SOCIEDADE COMERCIAL
REMUNERAÇÃO
ADMINISTRADOR
CONTRATO DE SOCIEDADE
RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
PRÉMIO
CONFLITO DE INTERESSES
DIREITO DE VOTO
IMPEDIMENTOS
VANTAGEM PATRIMONIAL
DELIBERAÇÃO SOCIAL
ASSEMBLEIA GERAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DOLO EVENTUAL
Sumário


I – Não impõe o art. 399.º/2 do CSC – permitindo que a remuneração dos administradores seja inteiramente certa ou composta por uma parte certa e uma parte variável – que a remuneração variável tenha necessariamente que consistir numa participação nos lucros de exercício, pelo que a circunstância do contrato de sociedade não prever a possibilidade de poder ser atribuída tal remuneração variável (e, em consequência, não estabelecer a percentagem máxima que autoriza como destinada aos administradores) não constitui impedimento a que outras componentes varáveis da remuneração possam ser fixadas e atribuídas aos administradores, como é o caso dos bónus/prémios anuais.
II – São situações de conflito de interesse entre o acionista e a sociedade que justificam as limitações ou inibições do direito de voto constantes de tal art. 384.º/6 do CSC, mas apenas as situações de conflito de interesses descritas em tais alíneas – que devem ser consideradas taxativas e não meramente exemplificativas – geram limitações ou inibições de voto (nas sociedades anónimas), pelo que um acionista não está impedido de votar em deliberação sobre a atribuição de prémios/bónus anuais a si próprio, como administrador.
III – A remuneração dos administradores executivos deve ser de molde a motivar os administradores ao desempenho das suas funções de forma eficiente e de modo a reter os administradores mais qualificados; deve ter em conta as regras de mercado (o montante das remunerações pagas aos administradores de sociedades equivalentes); e, no caso da atribuição da remuneração variável, deve ser conjugada com algum tipo de métrica de avaliação do desempenho, como, por exemplo, os resultados da empresa, os resultados individuais dos administradores ou os indicadores financeiros reveladores do desempenho.
IV – Assim, tendo sido proposto, sem qualquer concreta justificação, que fossem atribuídos prémios anuais de desempenho a dois administradores executivos, no montante de 95.000,00 para cada um deles; tendo os resultados líquidos da sociedade baixado (de 835.000,00 no ano anterior para € 332.000,00 no ano em causa); correspondendo tais resultados líquidos, face aos capitais próprios da sociedade, a uma rentabilidade de pouco mais de 3%; e já recebendo cada um dos dois administradores executivos a remuneração certa anual de € 175.000,00 (o que significaria que, com o prémio/bónus anual, os dois administradores executivos passariam a representar um custo anual para a R. de € 540.000,00), deve considerar-se que a remuneração dos dois administradores executivos (os € 540.000,00) constitui um custo excessivo para a R. e, em consequência, até por tais montantes não estarem de acordo com a prática remuneratória em sociedades similares, a deliberação que lhes atribui, de retribuição variável, um bónus anual de € 95.000,00 é objetivamente apta a conceder-lhes uma vantagem especial, preenchendo o pressuposto objetivo da primeira espécie de deliberação abusiva – a apropriada para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios – prevista no art. 58.º/1/b) do CSC.
V – E, tendo o acionista que se opôs a tal proposta colocado em evidência, na AG, as razões da excessividade da atribuição dos prémios de desempenho propostos e nada lhe tendo sido contraposto (designadamente, pelos Administradores/acionistas que haviam proposto a atribuição de tais prémios a si próprios), deve considerar-se que os sócios/acionistas que votaram favoravelmente, ao votarem como votaram, não podem ter deixado de prever e admitir que da deliberação em causa resultariam, muito possivelmente, vantagens especiais para os dois administradores executivos em prejuízo da sociedade e que se conformaram com essas possibilidades, assim ficando preenchido, na modalidade de dolo eventual, o pressuposto subjetivo da primeira espécie de deliberação abusiva.

Texto Integral




Processo 17.579/20.3T8LSB.L1.S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - Relatório

AA instaurou ação declarativa comum contra Pecoris – Representações, Importações e Exportações, SA, pedindo seja decretada a nulidade ou a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da R. iniciada em 07/07/2020 e concluída em 20/07/2020 ao abrigo dos pontos um, dois e quatro da ordem de trabalhos.

Alegou, em síntese, que é titular de ações representativas de 6% do capital social da R., cujos administradores são a mãe e dois irmãos do A., e que a ordem de trabalhos fixada para a referida assembleia geral foi:

«Ponto um Discutir e deliberar aprovar o relatório de gestão, balanço e contas relativos ao exercício de dois mil e dezanove.

Ponto dois – Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados.

Ponto  três – Apreciação geral  da administração e da fiscalização.

Ponto quatro Discutir e deliberar sobre a atribuição de prémios de desempenho da empresa aos administradores BB e CC, referentes ao exercício de dois mil e dezanove.

Ponto cinco Discutir e deliberar sobre a nomeação dos corpos sociais para o novo mandato de dois mil e vinte a dois mil e vinte e três.

Mais alegou,

- relativamente ao ponto um, que os relatórios de gestão e as demonstrações financeiras encontram-se assinadas apenas por dois dos três administradores da R., o que nos termos dos arts. 65.º/3 e 69.º/ do CSC determina a anulabilidade da deliberação social; que no decurso da assembleia geral não foi prestada informação completa e elucidativa a questões colocadas pelo A., o que é causa de anulabilidade da deliberação nos termos do art. 290.º/3 do CSC; e que os documentos de prestação das contas aprovadas dão uma falsa representação da situação económica e financeira da R. por não terem sido elaborados de acordo com o SNC e Norma Contabilística e de Relato Financeiro aplicáveis à valorização das participações financeiras, por falta de suporte para inscrição de valores relativos a gastos com administradores contabilizados como gastos com pessoal sem que exista uma deliberação de atribuição de remuneração aos administradores, o que é causa de anulabilidade da deliberação nos termos do art. 69.º/3 do CSC;

- relativamente ao ponto dois, que a deliberação que sobre ele recaiu é anulável nos termos do art. 58.º/1/a) do CSC por estar dependente da deliberação de aprovação das contas e esta ser inválida; é anulável nos termos do art. 65.º/5/f), 58.º/1 e 69.º/1 do CSC por não ter na sua base proposta fundamentada; e é nula ou anulável por abusiva por violação do princípio da igualdade de tratamento dos acionistas nos termos dos arts. 22.º/1 e 58.º/1/a) ou b) do CSC porque, conjuntamente com a deliberação de atribuição de verba a dois administradores, também acionistas, a título de “prémio de desempenho, a deliberação de afetação de 50% do resultado líquido a reservas livres tem como único propósito privar o autor de um maior recebimento a título de participação nos lucros da R. em prejuízo da R. e dos demais acionistas;

- relativamente ao ponto quatro, que a deliberação é anulável, nos termos dos arts. 22.º/1 e 58.º/1/ a) ou b) do CSC, por constituir uma forma encapotada de conferir maior participação a dois acionistas nos lucros da R. com violação do princípio de igualdade de tratamento dos acionistas; nos termos do art. 58.º/1/a), por violação do art. 399.º/2 do CSC; nos termos do art. 58.º/1/a) e 384.º/6 do CSC, por ter sido votada por quem estava impedido de votar; e, em qualquer caso, por abusiva, nos termos do art. 58.º/1/b) do CSC, por destinada a conferir vantagens especiais – canalização de lucros da ré – para dois acionistas administradores, em prejuízo dos lucros distribuídos ao A., e em prejuízo da R., por desajustada face à evolução dos resultados líquidos e à prática remuneratória em sociedades similares.

A R., regularmente citada, não apresentou contestação, razão pela qual foi proferido despacho a julgar confessados os factos articulados pelo A. na petição inicial.

Cumprido o art. 567.º/2 do CPC, ambas as partes alegaram.

Tendo ainda a R. invocado a falta de citação e requerido a nulidade de todo o processado depois da petição inicial; e ainda, inter alia, que os factos alegados pelo A. não permitem concluir que a deliberação de atribuição de prémios aos administradores da R. teve como propósito atribuir vantagem especiais a estes acionistas em prejuízo da R. e do A. porque na qualidade de administradores têm direito à remuneração pelo desempenho desse cargo e a serem elegíveis para prémios de desempenho, se assim for deliberado pela assembleia geral.

Concluídos os autos – após ter sido julgada improcedente a invocada falta de citação da R. e declarada a instância totalmente regular, estado em que se mantém – foi proferida sentença decidindo nos seguintes termos:

“(…)

julga-se a presente ação parcialmente procedente e em consequência:

. anula-se a deliberação aprovada na assembleia geral da Ré iniciada a 7 julho de 2020, sob o ponto quatro - Discutir e deliberar sobre a atribuição de prémios de desempenho no montante de 190 000,00 aos administradores BB e CC, referentes ao exercício de dois mil e dezanove.

. notifica-se a ré para quanto à deliberação aprovada sob o Ponto um - Discutir e deliberar aprovar o relatório de gestão, balanço e contas relativos ao exercício de dois mil e dezanove, regularizar a falta de assinatura de um dos administradores do relatório de gestão e as demonstrações financeiras e corrigir as demonstrações financeiras quanto ao valor da rubrica participações financeiras-outros métodos, no prazo de 30 dias. (…)”

Inconformada, apresentou a R. recurso de apelação – requerendo que, na sua procedência, seja: a) declarada a nulidade da sentença por consubstanciar uma decisão-surpresa, no que respeita à decisão sobre a invalidade da quarta deliberação da assembleia geral da Ré que iniciou em 07/07/2020, determinando-se que no Tribunal a quo seja dado cumprimento ao disposto no artigo 3.°/3 do CPC para, depois de estabelecido o contraditório, ser decidido em conformidade; b) a ré absolvida do pedido de invalidade, relativamente à quarta deliberação da sua assembleia geral iniciada em 07.07.2020recurso que, por Acórdão da Relação de Lisboa de 08/03/2022, foi julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença no segmento recorrido, que se substituiu por outro, de improcedência do pedido de anulação de deliberação de atribuição de prémios aos administradores BB e CC no valor total de € 190.000,00, e de absolvição da ré desse pedido.

Inconformado agora o A.., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que “julgue procedente o pedido de anulação da deliberação de atribuição de prémios de desempenho aos administradores da Ré/Recorrida BB e CC no valor total de € 190.000.”

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

A. O presente recurso é interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância na parte em que este havia julgado procedente o pedido de anulação da deliberação tomada ao abrigo do ponto 4 da ordem de trabalhos da assembleia geral da Ré iniciada em 7.7.2020 e concluída em 29.7.2020 ( a «Assembleia Geral) que determinou a atribuição de prémios de desempenho no valor total de € 190.000 aos administradores da Ré BB e CC.
B. A decisão recorrida assenta numa leitura dos factos provados nos autos totalmente desligada do contexto da sociedade Ré, dos seus acionistas e administradores e respetivas relações, fazendo uma aplicação errada do Direito aplicável.

C. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, a deliberação referente à atribuição de prémios de desempenho a dois administradores da Ré é inválida a vários títulos.

D. Em primeiro lugar, a deliberação referente à atribuição de prémios de desempenho a dois administradores da Ré é inválida por falta de base legal e estatutária, violando o art. 399.º, n.º 2 do CSC.

E. De acordo com o art. 399.º do CSC, para a atribuição de remuneração aos administradores é necessária deliberação nesse sentido por parte da assembleia geral e sendo deliberada a atribuição de remuneração variável a mesma consiste numa percentagem dos lucros do exercício cujo valor máximo tem de constar dos estatutos.

F. Nos estatutos da Ré não se encontra prevista a possibilidade de atribuição de remuneração variável aos administradores, nem neles se fixa a percentagem dos lucros de cada exercício suscetível de afetação a remuneração variável dos administradores.

G. Inexistindo tal previsão estatutária, a deliberação de atribuição de prémios aos administradores é anulável ao abrigo do disposto no art. 58.º,n.º 1,alínea a) do CSC por violação do disposto no artigo 399.º, n.º 2, do CSC.

H. Em segundo lugar, a deliberação referente à atribuição de prémios de desempenho a dois administradores da Ré não pode deixar de ser considerada abusiva ao abrigo do disposto no art. 58.º,n.º 1, alínea b)do CSC por atribuir, sem qualquer justificação económica, vantagens especiais a determinados acionistas (BB e CC), traduzidas em prémios de desempenho de valor desrazoável como forma de lhes canalizar lucros, em prejuízo da Ré e do Autor/Recorrido.

I. A atribuição dos alegados «prémios de desempenho», somada à remuneração base auferida pelos administradores BB e CC, torna absolutamente desrazoáveis os valores aos mesmos atribuídos.

J. Revelando as contas da Ré/Recorrida um resultado líquido do exercício de 2019 de € 332.640,35, bem se vê a desrazoabilidade da atribuição de um «prémio de desempenho» de valor idêntico ao atribuído por referência aos exercícios de 2016 e 2017, exercícios em que o resultado líquido da Ré/Recorrida foi, respetivamente, de € 958.785,11 e de € 871.457,56.

K. Os prémios de desempenho não têm que ver com a situação económica da sociedade em determinado ano: visam premiar a diligência na gestão e resultados invulgares e só se justificam se a atividade de gestão tiver contribuído para um bom resultado, acima daquele que seria obtido se nada fosse feito, se as receitas e os proveitos fossem os resultantes da inércia.

L. Os autos revelam sucessivos decréscimos nos resultados da Ré nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, sem que tenha sido feita qualquer prova quanto à diligência da gestão levada a cabo pelos administradores premiados.

M. Em terceiro lugar, a deliberação em causa, conjugada com a deliberação que a antecedeu sobre distribuição de lucros, constituiu uma forma encapotada de conferir aos administradores BB e CC acesso a uma maior participação nos lucros da Ré, excluindo de tal participação os demais acionistas da Ré, entre eles o Autor/Recorrente, em violação do princípio de igualdade de tratamento dos acionistas previsto no art. 22.º, n.º 1 do CSC e também em violação do disposto no art. 294.º, n.º 1 do CSC.

N. Os sócios da Ré (que não o Autor/Recorrente) votaram favoravelmente no sentido de que apenas metade do resultado líquido do exercício de 2019 fosse distribuída pelos acionistas e que a outra metade fosse transferida para reservas livres, apesar de a conta de reservas livres da sociedade Ré registar um valor de € 8.959.364,00.

O. Os resultados líquidos do exercício de 2019 correspondiam na íntegra a lucro distribuível, uma vez que o capital social e as reservas legais estavam integralmente realizados, não existindo prejuízos transitados.

P. Os acionistas que aprovaram a aplicação dos resultados limitaram os valores destinados a distribuição pelos acionistas sem que existisse qualquer imposição legal, racionalidade económica ou razões de gestão que justificassem tal limitação.

Q. A deliberada limitação na distribuição de lucros não se repercutiu de modo igualitário entre todos os acionistas, pois aos acionistas BB e CC vieram a ser distribuídos mais € 190.000 ainda que sob o formato de «prémios de desempenho», expediente encontrado para a sociedade Ré “libertar mais dinheiro” a tais sócios em detrimento do Autor/Recorrente.

R. A margem de liberdade na conformação do direito aos lucros resultante do art. 294.ºdoCSCnãopodeserusadapelosaccionistas de uma forma abusiva, sendo que, no caso dos autos, os acionistas que aprovaram articuladamente a deliberação de distribuição de resultados e a deliberação de atribuição de prémios aos administradores fizeram-no de um modo claramente abusivo.

S. Acresce que com a deliberação de atribuição de prémios a administradores os acionistas contrariaram a deliberação anterior na medida em que o resultado líquido a distribuir pelos acionistas deixou de ser metade, passando a ser um valor inferior.

T. Aprovados os prémios de desempenho aos administradores no montante de € 190.000, subsiste para distribuir aos acionistas, a título de dividendos, valor inferior a metade do resultado do exercício, em concreto € 142.640 (€ 332.640 - € 190.000 = € 142.640), sem considerar qualquer valor a título de reservas, de onde resulta que a invalidade da atribuição de prémios inválida por violação do art. 294.º, nº 1 do CSC..

U. Assim, a deliberação de atribuição de prémios de desempenho violou o princípio da igualdade de tratamento dos acionistas quanto à participação nos lucros das sociedades constante dos artigos 22.º, n.º 1 e 294.º, n.º 1 do CSC, o que determina a sua nulidade ao abrigo do disposto no art. 58, n.º 1, alínea a), do CSC.

V. Em quarto lugar, a deliberação referente à atribuição de prémios de desempenho a dois administradores da Ré violou ainda o impedimento de voto previsto no art. 384.º, n.º 6 do CSC.

W. Com efeito, tal deliberação foi aprovada com os votos favoráveis correspondentes às ações na titularidade da Herança de DD e na titularidade dos acionistas EE, BB, CC e FF.

X. Sem os votos correspondentes às ações na titularidade da Herança de DD e às ações na titularidade dos acionistas BB e CC, a deliberação aprovada teria sido rejeitada.

Y. Um acionista que em relação a determinado ponto da ordem de trabalhos de uma reunião da Assembleia Geral se encontrar em situação de conflito de interesses, encontra-se impedido de votar sobre o mesmo, por força do disposto no artigo 384.°, n.º 6, do CSC, segundo o entendimento de que tal preceito contém uma proibição genérica de voto em quaisquer situações de conflito de interesses ainda que não reconduzível às situações especificamente elencadas nas várias alíneas do artigo em causa.

Z. Versando a deliberação referente ao ponto 4 da ordem de trabalhos sobre a atribuição de prémios de desempenho aos administradores/acionistas BB e CC, estavam os mesmos em situação de conflito de interesses e, por isso, impedidos de votar, e estava também impedida de votar a acionista EE enquanto representante da herança de DD, considerando a qualidade de herdeiros dos administradores/acionistas BB e CC.

AA. Tendo sido «aprovada» com os votos de quem estava impedido de votar, a deliberação em questão é anulável ao abrigo nos termos do art. 58.º, n.º 1, alínea a), por violação do art. 384.º, n.º 6, do CSC, ou mesmo inexistente, segundo alguma orientação doutrinal e jurisprudencial.

BB. Por tudo quanto antecede, o Acórdão recorrido ao considerar válida a deliberação de atribuição de prémios de desempenho a administradores da Ré violou o disposto nos artigos 22.º, n.º 1, 58.º, n.º 1, alínea b), 294.º, n. 2, 384.º, n.º 6 e 399.º, n.º 2 todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC). (…)”

A R. respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente as referidas pelo A./recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(...)

1. Discutiu-se na presente ação se a deliberação de atribuição de prémios de desempenho da empresa aos administradores BB e CC, referentes ao exercício de 2019, que teve lugar na assembleia geral da Recorrida, iniciada em 07.07.2020, é válida.

2. A invalidade de tal deliberação foi decidida pelo Tribunal de 1.ª Instância com o argumento de que “analisados os valores do resultado líquido do exercício do ano de 2019 e o valor dos prémios de desempenho atribuídos aos administradores verificamos que o valor dos prémios é superior a 50% dos resultados líquidos do exercício”.

3. Concluiu aquele Tribunal, na sentença, que “forçoso é concluir que aos sócios não vai ser distribuído metade do resultado líquido do exercício, pois o valor dos prémios de desempenho é superior a metade. Apesar de aprovada pela assembleia a distribuição de metade do resultado líquido a mesma não será exequível com a posterior aprovação da proposta de atribuição de prémios de desempenho no valor de 190 000, 00”.

4. Facilmente se depreende da sentença - e deste excerto em particular - que o fundamento chave para a decisão do Tribunal de 1.ª Instância foi o que acima se destacou.

5. A Recorrida recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou procedente a sua Apelação, revogando a decisão recorrida, relativamente à parte em que se havia anulado a deliberação aprovada na assembleia geral da Ré iniciada a 7 julho de 2020, sob o ponto quatro – Discutir e deliberar sobre a atribuição de prémios de desempenho no montante de € 190.000,00 aos administradores BB e CC, referentes ao exercício de 2019.

6. Acresce que, oficiosamente, ampliou a matéria de facto dada como provada (cfr. ponto C) 4. Do acórdão).

7. Não se conformando com o douto acórdão, o Recorrendo interpôs recurso para este Tribunal, pedindo que o acórdão do Tribunal da Relação fosse revogado e julgado procedente o pedido de anulação da deliberação em causa.

8. Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, como bem entendeu o douto acórdão, aliás de forma clara e inquestionável, tendo o seu inter jurídico profuso e bem alicerçado, para o qual se remete.

9. Nas sociedades anónimas, a fixação das remunerações, que podem ser fixas ou variáveis, dos membros dos órgãos sociais pertence à assembleia geral ou a uma comissão de vencimentos, tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade, nos termos do artigo 399.º, n.º 1, do CSC.

10. No caso em apreço, os administradores da Ré recebem uma remuneração fixa, nos termos de deliberação anterior, que ocorreu quando a Ré ainda era uma sociedade comercial por quotas – vide ata, que deliberou a fixação da remuneração, junta pela Ré, bem como certidão junta a fls.

39, que comprova que os atuais administradores já eram gerentes antes da transformação da Ré em sociedade anónima ocorrida em 2016.

11. Acresce que, tal como resulta imperativamente da lei, não pode deixar de ser distribuída aos acionistas metade do lucro do exercício, que nos termos da lei, seja distribuível (cfr. artigo 294.º do CSC).

12. Ora, em cada ano, faz-se a diferença entre proveitos e custos e, sendo positiva, retiram-se os prejuízos transitados, bem como as parcelas destinadas à reserva legal ou outras obrigatórias por Lei ou pelos estatutos, amortizam-se despesas e o resto é lucro distribuível.

13. A atribuição de dividendos não se confunde, assim, com a remuneração fixa ou variável dos administradores, não só pela natureza distinta de cada uma (uma tem a natureza de remuneração como o próprio nome indica e a outra a natureza de lucro), como também pelos destinatários de cada uma (a remuneração é para quem desempenha o cargo de administrador, enquanto que os dividendos são para os acionistas, sendo certo que muitas vezes os administradores são também acionistas da sociedade e nesse caso receberão eventualmente remuneração e dividendos, mas a títulos distintos).

14. Outra coisa distinta, quer da remuneração, quer dos dividendos, é a atribuição de prémios aos administradores pela performance de cada um, sendo a atribuição de prémios pelas empresas uma prática comum, que se acentuou nos últimos anos.

15. Com efeito, na assembleia geral da Recorrida de 2020, deliberou-se a distribuição de dividendos, cumprindo-se as disposições legais acima elencadas, e também a atribuição de prémios aos administradores, sem que tenha havido desrespeito das mesmas normas.

16. E também se cumpriram as disposições estatutárias, nomeadamente os artigos 21.º, 30.º e 32.º, n.º 2, que estipulam, respetivamente, (i) que compete à assembleia geral deliberar sobre remunerações dos membros dos órgãos sociais; (ii) que relativamente à distribuição de resultados, a assembleia deliberará, por maioria simples, sobre a respetiva situação; e (iii) que os membros dos órgãos sociais poderão ser remunerados ou não remunerados, consoante for deliberado em assembleia geral, aquando da sua nomeação.

17. Ao contrário do entendimento seguido pelo Tribunal de 1.ª Instância e defendido pelo Recorrente, com o pagamento dos prémios aos administradores não se pretendeu desrespeitar quaisquer regras societárias, nem se desrespeitou.

18. Com efeito, como já se disse e aqui se reitera, só se deliberou a atribuição de prémios, porque os lucros a pagar aos acionistas estavam assegurados e garantidos e a sociedade tem liquidez suficiente para tal – não se confundido liquidez com resultado líquido, tal como tão bem ressaltou o Tribunal a quo, na sua fundamentação.

19. Ou seja, os prémios atribuídos são não só adequados à complexidade das funções dos titulares dos órgãos sociais em causa, como também são proporcionais à capacidade económica e financeira da empresa.

20. Assim, ao contrário do defendido pelo Tribunal de 1.ª Instância e que o Recorrente insiste em defender, não há razão para concluir que aos sócios não vai ser distribuído metade do resultado líquido do exercício, pois o valor dos prémios de desempenho, ainda que superior a metade, será pago com recurso, evidentemente, à liquidez da Recorrida, que não colide com tal distribuição de resultados.

21. Portanto, não vai deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro que se apurou.

22. A deliberação de atribuição de prémios aos administradores não colide, assim, com qualquer disposição legal ou estatutária e também não é abusiva, pois não inviabiliza o cumprimento da deliberação da distribuição de lucros a todos os sócios.

23. Posto isto, não existiu qualquer violação do artigo 294.º do CSC, uma vez que se trata da atribuição de prémios que não se podem considerar incluídos nas regras previstas no referido preceito legal e, em todo o caso, as regras aí previstas foram respeitadas, como visto.

24. Reitera-se, assim, que inexistiu qualquer violação do artigo 294.º do CSC, uma vez que a deliberação ora em causa respeita à atribuição de prémios que não se podem considerar incluídos nas regras previstas nos preceitos legais enunciados pelo Recorrente e acima analisados.

25. As regras previstas na lei (e nos estatutos) foram respeitadas, como visto.

26. E também, por isso, inexistiu qualquer deliberação suscetível de ser considerada abusiva.

27. Acresce ainda que não se verificou nenhuma situação de impedimento de voto, como defende o Recorrente, pois, como é sabido, nas sociedades anónimas, os casos de impedimento de voto são restritos aos casos previstos no n.º 6, do artigo 384.º do CSC, não havendo lugar a qualquer interpretação extensiva ou analógica, e o caso presente não se subsume a nenhum desses casos.

28. O que importa a total improcedência do recurso do Recorrente e das respetivas conclusões, devendo o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser mantido. (…)”

Obtidos os vistos, cumpra, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

Em que se incorpora a ampliação oficiosa da matéria de facto (pontos 34 e 35) efetuada pela Relação.

E em que se inclui o que o A. alegou no art. 134.º da PI, ou seja, que “os «prémios de desempenho», somados à remuneração base auferida pelos administradores BB e CC, conduzem a valores superiores à prática remuneratória em sociedades similares”

É corrente afirmar-se que o Supremo apenas conhece da matéria de direito e que é da exclusiva competência das Instâncias a fixação dos factos, porém, tal regra comporta as exceções constantes do art. 674.º/3 e 682.º/3 do CPC, sendo pacífico, uma vez que também constitui um erro de direito, que, além de tais exceções, o Supremo pode/deve acrescentar ao elenco dos factos provados aqueles em que exista acordo nos articulados, em que exista declaração confessória com força probatória plena ou em que haja sido junto documento com força probatória plena (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., pág. 454).

Ora, como resulta do relato inicial, a R. não contestou a presente ação e foi proferido despacho a considerar confessados os factos articulados pelo A., o que significa que o alegado no art. 134.º da PI ficou confessado/provado e que, por isso, pode/deve ser incluído, por ter relevo jurídico, no elenco dos factos provados.

Factos provados:

1. A Ré é uma sociedade anónima que tem por objeto social a «importação e exportação de quaisquer produtos e mercadorias bem como a representação de empresas nacionais e estrangeiras, podendo ainda dedicar-se à compra e venda para revenda de imóveis quer urbanos quer rústicos». [certidão de matrícula]

2. O capital social da Ré é no montante de € 500.000, dividido em 100.000 ações tituladas e nominativas, no valor nominal de € 5,00 cada uma. [certidão de matrícula]

3. O Autor é acionista da Ré, sendo titular de 6.000 ações, no valor nominal global de € 30.000, representativas de 6% do capital social da Ré. [certidão de matrícula]

4. EE (adiante "EE") é titular de 1 ação, no valor nominal de € 5, representativa de 0,001% do capital social da Ré. [certidão de matrícula]

5. BB (adiante "BB") é titular de 23.499 ações, no valor nominal global de € 117.495, representativas de 23,499% do capital social da Ré. [certidão de matrícula]

6. CC (adiante "CC") é titular de 15.500 ações, no valor nominal global de € 77.500, representativas de 15,500% do capital social da Ré. [certidão de matrícula]

7. FF (adiante "FF") é titular de 4.000 ações, no valor nominal de € 20.000, representativas de 4% do capital social da Ré. [certidão de matrícula]

8. As restantes 51.000 ações, no valor nominal global de € 255.000, representativas de 51,000% do capital social da Ré fazem parte integrante da herança aberta por DD, remontando a origem de tais ações a uma quota no valor nominal de € 255.000 inscrita, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor do ora Autor, de EE, BB e CC antes da transformação da Ré de sociedade por quotas em sociedade anónima. [certidão de matrícula, menção Dep. 2018/2016-06-07]

AçõesValor Nominal Global% no Capital Sodal
Herança de DD51.000C 255.000,0051,000
EE1€5,000,001
BB23.499€ 117.49523,499
CC15.500€ 77.50015,500
AA6.000€ 30.0006,000
FF4.000€ 20.0004,000
100.000€ 500.000100,000

9. A acionista EE, o Autor e os acionistas BB e CC são os únicos herdeiros do falecido DD, sendo a acionista EE cabeça de casal da herança do referido DD.

10. Os acionistas EE, BB e CC foram administradores da Ré no quadriénio 2016-2019, tendo sido reconduzidos para o quadriénio 2020-2023, por deliberação tomada ao abrigo do ponto 5 da ordem de trabalhos da assembleia geral da Ré iniciada em 7.7.2020 e concluída em 29.7.2020. [ata da assembleia de 19.07.2019 e certidão de matrícula]

11. O acionista FF foi presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré no quadriénio 2016-2019, tendo sido reconduzido para o quadriénio 2020-2023, por deliberação tomada ao abrigo do ponto 5 da ordem de trabalhos da assembleia geral da Ré iniciada em 7.7.2020 e concluída em 29.7.2020.

12. Na assembleia geral da sociedade Ré, iniciada no dia 7 de julho de 2020 e concluída no dia 29 de julho de 2020, que teve lugar na Rua ..., com recurso a meios telemáticos, esteve presente, a solicitação do autor o Notário ...; o Presidente da assembleia geral - FF; a secretária da mesa - GG - cfr. atas juntas a fls. 26/31 e 32/38.

13. A ordem de trabalhos fixada para a assembleia geral foi a seguinte:

«Ponto um - Discutir e deliberar aprovar o relatório de gestão, balanço e contas relativos ao exercício de dois mil e dezanove.

Ponto dois - Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados.

Ponto três - Apreciação geral da administração e da fiscalização.

Ponto quatro - Discutir e deliberar sobre a atribuição de prémios de desempenho da empresa aos administradores BB e CC, referentes ao exercício de dois mil e dezanove.

Ponto cinco - Discutir e deliberar sobre a nomeação dos corpos sociais para o novo mandato de dois mil e vinte a dois mil e vinte e três.».

14. «No dia sete de julho de dois mil e vinte [...] O Presidente da mesa da assembleia geral verificou que se encontravam presentes ou devidamente representados na sala virtual organizada para o efeito os acionistas titulares das cem mil ações representativas da totalidade do capital social da sociedade a saber: EE, cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, representada por HH, sendo a referida EE titular de uma ação e a herança de cinquenta e uma mil ações, BB titular de vinte e três mil quatrocentas e noventa e nove ações, CC titular de quinze mil quinhentas ações, AA titular de seis mil ações e FF titular de quatro mil ações. Encontrava-se ainda presente na mencionada sala virtual, II, em representação da A..., Lda., fiscal único da sociedade e JJ, assessor jurídico do acionista AA

15. «Dada a palavra aos acionistas que pretendessem pronunciar-se sobre o ponto [um] em discussão, tomou a palavra o acionista AA, que disse: dada a forma sintética e pouco esclarecedora, à semelhança de anos anteriores, como foi apresentada a atividade da empresa no relatório de gestão e nesta assembleia, tenho algumas questões que gostava de ver esclarecidas: 1. Ativos fixos tangíveis: estão os ativos fixos tangíveis representados pelo seu valor real? Refiro-me, sobretudo, a dois apartamentos na Rua ... e ... e um conjunto de outros ativos que estão totalmente amortizados, com algum impacto que o valor real destes ativos teria no balanço; 2. Participações financeiras: penso que esta rubrica se refere, sobretudo, a uma participação na empresa E..., a qual detém quarenta e cinco por cento da O..., S.A. e numa sociedade nos ...: estamos a falar apenas destas ou existe mais alguma? O relatório é omisso quanto a isto. Existiu um incremento no valor das participações financeiras de sessenta e quatro mil euros em dois mil e dezanove. A que se refere esse incremento? Ainda sobre as participações financeiras, porque não se refere, no relatório de gestão, a atividade das sociedades atrás citadas, E... e O..., nem se evidencia a situação das mesmas? 3. Clientes: qual o valor da dívida da O...? Existe um valor em conta-corrente de cerca de cento e oitenta e seis mil euros de uma divida de clientes a mais de cento e vinte dias. Refere-se à O...? 4. Caixa e bancos: os valores desta rubrica reportam-se a depósitos à ordem, a prazo no valor aproximadamente dois milhões de euros, e outras aplicações no valor de um milhão de euros. A que tipo de aplicações se refere este último item?» 5. A rentabilidade do ativo da empresa em dois mil e dezanove passou para três por cento. Em dois mil e dezoito foi de sete por cento. Agradecia que comentassem. Porquê? 6. Estado e outros entes públicos: existe um valor de cerca de cento e catorze mil euros de IRS a pagar. Porquê? 7. Outras contas a pagar: cento e setenta e seis mil euros, referem-se a quê? A nota trinta e quatro refere que existem apenas noventa e três mil euros. Deve haver algum engano. A rentabilidade dos capitais próprios passou de oito por cento em dois mil e dezoito para três por cento em dois mil e dezanove. Porquê? O volume da atividade global da empresa recuou cerca de quarenta por cento, se considerarmos apenas o valor de vendas, e trinta e sete por cento, se considerarmos também a prestação de serviços. Qual a razão para a redução do volume de vendas e da prestação de serviços? Margem bruta: passou de dezoito para vinte e dois por cento. Contudo, em termos de valor absoluto, isso correspondeu a uma redução de seiscentos e vinte e nove mil euros. A margem EBITDA passou de sete e meio por cento em dois mil e dezoito para cinco por cento em dois mil e dezanove. Em termos de valor reduziu-se seiscentos e quarenta e três mil euros, o que corresponde a uma redução de cerca de sessenta por cento do valor. Fornecimentos e serviços de terceiros: tem uma ligeira diminuição em dois mil e dezanove, de cerca de cinquenta mil euros. Qual a razão para esta redução? A que se refere o valor dos serviços especializados de setenta e cinco mil euros? Dos valores de deslocações e estadas, transportes e outros custos, quais os valores que correspondem a despesas diretamente feitas pelos administradores presentes? Custos com o pessoal: existe um aumento de cerca de cinquenta mil euros, para o valor atual de oitocentos e trinta e seis mil euros, sendo os custos da administração responsáveis por este aumento. Os custos com os ordenados dos dois administradores presentes, de aproximadamente de cento e setenta e cinco mil euros cada um, mais os prémios atribuídos no ano anterior, de cerca de cento e vinte mil a cada um, representam a maioria dos custos da administração. Os custos com a administração representam cerca de setenta e três por cento dos custos com pessoal e cerca de trinta e nove por cento dos custos operacionais da empresa. Gostava que comentassem se acham estes valores razoáveis. Ganhos em investimentos não financeiros referem-se a? resultados financeiros, de nota vinte, juros de sete mil euros e dividendos de três mil euros. Se utilizarmos o valor de aproximadamente nove milhões e trezentos mil euros existente em caixa e bancos no final do ano, estamos a falar de uma rentabilidade de dez pontos-base ou zero ponto um por cento. Como foi conseguida esta rentabilidade?»

16. «Tomou a palavra o vogal do conselho de administração CC, que disse: «os ativos estão valorizados pelo valor de aquisição e são dois andares e dois lugares de garagem. Não estão totalmente amortizados, pelo menos os andares. De qualquer modo esta questão tinha merecido resposta no ano passado. As participações financeiras referem-se à E..., que é uma participação na O..., e a uma participação na Q..., Lda. Os valores são, em números redondos, quinhentos mil euros na primeira e cerca de cento e trinta mil euros nesta última. Não existem mais participações noutra sociedades.

Confirmamos o incremento de sessenta mil euros, entrados na O... a título de suprimentos. Tratava-se de um défice de tesouraria da O... que ocorreu devido a um atraso de pagamento por parte de um cliente. Esta situação está regularizada atualmente. Não vimos, tal como no ano anterior, necessidade de fazer referência à atividade das participadas. Em qualquer caso, relativamente às participações, esta informação tinha sido transmitida no ano passado. A participação na Quinta ... tem vários anos, sendo basicamente anterior à participação que a Pecoris tem na O..., e também nunca fizemos referência a ela no relatório de gestão da Pecoris. O valor da dívida da O... é de cento e dez mil euros, sendo o valor referente aos cento e oitenta e seis mil euros relativo aa um outro cliente, L..., estando atualmente regularizado. Este valor, apesar de em atraso, estava coberto por um seguro de crédito. Quanto ao ponto quatro, os valores em causa referem-se a aplicações em obrigações, fundos e depósitos qua estão a ser geridos por um banco, sendo o perfil da carteira bastante conservador, de acordo com as instruções dadas pela administração. Em resposta à questão cinco, o administrador BB disse: "as empresas de seguros de crédito reduziram bastante a sua exposição, pelo que a Precoris foi forçada a assumir maior risco. No sentido de minorar esse risco, tivemos de deixar de vender a alguns clientes não no mercado nacional como também no mercado externo. Neste ponto está referida a redução de vendas a alguns dos nossos maiores clientes. Para além disso, a situação económica de ... também teve um impacto negativo nas nossas vendas de representadas. Passando à questão seis, retomou a palavra CC, que referiu: este ponto é referente aos prémios da gerência que foram pagos em dezembro de dois mil e dezanove. Este valor foi pago no devido tempo à Autoridade Tributária e Aduaneira. Aparece evidenciado em conta- corrente mas foi regularizado. Dos cento e setenta e seis mil euros de contas a pagar, cerca de noventa e três mil euros referem-se a pagamentos a vários credores, prestadores de serviços como empresas de consultadoria, etc. os restantes oitenta e dois mil euros são uma provisão que se faz para o pagamento dos subsídios de férias no ano seguinte. Quanto à rentabilidade dos capitais próprios, à diminuição do volume de vendas e prestação de serviços e à redução da margem bruta, o administrador BB disse que havia sido dada explicação no ponto cinco. No tocante aos fornecimentos e serviços de terceiros, os administradores esclareceram que a redução estava relacionada com a diminuição do volume de negócios. Não foi possível aos administradores apurar a origem do valor dos serviços especializados, tendo ficado combinando que o enviariam posteriormente ao acionista requerente por correio elctrónico. Quanto às deslocações e estadas, a administração disse não ser possível discriminar os valores, uma vez que não dispunham dessa informação em separado, não tendo nada a comentar quanto às questões formuladas relativamente à rubrica dos custos com pessoal. Nos ganhos e investimentos não financeiros os valores referem-se a rendas, nomeadamente do andar ..., estando a diminuição do valor relacionada com o atraso no pagamento das rendas, entretanto regularizado. A rentabilidade reduzida evidenciada na nota vinte estava relacionada com o perfil conservador da sociedade na gestão dos ativos, anteriormente referido

17. «Em face dos esclarecimentos, o acionista AA entendeu dizer o seguinte: qual o valor dos ativos que estão cem por cento amortizados e que não são ativos imobiliários? Qual o valor real dos ativos imobiliários? Trata-se de dois apartamentos de cerca de duzentos e cinquenta metros quadrados na Rua ... e ... cujo valor de balanço é de cerca de duzentos e vinte mil euros, calculo que estaremos a falar de um ajustamento de pelo menos dois milhões de euros. Segundo informações que retirei, a O... apresentou, em dois mil e dezoito, resultados operacionais negativos em sessenta mil euros, capitais próprios de quinhentos mil euros e uma dívida a bancos de aproximadamente seiscentos mil euros. Perante estes números, não consideram que era importante dar estas informações à assembleia, que estaremos a falar de uma diminuição do valor da participação da Pecoris na O... de aproximadamente duzentos e trinta mil euros, no mínimo? Os principais negócios da empresa são o trading e as representações. O Trading, tanto quanto é do meu conhecimento, é feito, sobretudo, com empresas europeias. O mercado deste tipo de produtos, segundo informações que recolhi, cresceu em dois mil e dezanove. Não compreendo a resposta da administração quando diz que existe mais risco em empresas europeias em dois mil e dezanove e que, como tal, tiveram de reduzir a sua exposição a esse risco. Gostava que me explicassem. Compreendo a diminuição do negócio em ..., pelas razões óbvias, mas estamos a falar de cento e poucos mil euros. A redução que existiu no valor dos fornecimentos e serviços de terceiros não faz sentido. Estas despesas estão diretamente relacionadas com a atividade da empresa. Se a atividade da empresa reduziu em quarenta por cento, não faz sentido esta rubrica descer apenas dez por cento. Gostava que me explicassem.

18. Em resposta, os administradores presentes disseram: os ativos não imobilizados estão totalmente amortizados, mas não dispomos desses valores aqui. Quanto aos ativos imobilizados, conforme foi referido pelo fiscal único no na anterior, a administração não é obrigada a reavaliá-los, estando os mesmos contabilizados pelo seu custo de aquisição. Não confirmamos os valores referidos quanto à O..., não temos esse valor no relatório nem consideramos relevante quer a sua menção no mesmo quer a sua discussão nesta sede. Desconhecemos o que se pretende significar com trading, nomeadamente se estamos a falar de intermediários ou se se quer referir outras aceções da expressão. A administração não tem esses dados e gostaria até que os mesmos lhe fossem disponibilizados de modo a poder analisá-los. A prestação de serviços em ... caiu mais de cem mil euros, porém foi, felizmente, compensada com um aumento de vendas, em particular em Portugal e em .... Finalmente, não tem de haver uma relação direta entre as vendas e o fornecimento de serviços, sendo que, no caso da Pecoris, fornecimentos de serviços, designadamente de transporte de produtos das nossas representadas, que não estão refletidos nas vendas.

19. Finda a discussão, o presidente da mesa da assembleia geral transmitiu a proposta formulada pelos dois membros presentes do conselho de administração, que ia no sentido de serem aprovados o relatório de relatório de gestão e as contas relativas ao exercício de dois mil e dezanove.

20. Colocada à votação, foi o ponto um da ordem de trabalhos aprovado por maioria, com seis mil votos contra do acionista AA e novena e quatro mil votos a favor dos demais [...].

21. No tocante ao ponto dois da ordem de trabalhos, o presidente da mesa da assembleia geral relembrou a proposta de aplicação dos resultados formulada pelo conselho de administração no relatório de gestão qua ia no sentido de o resultado líquido do exercício, no valor de trezentos e trinta e dois mil e seiscentos e quarenta euros e trinta e cinco cêntimos ter a seguinte aplicação:

a) cento e sessenta e seis mil trezentos e vinte euros e dezoito cêntimos serem distribuídos pelos acionistas, a título de dividendos, na respetiva proporção da participação social; e

b) cento e sessenta e seis mil trezentos e vinte euros e dezassete cêntimos serem transferidos para a conta de reservas livres.

Em alternativa, o acionista AA propôs o seguinte: [...] Gostaria de referir qua a empresa tem excesso de capital e excesso de liquidez, os quais não se encontram a ser eficazmente utilizados ou têm sido aplicados em despesas com a administração e em investimentos, como por exemplo a O..., que não tiveram resultados positivos. Os administradores presentes foram aumentados em quatrocentos por cento em dois mil e quinze e a empresa não tem apresentado melhores resultados, antes pelo contrário. Os resultados da empresa diminuíram oitenta por cento desde o referido aumento, pelo que proponho que seja distribuída a totalidade dos resultados pelos acionistas.

22. Foi colocada à votação a proposta de aplicação de resultados formulada pelo conselho de administração no relatório de gestão, a qual foi aprovada por maioria, com seis mil votos contra do acionista AA e novena e quatro mil votos a favor dos demais. Face a esta votação, o presidente da mesa considerou prejudicada a votação da segunda proposta, apresentada pelo acionista vencido. Dado o adiantado da hora e consultados os presentes quanto às respetivas disponibilidades, o presidente da mesa suspendeu os trabalhos, devendo os mesmos continuar no dia vinte e nove de julho, às quinze horas.

23. No dia 29 de julho de dois mil e vinte [...] O Presidente da mesa da assembleia geral verificou que se encontravam presentes ou devidamente representados na sala virtual organizada para o efeito os acionistas titulares das cem mil ações representativas da totalidade do capital social da sociedade a saber: EE, cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, representada por HH, sendo a referida EE titular de uma ação e a herança de cinquenta e uma mil ações, BB titular de vinte e três mil quatrocentas e noventa e nove ações, CC titular de quinze mil quinhentas ações, AA titular de seis mil ações e FF titular de quatro mil ações. Encontrava-se ainda presente na mencionada sala virtual, KK, assessor jurídico do acionista AA. [...]

24. Passando ao ponto quatro da ordem de trabalhos, o presidente da mesa da assembleia geral leu a proposta formulada pelo conselho de administração que ia no sentido de serem atribuídos prémios de desempenho da empresa aos administradores BB e CC, referentes ao exercício de dois mil e dezanove, no montante total de cento e noventa mil euros, ou seja, que fosse atribuído um prémio de desempenho da empresa de noventa e cinco mil euros ao administrador BB e um prémio de desempenho da empresa de noventa e cinco mil euros ao administrador CC. -

Dada a palavra aos acionistas, entendeu dela usar o acionista AA, que disse: "sobre os prémios aos senhores administradores executivos, CC e BB, considero que estes foram fortemente aumentados em dois mil e quinze (quatrocentos por cento), passando a deter um ordenado anual de aproximadamente cento e setenta e cinco mil euros cada um e tal não se refletiu na performance da empresa. Desde o referido aumento dos ordenados dos administradores executivos, a rentabilidade e a evolução da empresa têm regredido ao longo dos anos, tendo mesmo sofrido uma evolução francamente negativa em dois mil e dezanove, como os resultados o demonstram. Nos últimos três anos, os resultados líquidos da empresa e os prémios atribuídos e a atribuir aos administradores executivos presentes foram os seguintes:

- dois mil e dezassete: resultado líquido - oitocentos e setenta mil euros/prémios - cento e noventa mil euros;

- dois mil e dezoito: resultado líquido - oitocentos e trinta e cinco mil euros/prémios - duzentos e quarenta mil euros;

- dois mil e dezanove: resultado líquido - trezentos e trinta e dois mil euros/prémios - cento e noventa mil euros; Ou seja, o que se verifica é que, à medida que os resultados da empresa têm diminuído, o peso dos prémios dos administradores executivos tem subido, o que é contrário a todas as regras de uma boa gestão.

[...], foi colocada à votação a proposta de atribuição de prémios no âmbito do ponto quarto, a qual foi aprovada por maioria, com os votos contra do acionista AA e os votos a favor dos demais acionistas

25. Ao abrigo do ponto um da ordem de trabalhos, foram apresentados o relatório de gestão, as demonstrações financeiras e o parecer do fiscal único referentes ao exercício de 2019 juntos a fls. 47/59.

26. O relatório de gestão e as demonstrações financeiras encontram-se assinados pelos Administradores BB e CC, não se mostram assinados pela Administradora EE - cfr. Relatório de gestão a fls. 43/46v/ e as demonstrações financeiras a fls. 47/57.

27. Da nota 9 das Demonstrações Financeiras, rubrica «participações financeiras-outros métodos», consta o valor de € 790.769 no exercício de 2019 e € 726.025 no exercício de 2018. [fls. 49 dos autos, que corresponde a fls. 5 das Demonstrações Financeiras do exercício de 2019].

28. De acordo com o relatório corporativo e financeiro, quanto aos exercícios de 2015 a 2018, a sociedade O... tem apresentado os seguintes resultados: a) Em 2015, € - 5.864,72; b) Em 2016, € -65.188,52; c) Em 2017, € 10.365,08; e d) Em 2018, € - 173.748,35 - cfr. fls. 59v/ a 158.

29. E, por referência a 31 de dezembro de 2018, o valor do capital próprio da O... era de € 512.549,04.

30. Dos Estatutos da ré juntos a fls. 160/166, consta do artigo 21.° que à assembleia geral compete

b) deliberar sobre as remunerações dos membros dos órgãos sociais.

31. Quanto à distribuição de resultados no artigo 30.° prevê que a assembleia geral deliberará, por maioria simples, soberanamente sobre a situação dos resultados da sociedade, em cada exercício social.

32. O artigo 32.°, n.° 2, do contrato os membros dos órgãos sociais poderão ser remunerados ou não remunerados, consoante foi deliberado na Assembleia geral da sua nomeação, tendo-se em conta a especialidade do regime de remuneração dos revisores oficiais de contas.

33. O autor comprovou nos autos o registo da ação - ref.: ...52, de 22.09.2020.

34. Do balanço da ré/recorrente em 31.12.2019 e em 31.12.2018 consta, entre outra, a seguinte informação:

- total de ativo corrente - € 10.485.483,00 (em 2019) e €10.773.566,00 (em 2018), do qual € 991.316,00 e € 1.985.93,00 correspondem a saldos de conta clientes (em 2019 e em 2018 respetivamente), e €9.324.623,00 e €8.766.920,00 a saldos da conta caixa e depósitos bancários (em 2019 e em 2018, respetivamente);

- reservas legais no montante de € 456.199,00 (em 2019 e em 2018); - outras reservas - € 8.959.364 (2019) e €8.541.739 (2018);

- capitais próprios - € 10.248.204 (2019), e €10.333,190 (2018);

- financiamentos obtidos e financiamentos não correntes (Passivo) - €00,00; - passivos correntes - €1.254.476 (2019) e €1.401.586 (2018).

35. Das demonstrações dos resultados por naturezas referentes aos períodos findos em 31.12.2019 e em 31.12.2018 consta, entre outra, a seguinte informação:

- vendas de mercadorias - € 7.777.784 (2019) e € 12.852.086 (2018); - prestação serviços - € 1.232.996 (2019) e €1.447.335 (2018);

- gastos com o pessoal (remunerações, encargos, seguros) - €836.348,00 (em 2019, do qual € 611.693,00 referente aos órgãos sociais e € 106.025,00 ao pessoal) e €781.141 (em 2018, do qual € 561.962,00 referente aos órgãos sociais, e € 101.099,00 ao pessoal)

- resultados antes de depreciações, gastos de financiamentos e impostos – € 435.755,00 (2019) e € 1.078.504 (2018);

- resultado antes de impostos - € 436.352,00 (2019) e €1.082.393,00 (2018); - resultado líquido - €332.640,00 (2019) e €835.253,00 (2018).

36. Os «prémios de desempenho», somados à remuneração base auferida pelos administradores BB e CC, conduzem a valores superiores à prática remuneratória em sociedades similares.

*

III – Fundamentação de Direito

Das várias deliberações sociais (tomadas na assembleia geral da R. iniciada em 07/07/2020 e concluída em 20/07/2020) impugnadas nos presentes autos, apenas “sobra” para a presente revista a deliberação social respeitante ao ponto 4 da ordem de trabalhos, mais exatamente, a deliberação que atribui prémios de desempenho, referentes ao exercício de 2019, aos administradores BB e CC no montante de 95.000,00 a cada um dois referidos administradores (a impugnação respeitante a outras deliberações tomadas em tal AG havia sido julgada improcedente na 1.ª Instância e o ali decidido já não foi sequer alvo de apelação).

Temos pois, como resulta do que se acaba de referir, que o objeto da revista – a deliberação social que se impugna e que se pretende ver anulada – tem como tema a “remuneração dos administradores”, assunto relevante para a governação societária e que nas últimas duas décadas tem ganho dimensão crescente na literatura jurídica[1], em razão dos conflitos de interesses (decorrentes da separação entre a propriedade e o controlo das sociedades anónimas) que podem ocorrer entre acionistas e administradores, ou seja, entre os detentores do controlo, mas não da propriedade das instituições societárias, e os proprietários, mas sem um papel na gestão ativa.

E a remuneração dos administradores – o estabelecimento de níveis de remuneração adequados – das sociedades anónimas constitui, fora de qualquer dúvida, um instrumento para a boa governação das sociedades, pelo que sempre se procurou atribuir incentivos que estivessem alinhados com o desempenho ótimo da empresa, o que acabou por conduzir (como a crise financeira de 2007/08 o veio a revelar) a remunerações de administradores executivos manifestamente elevadas[2], premiando de forma desmensurada o desempenho, não raras vezes sem o prévio estabelecimento dos critérios subjacentes à política de remunerações.

Como reação a tal situação, a estipulação de objetivos a alcançar e o seu conhecimento por parte dos administradores executivos passou a ser considerado fulcral para que possa existir uma mensuração do desempenho e para aferir se uma correspondente remuneração é adequada, ou seja, para perceber de que forma o desempenho dos administradores contribuiu para o sucesso da estratégia empresarial e de que forma esse desempenho se reflete nas suas remunerações.

E, em consequência, reconhecendo-se a ineficácia e insuficiência das disposições legislativas e recomendatórias então vigentes para tornar as remunerações mais criteriosas, surgiram um pouco por todo o lado iniciativas legislativas e regulamentares a propósito da remuneração dos administradores e da sua ligação com o desempenho.

Entre nós, surgiram, em 1999, as primeiras recomendações da CMVM, a que se seguiu Código de Governo das Sociedades da CMVM, o Regulamento da CMVM nº 4/2013, o Código de Governo das Sociedades do IPCG e, mais recentemente, com entrada em vigor em 01/01/2018, assistiu-se à elaboração de um novo código, da autoria do IPCG, que procurou convergir o entendimento deste Instituto com o da CMVM em termos de governo societário; e, ainda em Portugal, surgiu a Lei 28/2009, de 19 de junho, entretanto substituída pela Lei 50/2020, de 25 de Agosto, e pelo que consta dos artigos 26º-A a 26º-G do CVM (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 99-A/2021, de 31-12), que transpõem, em matéria de remuneração, a Diretiva (UE) n.º 2017/828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, relativa a direitos dos acionistas de sociedades cotadas.

E se é verdade que nada disto (as disposições recomendatórias e legislativas acabadas de referir) é diretamente aplicável à sociedade aqui R., que é uma pequena sociedade anónima (resultante da transformação, em 2016, da sociedade por quotas existente e constituída com o número mínimo de 5 sócios/acionistas) sem a qualidade de sociedade aberta, o certo é que os contributos e o caminho que vem sendo percorrido, em matéria de remuneração de administradores, a propósito das sociedades abertas e cotadas, não deve ser totalmente ignorado, ou seja, não deve desprezar-se o que foi sendo e está elaborado sobre o que é e como deve concretizar-se a remuneração em função do desempenho.

Porque no fundo – quer quanto às grandes sociedades cotadas quer quanto às pequenas sociedades anónimas – se colocam (ou podem colocar) idênticos conflitos de interesses entre administradores e acionistas, conflitos de interesses decorrentes tanto da proximidade entre os administradores e quem decide o valor das remunerações, como da influência do grupo de acionistas (maioritário ou não) de controlo, enfim, hipóteses em que se pode mostrar necessário proteger as minorias.

É certo que as pequenas sociedades anónimas, como é o caso da R., não têm que aprovar uma política de remuneração dos administradores (a comissão de remunerações ou, caso esta não tenha sido designada, o conselho de administração não têm que submeter uma proposta de política de remuneração à aprovação da AG) e, por conseguinte, numa pequena sociedade anónima, como é o caso da R., não tem que haver uma política de remunerações dos administradores que seja “clara e compreensível e que contribua para a estratégia empresarial da sociedade, para os seus interesses de longo prazo e para a sua sustentabilidade”; não tem que haver uma política de remunerações que “descreva as diferentes componentes da remuneração fixa e variável”, não têm que ser “explicitados todos os bónus e outros benefícios, independentemente da sua forma, que podem ser atribuídos aos membros dos órgãos de administração e fiscalização, e indicada a respetiva proporção” e, caso seja prevista a atribuição de remuneração variável a administradores, não têm que estar identificados “os critérios para a atribuição da remuneração variável, incluindo os critérios financeiros e não financeiros”, nem explicada “ a forma como esses critérios contribuem para a estratégia empresarial da sociedade, para os seus interesses de longo prazo e para a sua sustentabilidade e os métodos a aplicar para determinar em que medida os critérios de desempenho foram cumpridos”.

Mas, embora a uma pequena sociedade anónima como a R., com estrutura “clássica”/“monista”/“latina”, seja tão só aplicável o que sobre a remuneração se dispõe no art. 399.º do CSC – e não também quer o que se dispunha na Lei n.° 28/2009, de 19 de Junho, e agora se dispõe nos artigos 26º-A a 26º-G do CVM (preceitos de que fazem parte as transcrições acabadas de fazer), quer o que se dispunha e dispõe no plano infra-legislativo e em termos recomendatórios – tal não significa que a remuneração dos administradores possa/deva ser fixada a “belo prazer” da maioria de controlo, sem qualquer tipo de “fundamentação” ou possibilidade de controlo.

Vejamos, então:

Dispõe-se no n.º 1 do art. 399.º do CSC, sob a epígrafe “remuneração”, que compete à AG de acionistas ou a uma comissão por aquela nomeada fixar as remunerações de cada um dos administradores, tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade; acrescentando-se no n.º 2 que a remuneração pode ser certa ou consistir parcialmente numa percentagem dos lucros de exercício, mas a percentagem máxima destinada aos administradores deve ser autorizada por cláusula do contrato de sociedade; e advertindo-se, no n.º 3, que aquela percentagem não pode incidir sobre distribuições de reservas nem sobre qualquer parte do lucro do exercício que não pudesse, por lei, ser distribuída aos acionistas.

O que significa que o art. 399.º do CSC não define o conceito de remuneração dos administradores, aludindo apenas às componentes que dela fazem parte, determinando que a remuneração dos administradores executivos pode ser constituída por uma componente fixa e por uma componente variável, sendo que esta última se encontra intrinsecamente ligada ao desempenho/performance, isto é, determina-se que a componente variável deverá atuar como um incentivo à prossecução dos melhores resultados para a empresa (tendo naturalmente presente uma lógica de sustentabilidade e desenvolvimento da empresa a longo prazo).

Sendo então de colocar a questão de saber se, como remuneração dos administradores, são apenas admissíveis as duas possibilidades referidas em tal n.º 2 – ser certa/fixa ou consistir parcialmente nos lucros de exercício – questão sobre a qual é relativamente pacífica a interpretação de não ficarem, pelo art. 399.º do CSC, afastadas outras possibilidades remuneratórias.

Como refere Soveral Martins[3], “o preceito não estabelece que a remuneração só pode ter lugar através daquelas duas modalidades. O que a lei pretende é permitir a remuneração através de uma participação nos lucros de exercício, exigindo ao mesmo tempo uma cláusula do contrato de sociedade a estabelecer a percentagem máxima destinada aos administradores”.

Vem assim sendo entendido que são enquadráveis no conceito de remuneração, desde que esteja em causa uma contrapartida devida aos administradores pelas funções por si desempenhadas, toda uma variedade de prestações, ou seja, vem-se entendendo que a remuneração variável pode consistir (para além da participação nos lucros de exercício distribuíveis) em opções de subscrição ou aquisição de ações, em prémios anuais, em pensões de reforma e complementos de reforma ou até em bens ou serviços; e mesmo a parte certa da remuneração, apesar de ter por objeto, no essencial, uma quantia monetária – à qual corresponde o salário base – também se entende que poderá englobar componentes não monetárias, como por exemplo a utilização, para fins privados, de viatura automóvel da sociedade ou seguros de saúde.

Como refere Paulo Câmara[4], “podemos afirmar que o conceito de remuneração a considerar para efeitos da delimitação da competência deliberativa societária envolve qualquer vantagem individualizável de natureza patrimonial atribuída ao administrador pela sociedade, ainda que em momento diferido ou de natureza condicional, e por esta suportada, direta ou indiretamente”.

Enfim, aceite a ideia de que a mera atribuição duma retribuição fixa não constitui o melhor contributo para conferir incentivo, motivação e esforço para a obtenção de bons resultados para a sociedade, entende-se, apesar do art. 399.º/1 do CSC legitimar a atribuição de remuneração fixa em exclusivo, que tal não será o mais recomendável para a remuneração dos administradores executivos e interpreta-se o art. 399.º como permitindo outras possibilidades de remuneração variável (como instrumento/estímulo ao bom governo societário).

É justamente por isto – para o que ora aqui interessa, em que está em causa deliberação que aprovou “proposta formulada pelo conselho de administração no sentido de serem atribuídos prémios de desempenho empresa de noventa e cinco mil euros ao administrador BB e ao administrador CC” – que os bónus ou prémios anuais passaram a ter uma expressão assinalável na política remuneratória das sociedades anónimas, bónus ou prémios anuais que se traduzem numa quantia pecuniária, devendo naturalmente ser atribuídos em função do papel/desempenho dos administradores no alcançar dos objetivos (de faturação, de quota de mercado, de lucro de exercício, etc.) que hajam (de preferência) previamente sido fixados pela sociedade (e reportando-se tais bónus/prémios, por norma, a cada exercício social).

E centramo-nos nesta componente remuneratória dos administradores por, fora de qualquer dúvida, os 95.000,00 atribuídos aos administradores BB e CC configurarem um bónus/prémio anual, pelo que, em face do que se referiu sobre a interpretação que vem sendo feita, a sua atribuição não viola, ao contrário do pretendido pelo A./recorrente, o art. 399.º/2 do CSC.

Como já referimos, o art. 399.º/2 do CSC permite que a remuneração dos administradores seja inteiramente certa ou composta por uma parte certa e uma parte variável, porém (sem prejuízo de parecer afastar a possibilidade de a remuneração dos administradores ser totalmente variável), não impõe o art. 399.º do CSC que a remuneração variável tenha necessariamente que consistir numa participação nos lucros de exercício, pelo que a circunstância do contrato de sociedade não prever a possibilidade de poder ser atribuída tal remuneração variável (e, em consequência, não estabelecer a percentagem máxima que autoriza como destinada aos administradores) não constitui impedimento a que outras componentes varáveis da remuneração possam ser fixadas e atribuídas, como é/foi o caso.

Em síntese, os 95.000,00 atribuídos a cada um dos dois administradores não são uma participação/percentagem nos lucros de exercício (mas sim um bónus ou prémio anual) e não exigiam, para poderem ser validamente atribuídos, que houvesse uma cláusula do contrato de sociedade a autorizá-los; ou seja, ao contrário do que o A./recorrente sustenta nas conclusões D) a G), a percentagem/participação nos lucros de exercício não é a única remuneração variável admissível pelo art. 399.º/2 do CSC e só para esta (para a percentagem/participação nos lucros de exercício) é exigível a sua previsão estatutária (ou, mais exatamente, que o contrato de sociedade fixe a percentagem destinada aos administradores), pelo que a deliberação sob impugnação (de atribuição de prémios a dois administradores) não é inválida por violação do disposto no artigo 399.º/2 do CSC.

Assim como também não padece de qualquer invalidade, ao contrário do que também o A/recorrente defende nas conclusões M) a U), por violação dos artigos 294.º/1 e 22.º/1 do CSC.

Quanto ao art. 294.º/1 do CSC, o raciocínio que conduz à sua pretensa violação decorre duma manifesta confusão, ou seja, de se haver entendido[5] que os € 190.000 deliberados/atribuídos, como bónus/prémios, aos administradores serão subtraídos/retirados aos resultados do exercício de 2019 e destes resultados de exercício, em consequência, passarem a ser de apenas 142.640,35 (332.640,35 – 190.000), raciocínio a partir do qual se passou a dizer que a sociedade irá ficar sem meios para distribuir, como foi aprovado e é imposto pelo art. 294.º/1 do CSC (“salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de 3/4 dos votos”), a metade do lucro de exercício no montante de € 166.320,18 (uma vez que só ficariam € 142.640,35), pelo que se concluiu, em linha com tal incorreto raciocínio, que, sendo assim, a deliberação de atribuição dos € 190.000 de bónus/prémios fere/viola o disposto no art. 294.º/1 do CSC.

Nada disto faz, com todo o respeito, o menor sentido: os € 190.000 deliberados/atribuídos em 29/07/2020, como bónus/prémios de 2019 aos administradores, vão ser um custo do exercício de 2020 (assim como os € 240.000 atribuídos/deliberados no ano anterior e respeitantes ao bónus/prémios do ano de 2018 terão sido um custo do exercício, sob escrutínio, de 2019[6]) e não se vão subtrair aos resultados de exercício de 2019 (que, aliás, já foram aprovados e serão sempre de 332.640,35).

Pelo que é até bastante irrelevante o que se observa (a favor da não violação do art. 294.º/1 do CSC) no acórdão recorrido sobre a R. possuir liquidez mais do que suficiente (tinha, no fecho do exercício, um saldo de € 9.324.623,00 nas contas de caixa e de depósitos bancários) para pagar tais € 190.000, uma vez que, ainda que não tivesse qualquer liquidez, nem a distribuição dos lucros de exercício, nem a atribuição de bónus/prémios aos administradores, padeceriam por tal estrita razão (por a R. não possuir liquidez) e sem mais de qualquer invalidade[7].

Quanto ao art. 22º do CSC, por não ser divisável, da mera atribuição de bónus/prémios aos administradores, qualquer violação do princípio da igualdade de tratamento dos sócios previsto em tal art. 22.º do CSC (e cuja violação geraria, de acordo com o art. 58.º/1/a) do CSC, a anulabilidade do deliberado).

Efetivamente, uma coisa é o direito dos administradores à remuneração (fixa ou variável, como já vimos) e outra, diversa, o direito social à participação nos lucros do exercício, direitos que emergem de relações jurídicas distintas, dando-se o caso, como já se referiu, de o direito dos acionistas da R. quinhoarem na proporção da respetiva participação social (cfr. 22.º/1 do CSC) foi respeitado, assim como foi respeitada a distribuição de metade do lucro de exercício (cfr art. 294º/1 do CSC); e a circunstância dos administradores da R. serem também seus acionistas não altera/amalgama a natureza jurídica e o conteúdo de cada uma das relações que se estabelecem entre eles e a sociedade a ponto de se poder considerar que remunerações desmesuradas e excessivas violam o princípio de igualdade de tratamento dos sócios (o serem desmesuradas e excessivas relevará em termos e para efeitos do deliberado ser “abusivo” e de, por isso, violar, não o princípio da igualdade, mas sim o princípio da lealdade).

Também não se verificando na deliberação em causa, ao invés do que o A/recorrente argumenta nas conclusões V) a AA), qualquer impedimento de voto que torne nulos (justamente por não respeitarem tal impedimento de voto) alguns dos votos emitidos, o que, em função de tal nulidade e da indevida contagem de tais votos nulos, levaria a que não se houvesse conseguido a maioria necessária para, sem tais votos nulos indevidamente contados, aprovar a deliberação sobre a atribuição de bónus/prémios aos administradores BB e CC (o que a acontecer consubstanciaria vício de procedimento-58.º/1/a) do CSC, na medida em que havia sido proclamado um resultado positivo, de aprovação da proposta de atribuição de bónus/prémios aos administradores, que afinal não havia sido obtido).

Prevê-se, é certo, no art. 384.º/6 do CSC que:

Um acionista não pode votar, nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando a lei expressamente o proíba e ainda quando a deliberação incida sobre:

a) Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do acionista, quer nessa qualidade quer na de membro de órgão de administração ou de fiscalização;

b) Litígio sobre pretensão da sociedade contra o acionista ou deste contra aquela, quer antes quer depois do recurso a tribunal;//

c) Destituição, por justa causa, do seu cargo de titular de órgão social;

d) Qualquer relação, estabelecido ou a estabelecer, entre a sociedade e o acionista, estranha ao contrato de sociedade.

São, como é sabido, situações de conflito de interesse entre o acionista e a sociedade que justificam as limitações ou inibições do direito de voto constantes de tal art. 384.º/6 do CSC, sucedendo, porém – não existindo (para as sociedades anónimas) uma disposição de caráter geral baseada no conflito de interesses – que apenas as situações de conflito de interesses descritas em tais alíneas geram limitações ou inibições de voto (nas sociedades anónimas), acontecendo que a hipótese dos autos não é enquadrável em nenhuma das situações constantes das alíneas transcritas, as quais, até pelo confronto com a redação do art. 251.º/1 do CSC (que, a propósito do impedimento de voto nas sociedades por quotas, contém uma regra geral sobre o conflito de interesses e descreve como exemplificativas as 7 alíneas em tal art. 251.º/1 do CSC previstas), se devem entender como taxativas[8], pelo que vale em pleno a regra constante do art. 21.º/1/b) do CSC, ou seja, a regra que confere a todo o sócio o direito a participar e votar em todas as deliberações de sócios, tendo as restrições, que são excecionais, que estar – o que não sucede na hipótese dos autos – previstas na lei (do mesmo modo que acima se referiu, a propósito da invocada violação do princípio da igualdade, se a deliberação for apta a favorecer especialmente algum sócio, apesar do sócio poder votar, não ficará afastado que o deliberado possa ser apreciado à luz da anulabilidade prevista para as deliberações abusivas)[9].

Efetivamente – é onde se pretende chegar – o que de pertinente o A/recorrente invoca (e que ele configura juridicamente de vários modos, por forma a preencher a violação de diversas disposições legais e assim lhe conceder vários fundamentos de impugnação do deliberado sobre a atribuição dum prémio/bónus anual aos dois administradores) tem o seu correto cabimento e enquadramento, a nosso ver, tão só na invalidade/anulabilidade com fundamento em “deliberação abusiva”.

Significa o que acabamos de afirmar que não acompanhamos o que no acórdão recorrido se decidiu sobre o deliberado não ser inválido/anulável com fundamento em “deliberação abusiva” (ou seja, acompanhamos, como resulta do já exposto, o desfecho que o acórdão recorrido deu a todas os fundamentos de impugnação suscitados pelo A. com exceção do que se decidiu sobre o deliberado não ser inválido/anulável com fundamento em “deliberação abusiva”).

Vejamos porquê:

Atento o disposto no art. 58.º/1/b) do CSC, uma deliberação é abusiva/anulável quando, sem violar disposições específicas da lei ou do estatuto da sociedade – o que, como já vimos, não acontece no caso – é “apropriada para satisfazer o propósito de sócio conseguir vantagens especiais para si ou para outrem em prejuízo da sociedade ou de outro sócio, ou o propósito de prejudicar aquela ou este, salvo se se provar que a mesma deliberação teria sido adotada sem os votos abusivos”.

O que permite recortar duas espécies de deliberações abusivas: as apropriadas para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios e as apropriadas para satisfazer o propósito tão só de prejudicar a sociedade ou os sócios (as chamadas deliberações emulativas); tendo ambas pressupostos subjetivos (na 1.ª espécie, o propósito é o de alcançar vantagens especiais; e, na 2.ª espécie, o propósito é o de causar prejuízos) e objetivos (têm que ser objetivamente apropriadas a satisfazer os referidos propósitos).

Ora, no caso, o quadro factual alegado (lembra-se, a ação não foi contestada), preenche, a nosso ver, a 1.ª espécie de deliberação abusiva, ou seja, o deliberado sobre a atribuição dum prémio/bónus anual aos dois administradores teve o propósito e é/foi objetivamente apropriada a conferir vantagens especiais aos administradores (e também acionistas) BB e CC.

“Vantagens especiais” que são, como refere Coutinho de Abreu[10], “proveitos patrimoniais (ao menos indiretamente) por deliberação concedidos, possibilitados ou admitidos a sócios e/ou a não sócios, mas não a todos os que se encontrem perante a sociedade em situação semelhante à dos beneficiados, bem como os proveitos que, quando não haja sujeitos em situação semelhante à daqueles, não seriam (ou não deviam ser) concedidos, possibilitados ou admitidos a quem hipoteticamente ocupasse posição equiparável.”

Sendo a deliberação sobre a remuneração de administradores (gerentes e/ou administradores) um dos exemplos repetidamente dados como possibilidade de atribuição de “vantagens especiais”: exemplificando, refere Coutinho de Abreu, “fixa-se a remuneração do sócio-gerente em 50.000, quando, atendendo à natureza das funções, à situação da sociedade e à prática em sociedades similares, o valor razoável não superaria 10.000”.

É claro, não se ignora, que o “propósito de um [ou mais] dos sócios” (com que se inicia a alínea b) do art. 58.º/1 do CSC) significa o dolo de um ou mais sócios votantes em determinada proposta deliberativa, porém, há que entender que o dolo aqui em causa não tem de ser direto ou necessário, bastando que seja eventual: “bastará provar que um ou mais sócios, ao votarem, previram como possível a vantagem especial para si ou para outrem (…) e não confiaram que tal efeito eventual se não verificaria[11].

Sucedendo, na apreciação do preenchimento (ou não) de tal pressuposto subjetivo, que há que não perder de vista que, na deliberação abusiva, se está perante uma disfuncionalização do voto que, em vez de orientado para a prossecução do interesse social (para que todos os sócios consigam vantagens comuns), é utilizado para avantajar sócios e/ou terceiros à custa de outros sócios ou da sociedade, pelo que objetivamente demonstrada a disfunção ocorre um desvalor e a deliberação merece ser considerada abusiva/anulável.

Ora – é o ponto – do quadro factual alegado pelo A. (todo ele provado, nos termos do art. 567.º/1 do CPC, por a R. não haver contestado) resulta, a nossa ver, demonstrada tal disfunção.

Alegou o A. – e não pode/ia deixar de ser considerado como provado – que “a atribuição dos alegados «prémios de desempenho», somada à remuneração base auferida pelos administradores BB e CC, torna absolutamente desrazoável os valores aos mesmos atribuídos atendendo à situação da Ré e à relação entre os prémios atribuídos em exercícios anteriores e os resultados líquidos obtidos em tais exercícios anteriores e, bem assim, face à prática remuneratória em sociedades similares” (art. 134.º da PI).

Como se começou por referir, embora à remuneração dos administradores da R. não seja aplicável, quer o que se dispunha na Lei n.° 28/2009, de 19 de Junho, e agora se dispõe nos artigos 26º-A a 26º-G do CVM, quer o que se dispunha e dispõe no plano infra-legislativo e em termos recomendatórios, tal não significa que a remuneração dos administradores da R. possa ser fixada a “belo prazer” e sem qualquer tipo de percetível aderência ou ligação ao seu desempenho; aliás, como já se referiu, o art. 399º do CSC, ao caso aplicável, não deixa de referir que a remuneração dos administradores deve ser fixada “tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade”.

É sabido e foi já referido que a remuneração dos administradores executivos deve ser de molde a motivar os administradores ao desempenho das suas funções de forma eficiente e de modo a reter os administradores mais qualificados; deve ter em conta as regras de mercado (o montante das remunerações pagas aos administradores de sociedades equivalentes); e, no caso da atribuição da remuneração variável, deve ser conjugada com algum tipo de métrica de avaliação do desempenho, como, por exemplo, os resultados da empresa, os resultados individuais dos administradores ou os indicadores financeiros reveladores do desempenho.

Ora, no caso, nada foi invocado que permita perceber tal conjugação.

Como resulta da ata (e do que da mesma se transcreve no ponto 24 dos factos) foi proposto, pelo próprio Conselho de Administração, que fossem atribuídos prémios de desempenho aos administradores BB e CC (ou seja, estes propuseram que a si próprios fossem atribuídos prémios de desempenho), referentes ao exercício de 2019, no montante de 95.000,00 para cada um dos dois referidos administradores; e tal proposta foi assim “secamente” apresentada, ou seja, sem ser acompanhada de uma explicação (para além duma genérica alusão “aos resultados apresentados pela empresa”) para a atribuição de prémios de desempenho e muito menos para o montante dos prémios de desempenho a atribuir.

E tendo-se o A. oposto (na AG) à aprovação de tal proposta – tendo para tal invocado que “os senhores administradores executivos, CC e BB, foram fortemente aumentados em 2015 (quatrocentos por cento), passando a deter um ordenado anual de aproximadamente cento e setenta e cinco mil euros cada um e que tal não se refletiu na performance da empresa”; e ainda que “a rentabilidade e a evolução da empresa têm regredido ao longo dos anos, tendo mesmo sofrido uma evolução francamente negativa em 2019, como os resultados (líquidos) o demonstram” – nada lhe foi contraposto pelos autores de tal proposta, não procurando dar uma qualquer concreta explicação para os prémios de desempenho propostos e não contrariando a veracidade do invocado aumento de 400% das sua remunerações certas de administradores e a invocada evolução negativa dos resultados líquidos da R..

Sem prejuízo de uma evolução negativa de resultados líquidos (ou até de prejuízos de exercício) não ser um sinal seguro dum fraco desempenho dos administradores executivos (poder-se-á sempre dizer que sem o empenho e competência dos administradores os resultados e os prejuízos seriam bem piores), o certo é que, sem a devida explicação (como é/foi o caso), uma evolução negativa dos resultados de exercício não é, seja qual for a métrica de avaliação de desempenho, um elemento favorável.

Na verdade, os resultados líquidos da R. foram de € 870.000,00 em 2017, de 835.000,00 em 2018 e de “apenas” € 332.000,00 em 2019, dando-se o caso de tais resultados líquidos corresponderem a uma rentabilidade (em 2019), face aos capitais próprios de mais de 10 milhões de euros, de pouco mais de 3%; sucedendo que, recebendo cada um dos dois identificados administradores executivos a remuneração certa anual de € 175.000,00, tal significa (somando os € 175.000,00 da remuneração certa aos € 95.000,00 deliberados como prémio/bónus anual) que os dois administradores executivos passariam a representar um custo anual para a R. de € 540.000,00.

O que, colocadas assim as coisas, não tendo sido fornecida, repete-se, qualquer concreta explicação/justificação, impõe que se diga, com todo o respeito, que os € 540.000,00 como remuneração dos dois administradores executivos constituem um custo excessivo para a R. e, em consequência, a deliberação (ora impugnada) que fixa uma parte de tal custo excessivo – que atribui a cada um dos administradores executivos, de retribuição variável, um bónus anual de € 95.000,00 – é objetivamente apta a conceder-lhes uma vantagem especial.

Sem prejuízo, repete-se, de prejuízos poderem dar lugar a prémios/bónus de desempenho para os administradores executivos – de haver métricas de desempenho, previamente estabelecidas, que justifiquem prémios de desempenho em tal hipótese – importa, a nosso ver, não perder completamente de vista o que, para a hipótese dos lucros de exercício, decorre do estabelecido no art. 399.º/2 do CSC, a propósito da retribuição variável aí prevista.

Decorre do art. 399.º/2 do CSC (e da referência que aí se faz à percentagem máxima dos lucros de exercício destinada aos administradores) que apenas uma parte dos lucros de exercício pode ser destinada a remunerar os administradores, pelo que, não afastando o preceito, como supra se referiu, a possibilidade de outras remunerações variáveis (como é o caso dos prémios/bónus anuais), importa perceber/justificar/conjugar estas outras remunerações variáveis com os lucros e com os resultados.

Se, somadas todas as componentes (fixas e variáveis) da remuneração dos administradores, os lucros de exercício servirem para pouco mais que remunerar os seus administradores então até estará posto em causa o próprio fim lucrativo da sociedade; e, não sendo exatamente este o caso da sociedade aqui R., não podemos deixar de observar que, se subtrairmos o prémio/bónus anual deliberado aos resultados líquidos de € 332.000,00, ficamos com o montante (€ 142.000,00) que é pouco mais que a quarta parte da remuneração dos dois administradores executivos (que, incluindo a deliberada remuneração variável, passará/ia a ser de € 540.000,00)[12].

É verdade que a R. dispunha, no fecho do exercício de 2019, nas contas de caixa e de depósitos bancários, da verba de € 9.324.623,00, mas tal não constitui um indicador financeiro revelador dum bom desempenho dos seus administradores, um critério e uma métrica para atribuição da remuneração variável em questão; tal verba revela, fora de qualquer dúvida, a forte solidez financeira da R. (importando acentuar que o que está em causa e o que se visa remunerar, é o desempenho no exercício do ano de 2019 e como resulta do ponto 34 dos factos – segundo o qual o total de ativo corrente era de € 10.485.483,00 em 2019 e de €10.773.566,00 em 2018, dos quais € 991.316,00 e € 1.985.93,00 correspondem a saldos de conta clientes em 2019 e em 2018, respetivamente, e € 9.324.623,00 e € 8.766.920,00 a saldos da conta de caixa e de depósitos bancários em 2019 e em 2018, respetivamente – esta solidez financeira vinha de anos anteriores), mas também revela que os administradores não encontraram, dentro do fim da R., formas de investir e fazer reproduzir tal verba/capital e que a mantêm “relativamente” passiva no ativo da R. (como se refere noutro passo da ata, estará aplicada em obrigações, fundos e depósitos “que estão a ser geridos por um banco, sendo o perfil da carteira bastante conservador, de acordo com as instruções dadas pela administração”).

Enfim, repetindo e sintetizando, a deliberação (ora impugnada) que atribuiu a cada um dos dois administradores executivos, de retribuição variável, um bónus anual de € 95.000,00 (referente ao ano de 2019), configura a atribuição de uma vantagem especial a tais dois administradores, até porque, como o A. alegou (e se deve considerar como provado), tal «prémio de desempenho», somado à remuneração base auferida, não está de acordo com a “prática remuneratória em sociedades similares”.

Com o que fica preenchido o pressuposto objetivo da 1.ª espécie de deliberação abusiva (referida no art. 58.º/1/b) do CSC), ou seja, o deliberado é objetivamente apropriado a satisfazer o propósito de atribuir vantagens especiais a tais administradores em prejuízo da sociedade (prejuízo da sociedade que é uma consequência do dano resultante da atribuição das vantagens especiais).

E, a nosso ver, os sócios/acionistas que votaram favoravelmente, ao votarem como votaram, não podem ter deixado de prever e admitir que da deliberação em causa resultariam, muito possivelmente, vantagens especiais para os dois administradores executivos em prejuízo da sociedade e conformaram-se com essas possibilidades.

Tudo o que antes se alinhou, para concluir que o bónus proposto/deliberado é uma vantagem especial, era do completo conhecimento dos sócios/acionistas que participaram na AG e que votaram favoravelmente a deliberação em causa e, além disto, o A., ao opor-se, como já se referiu, à aprovação de tal proposta, colocou em evidência as razões da excessividade da atribuição dos prémios de desempenho propostos (e levou tais razões ao conhecimento de acionistas menos atentos).

A circunstância de nada lhe ter sido contraposto – quer pelos administradores/acionistas, quer pelos restantes acionistas – é revelador da indiferença que os acionistas, que votaram favoravelmente a deliberação, dispensaram à invocada excessividade na atribuição dos prémios de desempenho propostos: os dois administradores/acionistas que haviam proposto e a quem os prémios de desempenho se dirigiriam não podiam ignorar tal excessividade e os outros dois acionistas (que votaram favoravelmente) revelaram claramente que lhes era indiferente que o resultado fosse a atribuição de vantagens especiais aos dois administradores executivos (em prejuízo, naturalmente, da sociedade, que os teria de pagar) e, claro, votando como votaram, fizeram-no com o propósito de atribuir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si (no caso dos 2 administradores/acionistas) e para terceiro (no caso dos outros 2 acionistas que votaram favoravelmente).

A propósito do pressuposto subjetivo exigido pelo art. 58.º/1/b) do CSC, observa Coutinho de Almeida[13] que “perpassa” pela jurisprudência que se tem debruçado sobre o tema “alguma incomodidade”, admitindo que tal pressuposto “atrapalha” e alvitrando mesmo que, em casos merecedores de anulação e em que “não se faça (ou seja duvidoso que se tenha feito) prova de algum dos “propósitos” referidos naquela norma, há que recorrer, a coberto do art. 58.º/1/a), à aplicação dos princípios da igualdade e/ou sobretudo da lealdade”. Dentro de tal linha de pensamento, admite o mesmo autor[14] que “continu[a] a pensar que teria sido melhor omitir o elemento subjetivo no preceito em análise. Uma sociedade é mecanismo para os sócios (todos) conseguirem vantagens comuns. Se ela é utilizada, ainda que não intencionalmente, para sócios e/ou terceiros ficarem especialmente avantajados à custa de outros sócios ou da sociedade, ou para sócios prejudicarem outros sócios ou a sociedade, há objetivamente uma disfunção e deveria a respetiva deliberação ser considerada abusiva/anulável.” Acrescentado que também “continu[a] a pensar que o juízo acerca do carácter abusivo (gerador da anulabilidade) deveria incidir na deliberação unitária ou globalmente considerada, não nos votos (e propósitos) de cada um dos sócios.”

De violação do princípio da igualdade (a que já se aludiu a propósito da invocada violação do art. 22.º/1 do CSC) não parece que deva falar-se no caso sub judice, na medida em que o tratamento vantajoso conferido aos CC e BB é nas suas qualidades de administradores executivos da R. (e não nas suas vestes de acionistas da R.), porém, sendo a alínea b) do art. 58.º/1 uma manifestação/concretização dos princípios da igualdade e da lealdade, não pode surpreender que tudo o que supra se observou corresponda e configure uma violação do dever de lealdade, na medida em que corresponde a uma atuação dos sócios (que votaram favoravelmente a deliberação) incompatível com o interesse social da R..

Efetivamente, duma maneira ou de outra – ou pela alínea a) ou pela alínea b) – o que aqui está em causa é uma violação do dever de lealdade dos sócios que votaram favoravelmente a deliberação, que exerceram o seu direito de voto de modo incompatível com o interesse social, violação essa que justifica a anulação do assim deliberado.

Face à redação do art. 58.º/1/b) do CSC, é comummente entendido que nas deliberações abusivas há duas dimensões de ilicitude: aquela que inquina os votos abusivos e aquela que atinge a deliberação em si mesmo, uma vez que do texto do preceito, principalmente da segunda parte, ressalta que a deliberação só é afetada na sua globalidade se para a sua formação tiverem contribuído votos abusivos sem os quais ela não poderia ter sido tomada, ou seja, se uma vez desconsiderados os votos abusivos se mantiver a maioria necessária, a deliberação é válida, o que significa que o vício está no voto e que é este que pode (ou não) viciar a deliberação (o objeto da valoração jurídica transfere-se do ato deliberativo global para o ato de cada voto, o vício incide primordialmente sobre o voto e só secundariamente sobre a deliberação).

Foi esta valoração jurídica sobre serem abusivos os votos favoráveis à deliberação que até aqui foi feita, cumprindo agora referir, sobre a apreciação do ato deliberativo global, que, sendo abusivos todos os votos favoráveis à deliberação, não subsistem, na deliberação em causa, quaisquer votos inocentes (favoráveis) que possam ser suficientes para a formação da maioria deliberativa, pelo que a deliberação social respeitante ao ponto 4 da ordem de trabalhos – mais exatamente, a deliberação que atribui prémios de desempenho, referentes ao exercício de 2019, aos administradores BB e CC no montante de 95.000,00 a cada um dois referidos administradores – não pode manter-se como válida, impondo-se assim, nos termos e ao abrigo do art. 58.º/1/b do CSC, anulá-la.

É quanto basta para, em conclusão final, com este único fundamento – deliberação abusiva – revogar o acórdão recorrido e conceder a revista.

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IV – Decisão

Nos termos expostos, concede-se a revista, pelo que se revoga o acórdão recorrido que se substitui, embora com outro e diverso fundamento, pelo decidido na 1.ª Instância, anulando-se a deliberação social (aprovada na assembleia geral da Ré iniciada a 7 julho de 2020 e concluída em 20/07/2020) que atribuiu, referentes ao exercício de 2019, prémios de desempenho no montante de € 190 000,00 aos administradores BB e CC (€ 95.000,00 a cada um deles).

Custas, na 1.ª Instância, a cargo de A. e R. na proporção de 2/3 e 1/3; e na 2.ª Instância e neste Supremo, a cargo da R..
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Lisboa, 17/01/2023

António Barateiro Martins (Relator)
Luís Espírito Santo
Ana Moura Resende

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Paulo Câmara, A Comissão de Remunerações, Revista de Direito das Sociedades, Ano III, 1, 9-52, 2011; Paulo Câmara, Say on Pay: O dever de apreciação da política remuneratória pela assembleia geral, 2010, disponível em https://www.servulo.com; João Sousa Gião, Conflitos de interesses entre administradores e os acionistas na SA: os negócios com a sociedade e a remuneração dos administradores; Inês Ermida de Sousa Guedes, A Remuneração dos Administradores. Perspetiva da crise de 2008, Almedina, 2011; Raquel Sofia Pereira Nascimento, A Remuneração dos Administradores e o Desempenho da Empresa: O Caso Português, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, Vol. 32, N.º 1, 2009; Maria de Fátima Ribeiro, Os modelos de remuneração dos membros dos órgãos de administração das sociedades comerciais e as comissões de remunerações; Jorge André Carita Simões, A remuneração dos administradores das sociedades e as suas implicações no contexto da crise financeira mundial, Separata da Revista de Direito das Sociedades, Ano II, 3 / 4, Almedina, 2010; e Patrícia Assunção Soares, A remuneração dos administradores e a situação económica de crise.

[2] Para além de, por vezes, face à ligação dos incentivos a resultados a curto prazo, motivarem os administradores a incorrer num risco excessivo, em prejuízo da sustentabilidade económica da sociedade no longo prazo.
[3] Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores, Soveral Martins, pág. 124.
[4] In A Comissão de Remunerações já citada, pág. 28/29.
[5] E não parece sequer que o A. haja sustentado tal entendimento na PI.
[6] Na ata, diz mesmo o administrador CC (ponto 16 dos factos) que estes 240.000,00 “foram pagos em dezembro de dois mil e dezanove”.

[7] E é também deslocado chamar à colação o disposto no art. 294.º/3, uma vez que, como expusemos, os € 190.000 deliberados/atribuídos não são uma participação nos lucros, pelo que o pagamento “preferencial” dos lucros aos acionistas não se coloca ou vem ao caso.

[8] Neste sentido, da taxatividade, Coutinho de Abreu, CSC em Comentário, Vol. VI, pág. 132, Soveral Martins, Administração de Sociedades Anónimas e Responsabilidade dos Administradores,, pág. 122, Lucas Coelho, em “Direito de voto dos acionistas nas AG das sociedades anónimas”, pág. 144, e Raúl Ventura, em “Sociedade por quotas”, Vol. II, p. 283/4; em sentido oposto, defendendo o caráter exemplificativo, Pais de Vasconcelos, em “A participação social nas sociedades comerciais, pág. 143, Pedro Albuquerque/Diogo Costa Gonçalves, em “O impedimento do exercício do direito de voto como proibição genérica de atuação em conflito, in Revista de Direito das Sociedades, pág. 684 e Brito Correia, em Direito Comercial, 3.º Vol., pág. 158/159.

[9] Concordar-se-ia, caso se entendesse/considerasse que havia impedimento de voto dos acionistas BB e CC, que a acionista EE, enquanto representante da Herança de DD, estaria impedida de votar, uma vez que o direito de voto é inerente às ações que estão indivisas e de tais ações é/são também titular/es quem estaria impedido de votar; mas, caso se entendesse/considerasse que havia impedimento de voto dos acionistas BB e CC, haveria ainda que apurar se estavam em conflito de interesses em relação a todo o conteúdo da deliberação a tomar (ou apenas em relação à parte dela que atribui a cada um deles o prémio anual de € 95.000,00).
[10] Curso de Direito Comercial, Vol. II, 3.ª ed, p. 511.
[11] Coutinho de Abreu, local citado, pág. 514.
[12] Observação esta que não entra em contradição com o que antes se disse sobre a não violação do art. 294.º/1 do CSC e com que apenas se visa confrontar o montante dos lucros com o montante da remuneração dos administradores executivos.
[13] Local citado, pág. 521.
[14] Local citado, pág. 514.