IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
CÔNJUGE DA VÍTIMA
FILHO DA VÍTIMA
DANO REFLEXO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS PREVISÍVEIS
ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
JUROS
Sumário


Julga-se equitativo, atendendo ao elevado grau de culpa apurado e vislumbrando-se uma expectativa de vida que para ambos os membros do casal se situa perto dos 80 anos (ou seja, pelo menos cerca de 40 anos), a indemnização de 50000 euros para compensar, a título de dano reflexo, a cônjuge do lesado em acidente de viação.
Tendo em conta que o filho menor deste lesado nasceu apenas meses antes do acidente em discussão nos autos suceder e que esta último ficou a padecer de sequelas graves que, presume-se, prejudicam seriamente a sua capacidade física e psíquica para interagir com terceiros, maxime o seu filho menor, não esquecendo que, além disso, essa interacção foi ainda afectada devido aos períodos de internamento e tratamento que aquele foi e será obrigado a cumprir, julga-se ajustado valor de 20000 euros para compensar o seu dano reflexo.
São exemplo de danos futuros aqueles que se verificam no caso de lesões que atingem a capacidade física do lesado, pois que o corpo, visto como instrumento de trabalho, perde capacidade ou funcionalidade para tal - o lesado fica afectado na sua capacidade produtiva e vê dessa forma diminuída a sua capacidade de auferir rendimentos com o trabalho.
Com a compensação do dano biológico pretende-se indemnizar não o sofrimento ou a deformação corporal em si mas antes a impossibilidade de que o(a) demandante ficou a padecer de utilizar o seu corpo de forma absoluta, enquanto força de trabalho mas também da actividade quotidiana que desenvolve qualquer ser humano.
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física/psíquica não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela distinta redução.
Julgando-se provável a potencial afectação da progressão na actividade profissional a que o lesado aspiraria, bem como a sua empregabilidade futura e a perda de rendimentos na actividade irregular que desenvolvia, tudo resultante do elevadíssimo grau de défice funcional (84%) apurado e das limitações físicas, psíquicas e logísticas que prejudicam a futura actividade laboral, está assente um dano biológico futuro com reflexo patrimonial para qual consideramos equitativo o montante de 480000 euros.
Ponderando os factores previstos no citado art. 496º, nº 2, do C.C., julgamos ser equitativo o montante de 80000 euros para ressarcir a vertente não patrimonial desse dano biológico, considerando, em particular, a idade do autor, a esperança média de vida acima considerada e o grau de deficiência apurada.
Em caso de acidente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário.
Na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho.
Da factualidade apontada resulta que o lesado sofreu lesões graves que foram causa de internamentos que se prolongaram por mais de um ano, padeceu e padecerá de sofrimento físico e psíquico para o resto da sua vida (tenha-se em atenção que tinha cerca de 33 anos à data do evento e é provável que sobrevida pelo menos até aos 81 anos), ficou paraplégico, com tudo o que isso importa para limitação fundamental na sua autonomia de modo permanente, pelo que, tudo ponderado, julga-se equitativo o montante de 275000 euros para compensar esse dano moral.
As sanções consubstanciadas no pagamento de juros no dobro da taxa legal, de acordo com a previsão conjugada dos seus arts, 38º e 39º, do D.L. nº 291/2007, e de pagamento da quantia prevista no art. 40º, nº 2, do mesmo D.L., pressupõe que o lesado tenha, previamente, formulado pedido de indemnização nos termos previstos nesse diploma legal.

Texto Integral


I – Relatório

Recorrente(s):
- AA;
- BB, menor, representado por CC e esposa AA;
- G... SEGUROS, S.A.;
- CC;

- Recorrido/a(s):
- G... SEGUROS, S.A..;
- AA;
- BB, menor, representado por CC e esposa AA;
- CC.

*
CC, AA e BB, este representado pelos progenitores atrás, intentaram contra: - SEGURADORAS U..., S.A., com a designação actual de G... SEGUROS, S.A., a presente acção declarativa sob a forma comum, tendo formulado o pedido que a seguir se transcreve:

“A. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor CC, uma Indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a €2.009,268,41 (Dois Milhões Nove Mil Duzentos e Sessenta e Oito Euros e Quarenta e Um Cêntimos);
B. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor CC, uma Indemnização a acrescer à primeira e referida em A)- e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:
a) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de efectuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas;
b) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico multidisciplinar periódico em várias especialidades médicas, designadamente de Urologia, Dermatologia, Ortopedia, Neurocirurgia, Neurologia, Cirurgia Plástica, Psiquiatria, Psicologia, Fisiatria, Fisioterapia e Consulta da Dor para evitar retrocesso ou agravamento das sequelas, supra melhor descritas;
c) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento fisiátrico (no mínimo três vezes por semana) para evitar retrocesso ou agravamento das sequelas, supra melhor descritas;
d) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
e) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de algália, para através de auto-algaliação, efectuar o esvaziamento da bexiga, utensílio que irá precisar toda a sua vida.
f) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efectuar várias despesas hospitalares, de efectuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efectuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correcção das lesões e sequelas melhor descritas;
g) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de fornecimento de cadeira de rodas adaptada às suas limitações e sua substituição;
h) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de readaptar a sua futura habitação/domicilio às suas limitações físicas, pois que sente dificuldade em deslocar-se numa casa com escadas, sem rampas internas, sem portas interiores e exteriores de abertura e fecho automático, e sem casas de banho adaptadas à sua condição física, com recurso à tecnologia a nível arquitectónico, de mobiliário e/ou equipamentos, no sentido de permitir a realização de determinadas actividades diárias a pessoas que, de outra maneira, o não conseguiriam fazer sem a ajuda de terceiros e o estudo e minimização das barreiras arquitectónicas da sua residência;
i) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de readaptar a seu local de trabalho às suas limitações físicas, pois que sente dificuldade em deslocar-se num local de trabalho com escadas, sem rampas internas, sem portas interiores e exteriores de abertura e fecho automático, e sem casas de banho adaptadas à sua condição física, o que implica o estudo e minimização das barreiras arquitectónicas do local de trabalho da vítima.
j) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte do Autor, de fornecimento de dispositivo técnico de compensação das limitações funcionais, traduzido na adaptação do veiculo automóvel com comandos especiais pois que o Autor ficou impossibilitado de conduzir um veículo com comandos convencionais (de pé);
k) montantes esses, actualmente impossíveis de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil) ou execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros;
C. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor CC:
a) os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados ao 1º Autor na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde , desde 25/11/2015 (15 dias após a alta clinica do Autor ocorrida em 09/11/2015), ou contados desde a data da citação da Ré e sempre até efectivo e integral pagamento;
b) ou caso V.Ex.ª assim o não entenda, os juros vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efectivo e integral pagamento;
D. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor CC as custas legais e condigna procuradoria;
E. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar à aqui Autora AA, uma Indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a € 219,846,75 (Duzentos e Dezanove Mil Oitocentos e Quarenta e Seis Euros e Setenta e Cinco Cêntimos);
F. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar à aqui Autora AA, uma Indemnização a acrescer à primeira e referida em E) e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros decorrentes das de perdas salariais relativamente ao ano de 2017, montantes esses, actualmente impossíveis de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P. Civil) ou execução de sentença a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros;
G. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar à aqui Autora AA os juros vencidos e vincendos calculados à taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que vierem a ser fixados à 2ª Autora na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados desde a data da citação da Ré e até efectivo e integral pagamento;
H. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar à aqui Autora AA, as custas legais e condigna procuradoria;
I. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar ao aqui 3º Autor BB, uma Indemnização correspondente a todos os danos não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a €100,000,00 (Cem Mil Euros);
J. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor BB os juros vencidos e vincendos calculados à taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre o montante que vir a ser fixados ao Autor na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais, contados desde a data da citação da Ré e até efectivo e integral pagamento;
K. Deve ser a Ré “SEGURADORAS U..., S.A.”, condenada a pagar ao aqui Autor BB, as custas legais e condigna procuradoria.”

Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, na qual, em resumo, admitiu a existência do contrato de seguro quanto ao veículo QE e os montantes acordados na tentativa de conciliação no processo de acidente de trabalho; contrapôs que o 1.º Autor nunca lhe apresentou qualquer pedido de indemnização e que, de acordo com o parecer dos seus serviços clínicos, a conversão da IPP correspondia a desvalorização de 79 pontos, respeitante à paraplegia, ao compromisso funcional, às repercussões nas actividades da vida diária e ao stress pós-traumático, tendo ainda sido considerado um quantum doloris de grau 5, um dano estético de grau 6; alegou que, até 20/06/2017, despendeu € 343.971,02, enquanto seguradora por acidentes de trabalho, e que, em 02/09/2014, comunicou ao Autor a perda total do veículo, que tinha o valor venal de € 3.500,00, com reparação orçada em € 8.977,45 e o salvado valorizado em € 500,00, propondo-lhe o pagamento de € 3.000,00 e a posse do salvado; sustentou que os danos patrimoniais futuros devem calculados a partir do rendimento líquido (regular), estando por demonstrar que o 1.º Autor auferisse outros rendimentos para além dos que percebia na actividade por conta de outrem; reputou de exagerado o cálculo efectuado quanto aos danos não patrimoniais; por fim, disse que os montantes peticionados pela 2.ª Autora e pelo 3.º Autor não são legalmente exigíveis de acordo com o direito constituído.
Por requerimento apresentado sob a REF.ª ...87, de fls. 534 a 537, o 1.º Autor ampliou o pedido no sentido de a Ré ser ainda condenada no pagamento da quantia diária de € 100,00, por cada dia de atraso no cumprimento dos deveres fixados no artigo 40.º/2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou contada desde a data da citação da Ré ou desde a data que vier a ser estabelecida na decisão judicial e até efectivo e integral pagamento.
Essa ampliação foi admitida pelo despacho proferido a 13.04.2021, de fls. 451 e 541/verso.
Na sequência do segundo relatório pericial, o 1.º Autor apresentou articulado superveniente (REF.ª ...87), a fls. 570 a 576, no qual, em súmula, de harmonia com aquele relatório, veio ampliar a causa de pedir quanto às sequelas e queixas derivadas do acidente, o que, por despacho proferido na acta de 28/04/2022, foi admitido enquanto mera concretização da causa de pedir primitiva (cfr. fls. 298/verso).

A final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:
1.º- Condena-se a Ré a pagar ao 1.º Autor CC:
a. A quantia de € 495.000,00 (quatrocentos e novecentos e cinco mil euros) a título de compensação da perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;
b. A quantia de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) a título de compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;
c. A quantia de € 281.295,00 (duzentos e oitenta e um mil duzentos e noventa e cinco euros) a título de indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;
d. A quantia de € 7.440,64 (sete mil quatrocentos e quarenta euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de indemnização pelas perdas salariais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;
e. A quantia de € 1.429,80 (mil quatrocentos e vinte e nove euros e oitenta cêntimos) a título de indemnização pelos tratamentos de fisioterapia, pela perda de vestuário e aquisição de pinça de preensão e instrumentos de desporto, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;
f. A quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de indemnização pela perda total do TI e pelas despesas de aparcamento, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;
g. A quantia de € 72.592,66 (setenta e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e seis cêntimos) a título de indemnização pelas ajudas técnicas, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;
h. A quantia indemnizatória, cuja liquidação se relega para ulterior incidente, que se venha apurar ser necessária para a adaptação da cozinha da casa de habitação do 1.º Autor;
i. A quantia indemnizatória, cuja liquidação se relega para ulterior incidente, que se venha apurar ser necessária para o pagamento de tratamentos médicos e medicamentosos, a que se alude em 145) dos factos provados;
j. A quantia indemnizatória, cuja liquidação se relega para ulterior incidente, que se venha apurar ser necessária para o pagamento da adaptação do veículo automóvel e do material para incontinência, a que se alude em 146) dos factos provados, e com os períodos de substituição ali definidos;
2.º- Condena-se a Ré a pagar à 2.ª Autora AA:
k. A quantia indemnizatória de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;
l. A quantia indemnizatória de € 3.862,68 (três mil oitocentos e sessenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos) a título de lucros cessantes, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
3.º- Condena-se a Ré G... a pagar ao 3.º Autor BB a quantia indemnizatória de € 10.000,00 (dez mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;
4.º- Absolve-se a Ré do demais contra ela peticionado pelos Autores;
5.º- Julga-se totalmente improcedente o pedido de reembolso formulado pelo Interveniente I..., IP, contra a Ré, do qual se absolve do pedido.

Em face do disposto no artigo 527.º/1/2, do CPCiv:
- As custas da presente acção, sem prejuízo do benefício apoio judiciário de que gozam os Autores, são da responsabilidade dos Autores e da Ré na proporção do respectivo decaimento, calculado com referência aos pedidos por cada um formulados (repartição que é provisória quanto aos pedidos cuja liquidação se relegou para o incidente de liquidação, no qual haverá a fixação definitiva dessa responsabilidade);
- As custas do pedido de reembolso (do montante de € 664,80) formulado pelo Interveniente I..., IP, são a cargo deste, por força do seu decaimento. (…)
Neste seguimento, entendendo-se que o pagamento integral do remanescente da taxa de justiça (com referência ao valor da acção) seria desproporcional ao serviço prestado, reduz-se o montante que seria devido em 75%.”
*
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os acima identificados Recorrentes recursos de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes
conclusões:

AA
1) A 2ª Autora/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
2) Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 32, 33, 34, 125, 126, 135, 136, 137, 138, 140, 141, 142, 143, 144, 147, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 215, 216, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228 e 229 dos factos dados como provados na Douta Sentença, com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à 2ª Autora/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, por si sofridos em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, deverá o mesmo valor indemnizatório ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €200.000,00 (Duzentos Mil Euros).
3) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes factores: 1. 32. O 1.º Autor nasceu a .../.../1981 (33 anos à data do acidente).
2. 33. A 2.ª Autora nasceu a .../.../1983 (31 anos à data do acidente).
3. 34. Os 1.º e 2.ª Autores casaram entre si a ....
4. 135. O 1.º Autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta desde 14/07/2014 a 09/11/2015, num total de 484 dias.
5. 136. As sequelas com que o 1.º Autor restou determinam-lhe um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 84 (oitenta e quatro) pontos.
6. 137. As sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual ou outras da sua área de preparação, desde que haja adaptação do seu local e condições de trabalho, mas implicando esforços suplementares por parte do 1.º Autor.
7. 138. Por força das sequelas, o 1.º Autor ficou a padecer de um dano estético fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a utilização de ajudas técnicas permanentes (cadeira de rodas) e as cicatrizes (as quais causam tristeza e complexo).
8. 140. Por força das sequelas, o 1.º Autor a padecer de um prejuízo nas actividades de lazer fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente
9. 141. O 1.º Autor não consegue obter erecção e manter relações sexuais, o que lhe causa desgosto, sofrimento e revolta.
10. 142. O 1.º Autor, antes do embate, tinha uma vida sexual normal com a sua esposa, o que contribuía para a estabilidade emocional do casal.
11. 143. O 1.º Autor não poderá ter mais filhos, por esta via, com a sua esposa, o que o entristece.
12. 144. Por força das sequelas, o 1.º Autor ficou a padecer de una repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 7 (sete), com base na diminuição/perda permanente da libido, disfunção sexual permanente e incontinência de esfíncteres consecutiva a lesão neurológica medular.
13. 147. O 1.º Autor necessita do apoio, auxilio e ajuda permanente de uma terceira pessoa, por um período de cerca 5 (cinco) horas por dia até ao fim da sua vida,
14. 186. A 2.ª Autora, pouco tempo depois de ter começado a trabalhar, recebeu uma chamada, na qual lhe informaram que o 1.º Autor tinha tido um acidente e para se dirigir ao Hospital ....
15. 187. Quando a 2.ª Autora chegou ao hospital, foi informada que o estado de saúde do seu marido era grave e que corria risco de vida, podendo o mesmo falecer a qualquer momento.
16. 188. Com esta notícia, a 2.ª Autora ficou em estado de choque, aterrorizada, sentindo angústia e tristeza, pois receio de perder o seu marido.
17. 189. A 2.ª Autora, nessa data, ficou fragilizada e deprimida, de modo que dirigiu-se ao posto médico, tendo sido emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho, por doença natural, desde o dia .../.../2014 até ao dia 26/07/2014.
18. 190. No período do internamento, informaram a 2.ª Autora que o 1.º Autor poderia, ainda, apresentar várias sequelas decorrentes do traumatismo crânio encefálico, o que lhe causou aflição, sentindo-se angustiada e com medo.
19. 191. A sedação foi suspensa no dia 21/07/2014, no entanto, o 1.º Autor demorou alguns dias a acordar do estado de coma em que se encontrava, situação que provocou medo e aflição na a 2.ª Autora.
20. 192. O 1.º Autor foi sujeito a vários testes, tendo os médicos concluído que este tinha perdido a sensibilidade dos membros inferiores, com hipostesia a partir da D8, encontrando-se, assim, paraplégico.
21. 193. A 2.ª Autora, quando tomou conhecimento que o seu marido se encontrava paraplégico, não queria acreditar, ficando em estado de choque.
22. 194. O 1.º Autor encontrava-se a respirar através de ventilação mecânica.
23. 195. Devido ao quadro clínico do 1.º Autor, a 2.ª Autora ficou ainda com receio de que, para além da paraplegia, ainda pudesse de deixar de comunicar com o marido, o que lhe causou sofrimento.
24. 196. À época, a 2.ª Autora não conseguia dormir normalmente, não só porque tinha um filho pequeno, mas porque a situação que ela e o marido estavam a passar, deixava-a angustiada, sentia-se nervosa o tempo todo, com frequentes crises de choro e tristeza.
25. 197. Quando o 1.º Autor acordou do coma, não sabia que tinha filho, não se lembrava das pessoas, o que provocou tristeza e ansiedade no cônjuge, pois esta tinha receio que este não recuperasse a memória.
26. 198. Durante o período de internamento do 1.º Autor no Hospital ..., a 2.ª Autora deslocou-se ao hospital para acompanhar o estado clínico do marido e para lhe fazer companhia.
27. 199. O 1.º Autor passou o seu aniversário – dia 19/09/2014 – no hospital, tendo a Autora levado pela primeira vez o filho ao hospital.
28. 200. A 2.ª Autora teve sofrimento pela dificuldade que, na data indicada na al. anterior, o 1.º Autor tinha em falar.
29. 201. No CRN, foram informados que o 1.º Autor não voltaria a andar, altura em que tomaram verdadeira consciência que aquele iria permanecer paraplégico.
30. 202. À época, a 2.ª Autora experimentou tristeza, angústia, tinha crises de choro, por tudo o que lhes acontecera, sentindo-se temerosa com as mudanças que tal acarretaria para as suas vidas.
31. 204. No primeiro fim de semana que o 1.º Autor passou em sua casa, após o embate, os Autores choraram, porque se sentiam desorientados.
32. 205. Nesses fins de semana, a dificuldade em cuidar do 1.º Autor e do filho levou a 2.ª Autora a deixar o filho ao cuidado dos avós maternos, o que lhe custava.
33. 207. Com o regresso do 1.º Autor a casa após o internamento no Hospital ..., a 2.ª Autora começou a ajudar o marido a tomar banho no que respeita à metade inferior do corpo.
34. 208. A 2.ª Autora ajuda o 1.º Autor nas actividades da vida diária em que aquele carece auxílio, entre as quais se inclui, ocasionalmente, a mudança de fralda.
35. 209. No presente, é a 2.ª Autora quem cozinha e faz todas as lides domésticas sozinha.
36. 210. A 2.ª Autora tem ainda de cuidar, proteger e vigiar o filho pequeno.
37. 211. A 2.ª Autora sente tristeza por não ter um companheiro que a ajude.
38. 212. Se o filho estiver doente, tem de ser a 2.ª Autora ficar em casa, pois o 1.º Autor não consegue cuidar do filho sozinho.
39. 215. Os Autores pais têm dificuldades nas saídas a três, a não ser que tenham a ajuda de familiares ou de terceiros.
40. 216. As limitações do 1.º Autor reflectem-se na vida da 2.ª Autora, que passeia menos e fica afligida pelo facto de não poder levar o filho a mais sítios.
41. 218. Antes do embate, a 2.ª Autora tinha um relacionamento feliz, estável com o seu marido.
42. 219. O 1.º Autor tornou-se uma pessoa mais triste, lamuriosa, o que afecta a 2.ª Autora, pois sente que o seu marido não é a mesma pessoa
4) Os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave (cfr. Acórdão Uniformizador do STJ n.º 6/2014, de 16/01/2014, proferido no processo n.º 6430/07. 0TBBRG.S1, publicado no Diário da República, I Série, de 22/05/201).
5) Resultaram do acidente de viação em apreço várias lesões e sequelas, que comprometem gravemente os direitos de coabitação, onde se inclui o débito conjugal, mais os direitos de coabitação e assistência de que a 2ª Autora é titular.
6) Atendendo ao caso sub judice, o marido da 2ª Autora tinha 33 anos á data do acidente e a própria 2ª Autora tinha 33 anos á data do acidente , o marido da Autora padece de um défice funcional permanente na integridade físico- psíquica de 84 pontos, de um dano estético fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente,de um prejuízo nas actividades de lazer fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente, não consegue obter erecção e manter relações sexuais, o que lhe causa desgosto, sofrimento e revolta, antes do embate, tinha uma vida sexual normal com a sua esposa e aqui 2ª Autora, o que contribuía para a estabilidade emocional do casal, não poderá ter mais filhos, por esta via, com a sua esposa aqui 2º Autora, o que o entristece, ficou a padecer de una repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 7 (sete), com base na diminuição/perda permanente da libido, disfunção sexual permanente e incontinência de esfíncteres consecutiva a lesão neurológica medular, necessita do apoio, auxilio e ajuda permanente de uma terceira pessoa, por um período de cerca 5 (cinco) horas por dia até ao fim da sua vida, a 2.ª Autora, quando tomou conhecimento que o seu marido se encontrava paraplégico, não queria acreditar, ficando em estado de choque, a 2.ª Autora experimentou tristeza, angústia, tinha crises de choro, por tudo o que lhes acontecera, sentindo-se temerosa com as mudanças que tal acarretaria para as suas vidas, a 2.ª Autora ajuda o 1.º Autor nas actividades da vida diária em que aquele carece auxílio, entre as quais se inclui, ocasionalmente, a mudança de fralda, no presente, é a 2.ª Autora quem cozinha e faz todas as lides domésticas sozinha, a 2.ª Autora sente tristeza por não ter um companheiro que a ajude, se o filho estiver doente, tem de ser a 2.ª Autora ficar em casa, pois o 1.º Autor não consegue cuidar do filho sozinho, as limitações do 1.º Autor reflectem-se na vida da 2.ª Autora, que passeia menos e fica afligida pelo facto de não poder levar o filho a mais sítios, antes do embate, a 2.ª Autora tinha um relacionamento feliz, estável com o seu marido e o 1.º Autor tornou-se uma pessoa mais triste, lamuriosa, o que afecta a 2.ª Autora, pois sente que o seu marido não é a mesma pessoa, tudo na sequência de um acidente de viação descritos nos autos, considerando-se tal lesão corporal gravíssima.
7) Tal situação provocou e provoca um enorme e intenso sofrimento no cônjuge aqui 2º Autora, a qual vê a sua vida totalmente alterada em função do seu Marido e aqui 1º Autor.
8) O cônjuge de vítima sobrevivente, que ficou irreversivelmente afectado por uma lesão corporal grave, vê igualmente limitadas as possibilidades de realização pessoal, de liberdade pessoal.
9) Fica ainda a qualidade de vida da 2ª Autora profundamente afectada, bem como a relação da 2ª Autora com o seu Marido e aqui 1º Autor.
10) A incapacidade do lesado (Marido da 2ª Autora), compromete gravemente os direitos de coabitação (no qual se inclui o débito conjugal), cooperação e assistência de que o 2ª Autora é titular, conforme o disposto no art. 1672.º do CC.
11) A comunhão plena de vida constitui o elemento definidor essencial do casamento, nos termos do art. 1577.º do CC, comunhão esta que ficou profundamente afectada com o acidente de viação sofrido pelo Marido da 2ª Autora.
12) Assistindo à 2ª Autora o direito ao trato sexual com o seu cônjuge, tal direito está gravemente comprometido, pois, em consequência do acidente de viação, o Marido da Autora e aqui 1º Autor, desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos e actualmente, em consequência das lesões, queixas e sequelas causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, a nível da sua sexualidade e procriação ficou a padecer de una repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 7 (sete), com base na diminuição/perda permanente da libido, disfunção sexual permanente e incontinência de esfíncteres consecutiva a lesão neurológica medular, não conseguindo obter erecção e manter relações sexuais com a 2º Aurora sua esposa, sendo que o 1.º Autor, antes do embate, tinha uma vida sexual normal com a sua esposa aqui 2º Autora, o que contribuía para a estabilidade emocional do casal, além de que o 1.º Autor não poderá ter mais filhos, por esta via, com a 2ª Autora sua esposa.
13) O direito de coabitação, onde se inclui o débito conjugal, ficou, irremediavelmente comprometido, bem como a qualidade de vida da 2ª Autora, o que afecta o casamento.
14) O direito à sexualidade integra um verdadeiro direito de personalidade, nos termos do art. 70.º do CC.
15) O débito conjugal constitui um dos deveres do casamento e, a sua recusa pode ser motivo de divórcio.
16) Constituindo um direito do cônjuge/companheira e aqui 2ª Autora em ter um relacionamento sexual normal, pelo que a sexualidade, pelo menos dentro do casamento/união de facto, deve ser encarada como um direito de personalidade.
17) O valor da indemnização deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, tendo por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva.
18) Atendendo, ao sofrimento suportado pela 2ª Autora, ao ver a vida sexual com o seu marido e aqui 1º Autor afectada de modo permanente, e ao facto de a culpa no acidente ser da inteira responsabilidade do segurado da ré, com recurso à equidade – art. 566º, nº3, do CCC – deverá ser atribuída à 2ª Autora/Recorrente, a título de danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente de viação descrito nos presentes auto, uma indemnização a qual deverá ser fixada equitativamente em quantia nunca inferior a €200.000,00 (Duzentos Mil Euros) quantia essa que a 2ª Autora/Recorrente desde já peticiona da Ré/Recorrida.
19) A Douta Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais: artigos 70, 1577, 1677, 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6430/07.0TBBRG.S1, de 16-01-2014.

NESTES TERMOS
E NOS DEMAIS EM DIREITO APLICAVÉL, QUE V.EX.AS MUI
DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA 2ª AUTORA AA, SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, DEVENDO A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR DOUTO ACORDÃO QUE CONDENE A RÉ/RECORRIDA NA MEDIDA DO ACIMA ASSINALADO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
BB
1) O 3º Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
2) Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 35, 125, , 126, 213, 214, 215, 216, 217, 249, 250, 251, 252, 253, 254, 255,256, 257 e 258 dos factos dados como provados na Douta Sentença, com interesse para a  determinação do montante indemnizatório a atribuir ao 3º Autor/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, deverá o mesmo valor indemnizatório ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros).
3) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes factores:
1) O 3.º Autor nasceu a .../.../2014, sendo filho dos 1.º e 2.ª Autores.
2) O 1.º Autor não consegue ajudar o filho a ir à casa de banho.´
3) O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, apresenta as seguintes queixas, a nível funcional: Controlo de esfíncteres: incontinência de esfíncteres, tendo realizado treino vesical e intestinal, encontrando-se actualmente a realizar auto-algaliações intermitentes de 4/4 horas durante o dia,
4) O 1.º Autor não consegue acompanhar o filho nas brincadeiras que impliquem mobilidade dos membros inferiores.
5) Os Autores pais têm dificuldades nas saídas a três, a não ser que tenham a ajuda de familiares ou de terceiros.
6) As limitações do 1.º Autor reflectem-se na vida da 2.ª Autora, que passeia menos e fica afligida pelo facto de não poder levar o filho a mais sítios.
7) Os Autores pais não conseguem ir a todas as festas da creche do filho, devido às limitações do 1.º Autor.
8) Durante os períodos de internamento, o 3.º Autor ficou privado de estar com o pai e de estreitar laços com este.
9) Devido a esta situação, o 3.º Autor começou a conviver mais com o avô materno, estando muito apegado a este e, nessa época, teve-o como figura paternal.
10) O 3.º Autor, nesse período, tornou-se uma criança muito apegada à mãe, pedindo sempre à mãe para brincar ou para o ajudar.
11) Só no final de Dezembro de 2014, é que o 3.º Autor começou a ver o pai aos fins de semana.
12) Quando o 1.º Autor regressou a casa, após alta do Hospital ..., não conseguia brincar com o filho em actividades que implicassem a mobilidade dos membros inferiores, nem ajudá-lo a ultrapassar obstáculos.
13) Não pôde, nem pode ensinar-lhe a caminhar, a jogar à bola, a andar de bicicleta, a ensinar-lhe a ir à casa de banho.
14) À medida que o 3.º Autor foi crescendo, começou a desenvolver mais contacto com o pai e estreitando laços com o mesmo.
15) Quando o 3.º Autor crescer, este terá responsabilidades acrescidas, uma vez que terá de ajudar o pai dada as limitações físicas deste.
16) Quando o 1.º Autor tiver necessidade de receber tratamentos em regime de internamento, o 3.º Autor não poderá conviver com o pai.
17) Por força de se encontrar internado, o 1.º Autor faltou a festas do filho.
4) O disposto no artigo 483.º do CC, consagra o direito de indemnização daquele que, titular de um direito ou de um interesse legalmente protegido, sofreu lesão contrária ao direito.
5) Por sua vez, o artigo 496.º, n.º 1 estabelece a compensação de danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
6) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça processo n.º 6430/07.0TBBRG.S1, de 16-01-2014, em plenário das secções cíveis, uniformizou a jurisprudência, nos seguintes termos, “Os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave”.
7) No caso sub judice, com o acidente de viação, e no que se refere ao 3.º Autor,n filho, há que reconhecer, que a gravidade do seu dano é grave.
8) As sequelas de que o 1.º Autor padece não só impedem-no de construir com o filho a plenitude da relação que tinha a expectativa de estabelecer, como também impedem o 3.º Autor de fruir com o pai, na primeira infância, na infância e na adolescência (fases do crescimento pessoal em que a presença parental é muito relevante), um sem-fim de experiências, que implicam liberdade de deambulação.
9) Por maior melhoria que exista na redução de barreiras arquitectónicas ou no desenvolvimento de instrumentos que acrescentem mobilidade ao 1.º Autor, este nunca poderá ter a liberdade de se movimentar com o seu filho da forma como o esperava fazer à data em que o 3.º Autor nasceu.
10) Por mais gratificante que seja a ligação que o pai e o filho construam, há uma parcela da vida de relação que deixou de poder ter lugar por força da situação em que o 1.º Autor se encontra: o 3.º Autor não poderá receber do pai o acompanhamento que este seria capaz de lhe proporcionar não fora o acidente não apenas ao nível do contacto físico, mas, bem assim, quanto à sua disponibilidade.
11) O 1.º Autor tem hoje um menor grau de tolerância às contrariedades, está mais irritável, tem perdas de memória e dificuldades de concentração, tem dores frequentes, tem receios desenvolvidos pela doença, está triste e desgostoso.
12) Por outro lado, atentas as restrições de mobilidade e os cuidados que o 1.º Autor tem de ter (desde logo, com a auto-algaliação de 4 em 4h), a própria organização quotidiana da vida doméstica e dos períodos de lazer tem de ser pautada em função dessas dificuldades, diminuindo as saídas, as férias e os convívios no exterior.
13) Tudo isso foram sequelas do acidente, que não estariam presentes na relação pai-filho não fora o caso do acidente.
14) Está em causa um menor de muita pouca idade, que deixou de poder contar  com o pai com as características que ele tinha à idade em que nasceu (data em que não padecia de qualquer limitação e era saudável, alegre, comunicativo, com vontade de introduzir o filho nas actividades que ele próprio fazia, o que ficou privado de o fazer), que deixou de poder beneficiar em fases muito importantes do seu crescimento (e em que os pais assumem particular relevo) do acompanhamento que só a liberdade de deambulação lhe permitiria (com o capital de afecto implicadas nessas actividades e que permitem desenvolver) e que, num momento mais tardio da sua via, deverá assistência ao (por força da relação familiar), entende-se que se verifica o nível de gravidade a justificar a indemnização desse dano.
15) Nesta esteira, considera-se que, dentro do círculo de danos indemnizáveis, inscreve-se o dano não patrimonial do 3.º Autor (por interpretação extensiva do artigo 496.º/1, do CCiv), que se viu arredado de ter com o seu pai as experiências que a fruição da total liberdade de movimentos lhes poderia proporcionar e que irá partilhar no seu crescimento as dores, a tristeza, frustrações e limitações daquele.
16) A Douta Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais: artigos 70, 1577, 1677, 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6430/07.0TBBRG.S1, de 16-01-2014.

NESTES TERMOS
E NOS DEMAIS EM DIREITO APLICAVÉL, QUE V.EX.AS MUI
DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO 3º AUTOR BB, SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, DEVENDO A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR DOUTO ACORDÃO QUE CONDENE A RÉ/RECORRIDA NA MEDIDA DO ACIMA ASSINALADO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

G...
 1-O douto tribunal recorrido arbitrou a indemnização a título de dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro/lucro cessante, quando na verdade tal dano teria de ser indemnizado na vertente de dano não patrimonial.
2- O douto tribunal recorrido não teve em conta as declarações de parte do autor e o depoimento da testemunha DD, pelo que, deveria constar dos factos provados os seguintes pontos:
1-O autor continua a exercer a sua profissão e aufere actualmente um salário de n1.500€ por mês.
2-O autor continua a receber uma pensão mensal e vitalícia da seguradora de acidentes de Trabalho no valor de 821,23€ por mês x 14 meses, actualizável todos dos anos.
3-O autor continua a receber a título de ajuda de terceira pessoa a quantia de 394,98€ por mês, actualizável todos os anos.
3-Tendo em conta os depoimentos transcritos, é inequívoco que o douto tribunal recorrido deveria ter dado como provado que o autor CC continua a exercer a sua profissão e aufere actualmente um salário de 1.500€ por mês, bem como continua a receber uma pensão mensal e vitalícia da seguradora de Acidente de Trabalho no valor de 821,23€ por mês x 14 meses, actualizável todos dos anos e ainda se encontra a receber a título de ajuda de terceira pessoa a quantia de 394,98€ por mês, actualizável todos os anos.
4-O autor aufere mensalmente a título de remuneração a quantia de 2.321,23€ (1500€ + 821,23€), pelo que tem um rendimento mensal muito superior ao que auferia aquando da ocorrência do fatídico acidente, não tendo por essa razão qualquer perda salarial.
5-O autor não tem qualquer perda de rendimento, bem pelo contrário, pelo que, a indemnização a receber a título de dano biológico terá forçosamente de ser fixada a título de dano não patrimonial, de acordo com os critérios que regem o princípio da equidade e não com o recurso a fórmula matemática utilizada pelo douto tribunal recorrido.
6-Atentas as sequelas de que o autor ficou a padecer, a indemnização a arbitrar não poderá ser superior a 200.000€ até porque o autor irá receber tal montante de uma vez só, bem como continuará a receber a pensão mensal e vitalícia de acordo com a sentença proferida no processo de Acidente de Trabalho.
7-A fórmula matemática aplicada pelo douto tribunal recorrido, para além de não poder ser utilizada, incorre em manifesto erro, pois, foi aplicada uma taxa de juro de 1%, quando é consabido que as taxas de juros tendem a crescer e não a retrair.
8-O douto tribunal “a quo” aplica/deduz a taxa de juro apenas de uma vez sobre o capital total, quando o deveria efectuar ao longo do período em que a prestação é devida, isto e, o douto tribunal limitou-se a deduzir uma única vez a taxa de juro de 1% correspondente ao rendimento do capital, aplicado em produto sem risco, por força do benefício de antecipação.
9-Esta dedução tem de se reflectir ao longo da vida da prestação, já que o capital produz um rendimento de 1% anual e não apenas de uma só vez.
10-Assim, no primeiro ano ao capital inicial há que deduzir o valor da prestação anual, cujo resultado deve ser multiplicado pela taxa de juro, que acresce ao capital remanescente e assim sucessivamente até ao último ano em que a prestação é devida.
11- No caso dos autos e utilizando a mesma fórmula do douto tribunal recorrido (idade 34 anos, idade limite 78 anos, prazo 44 anos, IPP de 84 pontos, salário anual de 12.396€ e taxa de juro de 1%), o valor obtido é de 463.238,26€, que deduzindo o valor de 74.038,77 já recebido pelo autor, temos o valor total de 389.199,49.
12-Não querendo a recorrente colocar em causa a gravidade da situação de facto vivida pelo A., entende a recorrente que dos factos provados em sede de julgamento, perícia do INML e demais documentação junta aos autos, o valor indemnizatório a atribuir ao A. a título de danos não patrimoniais não deverá ultrapassar o valor de 175.000,00€.
13-É indubitável que o A. sofreu dano grave e irreversível, com dificuldade de movimentação e consequentemente afectação da sua vida diária, mas o valor arbitrado mostra-se exagerado e totalmente desconforme com os critérios de equidade.
14-No que concerne á ajuda de terceira pessoa, aceitando a recorrente que o autor dependerá de ajuda de terceira pessoa de cerca de 5 horas diárias e bem assim, aceitando o critério utilizado pelo douto tribunal recorrido para o pagamento dessa ajuda, já não pode aceitar o valor global arbitrado a este título por o mesmo estar incorrecto.
15- Como resulta do ponto 36 da matéria dada como provada no âmbito do processo de acidente de trabalho ficou fixado uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, no valor anual e actualizável de 5.533,68€ a ser paga mensalmente e 14 vezes ao ano.
16-Do depoimento da testemunha DD, resulta provado que nesta data a prestação mensal por ajuda de terceira pessoa é de 394,98€ por mês, actualizável todos os anos.
17-O douto tribunal recorrido, não podia, tal como o fez, arbitrar uma indemnização no valor de 281.295,00€, sem ter em conta o valor que o autor se encontra a receber actualmente, sob pena de o autor receber duas vezes pelo mesmo dano.
18-Aceitando o critério utilizados pelo douto tribunal recorrido, quanto ao valor mensal apurado que foi de 528,75€, o douto tribunal teria forçosamente de descontar o valor de 394,98€ que o autor já se encontra a receber, ficando então o valor mensal em 133,77€.
19-Seguindo os critérios utilizados pelo douto tribunal recorrido, o valor da indemnização a arbitrar a título de ajuda de terceira pessoa será de 71.165,64€ ( 133,77€ x 14 meses x 38 anos) mesmo sem ter em conta a actualização anual.
20-A indemnização arbitrada a título de dano não patrimonial ao autor BB, não tem fundamento.
21-Tal como resulta do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ – nº6/2014 de 22 de Maio de 2014, o chamado dano reflexo aplica-se apenas e tão só ao cônjuge de vitima sobrevivente e não aos seus filhos.
22-O autor BB carece de legitimidade para peticionar qualquer verba a título de danos não patrimoniais, na medida em que os filhos menores não tem direito a qualquer indemnização por danos morais quando o sinistrado é um dos seus pais. ( Veja-se o Acórdão do STJ nº 1082/17.... – ... Secção de 17-10-2019.) que refere (…) O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, não tem aplicação expressa ao pedido de indemnização por danos morais dos filhos menores do sinistrado sobrevivente de um acidente de viação (…)., pelo que, a ora recorrente terá de ser absolvida.
23-Resulta da douta sentença ora posta em crise, a condenação da recorrente na quantia que se vier a apurar ser necessária para a adaptação da cozinha da casa de habitação do 1º autor, para tratamentos médicos e medicamentosos adaptação do veículo e do material para incontinência.
24-Tais danos, a existirem já se encontra comtemplados no processo de Acidente de Trabalho e constantes da matéria dada como provada no artigo 36º da douta sentença.
25-Todos os danos que foram relegados para liquidação em execução de sentença já se encontram garantidos e será sempre ao abrigo do processo de Acidente de Trabalho que o autor terá direito a ser ressarcido por tais danos.
26-Não pode a recorrente ser condenada pelos mesmos danos dos quais já existe uma sentença transitada em julgado, a condenar a seguradora por Acidente de Trabalho, sob pena de existir uma duplicação de condenações, pelo que, também nesta sede a recorrente pede a sua absolvição.
27-Violou a douta sentença, entre outros, o disposto nos artigos 494º, 562º, 563º, 564º e 566º nº 3, todos do Cod. Civil.
Nestes termos e nos de mais de direito aplicável deve ser a douta sentença revogada, nos termos e pelos fundamentos supra expostos e substituída para que respeite a correcta aplicação dos normativos que subsumem a essência fáctica do caso dos autos,…

CC
1) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico” em consequência da perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 85 pontos que lhe foi fixado.
2) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
3) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de auxilio de terceira pessoa.
4) O Autor/Recorrente, não concorda com a não condenação da Ré em pagar ao Autor os juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei sobre as indemnizações que venham a ser a concedidas ao Autor a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais e respectivo o momento a partir do qual os mesmos são devidos pela Ré ao Autor.
5) O Autor/Recorrente, não concorda com a não condenação da Ré em pagar ao Autor uma quantia diária de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento dos deveres fixados no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007 e respectivo momento a partir do qual essa mesma quantia é devida pela Ré ao Autor.
6) Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 32, 44, 45, 125, 126, 127, 128, 129, 136, 137, 156, 157, 164, 165, 166, 167, 168 e, 220 dos factos dados como provados na Douta Sentença e com recurso à equidade – artigo 566º, nº3, do Código Civil- deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor a titulo de indemnização pelo “dano biológico” decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 85 pontos, uma quantia nunca inferior a €1.000,000,00 (Um Milhão de Euros), quantia essa cujo pagamento o 1º Autor desde já peticiona da Ré/Recorrida.
7) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes factores:
1. 32. O 1.º Autor nasceu a .../.../1981 (32 anos à data do acidente).
2. 44. À data do embate, o 1.º Autor exercia, também exercendo actualmente, por conta da sociedade F... Unipessoal, Ld.a, a categoria profissional de “web designer”.
3. 45. Na data referida em 1., no exercício da actividade identificada em 44., o Autor auferia uma retribuição anual ilíquida de €18.421,37 (€1.100x14+€133,10x11+€ 1.243,66x1+€ 313,61) a título de salário base e subsidio de transporte, subsidio de alimentação, gratificações e premio de produção.
4. 125. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, ficou a padecer das seguintes sequelas:- Ráquis: paraplegia ASIA A com nível motor D10 / nível sensitivo D10 = nível neurológico único D10. Exame neurológico sumário: Força Muscular - Dta/Esq: C5- T1 5/5; L2-S1 0/0. Sensibilidade profunda (sentido posicional do hállux): ausente. Sensibilidade álgica: normal até ao território D10, hipostesia em território D11, anestesia a partir de território D12.
Sensibilidade álgica anal: ausente; Tónus e reflexo anal: hipotonia anal com reflexo anal presente; Pressão anal profunda: ausente; contracção anal: ausente. Reflexo bulbocavernoso: ausente. Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 19cm de comprimento, localizada ao longo da linha médiana região dorso-lombar.- Períneo: presença de fralda para incontinência urinária e penso oclusivo isquiáticonadegueiro relacionada com a última intervenção cirúrgica para tratamento de escaras, úlceras e fístulas de que frequentemente padece a nível desta região anatómica desde a data da ocorrência.- Membro superior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ou outras alterações macroscopicamente aparentes. - Membro superior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ou outras alterações macroscopicamente aparentes. – Membro inferior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia muscular ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda. - Membro inferior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro.
Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda.
5. 126. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, apresenta as seguintes queixas, a nível funcional: - Postura, deslocamentos e transferências: a deslocação apenas é possível em cadeira de rodas manualmente activada pelo próprio; tem necessidade de levantes frequentes ("push-ups") quando permanece sentado durante períodos de tempo superiores a 15 - 20 minutos, recorrendo ao uso dos braços para o fazer, devido ao desconforto que lhe causam as múltiplas cicatrizes e feridas crónicas nas regiões perineal e nadegueiras - Cognição e afectividade: tem amnésia para o acidente, suas circunstâncias e período inicial de internamento hospitalar; desde que recuperou a consciência após a data da ocorrência, o seu comportamento e personalidade tornaram-se tristes, chora com facilidade e sente-se ainda revoltado com o que lhe aconteceu e tudo o que isso implica futuramente tanto para o próprio como para a sua família; está impaciente com mais rapidez e facilidade, e explode facilmente assim que fica irritado, reagindo de forma mais abrupta às pessoas e aos contratempos, por ter ficado com menor nível de tolerância à frustração; tem perdas de memória e dificuldades para manter a atenção, a concentração e na memória de retenção; - Controlo de esfíncteres: incontinência de esfíncteres, tendo realizado treino vesical e intestinal, encontrando-se actualmente a realizar auto-algaliações intermitentes de 4/4 horas durante o dia, necessitando de ajustar os intervalos de tempo consoante a ingestão de líquidos e o tipo de alimentos consumidos; mantém o treino intestinal em dias alternados com suplementos alimentares e supositórios; utiliza permanentemente fralda para incontinência, para poder ter a certeza de que não perde urina nem fezes, sobretudo em locais públicos, por não conseguir sentir quando isto acontece, apercebendo-se apenas do sucedido pelo cheiro que começa a sentir; - Fenómenos dolorosos: lombalgias frequentes, que se acentuam quando permanece sentado durante períodos de tempo prolongados, ou quando se sente mais cansado; toma a medicação gabapentina em SOS; esta dor impede-o de se focar nas coisas que realmente pretende ver realizadas.
6. 127. Nos actos da vida diária, o 1.º Autor apresenta as seguintes queixas: independente na alimentação e na maioria das transferências, na propulsão na cadeira de rodas no interior e exterior nivelado, assim como na realização da higiene em contextos acessíveis; para a realização das transferências, tem necessidade de tábua de transferências, desde que sejam ao mesmo nível, necessitando sempre de ajuda de 3.ª pessoa nas transferências desniveladas, nomeadamente para passar da cadeira de rodas para a sua cama (no domicílio); na ida para a garagem e na transferência da cadeira de rodas para o carro, entre outras; necessita de ajuda de 3.ª pessoa na propulsão da cadeira de rodas no exterior desnivelado/irregular, assim como para subir e descer escadas, descer e subir rampas íngremes.
7. 128. O 1.º Autor estava colectado como fotógrafo, realizando, com carácter irregular, a cobertura fotográfica de eventos para privados e empresas, também se dedicando, por conta própria, a fazer trabalhos multimédia.
8. 129. Esses trabalhos representavam área de realização pessoal e fonte de auto-estima.
9. 136. As sequelas com que o 1.º Autor restou determinam-lhe um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 84 (oitenta e quatro) pontos.
10.137. As sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual ou outras da sua área de preparação, desde que haja adaptação do seu local e condições de trabalho, mas implicando esforços suplementares por parte do 1.º Autor.
11.156. Na vida laboral, o 1.º Autor sente-se “parado no tempo” e sente o contacto diminuído com os colegas de trabalho.
12.157. O 1.º Autor, quando sai fora de casa, enfrenta a preocupação de saber se o local para onde irá terá condições para a auto-algaliação, e, nessas situações, sente medo e fica angustiado.
13.164. O 1.º Autor, antes do embate, era saudável e uma pessoa alegre, de fácil contacto, comunicativa, divertida, dinâmica, confiante, com projectos para o futuro, afável, com força de vontade e uma pessoa lutador.
14.165. O 1.º Autor, após o embate, é uma pessoa introvertida, fechada, está constantemente a pensar nos seus problemas e limitações, receosa que o seu estado de saúde piore e com medo de se aleijar.
15.166. O 1.º Autor está muitas vezes deprimido, com pouca força de vontade, e, quando assim é, deixa de falar ou responder às pessoas, fica calado e, ocasionalmente, chora.
16. 167. O 1.º Autor não tem força de vontade para ultrapassar os obstáculos que surgem no dia-a-dia.
17. 168. O 1.º Autor sente-se constrangido e inibido para pedir ajuda, seja a familiares seja a colegas de trabalho, porque não quer estar sempre a incomodar as pessoas, sentindo-se um peso para os outros e principalmente para a sua família.
18. 220. Tendo em conta as conversas que tem com o marido, a 2.ª Autora considera que aquele está mais lento no raciocínio e que demonstra perdas de memória, sendo às vezes difícil manter uma conversa com o mesmo, o que a entristece, que sente necessidade de conversar com o seu parceiro como faziam antes do embate.
8) Não fossem as sequelas com que ficou afectado, era expectável que o 1º Autor tivesse progredido na sua carreira profissional, ascendendo a remuneração e postos de chefia de que se viu afastado por força da sua actual condição física.
9) A capacidade de ganho do 1.º Autor ficou afectada, quer por causa do acréscimo de esforço que terá de desenvolver para realizar o trabalho que já executava ou outro dentro da sua área de preparação, quer porque as lesões irreversíveis de que aquele é portador podem comprometer a manutenção da sua empregabilidade.
10) Num mercado muito competitivo, como é o actual, as entidades empregadoras procuram ganhos de eficiência e poupança de custos, pelo que a contratação de recursos humanos que obriguem a investimento em soluções de integração e de diferenciação, quanto às condições de prestação de trabalho, não é uma situação corrente.
11) Quanto ao rendimento anual do 1º Autor, deve considerar-se o subsídio de alimentação, bem como as gratificações e prémio de produção, as quais não se confundem com ajudas de custo.
12) A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.
13) Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 80 anos, e tem tendência para aumentar),
14) O 1º Autor está assim substancialmente prejudicado e limitado nas suas oportunidades de escolha de outras profissões e de obtenção de novo emprego, motivo pelo qual se justifica a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%,
15) A taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional,
16) Os empregadores partem, com frequência, do princípio de que as pessoas com deficiência não são capazes de trabalhar,
17) Os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego,
18) Em Portugal noticia-se que a taxa de desemprego entre os portadores de deficiência é cerca de duas a três vezes superior à dos restantes cidadãos.
19) Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 32, 55 a 127, 130 a 179 dos factos dados como provados na Douta Sentença, com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao 1º Autor/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €400.000,00 (Quatrocentos Mil Euros).
20) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes factores:
1. o 1.º Autor nasceu a .../.../1981 (32 anos à data do acidente).
2. o 1.º Autor não contribuiu para a produção do embate;
3. ficou gravemente ferido, tendo sido transportado de ambulância para o Hospital ..., onde ficou internado desde 14/07/2014 até 23/10/2014; quando teve alta desse Hospital, foi internado no CRN até 20/01/2015, tendo disso, depois, transferido para o Hospital ..., onde ficou internado até 29/05/2015; após o regresso a casa, foi sujeito a mais dois internamentos hospitalares, no Hospital ..., entre 01/08/2016 e 13/10/2016: na Casa de Saúde ..., entre 23/01/2017 até 23/03/2017;
4. o período de incapacidade temporária absoluta foi, no total, de 484 dias;
5. teve medo de morrer;
6. quer nos períodos de internamento quer nos de recuperação, sofreu dores, que foram quantificadas no grau 6 numa escala de 1 a 7;
7. não obstante os tratamentos a que foi sujeito, continua, e continuará, a sofrer fenómenos dolorosos;
8. ficou a padecer de um défice na integridade físico-psíquica de 84 pontos;
9. por sofrer de paraplegia em virtude das lesões, ficou sem mobilidade nos membros inferiores,
10.tornou-se incontinente,
11. necessita de usar fralda,
12.faz auto-algaliações de 4 em 4h,
13.necessita de ajuda de terceira pessoa em cerca de 5 h diárias (designadamente, para circular em pisos irregulares, para efectuar deslocações desniveladas e, ocasionalmente, na mudança da fralda);
14.ficou a padecer de disfunção eréctil;
15. padece de um prejuízo na actividade sexual valorizado em 7 pontos numa escala de 1/7 graus de gravidade;
16.foi sujeito a múltiplas cirurgias e restou, por força delas e por força das lesões provocadas com o embate, com várias cicatrizes, que o inibem e que, associado à necessidade de deambular em cadeira de rodas, são causa da atribuição de um prejuízo estético de 5 pontos numa escala de 1/7 graus de gravidade;
17.deixou de poder prosseguir actividades de lazer a que se dedicava antes do acidente– como a fotografia, andar de mota e ir a concentrações motard, e praticar natação –, o que é causa de um prejuízo correspondente a 5 pontos numa escala de 1 a 7 graus de gravidade;
18.durante o internamento, deixou de poder conviver quer com a esposa, quer com o seu filho,
19.o 3.º Autor, que, à data do embate, tinha apenas 5 meses de idade, tendo- se sentido sozinho e com medo;
20.por força das limitações que ficou a padecer, não poderá ter com o seu filho brincadeiras que impliquem a mobilidade dos membros inferiores e sente tristeza ao ver que terceiros o substituem nas mesmas;
21.era uma pessoa alegre, trabalhadora e com projectos para o futuro e,
22.por força da sua actual condição física causada pelo acidente,
23.perdeu a vontade de viver, está triste, desgostoso e angustiado e sem alegria, desenvolveu medos e receios;
24.sente- se constrangido em pedir ajuda e vê-se como um “inválido”.
25. No caso em apreço, os danos não patrimoniais sofridos pelo 1º Autor são de gravidade extrema: por força das lesões e sequelas físicas com que restou de um acidente para o qual não contribuiu, o 1.º Autor ficou privado de um sem- número de sensações, experiências e possibilidades, numa fase da vida ainda muito jovem, pois que contava apenas com 32 anos de idade.
26. Viu-se, de modo drasticamente repentino, privado das alegrias próprias dessa faixa etária, quer na relação consigo mesmo, quer nas relações sociais, quer nas relações afectivas.
27. Para além do pânico contemporâneo do acidente e das dores sofridas e de que continuará a padecer, está incapaz de ter uma vida sexual activa, de procriar, de perseguir uma vida, quer no plano pessoal quer no plano profissional, plenamente de acordo com a sua vontade, deixando de poder fruir da liberdade de se movimentar pelos seus meios.
28. Para sempre, encontrar-se-á dependente do auxílio de terceiros para o auxiliar em tarefas da sua vida diária (num período que se estimou não inferior a 5h).
29. Para além disso, para fazer face às implicações das sequelas no seu estado de saúde, estará ainda dependente de contínua ajuda médica e de ajudas técnicas.
30. Por isso, a sua frustração, dor e o seu sofrimento são muito elevados, não só por si, mas pela consciência do que a situação importa para os seus familiares mais próximos, pensando na sobrecarga que representa para os mesmos e nas restrições que o próprio lhes causa.
31. Em casos como este, de molde que a indemnização por danos não patrimoniais constitua uma compensação adequada ao grau de lesão da pessoa humana, tem-se vindo a entender que os valores fixados jurisprudencialmente em sede de indemnização pela perda do direito à vida não deverão representar um limite nesta ponderação.
32. Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 32, 127, 147 e 178 dos factos dados como provados na Douta Sentença, com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor/Recorrente a titulo de título de auxilio permanente de terceira pessoa, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €400.000,00 (Quatrocentos Mil Euros), quantia essa que o Autor/Recorrente desde já peticiona da Ré/Recorrida.
33. Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes factores:
1. 32. O 1.º Autor nasceu a .../.../1981 (32 anos à data do acidente).
2. 127. Nos actos da vida diária, o 1.º Autor apresenta as seguintes queixas: independente na alimentação e na maioria das transferências, n propulsão na cadeira de rodas no interior e exterior nivelado, assim como na realização da higiene em contextos acessíveis; para a realização das transferências, tem necessidade de tábua de transferências, desde que sejam ao mesmo nível, necessitando sempre de ajuda de 3.ª pessoa nas transferências desniveladas, nomeadamente para passar da cadeira de rodas para a sua cama (no domicílio); na ida para a garagem e na transferência da cadeira de rodas para o carro, entre outras; necessita de ajuda de 3.ª pessoa na propulsão da cadeira de rodas no exterior desnivelado/irregular, assim como para subir e descer escadas, descer e subir rampas íngremes,
3. 147. O 1.º Autor necessita do apoio, auxilio e ajuda permanente de uma terceira pessoa, por um período de cerca 5 (cinco) horas por dia até ao fim da sua vida, 4. 178. Se quiser passear, o 1.º Autor precisa sempre de uma terceira pessoa para o ajudar a ultrapassar zonas com desnível.
34. Para efeitos de cálculo do valor indemnizatório que deverá ser atribuído ao 1º Autor a título de auxilio permanente de terceira pessoa até ao fim da sua vida, deverá ter-se em linha de conta os valores da retribuição mínima actual fixado para s ano de 2022 (€ 705,00 (Decreto-Lei n.º 109-b/2021, de 7/12),
35. Bem como o valor do Salário Mínimo Hora actual para o ano de 2022 no valor de 4,06€, calculado da seguinte forma (€705,00/40)X (12 meses/52 semanas)= 4,06€
36. Tendo por referência a ajuda permanente e diária de terceira pessoa durante um ano, chega-se ao valor de €355.656,00, calculada da seguinte forma: 365 dias x 5 horas diárias : 1.825 horas anuais a titulo de ajuda diária e permanente de 3ª pessoa x €4,06 (salário hora)= €7.409,50 x 48 anos esperança media de vida (80– 32) = €355.656,00, para indemnizar o Autor a título de auxilio permanente de terceira pessoa até aos 80 anos de idade,
37. Este critério não dispensa o recurso à equidade, sendo mesmo um valioso auxiliar, devendo o julgador sintonizá-lo com a realidade concreta, caso a caso, e essa sintonização terá forçosamente de ser para um valor superior ao acima encontrado, na medida em que os valores da retribuição mínima, durante uma longa vida activa vai, pelo menos duplicar.
38. Assim com recurso à equidade – artigo 566º, nº3, do Código Civil – deverá ser atribuída ao 1º Autor a título de auxilio permanente de terceira pessoa, uma indemnização a qual deverá ser fixada equitativamente em quantia nunca inferior à quantia de €400,000,00 (Quatrocentos Mil Euros), quantia essa cujo pagamento o Autor desde já peticiona da Ré.
39. Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 50, 51, 52 e
53dos factos dados como provados na Douta Sentença, a Ré deveria ter sido condenada a pagar ao 1ºAutor juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei sobre as indemnizações que lhe venham a ser a concedidas a titulo de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
40. Com efeito,
1. 50. No prazo de 60 (sessenta) dias subsequentes à comunicação do sinistro pelo 1.º Autor, a Ré, através da gestora de processo DD, assumiu, perante aquele, por escrito, a responsabilidade decorrente do acidente.
2. 51. Através da congénere Companhia de Seguros S..., SA, a Ré tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015.
3. 52. A Ré não convocou nem submeteu o 1.º Autor a “avaliação do dano corporal em direito civil”.
4. 53. A Ré não apresentou ao 1.º Autor proposta de indemnização.
41. A Ré no prazo de 60 dias subsequentes à comunicação do sinistro, através do seu gestor de processo de nome DD, expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante o Autor, a culpa exclusiva do condutor do veículo nela segurado na Ré na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e que vitimou o Autor.
42. A Ré assumiu perante o Autor a responsabilidade na proporção de 100% pelo pagamento de todos os prejuízos (danos patrimoniais e não patrimoniais) que o mesmo sofreu em consequência do acidente de viação descrito nos autos.
43. As lesões sofridas pelo Autor CC em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, estabilizaram apenas em 09/11/2015.
44. A Ré no âmbito do acidente de trabalho teve conhecimento da data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor CC ocorrida em 09/11/2015, data a partir da qual os danos sofridos pelo Autor passaram assim a considerar-se quantificáveis pela Ré.
45. A Ré em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, não convocou nem submeteu o 1º Autor CC a qualquer Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil.
46. A Ré, até à presente data, decorridos que foram os 15 dias após a data da alta clinica do Autor CC fixada em 09/11/2015, ainda não apresentou ao Autor, por escrito, qualquer proposta razoável/consolidada de indemnização devidamente fundamentada por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos e de acordo com os critérios e valores orientadores constantes da Portaria 679/2009 de 25 de Junho.
47. A Ré não cumpriu assim a sua obrigação legal de apresentar por escrito, devidamente fundamentada e de acordo com os critérios e valores orientadores constantes da Portaria 679/2009 de 25 de Junho, uma proposta razoável/consolidada de indemnização ao Autor por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo mesmo em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, nos prazos e sob a formas legais, ou seja, no prazo de 15 dias, contados após a data da alta clínica do Autora fixada pela Ré em 09/11/2015, prazo esse que terminou assim em 24/11/2015, nos termos do artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007.
48. O facto do Autor não formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, não é condição de dispensa do dever por parte da Ré de formular uma proposta razoável de indemnização ao 1º Autor, razão pela qual os juros de mora em que a Ré for condenada devem ser calculados aplicando o dobro da taxa legal (nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007).
49. Tendo em linha de conta tudo o quanto supra se alegou nas conclusões anteriores sob os n.s 40 a 47 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzdo para todos os devidos efeitos legais, bem como a matéria de facto constante dos itens n.ºs 50, 51, 52 e 53 dos factos dados como provados na Douta Sentença, a Ré deveria ter sido condenada a pagar ao 1º Autor uma quantia diária de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento dos deveres fixados no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007,
50. Quantia essa devida pela Ré desde o dia seguinte ao final dos prazos previstos no artigos 37.º, n.º 1 alínea c), 38º n.º 3, e 39º, n.º 2 e 40.º, n.º 2, todos do Decreto- lei 291/2007 de 21 de Agosto, ou seja, desde 24/11/2015 (términus do prazo de 15 dias após a alta clinica do Autor fixada pela Ré em 09/11/2015), ou contados desde a data da citação da Ré, ou desde a data que viesse a ser estabelecida na decisão judicial e até efectivo e integral pagamento, os quais o Autor desde já peticiona da Ré, e cuja total e integral quantificação se relega para posterior incidente de liquidação (artigos 358º e 609º/2, do C.P. Civil) ou execução de sentença a esse título.
51. A Douta Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais: artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil , os artigos 36.°, n.°s 1 e) e 5, 37, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 1 e 2 e 39º, n.ºs 1 e 2, 40.º, n.º 2) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, artigos 805º, nº 3 e 806º todos Código Civil e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº4/2002, de 09/05/2002-

NESTES TERMOS
E NOS DEMAIS EM DIREITO APLICAVÉL, QUE V.EX.AS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADO PELO 1º AUTOR CC SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, DEVENDO A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR DOUTO ACORDÃO QUE CONDENE A RÉ/RECORRIDA NA MEDIDA DO ACIMA ASSINALADO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Os Recorridos CC, EE e a recorrida G..., apresentaram contra-alegações onde pugnaram pela improcedência dos recursos nos quais são parte interessada.

2. QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[i] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[ii] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[iii]

As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
- Danos não patrimoniais da Autora AA;
- Danos não patrimoniais do Autor BB;
- Dano biológico do Autor CC;
- Danos não patrimoniais do Autor CC (além dos relativos ao dano biológico);
- Dano respeitante à necessidade de auxílio de terceira pessoa ao Autor CC;
- A condenação da Ré na quantia que se vier a apurar ser necessária para a adaptação da cozinha da casa de habitação do 1º autor, para tratamentos médicos e medicamentosos adaptação do veículo e do material para incontinência;
- Da duplicação dos juros legais e condenação na quantia prevista no art. 40º, nº 2, do D.L. nº 291/2007.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1.  REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios - «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

Tendo em mente a comum interpretação deste art. 640º, analisemos a pretensa impugnação da Apelante G....

Descendo ao caso.
A Apelante sindica a decisão da matéria de facto pugnando pelo aditamento dos seguintes factos ao rol dos que foram julgados assentes:
1-O autor continua a exercer a sua profissão e aufere actualmente um salário de 1500€ por mês.
2-O autor continua a receber uma pensão mensal e vitalícia da seguradora de acidentes de Trabalho no valor de 821,23€ por mês x 14 meses, actualizável todos dos anos.
3-O autor continua a receber a título de ajuda de terceira pessoa a quantia de 394,98€ por mês, actualizável todos os anos.
Com esse objectivo, a Apelante indica em sustento dessa tese prova pessoal gravada, nomeadamente as declarações de parte do Autor CC e o depoimento da testemunha DD, sua funcionária.
Foram cumpridos os ónus exigidos pelo dispositivo do art. 640º, do C.P.C., pelo que cumpre apreciar esta impugnação.
Esta pretensão do Apelante consubstancia uma pretensa ampliação da matéria de facto considerada pela sentença impugnada.
Contudo, à semelhança do que sucede nos casos previstos no art. 662º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil, esta ampliação haverá, sempre, de ter cariz indispensável à boa solução da causa e à análise das várias soluções plausíveis para o seu mérito.
No caso, a sua utilidade é, por isso, reduzida, o que se reflecte no mérito desta impugnação.
Com efeito, se lermos com algum cuidado a decisão em apreço, havemos de notar que em 44. e 45., ficou assente que este Autor continua a exercer a mesma actividade profissional, na mesma empresa, e que auferia à data do acidente o rendimento aí mencionado, sem que haja notícia (nos factos provados ou na sua motivação) de que tenha sido diminuído ou de que, mais, o Tribunal a quo tenha partido desta circunstância para fixar os valores indemnizatórios em causa.
Além disso, devia a Apelante ter tido em atenção que, v.g., nos itens 36. e 248., aliás de acordo com matéria de excepção por si alegada em sede de contestação, o Tribunal a quo já considerou assente o valor dessa pensão e da mencionada prestação suplementar, como valores que vão sendo actualizados, resultantes de processo judicial cujo desfecho está documentado a fls. 126 e ss., sem que se perceba dos valores agora indicados ou da sua fundamentação que haja algo de distinto e ou com relevo a ter em conta com os valores parcelares que agora pretende aditar.
Aliás, a Apelante não impugnou nenhum desses itens da matéria de facto assente e é preciso sublinhar que, tratando-se de factos instrumentais, nem necessitam de estar presentes na enumeração dos factos prevista no art. 607º, nº 4, do C.P.C..
Posto isto, ressalvada o eventual interesse do montante do actual rendimento líquido do Autor, toda a restante matéria que se pretende aditar já está contemplada na decisão em crise, razão pela qual julgamos improcedente o respectivo pedido de ampliação.
No que contende com esse salário à data das declarações do Autor (28.4.2022), ouvida as gravações identificadas, confirmamos que o mesmo reconheceu (cf. art. 361º, do C.C.) que actualmente continua a exercer funções na mesma empresa que são remuneradas com 1500 euros líquidos, presumindo-se, em conjugação com restante factualidade assente nesta matéria, que este seja um valor mensal.
Deste modo, julga-se procedente esta impugnação, aditando-se aos factos provados que o Autor auferia em 28.4.2022 um salário líquido no valor de 1500 euros.
                                           
3.3. FACTOS A CONSIDERAR

a) Factos provados. 
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
- Oriundos da matéria considerada assente (no despacho proferido a 20.04.2018; cfr. de fls. 171 a 175):
1. No dia 14/07/2014, cerca das 8h55m, o 1.º Autor tripulava o motociclo matrícula ..-..-TI (TI), na rua ..., freguesia ..., concelho ..., no sentido ... – ....
2. O 1.º Autor circulava a velocidade entre os 40/50 km/h.
3. O TI seguia com as luzes de cruzamento e de nevoeiro de frente e traseira ligadas.
4. O 1.º Autor tinha capacete de protecção colocado na sua cabeça.
5. O 1.º Autor circulava na hemifaixa da direita, considerando o sentido referido em 1., junto à berma direita.
6. No sentido referido em 1. não circulava qualquer outro veículo nem à frente, nem atrás do TI.
7. No momento referido em 1., FF conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-..-QE (TE) no sentido ... – ....
8. O QE pertencia a FF, pai do condutor identificado em 7., que lho cedera para tratar de assuntos de família.
9. O QE circulava a velocidade superior a 50/60 km/h.
10. Ao chegar a um entroncamento existente à sua esquerda, o condutor do QE pretendia virar à esquerda com destino à rua 5 de Outubro.
11. O condutor do QE não verificou que na hemifaixa contrária já circulava o TI.
12. O QE seguia com as luzes de cruzamento desligadas.
13. O condutor do QE não accionou o pisca do lado esquerdo, não diminuiu a velocidade nem se aproximou do eixo da via.
14. O condutor do QE não susteve a marcha para se imobilizar na hemifaixa destinada ao sentido referido em 7..
15. O condutor do QE repentinamente, flectiu à esquerda atravessadamente e na perpendicular, saindo da hemifaixa referida em 7..
16. O condutor do QE passou a circular com toda a sua parte frontal e lateral direita na hemifaixa identificada em 1..
17. Cortou e obstruiu por completo a passagem do TI impedindo-o de continuar.
18. O 1.º Autor não teve tempo nem espaço para diminuir a velocidade, travar ou para se desviar o mais possível para a sua direita.
19. O TI embateu com a sua parte frontal na parte lateral direita, sensivelmente a meio, do QE.
20. O embate referido em 19. ocorreu na hemifaixa do sentido ... – ..., ficando nela peças, plásticos, vidros partidos de ambos os veículos, a cerca de 80 cm da berma direita, a cerca de 2,20 metros do eixo da via e a cerca de 5,20 metros da berma esquerda.
21. Após o embate, o TI ficou imobilizado na hemifaixa do sentido ... – ..., com a roda traseira a cerca de 40 cm do eixo da via e a roda dianteira a cerca 2,45 metros da berma direita, a uma distância de cerca de 1,50 m do local do embate.
22. O condutor do QE imobilizou a sua marcha na rua 5 de Outubro.
23. Na berma direita da rua ..., no sentido identificado em 1., existia um sinal vertical B9, cerca de 50/100 metros de distância antes do local referido em 20..
24. No momento e local referido em 20., a rua ... constituía um entroncamento em curva plana, com extensão superior a 50 metros, boa visibilidade, sinalizada e nivelada.
25. O TI era visível e avistável no campo visual do condutor do QE a distância não inferior a 50 metros.
26. No local referido em 20., a rua ... tinha uma faixa de rodagem com a largura total de cerca 6 metros, repartida em cerca de 3 metros para cada hemifaixa.
27. A rua ... dispunha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito, delimitados entre si por uma linha longitudinal descontínua de cor ... marcada no pavimento, com iluminação pública de carácter permanente.
28. No local, a rua ... constituía uma localidade povoada, com grande tráfego de animais, veículos automóveis e ladeada/marginada de ambos os lados por edificações com saídas directas para a mesma, possuindo uma placa indicativa que se trata de uma localidade.
29. No local referido em 20., o pavimento em betuminoso/alcatroado encontrava-se regular e em bom estado de conservação.
30. No momento referido em 1., o pavimento encontrava-se seco.
31. Por acordo de seguro titulado pela apólice nº ...96, FF transferiu para a Ré, anteriormente A... Seguros, S.A., a responsabilidade pela circulação rodoviária do veículo ... matrícula QE até ao montante de € 6.000.000.
32. O 1.º Autor nasceu a .../.../1981.
33. A 2.ª Autora nasceu a .../.../1983.
34. Os 1.º e 2.ª Autores casaram entre si a ....
35. O 3.º Autor nasceu a .../.../2014, sendo filho dos 1.º e 2.ª Autores.
36. No âmbito do processo de acidente de trabalho nº 4670/15...., que correu termos na Instância Central ... da Comarca ..., em 15/06/2016 foi realizada tentativa de conciliação entre o 1.º Autor a Ré (à época Companhia de Seguros S..., SA), tendo esta aceite pagar por via do acidente ocorrido a 14/07/2014:
- Pensão vitalícia no montante de € 10.831,77 devida desde o dia .../.../2015, dia seguinte ao da alta, actualizável para € 10.875,10 a partir de 01/01/2016;
- A quantia de € 2.161,71 a título de diferenças na indemnização por ITs;
- Subsídio de situação de elevada incapacidade permanente, no valor de € 5.267,98;
- Subsídio de readaptação de habitação até ao limite máximo de € 5.533,68;
- Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, no valor anual e actualizável de € 5.533,68, a ser paga mensalmente e 14 vezes por ano;
- Acompanhamento multidisciplinar, nomeadamente, da especialidade de fisiatria e necessários tratamentos de fisioterapia, no mínimo de três vezes por semana e, ainda, da especialidade de urologia;
- Fornecimento de cadeira de rodas adaptada às limitações do sinistrado e sua substituição;
- Fornecimento de dispositivo técnico de compensação das limitações funcionais do sinistrado, traduzido na adaptação do seu veículo automóvel;
- A quantia de € 30,00 despendida pelo sinistrado para se deslocar ao GML e ao Tribunal.
37. O 1.º Autor declarou aceitar o acordo proposto.
38. O acordo referido em 36. foi homologado por sentença proferida a 15/06/2016, transitada em julgado.
39. No âmbito do processo identificado em 36. foi realizada perícia no Instituto Nacional de Medicina Legal e Clínica Forense, Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, constando do relatório o seguinte:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 09/11/2015;
- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 483 dias;
- Incapacidade permanente parcial fixável em 84%;
- Necessidade futura de acompanhamento multidisciplinar a ser assegurado pela Seguradora nomeadamente das especialidades de Fisiatria e necessários tratamentos de Fisioterapia no mínimo três vezes/semana e ainda da especialidade de Urologia, tendo em conta as frequentes infecções urinarias que se avizinham;
- Deverá ainda a Seguradora assegurar cadeira de rodas adaptada às limitações do sinistrado e sua substituição;
- A seguradora deverá assegurar o estudo e minimização das barreiras arquitectónicas da residência e local de trabalho da vitima;
- Deverá ainda a Seguradora proceder a adaptação do veiculo automóvel do sinistrado de modo a este se tornar capaz de manter o trabalho habitual de web designer, que tinha antes do acidente em apreço o qual na actualidade não tem, tendo em conta a necessidade das referidas adaptações;
- Necessidade de terceira pessoa, superior a seis horas/dia.
40. Na data referida em 1., o Autor foi transportado pela VMER para o Hospital de ... - Escala Sociedade Gestora do Estabelecimento, SA.
41. O 1.º Autor foi observado pelas especialidades de traumatologia, fisiatria, psiquiatria, urologia, clínica geral, cirurgia plástica, neurologia dos serviços clínicos da Companhia de Seguros S..., SA
42. Após a alta do Hospital ..., em 29.05.2015, o 1.º Autor continuou em regime ambulatório no Hospital ... Arrábida pela Companhia de Seguros S..., SA
43. Foi prescrita continuação da recuperação funcional no Hospital ..., onde passou a fazer os tratamentos de fisioterapia, inicialmente com periodicidade em dias alternados.
44. À data do embate, o 1.º Autor exercia, também exercendo actualmente, por conta da sociedade F... Unipessoal, Ld.a, a categoria profissional de “web designer”.
45. Na data referida em 1., no exercício da actividade identificada em 44., o Autor auferia uma retribuição anual ilíquida de € 18.421,37 (€ 1.100x14+€133,10x11+€ 1.243,66x1+€ 313,61) a título de salário base e subsídio de transporte, subsidio de alimentação, gratificações e premio de produção.
45.1. O Autor auferia em 28.4.2022, na mesma empresa, um salário líquido no valor de 1500 euros.
46. Durante o período decorrido entre 14/07/2014 e 09/11/2015, o Autor deixou de auferir a quantia total de € 24.802,15 a título de salários mensais ilíquidos, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
47. Durante o referido período, o Autor recebeu da Companhia de Seguros S..., SA, no âmbito do processo identificado em 36., € 17.361,51 a título de perdas salariais mensais ilíquidas, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
48. Em consequência do referido em 19., o TI ficou com toda a sua parte da frente danificada e inutilizada, não sendo a reparação tecnicamente viável.
49. A 2.ª Autora regressou ao trabalho em Outubro de 2014.
50. No prazo de 60 (sessenta) dias subsequentes à comunicação do sinistro pelo 1.º Autor, a Ré, através da gestora de processo DD, assumiu, perante aquele, por escrito, a responsabilidade decorrente do acidente.
51. Através da congénere Companhia de Seguros S..., SA, a Ré tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015.
52. A Ré não convocou nem submeteu o 1.º Autor a “avaliação do dano corporal em direito civil”.
53. A Ré não apresentou ao 1.º Autor proposta de indemnização.
54. O 1.º Autor está inscrito no Centro Distrital ... como beneficiário n.º ...29.
- Oriundos dos temas da prova seleccionados no despacho de 20.04.2018 (fls. 174 a 176) e no despacho de 24.04.2022 (cfr. fls. 298/verso):
55. O 1.º Autor foi encontrado no local em decúbito ventral, com capacete, com Glasgow 6 (O1V1M4) no local, com tendência a desvio conjugado do olhar para a direita.
56. O 1.º Autor foi sedado no local com midadolam 15mg+propofol 50mg durante o transporte.
57. À chegada dos serviços de urgência, o 1.º Autor foi entubado e sedado, pode retirar o colar cervical e ficou em repouso no leito.
58. O 1.º Autor, no mesmo dia 14/07/2014, foi admitido na Unidade de Cuidados Intensivos ... (...) do Hospital ..., apresentando diagnóstico de politraumatizado com múltiplas lesões e contusões traumáticas, designadamente: politrauma em Glasgow 6, com traumatismo crânio-encefálico (TCE CE), a revelar hemorragia intraventricular com sangue no ventrículo lateral esquerdo e residualmente no corno occipital ventricular direito e no IV ventrículo.
59. O 1.º Autor apresentava também hematoma subdural agudo frontal direito, tendo-lhe sido colocado sensor de PIC.
60. O 1.º Autor apresentava ainda trauma vertebro-medular com fractura compressiva do corpo vertebral de D12 com recuo da vertente superior do muro posterior de predomínio à esquerda com compressão do cone medular; concomitante fractura do arco posterior (lamina direita e pedículo esquerdo); associa-se hematoma pré-vertebral; fractura múltipla envolvendo a plataforma vertebral superior de L1 com muro posterior alinhado.
61. O 1.º Autor, relativamente ao trauma torácico, apresentava fractura do 7.º ao 10.º arco costal posterior esquerdo, com hemopneumotórax à esquerda, tendo sido colocado dreno torácico.
62. O 1.º Autor, durante o internamento na Unidade de Cuidados Intensivos ..., no dia 18/07/2014, foi submetido a laminectomiadescompressiva de D12 e artrodese PL com instrumentação transpedicular D10-D11-L1-L2.
63. Nesse período, o 1.º Autor, sob o ponto de vista neurológico, foi evoluindo de modo favorável, tendo suspenso a sedação a 21/07/2014, com melhoria lenta do estado de consciência.
64. No dia 21/07/2014, procedeu-se, ainda, à retirada do dreno torácico, permanecendo ventilado até 28/07/2014, data em que foi extubado.
65. O 1.º Autor foi sujeito a antibioterapia de largo espectro – fez 7 dias de ceftriaxone – por infecção traqueobronquite nosocomial precoce por MSSA.
66. O 1.º Autor desenvolveu, ainda, úlcera sagrada com tecido necrótico.
67. O 1.º Autor, no dia 29/07/2014 foi transferido para a Unidade de Cuidados Intermédios.
68. O 1.º Autor, no dia 31/07/2014 foi transferido para o Serviço de Neurocirurgia.
69. O 1.º Autor, no dia 13/08/2014, foi sujeito a limpeza cirúrgica da úlcera sagrada – desbridamento cirúrgico e encerramento do defeito com retalhos de avanço em V-Y.
70. Por deiscência total da plastia, foi realizado desbridamento excisional e plastia com retalho de transposição (Doufurmentel) bilateralmente, com dreno aspirativo com saída pela nádega D.
71. O dreno foi retirado em 17/09/201.
72. O 1.º Autor foi avaliado por psiquiatria por agitação psicomotora que ajustou medicação.
73. O 1.º Autor, no dia 05/08/2014, foi avaliado por Medicina Física e de Reabilitação (MFR), tendo sido, no dia 11/08/2014, sujeito a RM CE que revelou sinais de lesão axonal difusa, bem como focos de hematomas sub-durais crónicos, com efeito de massa sobre o parênquima adjacente.
74. A RM do ráquis revelou sequelas de abordagem cirúrgica posterior, do segmento D11-L13, com parafusos transpediculares bilaterais e barras de fixação posterior, em D11, D12, L2 e L3; recuo do muro posterior de L1 provocando redução do espaço útil intracanalar, com aparente desvio posterior do cone medular.
75. Verificou-se ainda ao nível da coluna cervical hérnia discal posterior C5-C6, paramediana direita a provocar desvio e moldagem da medula.
76. Além disso, apresentava uncartrose bilateral, a estreitar os buracos de conjugação, mantendo estes dimensões suficientes para a inexistência de compromisso radicular.
77. A RM revelou, ainda, que, em D6-D7, existe protusão discal posterior, paramediana esquerda, a provocar leve desvio e moldagem da medula; e que coexiste acentuado hipersinal medular, mais acentuado no plano do disco D6-D7, mas com extensão caudal.
78. O 1.º Autor, em 21/08/2014, apresentava hipotonia anal e anestesia, com reflexos sagrados ausentes, mas apresentava fecalomas na ampola rectal.
79. O 1.º Autor, no dia 23/09/2014, foi transferido para o Serviço de MFR, apresentando-se à entrada hemodinâmicamente estável, embora com tendência para taquicardia.
80. Nessa data:
- Apresentava-se acordado, mas lentificado, com voz arrastada;
- Estava desorientado no tempo e para as circunstâncias do acidente, aparentando uma discreta paresia facial esquerda;
- Apresentava protusão da língua na linha média, lateralidade preservada, elevação simétrica do palato mole na fonação;
- Apresentava membros superiores sem alterações de mobilidades e membros inferiores mobilidade zero - L2-S1 grau 0;
- O teste sensitivo revelou a partir de D8 inclusive, anestesia a partir de L1 inclusive;
- Apresentava hipotonia e arreflexia osteotendinosa nos MI;
- Apresentava-se algaliado em drenagem contínua, com urina clara e uso de fralda.
81. O 1.º Autor, à data da alta, estava a cumprir plano de tratamento fisiátrico nas áreas de fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala e enfermagem de reabilitação.
82. O 1.º Autor, no dia 23/10/2014, teve alta do Hospital ..., apresentando o seguinte estado:
- Deitado no leito; eupneico, sem SDR; hemodinâmicamente estável e apirético; discurso organizado e fluente; sem assimetria facial, protrui a língua com lateralidade mantida;
- A nível motor, apresentava paraplegia flácida e arrifléxica, sem motricidade activa;
- Mantinha dispositivo urinário, com drenagem contínua, urina clara e límpida;
- No teste sensitivo, apresentava hipostesia a partir de D9 inclusive, anestesia a partir de L1 inclusive;
- Encontrava-se independente na alimentação, higiene pessoal e a vestir a metade superior, necessitando de ajuda para vestir a metade inferior;
- Apresentava deambulação independente em cadeira de rodas, mas, para realizar transferências, necessitava de tábua de transferência e de ajuda;
- Quanto ao trânsito intestinal, mantido e regular em dias alternados com recurso a treino intestinal;
- Encontrava-se polimedicado, tendo sido recomendado terapêutica (medicamentosa) para manter após alta e reabilitação funcional.
83. O 1.º Autor após alta do Hospital ..., foi transferido para o Centro de Reabilitação ... (CRN), sendo admitido em 23/10/2014, para reabilitação neuromotora e funcional de sequelas de politraumatismo major com lesão medular (paraplegia AIS A nível neurológico único D10) e traumatismo crânio-encefálico.
84. À entrada no CRN, o 1.º Autor apresentava:
- Protusão da língua na linha média, lateralidade preservada;
- Paraplegia flácida e arrefléxica; nível sensitivo T10 (Teste motor: MS sem alterações da FM (grau 5); MI L2-S1 grau 0; nível sensitivo: D10;
- Hipotonia e arreflexia osteotendinosa nos MI; classificado como AIS A NN T10.
- Tónus anal diminuído, sem contracção voluntária, sem sensibilidade anal;
- Reflexo anal e bulbo-cavernoso ausentes.
85. Nessa data, funcionalmente, o 1.º Autor lavava os dentes sozinho, alimentava-se sozinho, e conseguia lavar a metade superior e anterior do corpo, e ajudava nas transferências.
86. Durante o internamento, no CRN, observou-se uma evolução favorável (na autonomia e deambulação na cadeira de rodas), mas não conseguia calçar as meias elásticas e aplicar supositório para treino intestinal.
87. O 1.º Autor, durante o internamento no CRN, teve treino vesical instituído com auto-algaliações intermitentes de 4-4h durante o dia e sem algaliação das 0h às 6H, com volumes adequados, e treino intestinal em dias alternados com sene comprimidos e bisacodilo supositório.
88. Quando foi avaliado no CRN, o 1.º Autor apresentava disfunção eréctil.
89. À data da alta do CRN, o 1.º Autor apresentava o seguinte diagnóstico:
- Encontrava-se hemodinamicamente estável. Sem SDR; revestimento cutâneo íntegro;
- Amplitudes articulares globalmente preservadas, ligeiro equino bilateral redutível;
- Tónus: flacidez dos membros inferiores;
- ROT´s: ausentes nos membros inferiores;
- Sensibilidade profunda (sentido posicional do hálux): ausente;
- Sensibilidade álgica: normal até D10, hipostesia em D11, anestesia a partir de D12;
- Sensibilidade álgica anal: ausente;
- Tónus e reflexo anal: hipotonia anal, reflexo anal presente;
- Pressão anal profunda: ausente;
- Contracção anal: ausente;
- Reflexo bulbocavernoso: ausente;
- Paraplegia AIS A nível motor D10 / nível sensitivo D10 / neurológico único D10.
90. Após alta do CRN (20/01/2015), o 1.º Autor foi transferido para o Serviço de MFR do Hospital ..., no qual deu entrada no dia 20/01/2015, com vista a continuação de reabilitação neuromotora e funcional por sequelas de politraumatismo major com lesão medular (paraplegia AIS A a nível neurológico único D10) e traumatismo crânio-encefálico.
91. À data de admissão no Hospital ..., o 1.º Autor:
- Apresentava-se consciente, orientado e colaborante, sem disfagia; sem sinais de dificuldade respiratória; sem alterações dos membros superiores, apresentava bom equilíbrio do tronco na posição de sentado;
- Relativamente à sensibilidade, era normal até D10, hipostesia em D11, anestesia a partir de D12. sensibilidade profunda ausente nos membros inferiores;
- ROTS: ausentes nos membros inferiores;
- CP indiferente bilateralmente;
- Tónus flácido nos membros inferiores, sem reflexos, sem contracção anal, sem sensação anal;
- Auto-algaliação de 4/4 horas durante o dia, com protocolo de restrição hídrica a partir das 16h;
- Quanto ao regime intestinal: sene em dias alternados com bisacodilo supositório.
92. No Hospital ..., foram realizados vários exames auxiliares de diagnóstico, entre os quais, o EUD (estudo urodinâmico), em 26/01/2015, em que se verificou na fase de enchimento sensibilidade vesical proprioceptiva durante todo o enchimento; compliance do detrusor alta; não se verificou incontinência urinária durante toda a infusão; não se verificaram sinais de hieperactividade do detrusor espontânea ou provocada, na fase do esvaziamento, o doente não conseguiu desencadear micção; e apresentou perda com credé, mas não suficiente.
93. Tendo-se concluído, nesse exame, por acontraclidade/arreflexia do detrusor, compliance alta, sensação vesical ausente e retenção urinária.
94. Quanto a intercorrências durante o internamento, verificaram-se infecções urinárias, bem como aparecimento e reactivação de úlceras de pressão sagradas de grau II e, ainda, lesão cutânea no dorso do pé esquerdo.
95. Durante o internamento no Hospital ..., verificou-se uma melhoria a nível funcional, verificando-se independência em grande parte das actividades da vida diária.
96. A nível de exame físico, o 1.º Autor manteve o estado verificado à entrada, com as seguintes alterações:
- Em relação ao estado cognitivo, apresentou melhoria em relação ao descrito no CRN, sendo um doente calmo e colaborante não se tendo verificado episódios de agitação psico-motora;
- Verificou-se também uma melhoria a nível de memória e da capacidade de execução de tarefas e uma aceitação progressiva em relação ao défice, tendo mantido seguimento por psicologia.
97. Nessa data, encontrava-se independente na alimentação, higiene na metade superior do corpo e na maioria das transferências e na deambulação de cadeira de rodas, embora precisasse de ajuda na deslocação no exterior e transposição de desníveis; necessitava de ajuda no banho na metade inferior do corpo, mudança de fralda e higiene após ida ao WC; quanto às transferências, apresentava necessidade de tábua para transferências no mesmo nível, de ajuda de terceira pessoa para transferências desniveladas, nomeadamente cama (do domicílio) e da cadeira para o carro; necessitava de ajuda na propulsão da cadeira de rodas no exterior, subir e descer rampas.
98. Nessa data, ao nível da psicologia, sugeria-se ser importante o 1.º Autor continuar em acompanhamento, por ser uma mais valia em ajuda nas vivências diárias que teria que enfrentar (actividades de vida diárias, adaptações familiares e no trabalho), assim como na gestão de expectativas, motivação, emoções, resistência/defesas que poderia apresentar derivado à sua actual condição física.
99. Na avaliação de dermatologia, efectuada em 26/05/2015, apresentava:
- Lesão eritemo-descamativa com microvesiculas no dorso do pé esquerdo; bordo da lesão bem definido e já submetido a tratamento prévio com fluconazol 100 mg durante 3 semanas.
100. Relativamente ao tratamento efectuado em MFR, a nível fisiátrico, o 1.º Autor realizou treino de equilíbrio e marcha; técnicas de cinesiterapia; treino funcional de cadeira de rodas; fortalecimento muscular.
101. A nível farmacológico, realizou o seguinte tratamento: suplemento dietético hiperproteico; Paracetamol SOS3; Donepezilo 10 mg 1id; lidocaína 2%gel SOS1; Lorazepam 1mg SOS1; Senosido A+B alternado com Dulcolax 10mg; Lactulose SOS1; Gabapentina 300mg 1id; Clotrimazol 10 mg/g 2id (pé esq), fluconazol 100 mg.
102. À época, tinham sido atribuídos os seguintes produtos de apoio: cadeira de rodas ultra-leve; almofada de alvéolos anti-escara, tábua de transferências, cadeira de banho modelo de paraplégico, com dispositivo sanitário e almofada antiácida.
103. O destino do 1.º Autor após alta hospitalar seria o domicílio, tendo sido proposto o seguinte tratamento farmacológico: Donepezilo 10mg 1id; Lorazepam 1mg SOS à noite; Senosido A+B alternado com Dulcolax 10mg; Lactulose SOS; Gabapentina 300mg 1id; Aplicação de betametasona misturada em partes iguais com clotrimazol tópico à noite na lesão durante 8 dias, devendo depois continuar com aplicação de clotrimazol tópico bidiario durante 8 semanas.
104. Neste seguimento, à data da alta hospitalar (29/05/2015), estabeleceram-se as seguintes recomendações: continuar programa de reabilitação com orientação por médico fisiatra na área de residência para manutenção dos ganhos obtidos neste internamento; manter a medicação referida acima; vigilância bidiária do revestimento cutâneo; quando deitado, alternância de posição de 3/3 horas; quando sentado fazer push-ups 20 em 20 min; manter treino intestinal instituído; se tiver perdas abundantes ou diarreia em dia que não seja dia de treino intestinal, não faz treino no dia de treino; se o treino intestinal não for eficaz duas vezes consecutivas, repetir o treino no dia seguinte ao dia do segundo treino não eficaz; manter regime vesical instituído (auto-algaliações de intermitentes de 4-4h durante o dia, última algaliação às 0h e primeira às 7h, mantendo volumes de cerca de 350-400cc) e controlo da ingestão hídrica (cerca de 1700ml/dia, segundo protocolo); fazer urocultura sempre que se observem alterações das características da urina (cheiro mais intenso, urina turva, hematúria), perdas urinárias (entre esvaziamentos), desconforto abdominal ou aumento de espasticidade; não deve fazer antibioterapia para bacteriúria assintomática; necessidade de apoio de 3.ª pessoa; necessidade de efectuar adaptações no carro, especificas para doente paraplégico, para ganho de autonomia; vai beneficiar de continuar a ser seguido em consulta de fisiatria periodicamente, nomeadamente para manter avaliação da bexiga neurógena (EUD bienal, ecografia renovesical e função renal anualmente).
105. O 1.º Autor contratou os serviços de uma fisioterapeuta que se deslocava à casa do mesmo para a realização de sessões de fisioterapia, o que fez nos meses de Abril e de Maio de 2016, no que gastou € 440,00.
106. No dia 30/07/2016 (data em que se encontrava de férias), o 1.º Autor começou a sentir-se mal, pensando que se tratava de alguma indisposição.
107. No dia seguinte – 31/07/2016 –, o seu estado de saúde não tinha melhorado, pois continuava a vomitar e sentir-se fisicamente mal, pelo que se dirigiu à Unidade Local de Saúde ... - Hospital ....
108. Tendo, assim, entrado pelo SU desse hospital pelas 14h20, tendo permanecido internado nesta instituição desde o dia .../.../2016 até ao dia 13/10/2016 (74 dias de internamento).
109. O 1.º Autor foi admitido na urgência desse hospital por sepsis por Gangrena de Fournier.
110. Nesse internamento, foi efectuado desbridamento extenso períneo-inguinal à esquerda (triângulos posterior e anterior do períneo e por medial da região inguinal) e foi colocado penso de pressão negativa com evolução favorável.
111. Na data da alta, o 1.º Autor apresentava loca com cerca de 4cm na transição do triangulo anterior e posterior do períneo, limpa, com exsudado seroso.
112. Nessa data, estabeleceu-se a seguinte proposta de monitorização e tratamento: “penso com aquacelAg – em dias alternados ou 3/3dias se tiver pouco exsudado (se repassar terá de ser diário)”; “analgesia em SOS”; “vigilância de sinais de alarme (sinais inflamatórios, exsudado purulento, febre)” e consulta externa de cirurgia geral.
113. No dia 21/10/2016, o 1.º Autor dirigiu-se à Unidade Local de Saúde ... (U..., EPE) – Hospital ..., para consulta externa, na especialidade de cirurgia geral – pequena cirurgia.
114. Nessa consulta, o 1.º Autor, devido às intervenções e à lesão remanescente, o apresentava restrições posturais (devia evitar pressão no local da ferida), que condicionavam as transferências e o seu quotidiano habitual.
115. Devido às limitações supra-referidas, o 1.º Autor teve que permanecer em casa a descansar.
116. Durante o tempo que esteve em casa, eram as enfermeiras do Hospital ... que se deslocavam ao seu domicílio para fazer o penso.
117. Porém, o seu estado de saúde voltou a piorar por dificuldade de cicatrização da lesão remanescente, pelo que o 1.º Autor teve de ser novamente internado, no dia 23/01/2017, na Casa de Saúde ....
118. O 1.º Autor esteve internado na Casa de Saúde ..., em cirurgia plástica, até à alta em 23/03/2017.
119. Durante esse internamento:
- O 1.º Autor foi submetido a desbridamento cirúrgico e reconstrução com retalho miocutâneo glúteo de úlcera de pressão extensa na região isquiática esquerda;
No pós-operatório, ocorreu infecção do local operado tendo sido realizada limpeza aos 7 dias pós-operatório com introdução de dreno adicional;
- Foi realizada antibioterapia dirigida aos agentes infecciosos, pensos adequados e posicionamentos;
- Em 16/03/2017, estava cicatrizado e bem, tendo iniciado levante.
120. No dia 23/03/2017, teve alta com recomendação de manutenção de posicionamentos e cuidados locais e foi orientado para consulta externa de cirurgia plástica em 06/04/2017.
121. Foi recomendado pelo médico que o 1.º Autor ficasse após a alta em repouso durante o período de 2 (dois) meses.
122. O 1.º Autor, após dois meses em casa em repouso, regressou ao trabalho.
123. O 1.º Autor, no entanto, poucos dias depois de regressar ao trabalho, voltou a apresentar úlceras de pressão, apesar dos os cuidados que teve.
124. O que levou o mesmo à Casa de Saúde ..., tendo-lhe sido recomendado repouso durante 15 dias, com agendamento de consulta com a médica para o dia 22/06/2017.
125. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, ficou a padecer das seguintes sequelas:
- Ráquis: paraplegia ASIA A com nível motor D10 / nível sensitivo D10 = nível neurológico único D10. Exame neurológico sumário: Força Muscular - Dta/Esq: C5-T1 5/5; L2-S1 0/0. Sensibilidade profunda (sentido posicional do hállux): ausente. Sensibilidade álgica: normal até ao território D10, hipostesia em território D11, anestesia a partir de território D12. Sensibilidade álgica anal: ausente; Tónus e reflexo anal: hipotonia anal com reflexo anal presente; Pressão anal profunda: ausente; contracção anal: ausente. Reflexo bulbocavernoso: ausente. Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 19cm de comprimento, localizada ao longo da linha média na região dorso-lombar.
- Períneo: presença de fralda para incontinência urinária e penso oclusivo isquiático-nadegueiro relacionada com a última intervenção cirúrgica para tratamento de escaras, úlceras e fístulas de que frequentemente padece a nível desta região anatómica desde a data da ocorrência.
- Membro superior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ou outras alterações macroscopicamente aparentes.
- Membro superior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ou outras alterações macroscopicamente aparentes.
- Membro inferior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia muscular ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda.
- Membro inferior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda.
126. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, apresenta as seguintes queixas, a nível funcional:
- Postura, deslocamentos e transferências: a deslocação apenas é possível em cadeira de rodas manualmente activada pelo próprio; tem necessidade de levantes frequentes ("push-ups") quando permanece sentado durante períodos de tempo superiores a 15 - 20 minutos, recorrendo ao uso dos braços para o fazer, devido ao desconforto que lhe causam as múltiplas cicatrizes e feridas crónicas nas regiões perineal e nadegueiras;
- Cognição e afectividade: tem amnésia para o acidente, suas circunstâncias e período inicial de internamento hospitalar; desde que recuperou a consciência após a data da ocorrência, o seu comportamento e personalidade tornaram-se tristes, chora com facilidade e sente-se ainda revoltado com o que lhe aconteceu e tudo o que isso implica futuramente tanto para o próprio como para a sua família; está impaciente com mais rapidez e facilidade, e explode facilmente assim que fica irritado, reagindo de forma mais abrupta às pessoas e aos contratempos, por ter ficado com menor nível de tolerância à frustração; tem perdas de memória e dificuldades para manter a atenção, a concentração e na memória de retenção;
- Controlo de esfíncteres: incontinência de esfíncteres, tendo realizado treino vesical e intestinal, encontrando-se actualmente a realizar auto-algaliações intermitentes de 4/4 horas durante o dia, necessitando de ajustar os intervalos de tempo consoante a ingestão de líquidos e o tipo de alimentos consumidos; mantém o treino intestinal em dias alternados com suplementos alimentares e supositórios; utiliza permanentemente fralda para incontinência, para poder ter a certeza de que não perde urina nem fezes, sobretudo em locais públicos, por não conseguir sentir quando isto acontece, apercebendo-se apenas do sucedido pelo cheiro que começa a sentir;
- Fenómenos dolorosos: lombalgias frequentes, que se acentuam quando permanece sentado durante períodos de tempo prolongados, ou quando se sente mais cansado; toma a medicação gabapentina em SOS; esta dor impede-o de se focar nas coisas que realmente pretende ver realizadas.
127. Nos actos da vida diária, o 1.º Autor apresenta as seguintes queixas: independente na alimentação e na maioria das transferências, na propulsão na cadeira de rodas no interior e exterior nivelado, assim como na realização da higiene em contextos acessíveis; para a realização das transferências, tem necessidade de tábua de transferências, desde que sejam ao mesmo nível, necessitando sempre de ajuda de 3.ª pessoa nas transferências desniveladas, nomeadamente para passar da cadeira de rodas para a sua cama (no domicílio); na ida para a garagem e na transferência da cadeira de rodas para o carro, entre outras; necessita de ajuda de 3.ª pessoa na propulsão da cadeira de rodas no exterior desnivelado/irregular, assim como para subir e descer escadas, descer e subir rampas íngremes.
128. O 1.º Autor estava colectado como fotógrafo, realizando, com carácter irregular, a cobertura fotográfica de eventos para privados e empresas, também se dedicando, por conta própria, a fazer trabalhos multimédia.
129. Esses trabalhos representavam área de realização pessoal e fonte de auto-estima.
130. Antes do embate, o 1.º Autor praticava futebol, ciclismo e natação, sonhando vir a partilhá-las com o seu filho, introduzindo o mesmo na sua prática.
131. O 1.º Autor praticava ping-pong no trabalho.
132. O 1.º Autor pertencia ao "Club Motard ..." em ..., ..., o qual frequentava e participava nas concentrações, o que não consegue mais fazer.
133. O 1.º Autor deixou de conviver com os amigos que lá fez, visitando-os ou sendo visitado às vezes, não podendo mais participar da forma que o fazia nesse grupo, estando a ajudar na criação do site online.
134. As lesões atingiram a consolidação médico-legal em 09/11/2015.
135. O 1.º Autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta desde 14/07/2014 a 09/11/2015, num total de 484 dias.
136. As sequelas com que o 1.º Autor restou determinam-lhe um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 84 (oitenta e quatro) pontos.
137. As sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual ou outras da sua área de preparação, desde que haja adaptação do seu local e condições de trabalho, mas implicando esforços suplementares por parte do 1.º Autor.
138. Por força das sequelas, o 1.º Autor ficou a padecer de um dano estético fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a utilização de ajudas técnicas permanentes (cadeira de rodas) e as cicatrizes (as quais causam tristeza e complexo).
139. Por força das sequelas, o 1.º Autor perdeu massa muscular nas pernas, que ficaram magras, o que inibe aquele de usar calções.
140. Por força das sequelas, o 1.º Autor a padecer de um prejuízo nas actividades de lazer fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente.
141. O 1.º Autor não consegue obter erecção e manter relações sexuais, o que lhe causa desgosto, sofrimento e revolta.
142. O 1.º Autor, antes do embate, tinha uma vida sexual normal com a sua esposa, o que contribuía para a estabilidade emocional do casal.
143. O 1.º Autor não poderá ter mais filhos, por esta via, com a sua esposa, o que o entristece.
144. Por força das sequelas, o 1.º Autor ficou a padecer de una repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 7 (sete), com base na diminuição/perda permanente da libido, disfunção sexual permanente e incontinência de esfíncteres consecutiva a lesão neurológica medular.
145. O 1.º Autor necessitará, no futuro de ajudas medicamentosas e tratamentos médicos regulares (designadamente, de fisioterapia) regulares, a definir pelo seu médico assistente.
146. O 1.º Autor necessitará, no futuro, das seguintes ajudas técnicas:
- Adaptações no automóvel, com periodicidade de substituição de 5 em 5 anos, de custo não apurado;
- Alcançador com periodicidade de substituição de 10 em 10 anos, com o custo unitário estimado de € 20,00;
- Almofada para prevenção de escaras com periodicidade de substituição de 2 em 2 anos, com o custo unitário estimado de € 500,00;
- Cadeira de duche, com periodicidade de substituição de 5 em 5 anos, com custo estimado de € 250,00;
- Cadeira de rodas manual activa, com periodicidade de substituição de 3 em 3 anos, com custo estimado de € 4.000,00;
- Material de incontinência, com periodicidade de substituição mensal, de custo não apurado;
- Tábua de transferência, com periodicidade de substituição de 10 em 10 anos, com custo estimado de € 150,00;
- Luvas, com periodicidade de substituição de 6 em 6 meses, com custo estimado de € 20,00;
- Estrado articulado, com periodicidade de substituição de 10 em 10 anos, com custo estimado de € 1.200,00;
- Colchão de prevenção de escaras, com periodicidade de substituição de 5 em 5 anos, com custo estimado de € 500,00.
147. O 1.º Autor necessita do apoio, auxilio e ajuda permanente de uma terceira pessoa, por um período de cerca 5 (cinco) horas por dia até ao fim da sua vida, prevendo-se o gasto a esse título, desde a presente data e até ao final da sua vida, de € 281.295,00.
148. Na data do embate, o 1.º Autor teve angústia de poder vir a falecer.
149. O 1.º Autor perdeu a vontade de viver.
150. O 1.º Autor não consegue alcançar determinados lugares, como a despensa de sua casa (porque estreita), nem aceder às janelas para abrir as persianas.
151. O 1.º Autor não pode ir a determinados cafés e restaurantes que não estejam adaptadas a pessoas de mobilidade reduzida, nem ir de férias se não existirem essas condições de adaptação à sua mobilidade.
152. O 1.º Autor sente-se desgostoso, frustrado e com raiva, porque, antes do embate conseguia fazer tudo ir onde quisesse, sem necessidade de ninguém, com toda a autonomia e liberdade, e agora já não consegue.
153. O 1.º Autor, não consegue pegar em alguns objectos, por estar sentado, nem pode esticar-se muito, porque senão perde o equilíbrio.
154. A necessidade de ajuda de uma terceira pessoa deixa o 1.º Autor triste, humilhado, constrangido e diminuído, sentindo-se inválido.
155. Nas situações em que teve de mudar de roupa, relacionado com a perda de controlo dos esfíncteres, sentiu-se diminuído e humilhado, afectando a sua auto-estima.
156. Na vida laboral, o 1.º Autor sente-se “parado no tempo” e sente o contacto diminuído com os colegas de trabalho.
157. O 1.º Autor, quando sai fora de casa, enfrenta a preocupação de saber se o local para onde irá terá condições para a auto-algaliação, e, nessas situações, sente medo e fica angustiado.
158. Durante o período de internamento, o 1.º Autor ficou impedido de acompanhar o crescimento do seu filho.
159. Durante o internamento, o 1.º Autor sentiu-se sozinho e triste, bem como sentia falta do seu filho e da sua esposa e ficou com receio de que a falta de contacto entre ele e o filho levasse ao esquecimento da sua figura.
160. A primeira visita do filho do 1.º Autor ao hospital ocorreu na data de aniversário deste, contando o 3.º Autor com apenas 7 meses de idade.
161. Nesse dia, o 1.º Autor sentiu sofrimento e tristeza, por ainda não se conseguir fazer entender (pelas dificuldades da fala).
162. Devido às limitações físicas decorrentes do acidente de viação, o 1.º Autor não consegue acompanhar determinadas brincadeiras do filho, não pôde ensinar o filho a caminhar, a jogar à bola, nem a andar de bicicleta.
163. O 1.º Autor sente angústia, dor, frustração e tristeza por não poder acompanhar o filho como gostaria e por ver outras pessoas a fazer actividades com o seu filho que ele não pode, tais como, jogar à bola e correr.
164. O 1.º Autor, antes do embate, era saudável e uma pessoa alegre, de fácil contacto, comunicativa, divertida, dinâmica, confiante, com projectos para o futuro, afável, com força de vontade e uma pessoa lutador.
165. O 1.º Autor, após o embate, é uma pessoa introvertida, fechada, está constantemente a pensar nos seus problemas e limitações, receosa que o seu estado de saúde piore e com medo de se aleijar.
166. O 1.º Autor está muitas vezes deprimido, com pouca força de vontade, e, quando assim é, deixa de falar ou responder às pessoas, fica calado e, ocasionalmente, chora.
167. O 1.º Autor não tem força de vontade para ultrapassar os obstáculos que surgem no dia-a-dia.
168. O 1.º Autor sente-se constrangido e inibido para pedir ajuda, seja a familiares seja a colegas de trabalho, porque não quer estar sempre a incomodar as pessoas, sentindo-se um peso para os outros e principalmente para a sua família.
169. O 1.º Autor sente-se triste, revoltado, não conseguindo aceitar o facto de se encontrar paraplégico e numa cadeira de rodas.
170. O 1.º Autor sente-se incomodado com o olhar das pessoas.
171. O 1.º Autor, antes do sinistro, ajudava a sua esposa com as tarefas domésticas, o que agora já não pode.
172. Quando foi internado no Hospital ..., o 1.º Autor teve medo de morrer e não pôde gozar das férias.
173. Durante os internamentos, o 1.º Autor vivenciou dores físicas, tendo sido valorizado o quantum doloris no grau 6 (seis) numa escala de 1/7.
174. Quando realiza passeios em caminhos não planos, o 1.º Autor sente dores, tendo de fazer paragem.
175. O facto de se encontrar imobilizado nos membros inferiores pode ocasionar úlceras de pressão.
176. O 1.º Autor sente dificuldade para ir para a areia.
177. O 1.º Autor tem dificuldade em pegar no filho ao colo, como fazia antes do embate, o que, para si, é doloroso.
178. Se quiser passear, o 1.º Autor precisa sempre de uma terceira pessoa para o ajudar a ultrapassar zonas com desnível.
179. O 1.º Autor adquiriu uma pinça de preensão 80 cm, no valor de € 19,91, de modo a conseguir alcançar determinados objectos.
180. Para a realização da fisioterapia, por recomendação da fisioterapeuta, o 1.º Autor teve de comprar uma bicicleta própria para a sua condição e halteres, sendo que a bicicleta custou a quantia de € 129,90, e os halteres o valor de € 34,99, o que perfaz o montante global de € 164,89.
181. Devido ao facto de o 1.º Autor ter ficado internado, e atendendo à necessidade de usar roupas confortáveis, adequadas à realização de fisioterapia, despendeu, na compra de t-shirts e calções, o valor global de € 25,94.
182. O 1.º Autor requereu junto do Centro de Saúde a emissão de atestado médico de incapacidade multiuso, com o que gastou € 50,00 (cinquenta euros).
183. O 1.º Autor fazia trabalhos enquanto web designer e fotógrafo por conta própria e de modo irregular.
184. Os Autores têm necessidade de adaptar a cozinha da sua habitação, com o que terão um custo concretamente não apurado.
185. No dia 14/07/2014 (data de regresso da 2.ª Autora ao trabalho após a licença de maternidade), o 1.º e a 2.ª Autores deixaram o filho na creche e seguiram cada um o seu caminho para os respectivos locais de trabalho.
186. A 2.ª Autora, pouco tempo depois de ter começado a trabalhar, recebeu uma chamada, na qual lhe informaram que o 1.º Autor tinha tido um acidente e para se dirigir ao Hospital ....
187. Quando a 2.ª Autora chegou ao hospital, foi informada que o estado de saúde do seu marido era grave e que corria risco de vida, podendo o mesmo falecer a qualquer momento.
188. Com esta notícia, a 2.ª Autora ficou em estado de choque, aterrorizada, sentindo angústia e tristeza, pois receio de perder o seu marido.
189. A 2.ª Autora, nessa data, ficou fragilizada e deprimida, de modo que dirigiu-se ao posto médico, tendo sido emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho, por doença natural, desde o dia .../.../2014 até ao dia 26/07/2014.
190. No período do internamento, informaram a 2.ª Autora que o 1.º Autor poderia, ainda, apresentar várias sequelas decorrentes do traumatismo crânio encefálico, o que lhe causou aflição, sentindo-se angustiada e com medo.
191. A sedação foi suspensa no dia 21/07/2014, no entanto, o 1.º Autor demorou alguns dias a acordar do estado de coma em que se encontrava, situação que provocou medo e aflição na a 2.ª Autora.
192. O 1.º Autor foi sujeito a vários testes, tendo os médicos concluído que este tinha perdido a sensibilidade dos membros inferiores, com hipostesia a partir da D8, encontrando-se, assim, paraplégico.
193. A 2.ª Autora, quando tomou conhecimento que o seu marido se encontrava paraplégico, não queria acreditar, ficando em estado de choque.
194. O 1.º Autor encontrava-se a respirar através de ventilação mecânica.
195. Devido ao quadro clínico do 1.º Autor, a 2.ª Autora ficou ainda com receio de que, para além da paraplegia, ainda pudesse de deixar de comunicar com o marido, o que lhe causou sofrimento.
196. À época, a 2.ª Autora não conseguia dormir normalmente, não só porque tinha um filho pequeno, mas porque a situação que ela e o marido estavam a passar, deixava-a angustiada, sentia-se nervosa o tempo todo, com frequentes crises de choro e tristeza.
197. Quando o 1.º Autor acordou do coma, não sabia que tinha filho, não se lembrava das pessoas, o que provocou tristeza e ansiedade no cônjuge, pois esta tinha receio que este não recuperasse a memória.
198. Durante o período de internamento do 1.º Autor no Hospital ..., a 2.ª Autora deslocou-se ao hospital para acompanhar o estado clínico do marido e para lhe fazer companhia.
199. O 1.º Autor passou o seu aniversário – dia 19/09/2014 – no hospital, tendo a Autora levado pela primeira vez o filho ao hospital.
200. A 2.ª Autora teve sofrimento pela dificuldade que, na data indicada na al. anterior, o 1.º Autor tinha em falar.
201. No CRN, foram informados que o 1.º Autor não voltaria a andar, altura em que tomaram verdadeira consciência que aquele iria permanecer paraplégico.
202. À época, a 2.ª Autora experimentou tristeza, angústia, tinha crises de choro, por tudo o que lhes acontecera, sentindo-se temerosa com as mudanças que tal acarretaria para as suas vidas.
203. Após algum tempo no CRN, o 1.º Autor começou a ir aos fins de semana a casa.
204. No primeiro fim de semana que o 1.º Autor passou em sua casa, após o embate, os Autores choraram, porque se sentiam desorientados.
205. Nesses fins de semana, a dificuldade em cuidar do 1.º Autor e do filho levou a 2.ª Autora a deixar o filho ao cuidado dos avós maternos, o que lhe custava.
206. Nesses fins de semana, a criança convivia com o pai.
207. Com o regresso do 1.º Autor a casa após o internamento no Hospital ..., a 2.ª Autora começou a ajudar o marido a tomar banho no que respeita à metade inferior do corpo.
208. A 2.ª Autora ajuda o 1.º Autor nas actividades da vida diária em que aquele carece auxílio, entre as quais se inclui, ocasionalmente, a mudança de fralda.
209. No presente, é a 2.ª Autora quem cozinha e faz todas as lides domésticas sozinha.
210. A 2.ª Autora tem ainda de cuidar, proteger e vigiar o filho pequeno.
211. A 2.ª Autora sente tristeza por não ter um companheiro que a ajude.
212. Se o filho estiver doente, tem de ser a 2.ª Autora ficar em casa, pois o 1.º Autor não consegue cuidar do filho sozinho.
213. O 1.º Autor não consegue ajudar o filho a ir à casa de banho.
214. O 1.º Autor não consegue acompanhar o filho nas brincadeiras que impliquem mobilidade dos membros inferiores.
215. Os Autores pais têm dificuldades nas saídas a três, a não ser que tenham a ajuda de familiares ou de terceiros.
216. As limitações do 1.º Autor reflectem-se na vida da 2.ª Autora, que passeia menos e fica afligida pelo facto de não poder levar o filho a mais sítios.
217. Os Autores pais não conseguem ir a todas as festas da creche do filho, devido às limitações do 1.º Autor.
218. Antes do embate, a 2.ª Autora tinha um relacionamento feliz, estável com o seu marido.
219. O 1.º Autor tornou-se uma pessoa mais triste, lamuriosa, o que afecta a 2.ª Autora, pois sente que o seu marido não é a mesma pessoa.
220. Tendo em conta as conversas que tem com o marido, a 2.ª Autora considera que aquele está mais lento no raciocínio e que demonstra perdas de memória, sendo às vezes difícil manter uma conversa com o mesmo, o que a entristece, que sente necessidade de conversar com o seu parceiro como faziam antes do embate.
221. O 1.º Autor não se comporta, nem reage da mesma maneira que se comportava e reagia antes do embate.
222. A 2.ª Autora sente tristeza quando vê outras famílias.
223. A 2.ª Autora planeava ter mais filhos com o seu marido e sente frustração por não poder ter mais filhos.
224. A 2.ª Autora vê-se na impossibilidade obter qualquer relacionamento sexual com o seu marido, o que a entristece.
225. A 2.ª Autora sente-se sozinha, triste, desgostosa, deprimida, revoltada e esgotada física e psicologicamente, com um sentimento de desesperança.
226. O 1.º Autor tornou-se mais agressivo nas respostas, apresenta mudanças de humor e instabilidade emocional, o que afecta a 2.ª Autora.
227. Quando o 1.º Autor foi internado no Hospital ..., a 2.ª Autora sofreu inquietação e passou as suas férias nesse hospital a acompanhar o estado clínico do seu marido.
228. Nessa altura, não pode estar com o seu filho, tendo-o deixado aos cuidados dos avós maternos e da sua irmã.
229. Os problemas de saúde que o 1.º Autor vai continuar a ter afectarão a vida da 2.ª Autora.
230. Durante o período que o sinistrado esteve internado no Hospital ..., a 2.ª Autora deslocou-se, todos os dias, a esse hospital, tendo tido gastos em combustível, em montante não apurado.
231. Durante o período de internamento no CRN, a 2.ª Autora regressou ao trabalho, tendo passado a visitar o seu marido em número indeterminado, no que despendeu em combustível um montante não apurado.
232. Após alta do CRN, o 1.º Autor foi transferido para o Hospital ..., altura em que a Autora teve um gasto em combustível concretamente não apurado.
233. De sua casa até ao Hospital ... são pela EN...4 são 24,25 km de distância; até ao Hospital ... pela A... são 38,3 km; e até ao CRN pela A... são 50.45 km de distância.
234. Quando o 1.º Autor esteve internado no Hospital ..., a 2.ª Autora, que se encontrava a passar férias em ..., a 2.ª Autora deslocou-se ao hospital para visitar e acompanhar o seu marido, em número indeterminado de visitas, tendo tido um gasto em combustível concretamente não apurado.
235. Após o termo das férias, a 2.ª Autora regressou com o seu filho a casa, passando a visitar o 1.º Autor ao Hospital ..., em número indeterminado de visitas, tendo tido um gasto em combustível concretamente não apurado.
236. De ... até ao Hospital ... distam pela EN...3 16,85 km e da residência da 2.ª Autora a esse hospital distam pela A... e A...8 72.15 km.
237. A distância entre residência da 2.ª Autora e a Casa de Saúde ... é de 40.35 km.
238. Posteriormente, o 1.º Autor foi novamente internado, agora na Casa de Saúde ..., altura em que a 2.ª Autora efectuou um número indeterminado de visitas, tendo tido um gasto em combustível concretamente não apurado.
239. A 2.ª Autora, para visitar o 1.º Autor no CRN e no Hospital ..., teve de suportar despesas de portagens, cujo custo não se apurou.
240. Para visitar o 1.º Autor no Hospital ... e na Casa de Saúde ..., a 2.ª Autora teve gastos de portagens, no que gastou o total de € 237,30 (€153,60 + € 83,70).
241. A 2.ª Autora suportou despesas em parqueamento aquando as suas visitas ao 1.º Autor durante os períodos em que o mesmo esteve internado, tendo gasto, pelo menos, as quantias de:
Processo: 3899/17....
- € 223,45, no Hospital ...;
- € 4,50, no CRN;
- € 5,25, no Hospital ....
242. A 2.ª Autora esteve sem trabalhar nos seguintes períodos:
- 15/07/2014 a 21/09/2014;
- 25/05/2015 a 31/12/2015;
- 01/01/2016 a 31/12/2016;
- 01/01/2017 a 31/05/2017.
243. A 2.ª Autora auferia, à data do sinistro, a quantia de € 535,60, a que acrescia o subsídio de alimentação de € 147,13.
244. No ano de 2014, a 2.ª Autora deixou de receber, por não ter exercido a sua profissão, o montante de € 2.152,02.
245. No ano de 2015, a 2.ª Autora deixou de receber, por não ter exercido a sua profissão, o montante de € 5.467,18.
246. No ano de 2016, a 2.ª Autora deixou de receber, por não ter exercido a sua profissão, o montante de € 9.501,89.
247. No ano de 2017, a 2.ª Autora deixou de receber, por não ter exercido a sua profissão, o montante de € 3.832,30.
248. O 1.º Autor passou a receber uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, a qual foi fixada no dia 15/06/2016, no valor anual e actualizável de € 5.533,68 (cinco mil, quinhentos e trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a ser paga com efeitos a partir do dia 10/11/2015.
249. Durante os períodos de internamento, o 3.º Autor ficou privado de estar com o pai e de estreitar laços com este.
250. Devido a esta situação, o 3.º Autor começou a conviver mais com o avô materno, estando muito apegado a este e, nessa época, teve-o como figura paternal.
251. O 3.º Autor, nesse período, tornou-se uma criança muito apegada à mãe, pedindo sempre à mãe para brincar ou para o ajudar.
252. Só no final de Dezembro de 2014, é que o 3.º Autor começou a ver o pai aos fins de semana.
253. Quando o 1.º Autor regressou a casa, após alta do Hospital ..., não conseguia brincar com o filho em actividades que implicassem a mobilidade dos membros inferiores, nem ajudá-lo a ultrapassar obstáculos.
254. Não pôde, nem pode ensinar-lhe a caminhar, a jogar à bola, a andar de bicicleta, a ensinar-lhe a ir à casa de banho.
255. À medida que o 3.º Autor foi crescendo, começou a desenvolver mais contacto com o pai e estreitando laços com o mesmo.
256. Quando o 3.º Autor crescer, este terá responsabilidades acrescidas, uma vez que terá de ajudar o pai dada as limitações físicas deste.
257. Quando o 1.º Autor tiver necessidade de receber tratamentos em regime de internamento, o 3.º Autor não poderá conviver com o pai.
258. Por força de se encontrar internado, o 1.º Autor faltou a festas do filho.
259. O 1.º Autor vendeu o salvado do TI em 13/07/2016, pelo valor de € 500,00 (quinhentos euros).
260. Na data do embate, o TI tinha o valor comercial de pelo menos, € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
261. Pelo aparcamento da mota desde a data do embate até à data da venda, foi cobrado ao 1.º Autor o valor de € 500,00.
262. Na data do embate, o 1.º Autor ficou as seguintes peças de vestuário e uso pessoal inutilizadas: calças, no valor de € 40,00, t-shirt no valor de € 15,00, sapatilhas, no valor de € 70,00, blusão no valor de € 130,00, luvas de couro no valor de € 70,00, capacete no valor de € 480,00.
263. O 1.º Autor pagou o IUC, referente ao ano de 2015, o valor de € 122,47.
264. A seguradora por acidentes de trabalho assistiu o 1.º Autor mediante a reparando quer em espécie, quer em dinheiro, tendo despendido até 20/06/2017 o valor de € 343.971,02.
265. A Ré comunicou ao 1.º Autor, por carta datada de 02.09.2014, que o veículo TI se encontrava em perda total.
266. A estimativa para reparação do TI foi orçada em € 8.977,45.
267. O Interveniente pagou à 2.ª Autora, a título de subsídio de doença, no período situado entre 15/07/2014 a 21/09/2014, o montante de € 664,80.

b) Factos não provados.
a. O 1.º Autor não foi a reuniões de trabalho por causa da sua actual condição física.
b. Quando o 1.º Autor passou a ir a casa aos fins de semana, o filho não queria brincar com o pai nem falar com ele, o que lhe causou dor, tristeza e sofrimento.
c. À conta dos sucessivos internamentos e das suas limitações físicas, o 1.º Autor nunca foi a uma consulta de pediatria com o filho, pois a clínica onde se encontra o pediatra do menor não tem condições para o receber.
d. Devido à impotência sexual de que ficou portador, o 1.º Autor passou a ser acometido de um sentimento de ciúme em relação à sua mulher, o que se traduz em discussões.
e. O valor comercial do TI era superior ao indicado na al. 260) dos factos provados.
f. O 1.º Autor necessita sempre de ajuda de terceira pessoa para o banho, em contextos acessíveis, no que diz respeito à metade inferior do corpo.
g. O 1.º Autor apresenta outras queixas, lesões e sequelas para além das referidas nos factos provados.
h. O 1.º Autor terá de despender no auxílio de terceira pessoa um montante superior ao indicado nos factos provados.
i. O 1.º Autor auferia nos trabalhos fotográficos que fazia um rendimento anual de € 1.000,00 (mil euros).
j. O elevador do edifício onde o 1.º Autor reside está sempre a apresentar problemas, ficando muitas vezes inutilizado e, quando tal acontece, as reparações chegam a demorar até um mês.
k. Para a adaptação da casa onde os Autores residem, é necessária a quantia global de € 30.000,00.
l. Os Autores vão ter de adaptar a sua futura casa de habitação.
m. À data do embate, o 1.º Autor não conseguiu terminar um trabalho para o “Grupo Imobiliário ...”, tendo ficado prejudicado no valor de € 300,00.
n. Era a 2.ª Autora que dava a alimentação ao marido durante o período em que este esteve internado no Hospital ....
o. A 2.ª Autora teve gastos com estacionamento e portagens superiores às indicadas nos factos provados.
p. A 2.ª Autora teve perdas salariais superiores às indicadas nos factos provados.
q. A 2.ª Autora teve em despesas de combustível o concreto gasto global de € 5.728,35.
r. A 2.ª Autora deixou de ter leite materno para dar ao filho por causa do nervosismo com que restou em razão das lesões e sequelas sofridas pelo 1.º Autor.
s. Durante o período de internamento na Casa de Saúde ..., o 3.º Autor chorava todos os dias quando a mãe o deixava na creche, sendo difícil para a mãe e a educadora acalmá-lo.
t. Quando o pai lhe ligava do hospital, a criança recusava-se a falar com este, ignorando o pai.
u. Quando o 3.º Autor via uma criança com o pai, dizia à mãe que não tinha pai, que estava no hospital que ele e a mãe estavam sozinhos.
v. As ausências e a condição do pai tornam o 3.º Autor mais nervoso e agressivo, brigando mais com as outras crianças da creche, e chora mais.

3.4. DO DIREITO APLICÁVEL
3.4.1. Danos não patrimoniais da Autora AA
A 2ª Autora/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
É esta a afirmação que titula as conclusões com as quais pretende uma reavaliação dos factos apurados que enumera, no sentido de ser atribuída uma compensação com esse propósito que não seja inferior a 200000 euros.
Neste âmbito o Tribunal a quo deferiu uma indemnização de 35000 euros.
A Recorrida respondeu alegando em suma que concorda com a ponderação feita pela decisão em crise.
Está em causa a melhor interpretação dos arts. 483º, nº 1, e 496º, nº 1, do Código Civil.
Damos por assente que a Ré deve à Autora AA (cf. art. 635º, nº 5, do C.P.C.) compensação pelos danos reflexos sofridos em virtude das sequelas de que ficou a padecer o primeiro autor, CC, seu marido.
É assim indiscutível a aplicação a este caso da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que no seu Acórdão nº 6/2014[iv], uniformizou a interpretação dos artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil, estabelecendo que este devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.
O objecto da apelação é tão-somente a sua quantificação neste caso concreto.
No âmbito deste puro dano moral, a norma que está directamente em causa, o art. 496º, do Código Civil, estipula que (1.) na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. (4) O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; (…).
Por isso, o julgador tem de considerar nesse juízo de equidade, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, tal como prescreve este última norma[v].
A este respeito permitimo-nos reproduzir o entendimento defendido por Luís Miguel Caldas Ribeiro Silva Amorim [vi] - (…) Reconheceu-se, por isso, o dever de compensar e satisfazer o lesado, tanto ao nível da doutrina como da jurisprudência, apesar de tais “danos”, não deixando de o ser, serem de índole exclusivamente moral, não fisicamente mensuráveis.
Ora se o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação e satisfação do lesado, capaz «de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal», parece ser, ao mesmo tempo, a “sanção adequada” a atribuir ao lesante, pois não lhe é «estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente».”
Tendo em conta, no caso em apreço, a factualidade enunciada pela Apelante no item 2. das suas conclusões e aquela que a sentença ponderou (vide p. 88/89), podemos concluir, tal como esta que: “quer o 1.º Autor quer a 2.ª Autora eram ambos muito jovens na data em que houve o acidente, que as lesões que o primeiro sofreu importaram uma radical alteração não só no seu estatuto físico, mas também no relacionamento interpessoal dos cônjuges. Os projectos a que aspiraram ficaram condicionados pela doença que afecta o 1.º Autor, desde logo o de ter mais filhos. O 1.º Réu não dispõe de controlo voluntário da sua função sexual e deixaram de ter contacto dessa natureza. A forma de ser do 1.º Réu também se modificou: por um lado, está mais irritável, reagindo de forma mais abrupta às pessoas e aos contratempos, por ter ficado com menor nível de tolerância à frustração; por outro lado, tem perdas de memória e dificuldades para manter a atenção e a concentração; por outro lado ainda, perdeu a alegria de viver e mostra-se amargurado pela situação em que se encontra e pela sobrecarga de trabalho que gera em seu torno.”
Na matéria acima identificada, existe assim factualidade com reflexo em sede de desvalor moral, ou seja, que constitui factualidade que reflecte desvalor não patrimonial, subsumível à previsão do citado art. 496º, do Código Civil, ou seja, como diz Antunes Varela, “prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.” [vii]  
Temos aqui de sublinhar que todos os danos em causa foram indiscutivelmente gerados por conduta exclusivamente imputável ao condutor do veículo segurado na Ré, seguradora esta que se presume ter um capital significativo, e que, em sua substituição, nos termos infra expostos, é obrigada a reconstituir a situação anterior ao dano, sabendo nós que a indemnização pecuniária é, em alguns casos, nomeadamente nos danos não patrimoniais, uma compensação demasiado simples que nunca terá, por natureza e de forma completa, o efeito reparador visado nos arts. 562º e 566º, do Código Civil.
Há que ter ainda em atenção, que o condutor do veículo seguro pela Apelada, realizou manobra inesperada (cf. factos 11. a 18.), absolutamente irresponsável, como decorre do apurado supra, revelando um comportamento em concreto que é altamente censurável por ser grosseiro – um exemplo especialmente negativo do que deve ser um condutor automóvel em via pública - por reflectir uma violação acentuada de elementares regras estradais que visavam evitar a apurada concretização do perigo dessa actividade.
Essa conduta traduz um grau de culpa muito elevado, que terá que ser considerado não só como referência para o efeito compensador pretendido mas também para o efeito punitivo que esta obrigação pecuniária encerra[viii], tal como vem sendo defendido pela doutrina e jurisprudência, está na génese deste instituto.
Devemos acentuar igualmente que estamos em face de direitos fundamentais da lesada, previstos no plano constitucional (art. 25º da Constituição da República Portuguesa), e ordinário (v.g., art. 70º, do Código Civil), atingidos de forma especialmente grave, como é consensual.
Temos, atento o exposto, de ponderar, neste caso, o mencionado grau de culpa apurado, os danos  relativamente graves sofridos pela Autora, vislumbrando-se uma expectativa de vida que para ambos os membros do casal se situa perto dos 80 anos[ix] (ou seja, são expectáveis, pelo menos cerca de 40 anos de sofrimento das sequelas reflexas que foram apuradas).
A equidade consubstanciada por estes factos não prescinde, contudo, passe a repetição, da equalização.
Neste aspecto e  como observa Maria dos Prazeres Beleza[x]:
“A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações: “A prossecução desse princípio implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22.01.2009, P. 07B242). Nas palavras do acórdão deste Supremo de 31.01.2012, P. 875/05, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida de adequação, de relativa previsibilidade, é no campo do direito privado e, mais, precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva consagração do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.”
Relembra-se ainda que, como refere Lopes do Rego “o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais e também pelo dano biológico sofrido, em casos como o dos autos, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.[xi]
Salienta-se ainda que, tal como vem sendo decidido pelos Tribunais em geral,  por norma, a indemnização a fixar em juízo deve atender aos factos mais recentes, em cumprimento do disposto no art. 611º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Nesta contextura e em face da singularidade[xii] da factualidade exposta, julgamos que o juízo equitativo do Tribunal a quo merece aqui algum do reparo reclamado pela Apelante, em consonância com o que vem sendo decidido, proporcionalmente, em outros casos similares sobre os quais jurisprudência se vem debruçando (cf. art. 8º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Atente-se que, de acordo com os dados coligidos por GG[xiii] a este propósito, só pelo facto de ficar impossibilitada a relação sexual entre o casal, têm-se atribuído ao cônjuge da vítima directa valores nunca inferiores a 15000 euros, tendo em alguns casos mais graves o computo global desses danos reflexos atingido os 80000 e os 130000 euros.
Foi o que se considerou no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, já há mais de 10 anos, em 2.3.2011[xiv], num caso em que a vítima directa, com 19 anos de idade, ficou com tetraplegia irreversível, tendo ficado a sofrer de uma incapacidade funcional permanente de 95%, com incapacidade total para o trabalho.  Em suma ficou dito a este respeito que:  “Mostra-se adequado atribuir uma indemnização de €80 000 ao 2.º autor e de € 130 000 à 3.ª autora, por danos morais, considerando que são os pais da lesada e que, desde a data da alta, lhe têm prestado assistência, tendo a assistência permanente sido assegurada pela sua mãe, que passa todo o tempo consigo, e, quando necessário e possível, pelo seu pai, passando ambos a carecer de apoio médico regular, designadamente psiquiátrico, em consequência das lesões sofridas pela filha; desde o começo de 2006, a 3:ª autora passou a ter acompanhamento médico e medicamentoso constante, por causa do seu estado de depressão ansiosa; tem dificuldade em dormir e constantes pesadelos, agravados pelo facto de ter de se levantar, de 3 em 3 horas, para mudar a filha de posição, sob pena de esta vir a ter ainda mais escaras no corpo; sofre de inquietação permanente, desconcentração, desconforto emocional e físico, desinteresse pelo relacionamento social, fadiga persistente mesmo sem esforço físico, desatenção para consigo própria e enorme ansiedade; tem dificuldade em pensar, reflectir e tomar decisões; sofre de distúrbios psicossomáticos, como perturbações gástricas, dores no corpo, febre, cefaleias intensas, cansaço e perda de energia; também o 2.º autor sofre de distúrbios, embora de forma menos intensa; ambos vivem em estado de permanente tristeza profunda, melancolia, desconforto emocional e físico.”
Em 8.8.2009, em outro Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, num caso em que a cônjuge, vítima do acidente, ficou com graves sequelas cognitivas e foi gravemente afectada a vivência do casal, nomeadamente no plano sexual, já se considerava proporcionado o valor de 25000 euros[xv].
E mais recentemente, em Ac. de 20.4.2021, num caso em que foi atribuído a uma menor (que frequentava à data do acidente o 6º ano escolaridade) um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos percentuais, foi considerado ajustada a indemnização de 20000 euros[xvi].
Perante o exposto, ponderando a previsível persistência do dano, o especial grau (84%) de dependência ou défice funcional do lesado e os reflexos constrangimentos na vida do casal e da Autora em particular, em todos os aspectos já considerados pela primeira instância, julgamos ser mais ajustada, proporcionada e actual a indemnização de 50000 euros, pelo que se julga parcialmente procedente a pretensão da Apelante.

3.4.2. Danos não patrimoniais do Autor BB
O 3º Autor, representado pelos seus pais, também não concorda com o valor da indemnização que lhe foi fixada a título de danos morais.
Remete, portanto, para a matéria de facto enumerada no item 2 das suas conclusões, para defender que se fixe equitativamente o valor dessa indemnização em quantia nunca inferior a 50000 euros.
O Tribunal a quo considerou proporcionado o valor de 10000 euros.
Em resposta, a Apelada remete para argumentação que aduziu no recurso que interpôs dessa mesma parte da decisão da primeira instância, no qual questiona o sustento fundamental da indemnização deferida ao filho do lesado CC, defendendo a tese de que o chamado dano reflexo se aplica apenas ao cônjuge da vítima, de acordo com o citado Ac. uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça.
Todavia, esta é uma leitura, porventura, precipitada pelo desconhecimento do que sustentou essa jurisprudência e a inovadora interpretação das normas em causa.
Na verdade, lê-se nesse acórdão de 2014, que confirmou alguma da jurisprudência que abordara já esse assunto, sic:
Nas palavras de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 223):
"Cabem ao direito duas funções diferentes, tendencialmente antinómicas: Uma função estabilizadora, capaz de garantir a continuidade da vida social e os direitos e expectativas legítimas das pessoas, e uma função dinamizadora e modeladora, capaz de ajustar a ordem estabelecida à evolução social e de promover mesmo esta evolução num determinado sentido.
Este segundo aspecto (o aspecto dinâmico e de mudança do direito) assume uma dimensão particular no nosso tempo. A "aceleração da história", as mudanças tecnológicas, económicas e sociais sucedem-se a ritmo vertiginoso... A sociedade pluralista de hoje assenta na ideia de uma modificabilidade do direito e postula um sistema jurídico aberto e dinâmico que resolva o problema de uma modificação e evolução ordenada..."
Também Oliveira Ascensão (R.O.A., 1997, n.º 3, 915) afirma:
"... a interpretação não se pode bastar nunca com o texto e o espírito da lei. Há um elemento essencial que é a base de toda a interpretação: é a própria ordem social em que o texto se situa.
De facto, a lei vigora numa ordem social. As palavras da lei são indecifráveis se não forem integradas naquela ordem social."
Do mesmo modo, Ferrara, Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, com tradução de Manuel de Andrade, deixou escrito:
"A chamada interpretação evolutiva é sempre mera aplicação do direito, e repousa em dois cânones: a ratio legis é objectiva (não a ratio subjectiva do criador da lei) e é actual (não a ratio histórica do tempo em que a lei foi feita). Assim pode acontecer que uma norma ditada para certa ordem de relações adquira mais tarde um destino uma função diversa.
É um fenómeno biológico que tem correspondência no campo do direito.
De sorte que uma disposição jurídica pode ganhar, com o tempo, um sentido novo que os intérpretes nunca lhe tinham atribuído e que também não estava nas previsões do legislador, ressalvado, já se entende, que daí não venha contradição com outras disposições ou desarmonia com o sistema. A interpretação evoluciona e satisfaz novas necessidades sem todavia mudar a lei. A lei lá está; mas porque a sua ratio, como força vivente móvel, adquire com o tempo coloração diversa, o intérprete sagaz colhe daí novas aplicações."
O próprio Manuel de Andrade, no projecto do Código Civil relativo à interpretação das leis (que se pode ver no BMJ, n.º 102, 144), não deixou de acolher esta ideia ("A interpretação não deve ficar atida à letra dos textos. Deve reconstruir o verdadeiro pensamento legislativo, integrando-o na totalidade do sistema jurídico e projectando-o nas condições do tempo actual.").
Pode-se mesmo dizer que a ideia de evolução no tempo é particularmente querida a todos os Autores que se debruçam sobre a interpretação das leis.
Devendo o intérprete ter bem presente que, no seguimento do projecto de Manuel de Andrade, o n.º 1 do artigo 9.º, manda atender, na interpretação, às condições específicas do tempo em que a lei é aplicada. (…) Não pode "abrir-se" a compensabilidade a todos os que, chegados ao lesado, sofram com o que aconteceu a este. Como refere Philippe Brun (Responsabilité Civile Extracontractuelle, 354): "...supondo admitido o princípio da reparação do prejuízo moral por ricochete, seria bom fixar-se regras simples evitando a inflação do coro de chorosos."
No reverso, não pode questionar-se que, para além do cônjuge, outros podem e devem beneficiar da tutela deste tipo de danos.
Todavia, não nos compete determinar aqui quais, dos chegados ao lesado, podem pedir compensação pelo sofrimento próprio. Estaríamos a ir para além do objecto do processo e a invadir terreno próprio do poder legislativo. O que temos de deixar bem claro é que a nossa referência ao cônjuge não pode ser interpretada como excluidora de outros.”
Ora, cientes dessa possibilidade e não ignorando a persistência de entendimentos diversos[xvii], não temos dúvidas em afirmar a nossa sintonia com a tese que defende que no rol daqueles que podem ser abrangidos pela interpretação extensiva do citado art. 496º se encontram os progenitores e os filhos dos que foram lesados directamente pelos factos danosos (cf. art. 9º, do C.C.).
Nesse sentido reveja-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.4.2021 e jurisprudência que no mesmo se cita para concluir que, sic: “Face à orientação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 6/2014, é de entender, por maioria de razão (ou, no limite, por igualdade de razão), que gozam do direito a indemnização por danos não patrimoniais os pais de uma criança sobrevivente atingida de modo particularmente grave, que sofre danos não patrimoniais particularmente graves.”[xviii]
 Com o mesmo entendimento, foi deferido aos progenitores esse direito de compensação no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2-3-2011, que acima citamos, bem como no seu Ac. de 7.21017[xix].
Podia discutir-se, em tese, se no caso concreto se verificam as exigências de gravidade que condicionam o acesso à indemnização deferida ao menor CC, contudo essa questão não foi suscitada nos recursos em apreço, razão pela se deve considerar prejudicada (cf. art. 635º, nº 5, do C.P.C.).
Resta, portanto, aferir do acerto do quantitativo da indemnização deferida.
É de salientar, como se refere em Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2019,[xx] - constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista, devendo, antes, ser significativa e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998.
No caso, há que ter em conta que o BB nasceu apenas meses antes do acidente em discussão nos autos suceder e que o seu pai, o Autor CC, ficou a padecer de sequelas graves (itens 125. e 126.) que, presume-se, prejudicam seriamente a sua capacidade física e psíquica para interagir com terceiros, maxime o seu filho menor, não esquecendo que essa interacção foi ainda afectada devido aos períodos de internamento e tratamento que aquele foi e será obrigado a cumprir (cf., v.g., itens 213. a 217., 249. a 255., 257.).
Antevendo-se a persistência dessas condicionantes, é muito acertado afirmar que ficou seriamente prejudicado o direito do Autor BB a um infância e adolescência na qual o seu pai pudesse, no pleno uso das suas faculdades, melhor promover o seu desenvolvimento físico e intelectual (cf. art. 1885º, nº 1, do Código Civil), como bem explana a sentença recorrida a esse propósito (para onde se remete) para concluir, de modo que é por nós secundado, que tudo isso foram sequelas do acidente, que não estariam presentes na relação pai-filho não fora o caso do acidente.
Na verdade, o que está aqui em causa não é um efeito isolado, um sofrimento ou padecimento ocasional. São anos de perdas, milhares de dias e de horas de dano, de falta, para quem nasceu no mesmo ano em que o fatídico evento danoso dos presentes autos aconteceu, de modo que, também aqui, encontramos razão na pretensão recursiva que visa o aumento da compensação a deferir.
Deve igualmente neste dano considerar-se repristinado o enquadramento que, supra, demos a este tipo de prejuízo não patrimonial, relembrado a qualidade do responsável, o grau de culpa do agente causador do dano e a natureza dos direitos pessoais que aqui se ponderam.
Ponderando tudo o que fica dito e sem encontrar casos completamente idênticos que sirvam de comparação, não podemos deixar de atender aos que acima enunciamos em 3.4.1. e que têm alguma afinidade nesta matéria de danos reflexos a fim de julgarmos mais ajustado e actual o valor de 20000 euros para tentar compensar aqueles que atingiram o Autor BB, razão pela qual julgamos parcialmente procedentes as conclusões deste recorrente e improcedentes as da Recorrente/Recorrida G....

3.4.3. Dano biológico do Autor CC
Este Autor não concorda com o valor de 495000 euros que lhe foi atribuído pela sentença recorrida a título de compensação pela perda de capacidade de ganho de futuro e dano biológico.
No seu entender, tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 32, 44, 45, 125, 126, 127, 128, 129, 136, 137, 156, 157, 164, 165, 166, 167, 168 e, 220 dos factos dados como provados, deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor a titulo de indemnização pelo “dano biológico” decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 85 pontos, uma quantia nunca inferior a 1000000 de euros.
Em sentido oposto, igualmente a Ré G... questiona essa parte da decisão, alegando que esse Autor não teve qualquer perda de rendimentos, pelo que a indemnização pelo seu dano biológico terá de ser enquadrada como dano não patrimonial e não exceder os 200000 euros. No entanto, mais à frente, sem o explicar, a Recorrente volta a discutir os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor e diz que a indemnização devida a esse título não deve ser superior a 175000 euros.
Colocadas as questões, resta perceber qual o sustento da decisão em crise.
Revista a sua fundamentação no que diz respeito a esta particular indemnização deferida ao Autor CC, o raciocínio explanado é, em suma, o seguinte…
No caso em apreço, quanto à perda de capacidade ganho, a Ré objectou, nas suas alegações, que o 1.º Autor mantém o exercício da mesma actividade profissional e que não sofreu perda de rendimentos.
A este respeito, apurou-se que, efectivamente, o 1.º Autor continua vinculado à entidade patronal que tinha à data do acidente, mantendo o seu posto de trabalho, o qual foi readaptado quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao horário, quer quanto ao espaço físico.
No entanto, isso não significa que o 1.º Autor se encontre na situação laboral em que estaria não fora a lesão; pelo contrário, conforme se refere na motivação, não foram as sequelas com que ficou afectado, era expectável que tivesse progredido na sua carreira profissional, ascendendo a remuneração e postos de chefia de que se viu afastado por força da sua actual condição física. E é esta a comparação a efectuar com vista à identificação dos danos: sempre por referência à situação em que o lesado se encontraria não fora a lesão, conforme prevêem os artigos 562.º e 563.º, do CCiv.
Sob essa perspectiva, a capacidade de ganho do 1.º Autor ficou afectada, quer por causa do acréscimo de esforço que terá de desenvolver para realizar o trabalho que já executava ou outro dentro da sua área de preparação, quer porque as lesões irreversíveis de que aquele é portador podem comprometer a manutenção da sua empregabilidade.
Num mercado muito competitivo, como é o actual, as entidades empregadoras procuram ganhos de eficiência e poupança de custos, pelo que a contratação de recursos humanos que obriguem a investimento em soluções de integração e de diferenciação, quanto às condições de prestação de trabalho, não é uma situação corrente.
Por outro lado, e como acima se referiu, o dano biológico pretende compensar o défice funcional pelo quanto ele colide com a capacidade de execução das actividades não só profissionais mas também diárias e pelo esforço e energia que são necessários desenvolver para lidar com as limitações que ele importa.
Quanto à forma de cálculo da fixação da indemnização, ela deve fazer-se por recurso à equidade, ponderando os critérios jurisprudenciais habitualmente relevantes na matéria: a idade do lesado na data da consolidação médico-legal das lesões; o défice funcional na integridade físico-psíquica atribuído; a esperança média de vida; os rendimentos de trabalho.”

 Nesse ponto, discute-se o que a decisão em crise apelidou de “dano material” o qual, no seu entendimento, deve ser calculado com base na forma matemática considerada no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2019, ou seja, ponderando, além de mais, o rendimento pecuniário que é conhecido ao Autor, seu grau de incapacidade funcional, idade e expectativa de vida.
Seguindo esse silogismo o Tribunal recorrido chegou ao valor de 563492,16 euros, aos quais abateu, ao abrigo do disposto no art. 611º, nº 1, do C.P.C., o valor de 74038,77 euros, recebidos pelo lesado em sede de processo de acidente de trabalho.
Aqui chegado, o Tribunal, ainda assim, voltou a invocar a equidade para acrescentar ao valor obtido pela formula matemática a compensação, que entende não estar abrangida por esta, respeitante à “potencial progressão na actividade profissional a que o 1º autor poderia aspirar, atenta a fase em que se encontrava e a sua formação base”.  Deste modo, considerou-se equitativo o valor de 495000 euros. Mais considerou o Tribunal a quo que esse montante abrangia a compensação pelas despesas que o Autor continuaria a ter ao longo da vida e os trabalhos de natureza remunerada que este primeiro autor levava a cabo de forma irregular.

Posto tudo isto, cremos que, pelas partes e pelo Tribunal a quo, foram englobados na mesma qualificação e/ou quantificação danos de diversa natureza: os danos futuros de natureza biológica, com reflexo não patrimonial e aqueles com reflexo patrimonial.
Embora seja discutível essa distinção, cuja utilidade vem sendo posta em causa por alguma doutrina[xxi], continuamos a defender que essa tem correspondência no quadro legal actual e mantém pertinência na devida e completa reparação dos danos em causa.
Nesse pressuposto, atendo-nos, à discussão da quantificação do dano biológico, há que ter em conta o seguinte.
Tal como se refere acerca desse aspecto no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.1.2012[xxii], “O défice funcional permanente da integridade física e psíquica repercute-se em todas as actividades do deficiente e, como assim, também na actividade laboral, que poderá eventualmente desempenhar, mas sujeitando-se a esforços suplementares.
Mesmo que o sinistrado não esteja a trabalhar, a deficiência, se for permanente, marcará a sua pessoa e será potencialmente impeditiva ou limitativa da capacidade de trabalho, ainda que, por via dos esforços empregues, possa não haver diminuição da capacidade de ganho.
É certo que esses danos são geralmente considerados como danos de natureza patrimonial (presentes e/ou futuros) também designados por danos biológicos ou danos corporais. (…)
Como se refere no acórdão do STJ de 4-10-2005 (www.dgsi.pt), o chamado dano biológico, como incapacidade em termos de prejuízo funcional, consiste, precisamente, “na diminuição somático-psíquico do indivíduo com repercussão na vida de quem o sofre”.
Trata-se de um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa sexual, social e sentimental. É um prejuízo que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido.
Em termos profissionais conduz este dano o lesado a uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho. Ou seja, é um prejuízo que se repercute no seu padrão de vida, actual e vindouro.
Tem-se discutido, essencialmente, a questão de saber se esse dano deve ser indemnizado a título de danos não patrimonial, ou a título de dano patrimonial, quando se verifica que a incapacidade permanente parcial não implica uma perda de ganho do rendimento auferido. Normalmente o cariz do dano biológico deve, casuisticamente, oscilar entre dano patrimonial ou dano não patrimonial.
É que, como se refere no acórdão deste STJ de 26-1-2012 (proc. n.º 220/2001-7.S, www.dgsi.pt) “a extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve, já o contempla (o dano biológico) indemnizatoriamente, ainda que noutro plano”. Para se proceder à dita valorização, deverá ponderar-se se esse prejuízo teve repercussões, no futuro, em termos de perda da capacidade de ganho, durante o período activo do lesado ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual em termos vindouros para os actos da vida corrente.
Na primeira situação deverá ser valorizado como dano patrimonial; nesta segunda hipótese, (…) a sua valorização deve ser no âmbito dos danos não patrimoniais»(…).”

Aderindo a este entendimento, renovando argumentos utilizados em casos semelhantes (cf. art. 8º, nº 3, do Código Civil) e tendo em conta os factos alegados pelo Autor e os considerados pela decisão recorrida neste ponto, temos de concluir, desde logo, estar perante factualidade que diz respeito a danos de diversa índole.
Em nosso entender, existe uma dificuldade natural de distinguir, em determinados pontos, nomeadamente naqueles em que há uma repercussão futura, o verdadeiro reflexo danoso dessa factualidade.
No entanto, haverá que, aplicando devidamente o direito aos factos e no âmbito da liberdade admitida pelo art. 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, separar águas e evitar duplicações.
Com efeito o art. 564º, nº 2, do Código Civil, precisa que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
E o art. 566º, desse Código dispõe ainda com relevo para o caso, que (1.) A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. 2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. 3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Ao referir-se a danos futuros previsíveis tem a lei em vista aqueles que, não estando verificados no momento em que se opera o cálculo da indemnização, podem vir a verificar-se depois (ou seja, aqueles que devem ser havidos como certos ou suficientemente prováveis, dentro do mecanismo do nexo causal).
 Como ensina Vaz Serra, "um exemplo de danos futuros é o que se verifica no caso de lesões que atingem a capacidade física do lesado ", pois que o corpo, visto como "instrumento de trabalho", perde capacidade ou funcionalidade para tal - o lesado fica afectado na sua capacidade produtiva e vê dessa forma diminuída a sua capacidade de auferir rendimentos com o trabalho.
O que se pretende indemnizar não é o sofrimento ou a deformação corporal em si (que cabem no âmbito dos danos não patrimoniais puros), mas antes a impossibilidade de que o(a) demandante ficou a padecer de utilizar o seu corpo de forma absoluta, enquanto força de trabalho e enquanto produtor de rendimento (e é sabido que nas sociedades hodiernas é através do trabalho que o comum das pessoas angaria os seus rendimentos ou contribui para o agregado que a sustenta). Esse desvalor existe também quando for posto em causa esse uso em geral, na actividade quotidiana que desenvolve qualquer ser humano.
Na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, maxime do Supremo Tribunal de Justiça, mostra-se consolidado o entendimento de que a limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz a incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução.[xxiii]
Como se escreveu no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.2.2018[xxiv]: Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer,… e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, (e que poderá corresponder, nalguns casos ao tempo de vida laboral útil do lesado), e compreendem ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).[xxv]
Estamos perante um dano em que a reconstituição natural ainda não é completamente viável, atento o estado da ciência, pelo que a reparação será tendencialmente feita em dinheiro.
Na fixação do montante global da compensação devida por esse desvalor, designado como dano biológico, que deve ser concretizada em termos equitativos nos termos acima notados, este Tribunal não está obrigado a aplicar determinadas fórmulas utilizadas para calcular indemnizações na jurisdição laboral ou as que se utilizem em tabelas financeiras devendo apenas delas socorrer-se como elemento de trabalho[xxvi].
Aliás alguma jurisprudência actual tende a considerar impróprio considerar essas fórmulas como base do juízo equitativo no caso do dano biológico de vertente geral ou não relacionado com a perda de uma especial capacidade de ganho[xxvii].

Já no que diz respeito ao dano moral ou imaterial, a norma que está directamente em causa é o já citado o art. 496º, nº 2, do Código Civil, caso em que, como já se salientou supra, o julgador tem de considerar nesse juízo de equidade, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, tal como prescreve esta última norma.

Ponderando o que acima ficou enunciado, a factualidade considerada pelo Tribunal a quo e pelas parte e/ou aquela que se pode presumir (cf. art. 349º, do Código Civil), seguramente, na medida em que coloca em causa o uso do corpo do Autor e/ou a sua saúde, em geral, na actividade quotidiana que desenvolve qualquer ser humano, pelo menos no que envolva as sequelas apuradas, estamos perante dano futuro, de cariz biológico, nas suas duas vertentes.
No que diz respeito à vertente patrimonial, julgamos viável a ponderação da presumida e potencial afectação da progressão na actividade profissional a que o 1º autor poderia aspirar, do expectável prejuízo de empregabilidade futura e da perda de rendimentos na actividade irregular, cujo valor é desconhecido, tudo resultante do elevadíssimo grau de défice funcional (84%) apurado e das limitações físicas, psíquicas e logísticas que prejudicam a futura actividade laboral do Autor CC.
De resto, tal como salientou a Apelante G..., inexiste prova de que este autor tenha sofrido, actualmente, uma quebra no seu rendimento certo ou que dependia da actividade profissional mencionada no item 44. dos factos provados (antes pelo contrário, se tivermos em conta o que ficou agora apurado em 45.1.), assim como é certo que o Tribunal não considerou na sua equação esse prejuízo.
Apesar disso, relembrando o que acima ficou dito, não podemos deixar de considerar que, nos aspectos acima considerados (potenciais lucros cessantes) ainda se tenha de falar de um dano futuro com reflexo patrimonial.
Distinto destes danos materiais é aquilo que, nas palavras do Tribunal recorrido, emerge da invocada afectação da capacidade de execução das actividades não só profissionais mas também diárias e do esforço e energia que são necessários desenvolver para lidar com as limitações de que padece o Autor, como ficou apurado, v.g., em 137. dos factos provados.
Neste âmbito julgamos estar perante danos de natureza não patrimonial.
Esta distinção é determinante, desde logo, para que se calcule de forma justa a compensação pecuniária que cada um destes tipos de danos merecerá.
É, v.g., incorrecto e injusto que o dano não biológico com reflexo não patrimonial possa variar de pessoa para pessoa em função do rendimento que o mesmo aufira ou se presuma auferir quando, v.g., em termos de esforço físico suplementar, é praticamente inviável, dessa forma, distinguir o dano que cada pessoa sofre com idêntico défice funcional.
Nestes termos, descendo ao caso concreto, iremos calcular o referido dano patrimonial recorrendo, ab initio, à previsão do art. 566º, nº 3, do C.C., a fim de encontrarmos, no seio da factualidade apurada, um valor que equitativamente possa servir de ponto de partida ao silogismo a operar.
Está em causa, como acima assinalou, a presumida afectação da progressão na actividade profissional a que o 1º autor poderia aspirar, o expectável prejuízo de empregabilidade futura e a perda de rendimentos na actividade irregular, cujo valor é desconhecido, tendo em conta o défice funcional (84%) apurado.
Nesse aspecto consideramos que: o valor mensal a ponderar seria de 1000 euros, se tivermos em conta que, apesar de tudo, aparentemente o Autor não perdeu alguma esperança de progressão salarial, tendo em mente que entretanto já foi aumentado (cf. o apurado em 45.1.); essa progressão não seria imediata (dita a experiência comum); o risco de (des)empregabilidade, ainda que provável, não é absoluto e o mesmo não perdeu totalmente a possibilidade de continuar a realizar alguma da actividade irregular remunerada que realizava, embora essa possa implicar esforço suplementar e, em parte, uma logística mais exigente. Em nosso entender carece de sustento a imputação de indemnizações que visam compensar danos emergente do sinistro em causa no rendimento a contabilizar neste âmbito, como pretende a Apelante G....
Partindo desse  valor equitativo, ainda respeitando os limites da matéria provada e visando alcançar o valor justo da indemnização a atribuir ao lesado, por este dano futuro, há que encontrar, como defende o referencial Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 5.5.1994[xxviii], uma quantia que possa ressarcir, durante a sua vida activa, a perda de rendimento sofrida e mostrar-se esgotada no fim do período considerado.
Teremos em conta o tempo médio de vida[xxix] actualmente prevista, cerca de 81[xxx] anos de idade, a data de nascimento do lesado (.../.../1981 – cerca de 33 anos à data do acidente (34 anos de laboração útil remanescente), o valor 1000 euros mensais (x12)/10800 euros por ano, um taxa de juros 3% e uma taxa de crescimento de 2% (tendo em conta a tendência actual).
Encontrados todos os elementos necessários há que aplicá-los na fórmula a equacionar. Esta determinará qual o capital que produzirá, durante certo período, um rendimento anual sempre igual mas que no final desse se ache esgotado.
De acordo com fórmula matemática[xxxi], já testada por nós em comparação com outras citadas pela jurisprudência dos Tribunais superiores (na qual se baseia, aliás), esse valor indicativo será de cerca de 457734 euros, o que, ponderando adicionalmente a tendência inflacionista actual nos conduz a um valor que equitativamente julgamos dever fixar-se em 480000 euros.
Todavia, este valor não abarca a referida vertente não patrimonial do dano biológico de que padece o Autor CC, já acima enunciado e reflectido pela factualidade exarada, v.g., nos pontos 32, 39, 125 a 127, 136., 137, 141 e 164, e em todos os demais, da factualidade assente, nos quais se espelha a mencionada afectação da capacidade de execução das actividades não só profissionais mas também diárias e do esforço e energia que são necessários desenvolver para lidar com as limitações de que padece.
Ponderando os factores previstos no citado art. 496º, nº 2, do C.C., já acima analisados neste caso concreto, bem como o que resulta da jurisprudência na valoração de casos similares[xxxii], julgamos ser equitativo e actual o montante de 80000 euros, considerando, em particular, a idade do autor, a esperança média de vida acima considerada e o grau de deficiência apurada.
Encontrados estes valores, resta adiantar que discordamos da decisão da primeira instância na parte, discutida pelo Apelante CC, em que deduz ao valor fixado o montante já pago pela seguradora laboral.
Cientes de que essa posição tem acolhimento em alguma jurisprudência[xxxiii], julgamos actualmente que a solução que melhor se coaduna com a natureza complementar das indemnizações da duas jurisdições e com a natureza subsidiária da responsabilidade laboral é a que preconiza a inviabilidade dessa dedução, conforme defende Supremo Tribunal de Justiça, v.g., no seu recente Ac. de 11.7.2019[xxxiv], no qual, em suma, ficou dito: I – Em caso de acidente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário.
II – Na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho.
No mesmo sentido, Lopes do Rego, em Ac. do Supremo Tribunal de Justiça,  de 11.12.2012, deixou dito a propósito, sic: 3. O interesse protegido através da consagração da regra da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral – pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado – sendo antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido ( traduzida, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa , ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprio lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de 1 ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito). 4. Aliás, o reconhecimento ao lesante da faculdade de opor ao lesado a excepção peremptória de recebimento da indemnização laboral - alegando na contestação e provando cabalmente que os danos peticionados abrangiam prestações decorrentes da legislação laboral, já integralmente satisfeitas pela entidade patronal ou respectiva seguradora - sempre teria de depender de uma condição fundamental : ser permitido ao titular do direito de regresso ou reembolso efectivá-lo no confronto do lesante ou respectiva seguradora; é que, a não se entender assim, o regime legal conduziria a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido em o abate da indemnização laboral no quantitativo global peticionado  pelo lesado acabar por reverter em benefício do próprio lesante, autor do facto ilícito.
Deste modo, julgamos inviável proceder à dedução operada pela primeira instância, julgando procedente este argumento do Apelante Autor.
Acresce que, tendo a indemnização deferida uma componente não patrimonial que extrapola o dano material futuro satisfeito na jurisdição laboral, nunca, nessa parte, seria viável essa dedução por estarmos a falar de coisas distintas. Como bem se diz no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.4.2020: I- Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física II - Quando o acidente reveste simultaneamente a natureza de acidente de viação e de trabalho, as indemnizações destinadas a ressarcir o mesmo dano não são cumuláveis, mas sim complementares. III - A indemnização devida ao sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, no regime jurídico das prestações por acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado.
 Posto isto, julgamos que a indemnização do referido dano biológico, nas suas componentes acima analisadas, deve ser ressarcida com o montante actual de 560000 euros, assim se modificando a decisão em crise, dando parcial razão à apelação do Autor, com improcedência da pretensão da Apelante G....

3.4.4. Danos não patrimoniais do Autor CC (além dos relativos ao dano biológico)

No tocante aos danos morais a decisão recorrida fixou em 275000 euros o seu desvalor no caso do Autor CC.
Na sua apelação, o Autor pede que o mesmo atinja os 400000 euros, tendo em atenção o consta dos itens n.ºs 32, 55 a 127 e 130 a 179 dos factos julgados assentes.
No entender da Apelante G... esse valor indemnizatório não deverá ultrapassar os 175000 euros.
Dando aqui por reproduzido tudo que acima ficou dito acerca da quantificação deste dano, quer no plano do direito, quer no plano dos factores que neste caso concreto devem ser considerados e são comuns aos demais lesados, acrescentaremos aqui o seguinte.
Da factualidade apontada resulta que o Autor sofreu lesões graves que foram causa de internamentos que se prolongaram por mais de um ano, padeceu e padecerá de sofrimento físico e psíquico para o resto da sua vida (tenha-se em atenção que tinha cerca de 33 anos à data do evento e é provável que sobrevida pelo menos até aos 81 anos), ficou paraplégico, com tudo o que isso importa para limitação fundamental na sua autonomia de modo permanente.
Posto isto, não pode duvidar-se é da amplitude e da gravidade dos danos em causa, que atinge um homem na flor da vida e saudável, tendo uma vida normal que lhe permitia granjear o seu sustento e viver com total autonomia, passou a depender de terceiros e a carregar o fardo da dificuldade de mobilização.
É ainda extremamente relevante o facto de ter ficado sexualmente impotente o que é especialmente grave numa pessoa com a idade que tinha.
Ponderando todos estes factos, julgamos poder concluir que a indemnização fixada pela primeira instância a este título se deve manter pois, além disso, se contém dentro dos valores que podemos encontrar na jurisprudência corrente.
Veja-se, v.g., o caso revisto no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.6.2022, no qual esse valor, respeitante é certo a um tetraplégico, com 26 anos de idade, ascendeu a 500000 euros[xxxv].
Confronte-se também o Ac. do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 9.7.2015[xxxvi], no qual a um lesado com 39 anos de idade, que ficou com insensibilidade abaixo da cintura, foi atribuída uma indemnização de 250000 euros por danos não patrimoniais. 
É ainda exemplo disso o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.9.2015, no qual o mesmo dano de um paraplégico, neste caso com mais 23 anos de idade, foi fixado em 170000 euros.
Neste contexto o juízo de equidade situa-se dentro da margem de discricionariedade que é consentida, pelo que julgamos que ambas as apelações devem improceder neste aspecto.

3.4.5. Dano respeitante à necessidade de auxílio de terceira pessoa ao Autor CC
No tocante a este dano emergente, a sentença recorrida fixou em 281295 euros o seu valor pecuniário.
O Apelante CC pretende que se fixe em quantia nunca inferior a 400000€, remetendo para a factualidade constante dos itens n.ºs 32, 127, 147 e 178 dos factos dados como provados na sentença.
A Apelante G..., por sua vez, pretende que este dano seja reduzido a 71165,64€, por dedução do valor que foi arbitrado nos termos apurados em 36., dos factos provados na mesma sentença.
Nesta matéria, contudo, uma observação prévia se impõe.
A sentença apelada optou por resolver esta questão deste particular desvalor do Autor no plano dos factos, tendo exarado no seu item 147. o montante exacto que encontrou e motivou na respectiva fundamentação da decisão de facto.
Nenhum dos Apelantes questionou essa decisão de facto, maxime nos moldes que estão previstos no art. 640º, do Código de Processo Civil, tendo as suas conclusões incidido, neste aspecto, numa abordagem jurídica do tema.
Deste modo, fica prejudicado, em ambas as apelações, a discussão desse desvalor previamente assente em sede de decisão da matéria de facto, o que importa, desde já, a improcedência da apelação do Autor CC nessa matéria.
 No que diz respeito à apelação da Ré, acrescenta-se que é inoperante nesta instância a excepção que baseia no pagamento de valores devidos pelo mesmo tipo de dano, efectuados ou a efectuar pela seguradora laboral, renovando-se aqui a argumentação já acima aduzida a propósito de questão idêntica para, assim, concluir pela improcedência desta outra apelação, neste ponto.

3.4.6. A condenação da Ré na quantia que se vier a apurar ser necessária para a adaptação da cozinha da casa de habitação do 1º autor, para tratamentos médicos e medicamentosos adaptação do veículo e do material para incontinência

Neste âmbito, mais uma vez, damos por renovada a argumentação acima expendida para concluir que nesta instância a Demandante, que representa o lesante, não pode opor a extinção da sua responsabilidade com base na eventual existência de cumulação de indemnizações da mesma natureza arbitradas em sede laboral.
Como se afirma em Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 21.1.2021[xxxvii] (cf. art. 8º, nº 3, do C.C.): Sendo o acidente simultaneamente de trabalho e de viação e o responsável civil pelo acidente de viação tenha, no âmbito da acção que conheceu da responsabilidade civil, sido condenado no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, destinada a compensar a perda ou diminuição da capacidade de ganho (lucros cessantes), é de considerar verificada a cumulação de indemnizações, justificando-se o reconhecimento do direito de desoneração previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 17 da NLAT, até que se mostre esgotada a cobertura do capital recebido por acidente de viação, uma vez que é o responsável civil quem deve em primeira linha responder pelo ressarcimento do dano sofrido.
Improcedem, por isso, estas conclusões da Apelante G... e, assim, esta concreta apelação.

3.4.7. Da duplicação dos juros legais e condenação na quantia prevista no art. 40º, nº 2, do D.L. nº 291/2007

O Apelante CC invoca a factualidade dos itens 50. a 53, dos factos provados, para concluir que a Ré G... deve ser sancionada nos termos previstos no art. 37º, nº 1, al. c), do D.L. nº 291/2007, ou seja, no pagamento de juros no dobro da taxa legal, de acordo com a previsão conjugada dos seus arts, 38º e 39º, e ainda com o pagamento da quantia prevista no seu art. 40º, nº 2.
A aqui Apelada propugna a solução da sentença em crise.
Quid?
Estipula o art. 36º do citado D.L. (Diligência e prontidão da empresa de seguros) que (1) Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve: (…) a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar; (…) e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico; (…).
Sob a epígrafe “Diligência e prontidão da empresa de seguros na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais”, prescreve o referido art. 37º o seguinte: (1) Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a empresa de seguros deve, relativamente à regularização dos danos corporais: a) Informar o lesado se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efectuado, ou no prazo de 60 dias a contar da data da comunicação do sinistro, caso o pedido indemnizatório não tenha ainda sido efectuado; b) Disponibilizar ao lesado o exame de avaliação do dano corporal previsto na alínea anterior no prazo máximo de 10 dias a contar da data da sua recepção, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão; c) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico. 2 - Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável: (2) a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos; b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior. 3 - À regularização dos danos corporais é aplicável o previsto no artigo anterior no que não se encontre fixado no presente artigo, contando-se os prazos aí previstos a partir da data da apresentação do pedido de indemnização pelo terceiro lesado, sem prejuízo da aplicação da alínea b) do n.º 6 desse artigo ter como limite máximo 90 dias.
O seu art. 38º estabelece ainda que (1) a posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. 2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
Dita ainda o art. 39º, do mesmo D.L. (Proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais), que (1) a posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. (2) Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, é aplicável o previsto nos n.os 2 e 3 do artigo anterior.
Por fim, estabelece o seu art. 40º, nº 2, que: Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos nºs. 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.
Está assente que a Ré não apresentou ao 1.º Autor proposta de indemnização (item 53.)
Todavia, como assinala a decisão recorrida, esta proposta e o efeito sancionatória preconizado nas normas supracitadas pressupõe que, previamente, tivesse o Apelante apresentado um pedido de indemnização, o que não foi alegado ou provado por si, pelo que deve improceder esta pretensão recursiva (cf. art. 342º, nº 1, do Código Civil).

4. DECISÃO
           
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação:
A. Julgar parcialmente procedente a apelação do Autor CC e, em conformidade, alterar o decidido no ponto 1º, al. a), da sentença, nos seguintes termos: 1.º- Condena-se a Ré a pagar ao 1.º Autor CC: a. A quantia de 560000,00€ (quinhentos e sessenta mil euros) a título de compensação do dano biológico (patrimonial e não patrimonial), sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento;
B. Julgar parcialmente procedente a apelação da Autora AA,  e, em conformidade, alterar o decidido no ponto 2º, al. k), da sentença, nos seguintes termos: 2.º- Condena-se a Ré a pagar à 2.ª Autora AA: k. A quantia indemnizatória de 50000,00€ (cinquenta mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento;
C. Julgar parcialmente procedente a apelação do Autor BB, e, em conformidade, alterar o decidido no ponto 3º, da sentença, nos seguintes termos: Condena-se a Ré G... a pagar ao 3.º Autor BB a quantia indemnizatória de 20000,00€ (vinte mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento;
D. Manter a decisão no restante.
E. Julgar improcedente a apelação da Ré G...;
F. Condenar Autores e Ré nas custas da apelação deduzida pelos primeiros, na proporção dos respectivos vencimentos (cf. art. 527º, do C.P.C.).
G. Condenar a Ré G... nas custas da sua Apelação (cf. art. 527º, do C.P.C.);
H. Considerando, por um lado, a cordata conduta processual das partes e, por outro, a desproporção que adviria face à taxa justiça a pagar e bem assim o âmbito da complexidade da causa, decide-se, à luz do disposto no artº. 6º, nº. 7, do RCP – e na sequência da iniciativa da 1ª. instância a esse respeito, reduzir a 75% o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nesta instância.

             
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Sumário[xxxviii]:
Julga-se equitativo, atendendo ao elevado grau de culpa apurado e vislumbrando-se uma expectativa de vida que para ambos os membros do casal se situa perto dos 80 anos (ou seja, pelo menos cerca de 40 anos), a indemnização de 50000 euros para compensar, a título de dano reflexo, a cônjuge do lesado em acidente de viação.
Tendo em conta que o filho menor deste lesado nasceu apenas meses antes do acidente em discussão nos autos suceder e que esta último ficou a padecer de sequelas graves  que, presume-se, prejudicam seriamente a sua capacidade física e psíquica para interagir com terceiros, maxime o seu filho menor, não esquecendo que, além disso, essa interacção foi ainda afectada devido aos períodos de internamento e tratamento que aquele foi e será obrigado a cumprir, julga-se ajustado valor de 20000 euros para compensar o seu dano reflexo.
 São exemplo de danos futuros aqueles que se verificam no caso de lesões que atingem a capacidade física do lesado, pois que o corpo, visto como instrumento de trabalho, perde capacidade ou funcionalidade para tal - o lesado fica afectado na sua capacidade produtiva e vê dessa forma diminuída a sua capacidade de auferir rendimentos com o trabalho.
Com a compensação do dano biológico pretende-se indemnizar não o sofrimento ou a deformação corporal em si mas antes a impossibilidade de que o(a) demandante ficou a padecer de utilizar o seu corpo de forma absoluta, enquanto força de trabalho mas também da actividade quotidiana que desenvolve qualquer ser humano.
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física/psíquica não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela distinta redução.
 Julgando-se provável a potencial afectação da progressão na actividade profissional a que o lesado aspiraria, bem como a sua empregabilidade futura e a perda de rendimentos na actividade irregular que desenvolvia,  tudo resultante do elevadíssimo grau de défice funcional (84%) apurado e das limitações físicas, psíquicas e logísticas que prejudicam a futura actividade laboral, está assente um dano biológico futuro com reflexo patrimonial para qual consideramos equitativo o montante de 480000 euros.
Ponderando os factores previstos no citado art. 496º, nº 2, do C.C., julgamos ser equitativo o montante de 80000 euros para ressarcir a vertente não patrimonial desse dano biológico, considerando, em particular, a idade do autor, a esperança média de vida acima considerada e o grau de deficiência apurada.
Em caso de acidente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário.
Na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho.
Da factualidade apontada resulta que o lesado sofreu lesões graves que foram causa de internamentos que se prolongaram por mais de um ano, padeceu e padecerá de sofrimento físico e psíquico para o resto da sua vida (tenha-se em atenção que tinha cerca de 33 anos à data do evento e é provável que sobrevida pelo menos até aos 81 anos), ficou paraplégico, com tudo o que isso importa para limitação fundamental na sua autonomia de modo permanente, pelo que, tudo ponderado, julga-se equitativo o montante de 275000 euros para compensar esse dano moral.
As sanções consubstanciadas no pagamento de juros no dobro da taxa legal, de acordo com a previsão conjugada dos seus arts, 38º e 39º, do D.L. nº 291/2007, e de pagamento da quantia prevista no art. 40º, nº 2, do mesmo D.L., pressupõe que o lesado tenha, previamente, formulado pedido de indemnização nos termos previstos nesse diploma legal.
 
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Guimarães, 19/01/2023.


Assinado digitalmente por:                                              
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio



[i] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
[ii] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[iii] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
[iv] In https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/6-2014-25345882
[v] Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
[vi] in A FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL, p. 20, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/34853/1/A%20Funcao%20Punitiva%20da%20Responsabilidade%20Civil.pdf
[vii] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 571, apud Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 2.11.2017, no processo APELAÇÃO N.º 1315/14.6TJVNF.G1
[viii] Cf. também Vg. o estudo  "A INDEMNIZAÇÃO PUNITIVA E OS CRITÉRIOS PARA A SUA DETERMINAÇÃO", de PAULA MEIRA LOURENÇO, p. 11 e ss., que se pode encontrar em http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/responsabilidadecivil_paulameiralourenco.pdf
[ix]Cf. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=541021600&DESTAQUEStema=55466&DESTAQUESmodo=2 
[x] Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.1.2021, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/927c50d5c6cb35b88025867b007affa7?OpenDocument
[xi] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3.11.2016, citado infra
[xii] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.1.2012 - Certo que os precedentes judiciários servem de critério auxiliar do julgador, de linha de orientação na fixação equitativa do quantum indemnizatório, mas importa ter sempre em atenção as semelhanças e dissemelhanças das situações factuais de cada caso, na medida em que são geralmente tais elementos que fundamentam as discrepâncias registadas.
 in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/40beb9fc8d1b128480257afc004b8797?OpenDocument
[xiii] In A RESSARCIBILIDADE DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS REFLEXOS, p. 34 e s.- https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/55034/1/ulfd0150852_tese.pdf
[xiv] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/C88F21A4E5BD4D0480257850003171CE
[xv] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/271a2ef31a3821898025762e00306a4a
[xvi] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e74b6ef53e83de74802586d8003e755a?OpenDocument
[xvii] V.g., o do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2019, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e24f18b934cd2a1580258497005482d6?OpenDocument
[xviii] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e74b6ef53e83de74802586d8003e755a?OpenDocument
[xix] http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/2804C975F8880B25802580CA003C20C2
[xx] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/79b936dad3837320802584d3005ac46a?OpenDocument
[xxi] Cf. v.g.. Bruno Ferreira, comentando jurisprudência desta Relação, in Cadernos de Direito Privado, nº 67, p. 58
[xxii] In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/40beb9fc8d1b128480257afc004b8797?OpenDocument
[xxiii] Cf. Ac. do S.T.J., de 10.12.2019, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/527785cc8d5b9b3e802584cd0038c691?OpenDocument   ,
[xxiv] Citando José de Sousa Dinis, in Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 29 e seg - http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/F55A9A94B426483880258248003B8246
[xxv] file:///C:/Data/MJ01650/Documents/DOUTRINA/029-042-Avalia%C3%A7%C3%A3o-e-repara%C3%A7%C3%A3o-do-dano-p-e-n-p.pdf
[xxvi] Vide Ac. S.T.J., 05.05.94, in C.J., A. II, T. II, p. 88.
[xxvii] Cf. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.3.2017 e 25.5.2017, in, respectivamente: https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2017:294.07.0TBPCV.C1.S1  e
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2017:2028.12.9TBVCT.G1.S1
[xxviii] Vide Ac. S.T.J., 05.05.94, in C.J., A. II, T. II, p. 88.
[xxix] Cf., v.g., Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de         21-06-2022, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f3c09f5e26fee0238025886800595a9e?OpenDocument ou de 9.9.2015, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/03393bfba8e5a0e080257ebc005bb5e2?OpenDocument : VII - A idade a considerar para os efeitos do cálculo da indemnização por perda da capacidade de ganho é a do tempo médio de vida e não a do termo da vida activa, corresponda ou ultrapasse a idade da reforma.
[xxx] https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=415515347&DESTAQUESmodo=2
[xxxi]Inicialmente publicada em http://www.verbojuridico.net, referenciada, v.g., em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/eaed31f9d53644db80258059003b295f?OpenDocument 
[xxxii] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.9.2015,  e jurisprudência neste citada, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2015:146.08.7PTCSC.L1.S1.90/
[xxxiii] Cf. nesse sentido, Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 15.4.2021, e Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 24.9.2020, respectivamente in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/89ed70847c369f92802586cc004cc506?OpenDocument / http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9ae269ceb842afc28025860100676ba8?OpenDocument
[xxxiv] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0333b81b829a55b580258434004bf06b?OpenDocument 
[xxxv] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f3c09f5e26fee0238025886800595a9e?OpenDocument
[xxxvi] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1a4a27c4a903173380257e8100370b64?OpenDocument
[xxxvii] In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/953d9e8046a69cad8025866500500c83?OpenDocument
[xxxviii] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.