JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
RECONVENÇÃO
BENFEITORIA
Sumário


I) - O pedido reconvencional deduzido pelos réus nos termos do artº. 266º, nº. 2, al. b) do NCPC apenas é admissível quando, por via da acção, seja pedida a entrega da coisa alvo das benfeitorias ou despesas que aqueles alegam ter realizado e relativamente às quais pretendem ser ressarcidos.
II) - Numa acção de impugnação de escritura de justificação notarial, em que os autores pretendem que esta seja declarada ineficaz, de forma a que os réus não possam, através dela, registar qualquer direito sobre o prédio pertencente aos autores, e onde em momento algum requerem a entrega do prédio (por a mesma já ter sido ordenada por sentença já transitada em julgado, proferida no âmbito de outro processo), não é admissível a reconvenção deduzida pelos réus, tendo em vista uma compensação pelas benfeitorias e obras de conservação e manutenção realizadas nesse prédio, por não obedecer ao preceituado na al. b) do n.º 2 do artº. 266° do NCPC.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA e BB intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra CC e mulher DD, pedindo que:

a) Se considerem impugnados, para todos os efeitos legais, os factos justificados na escritura pública de justificação outorgada a 5 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial ..., sito na Avenida ..., Edifício ..., loja ..., em Chaves, exarada de folhas trinta e seis a folhas trinta e sete - verso do livro de notas para escrituras diversas número sessenta e três - B;
b) Seja declarada ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial de forma a que os RR. não possam, através dela, registar qualquer direito sobre o prédio rústico, situado no lugar ..., actualmente freguesia ... (..., ..., ... e ...), concelho ..., composto de vinha, olival e terra de cultivo, com a área de dezanove mil duzentos e oitenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com ... e ..., nascente com EE, sul com caminho público e poente com FF e Junta de Freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...95 e anteriormente inscrito na matriz rústica da freguesia ... (extinta) sob o artigo ...97, com o valor patrimonial de € 1.385,54;
c) Seja cancelado qualquer registo efectuado com base no documento aqui impugnado.
Para tanto alegam, em síntese, que em 5 de Novembro de 2019 os RR. outorgaram escritura pública na qual declararam que são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artº. 2º da petição inicial, que o mesmo não está descrito na Conservatória do Registo Predial ... e que não têm qualquer título formal de onde resulte pertencer-lhes o direito de propriedade sobre o prédio, mas que iniciaram a sua posse por volta do ano de 1988, altura em que o adquiriram por compra meramente verbal a GG e mulher HH.
Mais declararam que, desde aquela data, têm sempre usado e fruído o prédio, cultivando-o, colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições por eles devidas e fazendo essa exploração com a consciência de serem os seus únicos donos, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição há mais de 20 anos, o que confere à posse a natureza de pública, pacífica, contínua e de boa fé, razão pela qual adquiriram o direito de propriedade sob o referido prédio por usucapião.
Sucede que as declarações dos RR. na referida escritura não correspondem à realidade, porquanto aqueles não são, nem nunca foram, titulares de qualquer direito sobre o referido prédio, o qual, aliás, se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ..., com inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor do Autor.
Referem, ainda, que o prédio rústico descrito na escritura de justificação notarial aqui impugnada integra e faz parte do prédio misto identificado no artº. 26º da petição inicial, tendo o A. adquirido o direito de propriedade sobre este prédio através de uma doação feita pelos seus avós GG e HH, por escritura pública datada de 1972.
O A. marido, por si e pelos seus antecessores, sempre ocuparam e administraram o referido prédio, limpando-o, conservando-o, retirando dele os frutos e rendimentos, ou consentido que o façam, pagando as respectivas contribuições o que sucede há mais de 50 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta e consecutiva, na convicção e intenção de que o prédio lhes pertencia.
Os RR. eram vizinhos do A. marido, sendo que este, no ano de 1991, autorizou os RR. a cultivarem o prédio e dele retirarem os frutos e proventos que produzisse, bem como a utilizá-lo, tendo de o restituir quando tal lhe fosse pedido.
Os RR. utilizam o prédio há mais de 30 anos, nunca tendo pago para o efeito qualquer renda ao A. marido.
No ano de 2019 os RR. arrogaram-se titulares do direito de propriedade sobre o referido prédio perante a I..., com vista a receber o valor da indemnização pela sua expropriação.
Os     factos     alegados     foram     dados     como     provados     no     âmbito     do processo nº. 406/20.9T8CHV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., no qual os RR. foram autores e o A. marido foi réu/reconvinte, tendo em 27/12/2020 sido proferida sentença que julgou a reconvenção deduzida pelo A. marido contra os RR. parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu o A. como titular do direito de propriedade sobre o prédio misto descrito na petição inicial, sendo os RR. condenados a restituir ao A. o aludido prédio livre e devoluto de pessoas e bens, e a absterem-se de praticar qualquer actos que perturbem, obstem ou impeçam o gozo do direito de propriedade do Autor.
Os aqui RR. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 2/07/2021 e transitado em julgado, confirmou a decisão da 1ª instância, estando assim demonstrado que o A. é titular do direito de propriedade sobre o prédio misto identificado no artº. 56º da petição inicial, do qual faz parte o prédio rústico descrito no artº. 57º daquele articulado e objecto da escritura de justificação notarial impugnada na presente acção.

Os RR. apresentaram contestação, na qual reconheceram que no âmbito do mencionado processo nº. 406/20.9T8CHV foi reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o aludido prédio, pelo que não o põem em causa.
Deduziram reconvenção, reclamando uma indemnização no valor total de € 54.805,00 pelas obras e benfeitorias realizadas no prédio, que descriminam nos artºs 22º a 51º da contestação, pela valorização que o mesmo terá tido em virtude da sua conduta e que se reflecte no valor indemnizatório atribuído pela expropriação, e ainda pelo pagamento de IMI.
Concluem, pugnando pela procedência da reconvenção, com a consequente condenação dos AA. a pagarem aos RR. a quantia de € 54.805,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Os AA. apresentaram réplica, pugnando, desde logo, pela inadmissibilidade da reconvenção deduzida e, numa segunda linha, impugnando a factualidade alegada pelos RR. em sede de reconvenção.
Terminam, reiterando o alegado na petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional contra eles formulado, pedindo ainda a condenação dos RR. como litigantes de má fé numa multa correspondente a 15 UC’s e em indemnização a favor dos AA. de quantia não inferior a € 2.000,00 para cada um deles.

Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido o seguinte despacho [transcrição]:

«Nos presentes autos vieram os Réus deduzir pedido reconvencional, pedindo a compensação por benfeitorias e despesas realizadas com o prédio objecto da escritura de justificação, referido na petição inicial, bem como uma compensação pela valorização que o referido prédio terá tido em virtude da sua conduta e que se reflete no valor indemnizatório a título de expropriação.
Ora, o artº 266º, nº. 1 e 2 do CPC estabelece as situações em que é admissível a dedução do pedido reconvencional, sendo que o pedido das benfeitorias e as despesas com a coisa exige que, por via da acção, seja solicitada a entrega dessa mesma coisa.
Nos presentes autos os Autores apenas colocam questões relacionadas com a validade jurídica de uma escritura pública, a qual pretendem ver declarada ineficaz, em nenhum momento requerendo qualquer entrega.
Mais se acrescenta que no âmbito do processo 406/20.9T8CHV já transitada em julgado foi ordenado a entrega do referido prédio aos aqui autores.
Assim sendo, e uma vez que afigura inexistir fundamento para a dedução de pedido reconvencional vai o mesmo indeferido.
Custas da reconvenção pelos Réus.
Notifique.»

Seguidamente, tendo o Tribunal “a quo” considerado que os elementos constantes dos autos permitiam conhecer do mérito da causa, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

1. Declaro ineficaz a escritura de justificação notarial outorgada por CC e DD, nos termos da qual declararam ter adquirido por usucapião o «prédio rústico sito no lugar ..., freguesia ... (freguesia ..., ..., ... e ...), concelho ..., composto de vinha, olival e terra de cultivo, com a área de 19.284m2, a confrontar do norte com ... e ..., nascente com EE, sul com caminho público e poente com FF e Junta de Freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. ...95º, anteriormente inscrito na matriz rústica da freguesia ... (extinta), sob o art. ...97º», exarada no Cartório Notarial ..., a fls. 36 a 37 verso do livro de notas para escritura diversas número 63.
2. Absolvo os réus do pedido de condenação como litigantes de má fé.

Inconformados com tal decisão, os RR. dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

I
Versa o presente recurso em bom rigor sobre a não admissão da reconvenção.
II
A situação concreta entre as partes é que o prédio é propriedade dos aqui recorridos, mas as benfeitorias alegadas são propriedade dos recorrentes.
III
Salvo o devido respeito, o tribunal à quo confundiu o direito de propriedade dos recorrentes que, baseado numa decisão transitada em julgado não podemos pôr em causa, com o direito a benfeitorias que pode e deve ser discutido nos presentes autos.
IV
Ademais, o pedido dos Recorrentes nesta ação emerge do pedido dos recorridos que vieram pedir a ineficácia de uma escritura de justificação notarial em que estes são justificantes que é título constitutivo de direitos.
V
Existe, assim uma conexão objetiva entre as duas ações, ou seja, um nexo entre os objetos da causa inicial e da causa reconvencional em harmonia com o disposto no artigo. 266.º, n.º 2, a) do CPC que dispõe, que a reconvenção é admissível quando “o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa”.
VI
A interpretação desta norma tem merecido uma interpretação consensual na medida em que entre o pedido de ineficácia da escritura, título constitutivo de direitos e as benfeitorias realizadas pelos recorrentes, essa conformidade e conexão existem.
VII
Dissertando sobre a noção de causa de pedir para efeitos de reconvenção, os recorrentes CC e mulher pediram o pagamento de uma determinada quantia destinada ao pagamento de todas as benfeitorias realizadas no prédio que, iniludivelmente lhe acrescentou valor em sede de expropriação, valor esse que os aqui recorridos irão receber sem que tenham despendido um cêntimo que seja com tais benfeitorias.
VIII
Não fossem essas benfeitorias, propriedade dos recorrentes e o prédio teria sido avaliado como terreno de mato, eventualmente ardido, pois uma coisa é a avaliação de um prédio devidamente tratado com muros em devidas condições, esteios, vinha bem cuidada e árvores, acessos e limpeza de extremas, outra coisa bem diferente, é avaliação de um prédio de mato onde não se entraria.
IX
Ao proporem a presente ação, no nosso entendimento, abriram os recorridos as portas a que o direito dos recorrentes fosse devidamente avaliado em sede reconvencional porque o pedido daqueles tem a ver com a ineficácia de um documento constitutivo de direitos.
X
A admissão da reconvenção depende da identidade, ainda que parcial, de factos essenciais ou principais, isto é, os que constam da norma como constitutivos do direito, para concluir que “a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra pretensões”. (Cfr. A Causa de Pedir na Ação Declarativa, pág. 270).
XI
Os recorridos pediram nos presentes autos que:
A - Se considerem impugnados para todos os efeitos legais, os factos justificados na escritura pública de justificação outorgada a 5 de novembro de 2019;
B - Seja declarada ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial de modo a que os réus não possam, através dela registar qualquer direito sobre o identificado prédio;
C - Seja cancelado qualquer registo efetuado com base no ato impugnado.
XII
Pretendem os recorridos, em suma, que se considerem impugnados os factos alegados pelos recorrentes na escritura de justificação notarial e a sua ineficácia de modo a não poderem através dela pedir o ingresso do seu direito na Conservatória do registo Predial.

XIII
Ora é do confronto entre o posicionamento dos recorridos na P.I. e os fundamentos da reconvenção que encontramos os elementos de conexão objetiva entre ambos os pedidos.
XIV
As benfeitorias alegadas pelos recorrentes em sede de reconvenção foram realizadas no prédio em concreto de que os AA e recorridos são donos cujo título aquisitivo por parte daqueles serve de base à conexão objetiva em que deve assentar a reconvenção.
XV
Parece-nos óbvia esta conexão entre os direitos invocados nessa escritura, destinada à constituição de direitos, que os recorridos vieram pôr em causa pedindo a sua anulação e eficácia o seu pedido reconvencional.
XVI
O direito a benfeitorias no prédio é conexo com os direitos invocados pelos reconvindos e aqui recorridos.
XVII
O possuidor de boa-fé, temo direito a ser indemnizado pelas obras que fez que constituem benfeitorias necessárias destinadas a tornar o prédio habitável ou benfeitorias úteis que não podem ser retiradas sem detrimento do mesmo de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 1273.º do C. Civil, independentemente das obras terem sido autorizadas pelo proprietário (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-11-2018, Processo n.º 671/15.3T8AMT.P1).
XVIII
Cabendo aos recorrentes o direito a serem ressarcidos por todos os trabalhos realizados no prédio com vista a evitar a deterioração do mesmo, assim como os que valorizam o prédio.
XIX
Emergem os direitos dos Reconvintes de todos os trabalhos de conservação e manutenção realizados no prédio dos Reconvindos, que, de forma decisiva, contribuíram para a valorização do mesmo, que, seria hoje, uma mata densa e informe, que já teria ardido várias vezes como tem sucedido a prédios abandonados nas imediações e um pouco por todo o lado.
XX
Violou o douto acórdão recorrido o disposto no artigo 266.º do C. de Processo Civil.
Terminam entendendo que deve ser dado provimento ao recurso e ordenada a admissão da reconvenção.

Os AA. apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso apresentado pelos RR. e consequente manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de 5/12/2022 (refª. ...92).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelos RR., delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
I) – Questão prévia:
   - Rectificação de lapsos materiais, inexactidões e imprecisões existentes nos pontos 1, 2, 4 e 5 dos factos provados enunciados na sentença recorrida;
II) – Saber se é admissível, “in casu”, o pedido reconvencional formulado pelos RR./recorrentes.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

1. Por escritura pública outorgada em 5 de novembro de 2019 os réus CC e DD declararam que são donos e legítimos possuidores do seguinte bem:
«Prédio rustico, sito no lugar ..., freguesia ... (freguesia ..., ..., ... e ...), concelho ..., composto de vinha, olival e terra de cultivo, com a área de 19.284m2, a confrontar do norte com ... e ..., nascente com EE, sul com caminho público e poente com FF e Junta de Freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. ...95º, anteriormente inscrito na matriz rústica da freguesia ... (extinta), sob o art. ...97º.»
2. Declaram que o prédio se encontra omisso na Conservatória do Registo Predial, bem como que não têm qualquer título formal de onde resulte pertencer-lhes do direito de propriedade, mas que iniciaram a sua posse pelo ano de 1988, ano em que o adquiriram por compra meramente verbal a GG e mulher.
3. Mais declararam que, desde aquela data, têm sempre usado e fruído o prédio, cultivando-o, colhendo os seus frutos, pagando todas as contribuições por eles devidas e fazendo essa exploração com a consciência de serem os seus únicos donos, à vista de todo e qualquer interessado , sem qualquer tipo de oposição há mais de 20 anos, o que confere à posse a natureza de pública, pacifica, continua e de boa fé, razão pela qual adquiriram o direito de propriedade sob o referido prédio por usucapião, o que expressamente invocam para efeitos de ingresso no registo predial.
4. O prédio descrito em 1 faz parte do prédio «misto sito em ..., freguesia ... (União de Freguesia ..., ..., ... e ...), concelho ..., com a área total de 19.336m2, área coberta de 52m2, e descoberta de 19.284m2, composto por parte urbana por casa do ... e ... andar e parte rústica por vinha, a confrontar do norte com ..., a sul com caminho público, a nascente com II e poente com JJ, inscrito na matriz urbana sob o art. ...36º, e matriz rústica sob o art. ...95º, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26 e inscrito do direito de propriedade a favor do autor pela Ap. ...04 de 2019-11-26.»
5. Por sentença proferida em 27 de dezembro de 2020, já transitada em julgado, foi o aqui autor:
a) Reconhecido como titular do direito de propriedade sobre o prédio misto sito em ..., freguesia ... (União de Freguesias ..., ..., ... e ...), concelho ..., com a área total de 19.284 m2, área coberta de 52 m2 e área descoberta de 19.284m2, composta por parte urbana de casa do ... e ... andar e parte rústica por vinha, a confrontar do norte com ..., a sul com caminho público, a nascente com II e poente com JJ, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...36º e matriz predial rústica sob o art. ...95º, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26 e inscrito a favor o autor pela Ap....04 de 26/11/2019.
b) Foram os aqui réus condenados a restituir ao aqui autor o prédio identificado em a), livre e devoluto de pessoas e bens, e condenados a absterem-se praticar quaisquer atos que perturbem ou impeçam o gozo pelo réu do seu direito de propriedade.
6. O direito de propriedade sobre o prédio encontra-se inscrito a favor do autor pela Ap. ...04 de 26/11/2019.

*
Apreciando e decidindo.

I) – Questão prévia:
  - Rectificação de lapsos materiais, inexactidões e imprecisões existentes nos pontos 1, 2, 4 e 5 dos factos provados enunciados na sentença recorrida:
Como questão prévia à apreciação de fundo da questão supra enunciada, e porque está correlacionada com a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo”, afigura-se-nos existir nos pontos 1, 2, 4 e 5 dos factos provados enunciados na sentença recorrida alguns lapsos materiais ou de escrita, inexactidões e imprecisões, relacionados com o que foi declarado pelos RR. na escritura de justificação notarial aqui impugnada, com a descrição do prédio misto dos AA. identificado nos autos e com o teor da sentença proferida no processo nº. 406/20.9T8CHV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., já transitada em julgado, que se tornam manifestos em face da matéria alegada pelos AA. na petição inicial e que não foi impugnada pelos RR. na contestação, bem como dos seguintes documentos juntos aos autos, aceites pelas partes:
- escritura de justificação notarial constante de fls. 12 a 14vº, onde consta o que nela foi declarado pelos RR. sobre a aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sobre o prédio rústico identificado no artº. 2º da petição inicial;
- certidão do registo predial referente ao prédio misto identificado no artº. 26º da petição inicial, na qual se verifica que o direito de propriedade sobre o mesmo se encontra registado a favor do A. na Conservatória do Registo Predial ... (fls. 56);
- cadernetas prediais relativas ao prédio urbano e ao prédio rústico que fazem parte do prédio misto supra referido, nas quais se verifica que os mesmos se encontram inscritos em nome do Autor (fls. 57 e 58);
- sentença de 27/12/2020 e acórdão da Relação de Guimarães de 2/07/2021, proferidos no processo nº. 406/20.9T8CHV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., constando da respectiva parte decisória o reconhecimento do A. como titular do direito de propriedade sobre o prédio misto identificado nos autos e a condenação dos RR. a restituí-lo ao A., livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem, obstem ou impeçam o gozo pelo A. do seu direito de propriedade (fls. 16 a 29 e 31 a 55).
Em nosso entender importa, pois, corrigir na sentença recorrida os seguintes lapsos de escrita, inexactidões e imprecisões, nos termos dos artºs 613º, nº. 2 e 614º ambos do NCPC, por forma a haver consonância entre a factualidade dada como provada, a matéria alegada na petição inicial, que não foi impugnada, e os documentos juntos aos autos, aceites pelas partes:
a) – no ponto 1 dos factos provados, onde se refere “inscrito na matriz sob o art. ...95º” deve constar “inscrito na respectiva matriz sob o art. ...95º”, a fim de estar rigorosamente em conformidade com o teor da escritura de justificação notarial junta a fls. 12 a 14vº;
b) – no ponto 2 dos factos provados constatamos que existe um lapso de escrita (refere-se “Declaram” em vez de “Declararam”) e algumas inexactidões e imprecisões ao descrever o que foi declarado pelos RR. na aludida escritura de justificação notarial, por comparação com o que consta neste documento e o que foi alegado pelos AA. na petição inicial e não impugnado pelos RR., designadamente no que concerne ao facto do prédio não estar descrito na Conservatória do Registo Predial ..., ao momento temporal em que alegadamente teriam iniciado a sua posse sobre o prédio e à identificação completa dos alegados vendedores, pelo que deve passar a constar que: 
2. Declararam que o prédio não está descrito na Conservatória do Registo Predial ..., bem como que não têm qualquer título formal de onde resulte pertencer-lhes o direito de propriedade, mas que iniciaram a sua posse por volta do ano de 1988, ano em que o adquiriram por compra meramente verbal a GG e mulher HH.
c) - no ponto 4 dos factos provados constatamos que existem algumas imprecisões na descrição do prédio misto pertencente ao A., por comparação com o que foi alegado pelos AA. na petição inicial e não impugnado pelos RR. e a descrição do dito prédio dada como provada na sentença proferida no processo nº. 406/20.9T8CHV, já transitada em julgado, pelo que deve passar a constar que: 
4. O prédio descrito em 1 faz parte do prédio «misto sito em ..., freguesia ... (União de Freguesias ..., ..., ... e ...), concelho ..., com a área total de 19.336m2, área coberta de 52m2 e área descoberta de 19.284m2, composto por parte urbana de casa do ... e ... andar e parte rústica por vinha, a confrontar do norte com ..., a sul com caminho público, a nascente com II e poente com JJ, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...36º e na matriz predial rústica sob o art. ...95º, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26 e inscrito o direito de propriedade a favor do autor pela Ap. ...04 de 2019-11-26.»
d) - no ponto 5 dos factos provados, para além de não ser identificado o processo onde foi proferida a sentença ali referida, constatamos que existe um lapso de escrita na alínea a), pois onde se refere “com a área total de 19.284m2” deve constar “com a área total de 19.336m2”, sendo ainda detectadas algumas inexactidões e imprecisões na descrição que é feita na alínea b) da condenação dos RR. no supra mencionado processo nº. 406/20.9T8CHV, por confronto com o que foi alegado pelos AA. na petição inicial e não impugnado pelos RR. e o que consta na parte decisória da sentença proferida naquele processo, pelo que deve passar a constar o seguinte: 
5. Por sentença proferida em 27 de Dezembro de 2020, no processo nº. 406/20.9T8CHV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., já transitada em julgado, foi o aqui autor:
a) Reconhecido como titular do direito de propriedade sobre o prédio misto sito em ..., freguesia ... (União de Freguesias ..., ..., ... e ...), concelho ..., com a área total de 19.336 m2, área coberta de 52 m2 e área descoberta de 19.284m2, composto por parte urbana de casa do ... e ... andar e parte rústica por vinha, a confrontar do norte com ..., a sul com caminho público, a nascente com II e poente com JJ, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...36º e matriz predial rústica sob o art. ...95º, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26 e inscrito a favor o autor pela Ap....04 de 26/11/2019.
b) Foram os aqui réus condenados a restituir ao aqui autor o prédio identificado em a), livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem, obstem ou impeçam o gozo pelo aqui autor do seu direito de propriedade.
*
II) – Saber se é admissível, “in casu”, o pedido reconvencional formulado pelos RR./recorrentes:

Vêm os RR., ora recorrentes, insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância que não admitiu a reconvenção por eles deduzida, na qual peticionaram uma compensação por benfeitorias e obras de conservação e manutenção realizadas no prédio objecto da escritura de justificação notarial impugnada nesta acção, face ao abandono a que alegadamente os AA./reconvindos o votaram, bem como pela valorização que o mesmo terá tido em virtude da sua conduta e que se reflecte no valor indemnizatório atribuído pela I... em sede de expropriação, e ainda pelo pagamento de IMI.
Para tanto, alegam que "A situação concreta que temos, neste momento, é que o prédio é propriedade dos aqui recorridos, mas as benfeitorias que aqui foram alegadas são propriedade dos recorrentes".
Ou seja, o que os RR. colocam aqui em causa é o facto do Tribunal “a quo” não ter conhecido do mérito da reconvenção e a consequente negação dos direitos de que se arrogam titulares, argumentando que aquele Tribunal confundiu o direito de propriedade dos AA./recorridos, baseado numa decisão transitada em julgado (proferida na acção de reivindicação que os aqui RR. propuseram contra os aqui AA., que correu termos com o n.º 406/20.9T8CHV), que não podem pôr em causa, com o direito a benfeitorias que pode e deve ser discutido nos presentes autos.
Isto porque consideram que o pedido reconvencional formulado pelos RR./recorrentes nesta acção emerge do pedido dos AA./recorridos, que vieram pedir que se considerem impugnados os factos alegados pelos RR. na escritura de justificação notarial, que é um título constitutivo de direitos, e a sua ineficácia de modo a não poderem, através dela, registar na Conservatória do Registo Predial qualquer direito sobre o prédio rústico nela identificado.
Do confronto entre o posicionamento dos AA. na petição inicial e os fundamentos da reconvenção, vêm agora os recorrentes concluir pela existência de uma conexão objectiva entre ambos os pedidos (isto é, entre o pedido da causa inicial e o pedido reconvencional), de harmonia com o disposto no artº. 266°, n.º 2, al. a) do NCPC.
Ou seja, alegam os recorrentes que as benfeitorias foram realizadas no prédio em concreto de que os AA. são donos, cujo título aquisitivo serve de base à conexão em que deve assentar a reconvenção.

Vejamos se lhes assiste razão.

De acordo com o estipulado no artº. 216°, n.º 1 do Código Civil, “consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”.
Neste seguimento, dispõe o artº. 266°, n.º 2, al. b) do NCPC que a reconvenção é admissível "quando o réu se propõe a tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida".
Analisando a petição inicial, verificamos que os AA. intentaram a presente acção porque tomaram conhecimento da existência de uma escritura de justificação notarial outorgada em 5/11/2019 e pretendem que a mesma seja declarada ineficaz de forma a que os RR. não possam, através dela, registar qualquer direito sobre o prédio rústico pertencente aos Autores.
Como vimos, os AA. não vieram através dos presentes autos requerer a entrega do prédio rústico em causa, nem o poderiam fazer, uma vez que tal entrega já foi ordenada por sentença transitada em julgado, proferida no processo n.º 406/20.9T8CHV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de - Juízo Local Cível ... – Juiz ... e foi instaurado após a realização da referida escritura de justificação notarial.
Com efeito, naquela sentença foi o aqui A. reconhecido como titular do direito de propriedade sobre o prédio misto identificado nos autos, do qual faz parte o prédio rústico visado na aludida escritura de justificação notarial, bem como foram os aqui RR. condenados a restituir ao A. o referido prédio, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem, obstem ou impeçam o gozo pelo aqui autor do seu direito de propriedade.
Face ao exposto e atentos os pedidos formulados pelos AA. nesta acção, verifica-se que estes apenas colocam questões relacionadas com a validade jurídica de uma escritura de justificação notarial, a qual pretendem ver declarada ineficaz nos termos e para os efeitos supra referidos, sendo que em nenhum momento requerem a entrega do prédio rústico.
Logo, se nos presentes autos os AA. não requerem a entrega do prédio em causa – o que, como já se referiu, não poderiam fazer, uma vez que tal entrega já foi ordenada no âmbito do aludido processo n.º 406/20.9T8CHV - a reconvenção deduzida pelos ora recorrentes relativamente às benfeitorias e obras realizadas no prédio é inadmissível por não obedecer ao preceituado na al. b) do n.º 2 do artº. 266° do NCPC.
Ora, de acordo com o supra citado preceito legal, o pedido reconvencional deduzido pelos RR./recorrentes apenas é admissível quando, por via da acção, seja pedida a entrega da coisa alvo das benfeitorias ou despesas que os RR. alegam ter realizado e cujo reembolso pretendem, não se aceitando a justificação apresentada pelos recorrentes para o facto de não terem suscitado a questão da compensação pelas benfeitorias e obras de conservação e manutenção que alegam ter realizado no prédio objecto da escritura de justificação notarial no âmbito da primeira acção, quando a mesma era legítima e admissível.
Alegam os recorrentes que esta questão não foi suscitada no primeiro processo porque ali eram autores, mas se naquele processo tivessem sido os aqui autores a lançar mão de uma acção de reivindicação nada impediria os ora recorrentes de deduzirem pedido reconvencional para reclamar daqueles uma compensação pelas benfeitorias ou despesas conexas com o imóvel objecto da pretensão dos Autores.
Conforme se alcança da sentença junta a fls. 16 a 29, os aqui RR. foram autores na acção n.º 406/20.9T8CHV, na qual invocaram a aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sobre o prédio misto identificado no ponto 4 dos factos provados supra descritos, e pediram o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mesmo e o cancelamento do registo de propriedade feito a favor do aqui A. marido, réu naquela acção.
O réu naquela acção (aqui Autor) deduziu reconvenção, na qual peticionou, para além do mais, que fosse declarado que é dono do referido prédio misto e os autores/reconvindos fossem condenados a restituir-lhe tal prédio, livre e devoluto de pessoas e bens, e a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem, obstem ou impeçam o gozo pelo réu do seu direito de propriedade.
Os autores naquela acção (aqui Réus) replicaram, apresentando a sua defesa em relação ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e pugnando pela sua improcedência.
Por sentença proferida em 27/12/2020, foi aquela acção julgada improcedente e o réu absolvido dos pedidos, ao passo que a reconvenção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi o réu/reconvinte (aqui Autor) reconhecido como titular do direito de propriedade sobre o prédio misto identificado nos autos, e os autores/reconvindos (aqui Réus) condenados a restituir ao réu o aludido prédio, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem, obstem ou impeçam o gozo pelo mesmo do seu direito de propriedade.
Entendemos, pois, que a questão das benfeitorias e obras realizadas pelos aqui RR./recorrentes poderia ter sido suscitada no âmbito daquele primeiro processo - tendo em vista a pretendida compensação pelas benfeitorias e despesas que eles alegam ter efectuado - mais concretamente na réplica, onde apresentaram a sua defesa quanto à reconvenção deduzida pelo réu (aqui Autor), podendo os autores, naquela sede, ter optado por requerer a ampliação do pedido primitivo na sequência do pedido reconvencional, nos termos do artº. 265º, nº. 2 do NCPC. Ou poderiam até ponderar a necessidade de formularem um pedido subsidiário na petição inicial, antecipando uma eventual estratégia defensiva que viesse a ser adoptada pelo réu, como efectivamente veio a acontecer.
Isto porque foi no mencionado processo n.º 406/20.9T8CHV que foi questionada a propriedade do prédio em causa nos presentes autos, tendo sido no mesmo pedida a entrega do imóvel pelos ora AA./recorridos.
Sucede que a questão das alegadas benfeitorias e obras realizadas no prédio nunca foi suscitada no decorrer daquele processo, como era legítimo e admissível nos termos do artº. 266º, n.º 2, al. b) do NCPC.
E suscitar esta questão no presente processo não tem qualquer fundamento, não podendo o pedido reconvencional deduzido pelos RR/recorrentes ser admitido nestes autos, pois em momento algum da presente acção foi requerida a entrega do imóvel, tendo sido tão só peticionada a declaração de ineficácia de uma escritura de justificação notarial.
Aliás, tem-se entendido na jurisprudência que o pedido reconvencional previsto na al. b) do nº. 2 do artº. 266º do NCPC “pode surgir numa acção de reivindicação de um prédio, onde o réu tenha feito obras de conservação (arts. 216º, 1273º e 1275º todos do C.C.), numa acção de despejo, em cujo arrendado o arrendatário tenha realizado obras (art. 1046º do C.C. e art. 29º do NRAU), ou numa acção em que seja pedida a restituição de uma coisa depositada e o réu depositário pretenda que o autor depositante lhe pague as despesas de conservação da coisa (art. 1199º do C.C.)”, não sendo feita qualquer menção à possibilidade deste pedido reconvencional surgir numa acção de impugnação de escritura de justificação notarial (cfr. acórdão da RG de 10/07/2018, proc. n.º 1630/17.7T8VRL-A, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, os recorrentes invocam o acórdão da RP de 15/11/2018 (proc. n.º 671/15.3T8AMT, disponível em www.dgsi.pt), no qual se refere que "O possuidor de boa fé, sendo-lhe exigida a entrega do prédio pelo proprietário, tem o direito a ser indemnizado pelas obras que fez que constituem benfeitorias necessárias destinadas a tornar o prédio habitável ou benfeitorias úteis que não podem ser retiradas sem detrimento do mesmo de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do artº. 1273° do Código Civil, independentemente das obras terem sido autorizadas pelo proprietário" (sublinhado nosso).
E com base neste, consideram que cabe aos recorrentes o direito a serem ressarcidos por todos os trabalhos realizados no prédio em questão, com vista a evitar a deterioração do mesmo, assim como os que valorizam o prédio.
Em primeiro lugar, importa referir que os recorrentes ao mencionarem o que consta no citado acórdão da Relação do Porto, omitiram a expressão “sendo-lhe exigida a entrega do prédio pelo proprietário”, que evidencia que um pedido reconvencional tendo em vista o ressarcimento pelas benfeitorias realizadas num prédio por um possuidor de boa fé apenas é admissível quando, nessa mesma acção, seja pedida a entrega desse prédio ao proprietário.
 Aliás, aquele acórdão foi proferido numa acção em que a A. pediu a condenação da Ré no pagamento do valor das benfeitorias que alegou ter realizado num imóvel que constituiu sua habitação, e onde a Ré formulou pedido reconvencional contra a A. no sentido da mesma ser condenada a entregar-lhe o dito imóvel, consubstanciando uma situação diferente da contemplada nos presentes autos.
Por outro lado, tendo por decisão proferida na audiência prévia sido indeferida a reconvenção por inadmissibilidade legal da mesma nos termos do artº. 266°, n.º 2, al. b) do NCPC, vêm os RR. agora, em sede de recurso, invocar alínea diferente na tentativa de estabelecer uma conexão entre situações completamente distintas.
No entanto, salvo o devido respeito, parecem ignorar que o pedido reconvencional em causa não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, não podendo ser suscitada, “in casu”, alínea a) do n.º 2 do citado artº. 266° do NCPC.
Como já se referiu, esta acção teve como fundamento tão só a declaração de ineficácia da escritura de justificação notarial outorgada em 5/11/2019, de forma a que os RR. não possam, através dela, registar qualquer direito sobre o prédio rústico pertencente aos aqui Autores, não tendo estes nos presentes autos requerido a entrega do prédio em causa, nem o poderiam fazer, uma vez que tal entrega já foi ordenada no âmbito do processo n.º 406/20.9T8CHV.
E, por último, importa referir que o pedido reconvencional em discussão sempre surgiria no âmbito da alínea b) do n.º 2 do artº. 266° do NCPC, uma vez que o que os RR. verdadeiramente pretendem é tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas ao imóvel que ocuparam, não estando em causa nos presentes autos o pedido de entrega desse imóvel.
Por tudo o que se deixou exposto, entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura, razão pela qual terá de improceder o recurso interposto pelos Réus.
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III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus CC e mulher DD e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 26 de Janeiro de 2023
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)