, que era um investidor-consumidor não qualificado, concretamente acerca da segurança do produto, que bem sabia que não eram verdadeiras.

D)  Quanto à alegada situação geral do incumprimento, o que por mera hipótese académica se admite, sempre o Recorrente teria que ter cumprido com os legítimos interesses do Recorrido (seu cliente) e da eficiência do mercado – cfr. art. 304º/1 do CVM, vigente à data dos factos – devendo observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência – cfr. n.º 2 do referido preceito legal.

E) Considerando que resulta amplamente demonstrado quais eram as características essenciais do produto em causa nos presentes autos, que eram transmitidas aos clientes do Banco, sendo o cliente aqui o Recorrido, (características mencionadas pelas testemunhas BB, CC e DD de forma unânime), ou seja, o capital garantido a 100 % pelo BPN, o prazo, a taxa de rentabilidade e o facto de se tratar de um produto emitido por uma empresa do grupo em que se inseria o BPN, SA, dúvidas não restam de que, com estas informações e/ou falta delas, o Recorrido não sabia que, de facto, estava a adquirir capital que não estava efetivamente garantido.

F) Pelo que, atuou o Recorrente com culpa grave, visto que prestou determinadas informações ao Recorrido (investidor-consumidor não qualificado) acerca da segurança do produto em causa nos autos, nomeadamente informando que o mesmo tinha o capital 100% garantido, informações que bem sabia que não correspondiam à verdade, ficando assim corroborada a ilicitude da atuação daquele e dada como assente pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, quanto ao primeiro ponto das alegações do Recorrente devem as mesmas improceder e o douto Acórdão manter-se o inalterado;

G) Quanto ao alegado no ponto “do capital garantido”, alega o Recorrente, em suma, que, “a menção à expressão não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação” (…); “A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto; (…) o valor do capital investido é garantido!”; note-se (…) que daqui não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital”…

H) Passada a perplexidade com que ficamos a olhar para estas alegações, com o devido respeito e tendo em conta o que se encontra amplamente demonstrado nestes autos quanto à informação que era passada aos clientes relativamente ao produto SLN Rendimento Mais 2004, pergunta-se, como todo o respeito, o que é que o Recorrente pretendia, perante a informação que foi transmitida e considerando o perfil do Recorrido, o que é que era suposto o Recorrido ter entendido?! Ou, o que é que entenderia o homem comum, colocado nas mesmas circunstâncias?!

I) Na humilde opinião do Recorrido, resulta evidente que qualquer cidadão comum entenderia o conceito de “capital garantido” como algo (capital investido) que forçosamente está garantido e será restituído.

J) Ademais, se o Recorrente tinha dúvidas relativamente à interpretação que o Recorrido podia fazer do conceito “capital garantido”, impendia sobre si o ónus de demonstrar que prestou toda a informação, de forma completa, fundamentada, esclarecida e verdadeira, o que não logrou.

K) Ora, absolutamente ilógico é afirmar que “daqui (daquelas considerações feitas pelo Recorrente) não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital”…, demonstrando claramente que o Recorrente não foi claro e verdadeiro com o Recorrido na sua atuação, agindo com culpa grave;

L) O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual (art. 483º/1 do C. Civil), impendendo sobre o intermediário financeiro, aqui Recorrente, a presunção de culpa, nos termos do disposto nos artigos 799º/1 do C. Civil e 304º-A, n.º 2 do CVM.

M) Quanto ao segundo ponto das alegações do Recorrente, devem as mesmas improceder e o douto Acórdão manter-se o inalterado, uma vez que não merece qualquer reparo;

N) Quanto ao alegado no ponto “do nexo causal”, alega o Recorrente que o douto Tribunal “a quo” violou o estabelecido no artigo 349º do C. Civil, porém não tem razão, pois considerando o enquadramento probatório supra mencionado no corpo das contra-alegações fazendo apelo às regras da experiência comum, considerando o cidadão médio, que já se confrontou com a perseverança ou premência dos funcionários bancários no exercício da sua atividade de promoção de determinado produto, não merece qualquer censura o juízo inferido pelo Tribunal “a quo” a partir do modo de apresentação do produto em causa e relativamente à confiança que o Recorrido depositou no Recorrente e relativamente às informações (ou faltas delas) que lhe foram transmitidas; pelo que, quanto a este ponto, reitera-se não se vislumbra qualquer violação do artigo 349º e 351º, ambos do Código Civil, devendo o douto Acórdão manter-se inalterado.

O) Quanto ao nexo causal alega, ainda, o Recorrente que para saber se o facto ilícito foi causa adequada da produção do dano, deveria o Recorrido ter cumprido diversos requisitos que refere não ter cumprido, porém não tem razão, uma vez que se encontra provada a ilicitude da conduta daquele, a culpa grave do mesmo, o dano que a sua conduta ilícita provocou e o nexo causal e a sua conduta e o dano.

P) Tendo em conta todo o enquadramento fáctico dos presentes autos, dúvidas não restam de que o Recorrido não só logrou demonstrar a ilicitude da conduta do Recorrente, a culpa grave com que este atuou mas também ficou provado o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa deste e o dano sofrido por aquele (correspondente à perda do capital), uma vez que para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Recorrente traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo Recorrido, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que este não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos imposto por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”; - cfr.Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 25-10-2018, 2ª Secção, do Ex.º Sr. Relator Bernardo Domingos, processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.

Q) Sendo que, das regras da experiência comum e do normal acontecer, pode-se facilmente retirar, que o Recorrido não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Recorrente, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido. Na verdade está amplamente demonstrado que a comercialização do produto se fazia tendo por base a nota informativa/argumentário de venda, sendo que da mesma constava que o capital era 100% garantido e encontra-se amplamente demonstrado que era transmitido aos clientes a informação de que o reembolso do capital era garantido pelo Banco (porquanto era um produto seguro, sem qualquer risco, até porque era um produto emitido por uma empresa do grupo em que se inseria o BPN, SA), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais.

R) Concluímos, que se os funcionários do Recorrente tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida ao Recorrido muito provavelmente, com altíssima probabilidade, nunca este teria subscrito aquela aplicação, sendo que isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo Recorrido e a conduta ilícita e culposa do Recorrente, traduzida na violação dos deveres de informação e da boa-fé contratual, que sobre si impendiam.

S)   O douto Acórdão não merece qualquer censura, pelo que deve o mesmo ser confirmado nos precisos termos em que foi proferido.

T)   Encontram-se, assim, verificados todos os requisitos da responsabilidade civil;

U) O Douto Acórdão não violou o disposto nos artigos 342º, 344º, 349º e 563º, todos do Código Civil, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, confirmando-se na íntegra o douto Acórdão proferido pela ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

4. Cumpre apreciar e decidir.

*

II – Enquadramento facto-jurídico

A . Dos factos.

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. O Réu, até 7 de Dezembro de 2012, teve a denominação social de "BPN - Banco Português de Negócios, S.A.".

2. Através da Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro, foram nacionalizadas todas as ações representativas do capital social do "BPN - Banco Português de Negócios, S.A.".

3. Em inícios de Outubro de 2004, o Autor dirigiu-se a uma das agências do Réu em ... e aí estabeleceu contacto com o Sr. EE, funcionário do Banco Réu,

4. O Autor havia recebido um prémio do "totoloto".

5. O pretendido pelo Autor era a aplicação do valor que havia recebido de prémio num produto que, no vencimento do mesmo, lhe fosse restituído todo o capital depositado, acrescido dos juros contratados,

6. Em 12 de Outubro de 2004, o Autor assinou o boletim de subscrição de três "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", no valor nominal de € 50 000,00, num total de € 150 000,00, emitidas pela "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.G.P.S., S,A.

7. De acordo com o que foi transmitido ao Autor pelo funcionário do Banco Réu, tal aplicação, tratando-se de subscrição de obrigações da sociedade "mãe" do Banco, era um produto "seguro", com um nível de risco equivalente ao de um depósito a prazo.

8. O Autor recebeu os juros remuneratórios convencionados.

9. Na data do vencimento, o valor do capital não foi creditado na conta à ordem do Autor.

10. (...)[3].

11. O Autor era titular de conta bancária junto do Banco Réu, conta que abriu, pelo menos, em Abril de 2004, com um depósito de € 500 000,00.

12. As Obrigações SLN 2004 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco Réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada.

13. O gestor de conta apresentou ao autor a remuneração do produto como sendo vantajosa relativamente aos depósitos a prazo; o prazo, que era de 10 anos; as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do período de 10 anos, que seria possível por se poder transacionar o produto entre clientes .

14. O que, à data, era fácil e rápido, porquanto a procura superava a oferta.

15. A proposta de aquisição das Obrigações "SLN 2004" era feita com menção de "garantia de capital" e de "segurança", pelo facto de a entidade emitente ser "mãe" do Banco.

16 (1) O Autor aceitou aplicar o mencionado valor no produto proposto pelo Réu, relativamente ao qual havia sido garantido o reembolso do capital investido para além do pagamento semestral dos juros convencionados.

16. Tendo, então, o Autor subscrito o referido boletim.

17. A nota interna a que os funcionários do banco, então BPN, SA. tiveram acesso e com base na qual transmitiram aos seus clientes as características e condições do produto, é do seguinte teor: "Características da Emissão - Designação Comercial: SLN Rendimento Mais 2004; Natureza: Obrigações Subordinadas; Emitente: SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA; [...] Prazo: 10 anos; Taxa de Juros (TANB): lºs 10 cupões: 4,5% (TAEL de 3,632%) Restantes cupões: Euribor 6M + 1,75%; Pagamento de Juros: Semestral e postecipadamente. (cf. fls. 87) "Reembolso antecipado: O reembolso antecipado, total ou parcial, só é possível por iniciativa da SLN e a partir do 5. ° ano (call option), mediante aprovação prévia do Banco de Portugal. [...] "Capital Garantido: 100% do capital investido. "Subordinação: As receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista, sendo que os Subscritores terão sempre prioridade sobre os acionistas da SLN, mas estarão sempre subordinadas aos restantes credores, (cf. fls. 87 veros);

"Argumentário - a) O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos; b) o SLN Rendimento Mais 2004 assegura o pagamento semestral de juros; c) Caso o Subscritor necessite de liquidez, o BPN está disponível para fazer financiamentos com condições especiais; d) Caso o Subscritor pretenda vender as suas Obrigações, o BPN assumirá uma atitude pró-ativa, tentando identificar potenciais compradores no universo de Clientes do BPN. Contudo, o BPN não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004. (cf. fls. 88 verso) [...] " Outras Questões [...] d) Prospeto da Emissão - O prospeto da emissão, que enviamos em anexo, deverá encontrar-se disponível para consulta e ser entregue a todos os Clientes que o solicitem. "

Foram considerados como não provados:

a) o Autor indicou ao funcionário que pretendia abrir uma conta a prazo para depositar a quantia de € 150.000,00, para que lhe fosse garantido, por parte do Réu, o capital bem como os juros remuneratórios e a uma taxa de juro que fosse vantajosa, pretendendo que o juro fosse liquidado de seis em seis meses;

b) de imediato o funcionário transmitiu ao Autor, de forma verbal, que a melhor taxa de juro que o Réu podia oferecer para o valor em causa era de uma taxa anual bruta de 4,5%, pelo prazo de 10 anos, sendo que nos primeiros dez semestres se aplicava aquela taxa de juro, e nos restantes semestres a Euribor a 6 meses acrescida de 1,75%, estando garantido o reembolso do capital no prazo de vencimento, como também podia tal valor ser resgatado antes da data do vencimento e em qualquer altura, apenas com perda de juros do período correspondente;

c) foi-lhe transmitido pelo funcionário do Banco Réu que a aplicação não tinha quaisquer riscos, pois tratar-se-ia de um depósito a prazo com a garantia do Banco;

d) sem que alguma vez tenha sido mencionado ou pedida a autorização pelo Réu, através do referido funcionário, para a aplicação daquela quantia em qualquer outra aplicação;

e) Eliminado (corresponde ao n° 16(1) da matéria de facto).

f) o Autor aguardou até ao vencimento do depósito perfeitamente convicto que, na data do seu vencimento, ou seja, em 27 de Outubro de 2014, o capital depositado lhe iria ser creditado pelo Réu, na sua conta à ordem;

g) o Autor entrou em contacto com o seu gestor de conta, interpelando-o acerca do motivo de não terem sido creditados os valores em causa na sua conta à ordem, como se havia obrigado o Réu na data do vencimento do depósito;

h) tendo o gestor de conta do Autor, em quem ao longo desses dez anos  havia  depositado   a  sua  confiança  na  gestão   das   suas aplicações, referido, à data, que estava a aguardar instruções do Banco para proceder ao crédito do capital na sua conta à ordem;

i) não obstante toda a instabilidade que envolvia o nome do Banco, que havia sido nacionalizado, sempre foi garantido pelos funcionários do Réu que a aplicação estava garantida e que não havia quaisquer riscos e que seria reembolsado no prazo do vencimento;

 j) o gestor de conta do Autor garantiu mais uma vez, como já havia feito aquando da nacionalização do banco e posterior venda ao Banco BIC Português, para que estivesse descansado, pois o valor em causa iria ser creditado;

1) também neste momento, em que o Autor interpelou o Réu e o questionou do porquê de não vir a ser reembolsado o capital na data do vencimento do depósito a prazo é que lhe foi transmitido pelo seu gestor de conta, que a aplicação que o Autor fez em Outubro de 2004 dizia respeito a um empréstimo obrigacionista emitido pela então SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.G.P.S., S.A.;

m) o Réu, contrariando as instruções e vontade do Autor, e à revelia deste, aplicou o seu dinheiro em empréstimo obrigacionista à sociedade que à data era detentora do capital social do Réu, o que o Autor não sabia, nem queria;

n) o Autor nunca tinha ouvido falar das "Obrigações SLN" quer por parte do Réu, quer por conhecimento próprio;

o) pelo facto de os valores que havia entregue ao Réu não terem sido aplicados em depósito a prazo, como havia solicitado, o Autor vive angustiado, tem horas de sono perdidas, provocadas por constantes insónias, não se conseguindo abstrair do sucedido, com o inerente stress diário acumulado pela situação em causa, o que lhe causa forte desgaste psicológico e emocional, o deixa cansado, abalado e triste;

p) o funcionário bancário da Ré transmitiu ao Autor que tais valores mobiliários eram uma representação de dívida da sociedade emitente;

q)o Autor foi exaustivamente esclarecido sobre as condições do produto, de forma acompanhada com a respetiva nota técnica;

r) o Autor veio, em 2008, a subscrever também Obrigações BPN 2008, no valor de € 400.000,00;

s) o Autor veio a solicitar financiamento no valor de € 300 000,00, oferecendo em garantia os seus títulos de Obrigações SLN 2004 e BPN 2008.

t) O Autor recebia os extratos mensais, onde todas as suas aplicações financeiras apareciam expressamente discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza.

B. Do direito.

1. O objeto do presente recurso surge-nos delimitado pelo teor das respetivas alegações e conclusões, ao conhecimento da existência da responsabilidade contratual e pré-contratual do Banco Recorrido, no âmbito da intermediação financeira.

1.1.   As decisões proferidas pelas Instâncias, divergiram de entendimento.

Em sede de sentença foi entendido que o ora Recorrente/R. não tinha praticado quaisquer factos ilícitos, por toda a informação prestada ao Autor/Recorrido aquando da subscrição da aplicação correspondiam à verdade, não sendo incorretas ou desconformes, e ainda que se entendesse que não tinham sido completas, não fora a crise e rutura financeira da entidade emitente das obrigações em causa o Recorrido teria recebido o capital investido na data devida, sem colocar em causa a execução da aplicação, face a uma taxa remuneratória mais vantajosa, correndo por parte do A. o risco inerente à aplicação financeira, pois não fora assumida por qualquer entidade, concluindo pela improcedência da ação.

Por sua vez o Tribunal da Relação, considerando que se mostrava evidenciado o incumprimento da obrigação de informação por parte do R., pois o A. apesar de saber que se tratava de obrigações, perante a complexidade do mercado financeiro, não saberia que de facto o capital não estava garantido, e demonstrada a ilicitude, cabia ao R/banco um esforço probatório demonstrativo da irrelevância da omissão da informação na produção dos danos sofridos pelo credor, condenando o R. a satisfazer o pagamento do capital, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação[4].

Contrapõe o Recorrente/R. que da prova produzida resulta, claramente que não se mostram reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil contratual e pré-contratual.

1.2. Assim, no que concerne à responsabilidade do intermediário financeiro, sempre nos teremos de ater à realidade específica a considerar, reportada ao mercado de valores mobiliários, tido como ponto de encontro entre a oferta, assegurada pelas entidades emitentes, e a procura levada a cabo pelos investidores, relevando para tanto a existência de agentes económicos qualificados, caso dos intermediários financeiros, como resultava do art.º 289, n.º 1, a) e 293, do CVM, nomeadamente as instituições de crédito, como a referenciada nos autos.
O intermediário financeiro atua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera destes que se repercutem as consequências – positivas e negativas – das operações de subscrição ou transação de valores mobiliários, encontrando-se entre as atividades de intermediação financeira os serviços de investimento em valores mobiliários.
Sabido é, também, que como decorre do disposto no art.º 573, do CC, a obrigação de informação existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias, na consagração de uma regra geral, de acordo com o princípio da boa fé, sem prejuízo do que possa ser estabelecida convencionalmente, ou decorrer de preceitos especiais.

No concerne aos valores mobiliários, diz-nos o art.º 7, do CVM, que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, nomeadamente a relativa a atividades de intermediação e emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores, seja qual for o meio de divulgação, aferindo-se o requisito da completude da informação em função do meio utilizado.

Por sua vez resulta do art.º 312, do CVM, que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, caso das respeitantes aos riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente.

Na verdade, conforme também se consigna no art.º 304, do CVM, os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, observando, com todos os intervenientes no mercado, os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, na medida em que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar sublinhando-se que a regra da adequação do serviço prestado ao perfil do cliente não sofre qualquer desvio em virtude do meio de contratação utilizado, devendo ser formulado segundo um critério subjetivo, em termos de autodeterminação pelo investidor-cliente.

Compreende-se que no tipo de negócios em causa sobressaía a exigibilidade de as partes se pautarem de acordo com o princípio da confiança, essencial ao tráfico mercantil, prestando as informações necessárias à prossecução dos interesses do cliente, na medida em que se mostra adequado para tanto, ainda que em termos não tão abrangentes que posteriores quadros normativos vieram consagrar, mas sempre num atendimento de um padrão de diligência exigível a entidades especialmente autorizadas e qualificadas ao exercício das funções que se apresentam a prestar, num contexto específico de uma atividade, que se tendencialmente orientada para um grupo social restrito, veio a alargar-se, abrangendo largos setores sociais.

Diz-nos, por sua vez o art.º 314, do CVM, no que respeita à responsabilidade do intermediário financeiro, que a mesma existe perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado da autoridade pública, pelo que e decorrentemente, evidenciando-se que a prova do facto ilícito incumbirá ao lesado, já no que respeita à culpa, a mesma presume-se se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais, e em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação, n.º2, da mesma disposição legal.

Para que se verifiquem assim os pressupostos da responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro, importa ainda ficar demonstrado o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro, bem como apreciar a existência do nexo de causalidade, que deve resultar do factualismo apurado.

Aqui chegados releva fazer a nota, que se prende com o conhecido número de casos existentes nos Tribunais e as decisões proferidas, debruçando-se sobre situações em que está em causa a subscrição deste produto financeiro ou similar, certo é, que não pode ser esquecido, que cada um assenta num determinado factualismo alegado e provado, daí que não se possa considerar que há uma solução, mas sim uma para cada realidade, para além das igualmente conhecidas divergências em termos doutrinários/jurisprudenciais.

Sem prejuízo do aludido quando ao aspeto casuístico de cada caso, importa ater-nos ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, deste Tribunal, n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de novembro de 2022[5], no qual foi uniformizada a Jurisprudência, nos seguintes termos:

1- No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 -  Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

1.3. Em conformidade, compreende-se que a apreciação casuística no atendimento da matéria de facto apurada nos autos atenda aos segmentos uniformizadores, respaldando-nos, quando a razão de ser dos mesmos, em termos de fundamentação de direito, na formulada no Acórdão Uniformizador.

Reportando-nos aos autos resulta apurado que em Outubro de 2004, o Autor que tinha recebido um prémio do "totoloto”,  dirigiu-se a uma das agências do Réu, pretendendo a aplicação do valor que havia recebido de prémio num produto que, no vencimento do mesmo, lhe fosse restituído todo o capital depositado, acrescido dos juros contratados, e assinado o boletim de subscrição de três "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", no valor nominal de € 50 000,00, num total de € 150 000,00, emitidas pela "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.G.P.S., S,A., em 12 de Outubro de 2004

De acordo com o que foi transmitido ao Autor pelo funcionário do Banco Réu, tal aplicação, tratando-se de subscrição de obrigações da sociedade "mãe" do Banco, era um produto "seguro", com um nível de risco equivalente ao de um depósito a prazo, tendo o gestor de conta apresentado a remuneração do produto como sendo vantajosa relativamente aos depósitos a prazo; o prazo, que era de 10 anos; as condições de reem-bolso e de obtenção de liquidez ao longo do período de 10 anos, que seria possível por se poder transacionar o produto entre clientes, o que, à data, era fácil e rápido, porquanto a procura superava a oferta.

A proposta de aquisição das Obrigações "SLN 2004" era feita com menção de "garantia de capital" e de "segurança", pelo facto de a entidade emitente ser "mãe" do Banco, pois tais obrigações foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., sociedade que era ti-tular de 100% do capital social do Banco Réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada.

A nota interna a que os funcionários do banco, então BPN, SA. tiveram acesso e com base na qual transmitiram aos seus clientes as características e condições do produto, é do seguinte teor: "Características da Emissão - Designação Comercial: SLN Rendimento Mais 2004; Natureza: Obrigações Subordinadas; Emitente: SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA; [...] Prazo: 10 anos; Taxa de Juros (TANB): lºs 10 cupões: 4,5% (TAEL de 3,632%) Restantes cupões: Euribor 6M + 1,75%; Pagamento de Juros: Semestral e postecipadamente. (cf. fls. 87) "Reembolso antecipado: O reembolso antecipado, total ou parcial, só é possível por iniciativa da SLN e a partir do 5. ° ano (call option), mediante aprovação prévia do Banco de Portugal. [...] "Capital Garantido: 100% do capital investido. "Subordinação: As receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista, sendo que os Subs-critores terão sempre prioridade sobre os acionistas da SLN, mas estarão sempre subordinadas aos restantes credores, (cf. fls. 87 veros); "Argumentário - a) O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos; b) o SLN Rendimento Mais 2004 assegura o pagamento semestral de juros (…)”.

O Autor aceitou aplicar o mencionado valor no produto proposto pelo Réu, rela-tivamente ao qual havia sido garantido o reembolso do capital investido para além do pagamento semestral dos juros convencionados, subscrevendo o boletim, tendo recebido os juros remuneratórios convencionados, no entanto, na data do vencimento, o valor do capital não foi creditado na sua conta à ordem.

Evidencia-se que aquando da subscrição o Recorrido sabia que estava a subscrever um produto financeiro, obrigações, indicada características que foram do conhecimento do mesmo, que aceitou, determinando-se em conformidade, sendo certo que não se provou, que tenha indicado ao funcionário que pretendia abrir uma conta a prazo, e transmitido que a aplicação não tinha quaisquer riscos, pois tratar-se-ia de um depósito a prazo com a garantia do Banco, sem que alguma vez tenha sido mencionado ou pedida a autorização pelo Réu, para a aplicação da quantia em qualquer outra aplicação, e principalmente que o Banco, contrariando as instruções e vontade do Autor, e à revelia deste, aplicado o dinheiro em empréstimo obrigacionista à sociedade que à data era detentora do capital social do Réu, o que o Autor não sabia, nem queria, nunca tendo ouvido falar das "Obrigações SLN" quer por parte do Réu, quer por conhecimento próprio.

É certo foi indicado ao A. que o produto era sem risco, com capital garantido, como aliás constava da nota interna do R. para os seus funcionários como vista à divulgação da aplicação, para além de não se configurar que ao investidor tivesse sido explicitado que as obrigações eram subordinadas e quais as possíveis consequências futuras,   não dependente de quaisquer outras variantes analíticas, ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto[6], mas, efetivamente não verdadeira, como se veio a concretizar.

Resulta assim do exposto o entendimento que a informação prestada foi incompleta e inexata, traduzindo-se numa violação do dever de informação, para a responsabilização do Recorrente, na reunião dos respetivos pressupostos, na previsão da ilicitude, dano e culpa presumida, art.º 799, n.º1, do CPC, importando ainda que fique demonstrada a existência do nexo de causalidade entre essa informação e o dano, traduzido na perda do capital investido na subscrição do produto financeiro.

Para tanto, era necessário que o Recorrido tivesse logrado provar que caso tivesse recebido a informação completa, o mesmo não teria subscrito as obrigações.

Ora, do factualismo relevante apurado e acima descrito, não avulta que tal tenha ficado demonstrado, isto é, “(…) que qualquer facto dado como provado tenha operado, no plano meramente factual, como conditio sine qua non do dano (…)[7], carecendo de tal virtualidade considerações de maior ou menor probabilidade elaboradas a partir de outra factualidade apurada, o que determina, necessariamente, a improcedência do pedido do Recorrido/Autor, sem mais considerações, por despiciendas.

1.4. Procedem, deste modo, as conclusões formuladas pelo Recorrente.

*

III – DECISÃO

Nestes termos, decide-se conceder a revista, revogando o decidido pelo Tribunal da Relação, absolvendo o Réu do pedido de condenação ao pagamento da quantia de 150.000,00€, acrescida de juros de mora, mantendo a absolvição do pedido a título de danos patrimoniais, formulados pelo Autor.

Custas da apelação e da revista pelo Autor.

 

Lisboa, 17 de janeiro de 2023

Ana Resende (Relatora)

Maria José Mouro

Graça Amaral

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Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.

                                                                                                            

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[1] Com voto de vencido, entendendo perante os factos apurados, não se mostrar comprovada a existência quer da ilicitude, quer do nexo de causalidade, e assim seria de manter o decidido em sede de sentença.
[2] É relevante a data de revisão das coberturas do FGD para 100.000,00€ por titular, logo após a nacionalização do capital social do Banco, evidenciando a constatação de que a cobertura era manifestamente insuficiente e ineficaz!

[3] Este ponto que nesta sede de recurso foi considerado não provado, corresponde agora à al. t) dos factos não provados.
[4] Em sede de voto de vencido, consignou-se que não ficara demonstrado a existência da ilicitude, nem do nexo de causalidade, concluindo pela improcedência do pedido.
[5] Com a Declaração de Retificação n.º 31/2022, relativa ao sumário, de 21 de novembro de 2022.
[6] Cf. o Acórdão de Uniformização indicado.
[7] Cf. o Acórdão de Uniformização indicado.