VENDA DE COISA DEFEITUOSA
REDUÇÃO DO PREÇO
ABUSO DO DIREITO
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
Sumário


I – Não actua em autodefesa, por contravenção ao disposto no art. 1.º do Cód. Proc. Civil, a parte que instaura a acção em tribunal para apreciar e decidir sobre o direito que pretende reivindicar.
II – A parte que, tendo optado pela redução do preço, ao abrigo do disposto nos arts. 913º, n º 1 e 911º, n º 1, do C.C., por lhe ter sido vendida coisa que sofre de vício que impede a cabal realização do fim a que se destinava e que a desvalorizava, em vez de ter vindo pedir a anulação do negócio, não actua em manifesto abuso de direito.
III - O interveniente a título acessório não é condenado na primeira acção, apenas ficando vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réu.
IV - Tal chamamento é justificado pelo interesse invocado pelo R. que legitime o incidente quanto à acção de regresso a exercer sobre terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda (cfr. arts. 321.º, n.º 1 e 322.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil.
V - Permite este incidente que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra ele se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo.
VI – Não sendo o chamado sujeito da relação jurídica que se debate na acção entre autor e réu não pode ser objecto de condenação ou de absolvição no pedido, pelo que não pode ser igualmente condenado nas custas decorrentes do respectivo vencimento ou decaimento.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1- Relatório

Empreendimentos F..., Lda., instaurou acção, na forma de processo comum, contra F..., S.A. pedindo que:
a) Se fixasse o preço do negócio de compra e venda celebrado entre Autora e Ré no valor de 677.648,32 €;
b) Se condenasse a Ré a pagar à Autora a quantia que viesse a ser determinada, a título de redução do preço do negócio celebrado entre as partes, pelo menos de 222.351,68 €, inerente à venda de coisa defeituosa, nos termos do disposto nos artigos 913.º e 911.º do Código Civil, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
c) Se condenasse a Ré a pagar à Autora a quantia de, pelo menos 80.205,00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pela Autora, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
d) Se ordenasse a restituição à Autora do montante de 16.411,67 €, a título de impostos liquidados em excesso pela Autora no âmbito do negócio sub judice.
Como fundamento, invocou ter comprado, pelo preço de € 900.000,00, à R., um terreno urbano destinado a construção, que pensava ter uma área de 2.461 m2, como constava da descrição matricial e predial e conforme lhe fora informado/confirmado pela R. no local, destinando o prédio à edificação de fracções autónomas, pelo que avançou com o licenciamento.
Referiu que, posteriormente, ficou a saber que, parte da área do prédio vendido, não era da R., mas sim de terceiro, tendo o prédio vendido apenas a área de 1.853 m2.
Tal redução de área do prédio implicou a redução da sua capacidade edificativa, o que obrigou a A. a introduzir alterações ao projecto de especialidades, de arquitectura, eléctrico e ITED e a atrasar o início da execução da obra e a ter de, por esse atraso, indemnizar o empreiteiro que havia contratado para a realizar, em tudo tendo despendido € 80.205,00, bem como pago IMT e imposto de selo em função do preço declarado de € 900.000,00.

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A Ré contestou, impugnando parte da factualidade invocada pela A., invocando, nomeadamente, que o prédio que vendeu à A. tem efectivamente a área de 2.461 m2.
Requereu a intervenção acessória da ... - Energias, S.A. - que veio a ser admitida -, tendo também requerido que, no caso de a acção ser julgada procedente, se condenasse a E... a pagar à R. nos exactos termos em que fosse condenada nesta acção.
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A ... - Energias, S.A., apresentou contestação, pugnando pela declaração de extinção do incidente de intervenção acessória, e impugnando grande parte da factualidade invocada pela A.
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Após a declaração de incompetência territorial, tendo o processo transitando para o tribunal julgado competente, realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual, designadamente, se julgou legalmente inadmissível o pedido formulado pela R. contra a E..., se julgou improcedente a pretensão da E... de declaração de extinção do incidente de intervenção acessória, se identificou o objeto do litígio e se enunciou os temas da prova.
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Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

a) Fixar como preço do negócio de compra e venda celebrado entre Autora e Ré, um valor indeterminado, a liquidar ulteriormente, mediante avaliação do valor que teria o prédio vendido/comprado com a área de apenas 1.853 m2, em vez da área de 2.461 m2;
b) Condenar a R. a pagar à A., a título de redução do preço do negócio celebrado entre as partes, a quantia ilíquida, resultante de avaliação, correspondente à desvalorização resultante do facto de o prédio só ter a área de 1.853 m2, em vez de ter a área de 2.461 m2 (em valor não superior a € 222.351,68);
c) Condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 65.137,50 (sessenta e cinco mil cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento;
d) Absolver a R. do demais peticionado.
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II - Objecto do recurso

Não se conformando com essa decisão veio a Ré F..., S.A.. recorrer, concluindo nos seguintes termos:

1ª.- A questão essencial dos presentes autos radica na área do prédio alienado pela F... à FL...: descrito na CRP ... sob o n.º ...49 e inscrito na matriz predial sob o art. ...87º: saber se tal área é de 2.461 m2 ou menos.
2ª.- Quanto às restantes questões subsequentes (as eventuais despesas que a Autora poderá ter suportado), o desfecho jurisdicional sobre elas dependerá do provimento do presente recurso: se este obtiver provimento, aquelas (questões subsequentes) caem.
3ª.- A propósito da questão essencial, foram dados como provados 14 factos.
4ª.- Em relação aos primeiros 4 factos dados como provados, a Recorrente nada tem a observar, acrescentando apenas que os factos n.º 5 e 6 da sentença não se relacionam, propriamente, com a “chamada área do prédio”.
5.ª- No ponto n.º 7 da matéria de facto dada como provada, diz-se, com uma inesperada segurança, que a Câmara Municipal ... informou a Autora que parte do terreno pertencia ao município.
6.ª- Ora, tal “segurança” não existe. Na verdade, do documento junto aos autos de onde a 1ª instância retirou o que deu como provado (o documento n.º ... junto com a petição inicial), consta algo substancialmente diferente e que foi truncado pelo Juiz para “segurar” o seu julgamento de facto e, assim, dissipar as dúvidas que existiam, na medida em que, desse documento, a CM... não informou a Autora que parte do terreno que havia comprado pertencia ao município.
7.ª-Oquenelesedizé que“…,o processo não poderá prosseguir enquanto não for esclarecida cabalmente a legitimidade da Autora para intervir na totalidade do terreno delimitado”, não se percebendo o motivo que terá levado a 1ª Instância a suprimir aquele advérbio assinalado.
8.ª- Por outro lado, desse mesmo documento, consta uma informação da CM..., de que “parte desse terreno será propriedade municipal”, não se percebendo, de novo, o motivo que terá levado a 1ª Instância a suprimir tal conjugação verbal.
9.ª- Assim, em relação ao ponto n.º 7 dos factos dados como provados, deve considerar-se apenas como provado que a CM... apenas afirmou, de forma meramente condicional e hipotética, que a propriedade de parte do terreno pudesse ser municipal.
10ª.- É absolutamente determinante que se proceda a uma análise histórica do prédio n.º ...49, tornando-se indispensável uma análise criteriosa ao doc. n.º ... da p.i.
11ª.- O prédio tinha a área total de 4.120 m2, sendo 634m2 de área coberta e 3.486m2 de área descoberta, sendo composto por uma casa de ... e andar com 155 m2, uma dependência com 170 m2 e logradouro, 1.025m2, uma segunda casa de ... e andar com 155m2, uma terceira casa de ... e andar com 154m2 e um terreno destinado a construção com 2.461 m2.
12ª.- As confrontações de tal prédio eram as seguintes: -a Norte, com a Estrada Interior da Circunvalação; a sul, com os S.M.A.S, a nascente, com o IPO e Rio ... e a poente, com a Rua ....
13ª.Entretanto,em1997,foidesanexadodesteprédio(on.º1.749)oprédio n.º 2564/970625, constituído pelas três casas contíguas.
14ª.- Quer dizer, após a desanexação referida, o original prédio com a área de 4.120 m2, constituído pelas 3 casas e pelo terreno destinado a construção, gerou 2 prédios:
um, o desanexado (a sul), com o n.º 2.564, constituído pelas 3 ditas casas;
outro, que manteve on.º1.749,constituídopor um terreno destinado a construção, agora só com a área de 2.461 m2.
15ª.- Portanto, o prédio n.º ...49 tinha (e tem) a área de 2.461m2 e confronta a Norte com a Estrada Interior da Circunvalação, a Sul com prédio n.º ...56 da Rua ... (é a casa mais a Norte das 3 casas supra referidas), a Nascente com o jardim público pertença da Câmara Municipal ... e a Poente com a Rua .... Aliás, ainda hoje é assim (cfr. o doc. n.º ... junto com a contestação).
16ª.- Se o entendimento da Autora e da sentença estivesse correctos, o terreno em causa, hoje, não confrontaria a Sul com o prédio n.º ...56 da Rua ..., mas sim com o tal outro imaginário prédio recentemente registado a favor das Águas do ..., com o n.º ...29/...03.
17ª.- Ora, foi justamente aquele prédio n.º ...49, com a área de 2.461m2 que foi vendido, em 2001, pela E... - Electricidade ... S.A., à  F... (cfr. o doc. n.º ... junto com a p.i.) e foi este mesmíssimo prédio que, em 2018, foi vendido pela F... à FL....
18ª.- Em 2006, a F... tomou conhecimento de que a CM... admitiria que parte do prédio n.º....749fossedela,na decorrênciado que,para dissipar dúvidas, junto das Finanças, a F... obteve duas cartas absolutamente esclarecedoras.
19ª.- Tratam-se de duas cartas apresentadas às Finanças, remetidas pela E... - Electricidade ... S.A.:
Uma, de 14.03.1997, através da qual a E... deu conta às Finanças de que o prédio n.º ...49 era de 1.842m2 (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação), a pretexto de que tinha cedido “parte do terreno ao S.M.A.S. para construção de depósitos de água”;
Outra, logo a seguir (em 20.03.1997) onde a mesma E... veio comunicar, dirigindo-se às mesmas Finanças, que o requerido em 14.03.1997 ficava sem efeito, esclarecendo que o prédio tinha, efectivamente, a área de 2.461m2, “dividido em 2 parcelas, só em termos ocupacionais, estando uma delas com reservatórios de água pertencentes aos S.M.A.S., por cedência verbal da E... a essa entidade” (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação).
20ª.- Para confirmar o referido, a F... remeteu carta, em 21.07.2006, à E..., solicitando melhores esclarecimentos sobre a questão (cfr. doc. n.º ... junto com a contestação).
21ª.- Foi então que, por carta datada de 03.08.2006, a E... comunicou à F... que celebrou com esta o contrato de boa-fé, e que numa parte do terreno existiam uns reservatórios de água desactivados e abandonados, pertencentes aos S.M.A.S. Por isso, a E... (entretanto, E...) solicitou ao S.M.A.S. por escrito o esclarecimento, antes de outorgar c/V. Exas. (F...), tive duas reuniões no S.M.A.S. para que eventualmente existisse a possibilidade de o local onde estão os reservatórios, estivessem vinculados a algum «contrato jurídico» com a E..., mas também nunca foi respondido nem provado… (cfr. doc. n.º ... da contestação).
22ª.- Além disso, a E... ainda referiu que “os moradores antigos do ex. Bairro ... tendo a maioria já falecido, diziam que o terreno foi cedido ao S.M.A.S., temporariamente para a colocação dos reservatórios, sendo o terreno na sua totalidade da E.... Como podemos verificar, apenas existe um artigo matricial, aquele que foi alienado a V. Exas.”.
23ª.- Em suma: -O prédio n.º ...49 tinha (e tem) a área de 2.461m2, estando, numa parte do terreno (que se sabe ser a Sul), uns reservatórios (tenham sido tanques, lavadouros, ou o que seja) de água lá colocados temporariamente pelo S.M.A.S. (hoje, CM...), na decorrência de uma mera cedência verbal, sendo certo que os reservatórios eram (e são) dos S.M.A.S., mas o terreno onde os mesmos foram colocados era da E....
24ª.- O Tribunal de 1ª Instância teve que fazer uma grande “ginástica intelectual”, para desconsiderar o que os documentos provam e para ter decidido, embora parcialmente, a favor da Autora, na medida em que a única entidade que chegou a ter dúvidas acerca da área do prédio em questão foi a CM....
25ª.- Foi por isso que a CM... inscreveu um terreno com 432m2 na CRP, na decorrência de umas permutas… (mas, permutas de quê, se o terreno era todo da  E...?),corrigiu uma escritura para lá caber esse terreno, para integrar o património dos S.M.A.S… e, finalmente, registou-se agora (na pendência da causa) esse terreno (é o prédio n.º ...29). Porventura, sem a existência da presente acção, este registo jamais teria sido concretizado
26ª.- A CM... e os S.M.A.S. supuseram, erradamente, que, por lá terem os dois reservatórios, tanques, lavadouros, ou o que seja (por mero favor concedido), com o tempo, o terreno onde os mesmos estavam instalados era deles.
27ª.- O prédio nº ...29 (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i.) tinha a área aproximada de 434m2 e confrontava a Norte com terreno municipal e com a C....
28ª.- Hoje, (cfr. doc. junto a 04.11.2020), tal terreno/prédio já conta com 583,5m2 e confronta a Norte com a Rua ....
29ª.- Nesse sentido, esse terreno não é no local em questão, porque se o fosse, tinha sempre que, confrontar a Norte com o prédio n.º ...49 e tinha que confrontar, outrora e agora, a Sul com a última das 3 casas no sentido Norte-Sul.
30ª.- Os documentos juntos aos autos não permitem a decisão da matéria de Facto que foi proferida, na qual se “fugiu” às confrontações e apenas se disse que o prédio em causa tinha uma determinada área inferior à de 2.461m2.
31ª.- Mas, relativamente ao prédio n.º ...29 (que ninguém sabe onde é), surgem outras curiosidades: - como se sabe, inicialmente tinha 434m2, posteriormente e (agora na CRP) tem 583,5 m2; mas se subtrairmos aos 2.461m2 do prédio n.º ...49 os 1.853m2 que este prédio tem na CRP (cfr. doc. n.º ... da contestação), o prédio n.º ...29 tem afinal a área de 608m2.
32ª.- Mais ainda, confrontando o doc. n.º ... junto com a p.i. com o doc. junto a 04.11.2020, verifica-se outra coisa enigmática: -Não é que o prédio n.º ...29 passou de rústico a urbano? -Mistério.
33ª.- O logro é tal que a área de implantação do edifício na caderneta predial urbana relativo ao prédio n.º ...49 manteve-se com os mesmíssimos 600,0000m2, a área bruta de construção manteve-se com os mesmíssimos 1.800,0000m2 e área bruta dependente manteve-se com os mesmíssimos 600,0000m2 (cjg. o doc. n.º ...0 junto com a contestação com o doc. n.º ...4 junto com a p.i.).
34ª.- O que quer significar que, após a alteração promovida pela FL... na CRP, a propósito da área do prédio em análise, não se verificou qualquer redução da área de construção, pelo que, verdadeiramente, podia ser edificado aquilo que, originariamente, a FL... projectara, o que demonstra que a FL... não sofreu o mais pequeno prejuízo…
35ª.- Da análise explicativa dos documentos indicados, pode-se concluir que a verdadeira área do prédio n.º ...49 sempre foi a de 2.461m2 e não, como foi agora, alterado na Conservatória, de 1.853m2.
36ª.- Também dos depoimentos testemunhais (sobretudo, da testemunha AA –“insuspeito de parcialidade”, como se diz na sentença) se retira a mesma conclusão.
37ª.- Novamente com uma inesperada segurança, a sentença afirma que tal testemunha disse “não ter dúvida de que o terreno em causa pertence às Águas do ...”.
38ª.- A transcrição do depoimento dessa testemunha e o seu enquadramento inteligente (relatados na fundamentação desta peça, para os quais se remete) impõem a seguinte conclusão: -a dita afirmação da sentença não é só arriscada. NÃO CORRESPONDE À VERDADE DO QUE A TESTEMUNHA DISSE.
39ª.- Por outro lado, o Tribunal da 1.ª Instância desconsiderou algo a que Inúmeras testemunhas aludiram:- à existência de um muro uniforme, na Rua ..., desde a Estrada ... até às 3 casas já identificadas a sul do prédio em questão.
40ª.- Quer a testemunha BB, quer a testemunha CC, quer a testemunha AA (cfr. a sentença e a transcrição do depoimento de AA) relatam que o prédio ia da Circunvalação até umas casas, tendo o muro igual até essas casas, parecendo tratar-se de um só prédio.
41ª.- A sentença, jogando com a controvérsia documental, refere que o prédio n.º ...49, após a desanexação das casas, passou a confrontar com o S.M.A.S.
42ª.- Ora, isso não é verdade, porque o prédio era um só (o terreno com os 2.461m2 e as 3 casas) e, evidentemente que, quando estas foram destacadas o terreno passou a confrontar a sul com a casa mais a norte, como não poderia deixar de ser. E é, aliás, isso que ainda hoje consta.
43ª.- Para se verificar o desacerto da sentença, a propósito das cartas enviadas pela E... às Finanças, requer-se uma leitura minuciosa aos docs. n.ºs ..., ... e ... juntos com a contestação.
44ª.- É que a sentença deu relevância ao primeiro requerimento da E... dirigido às Finanças e não deu relevância ao segundo requerimento que corrige o primeiro. Isto é, a sentença considera o documento que foi rectificado e desconsidera o documento que promoveu a rectificação, o que é, no mínimo, estranho.
45ª.- Face ao exposto e no cumprimento do artigo 640º do CPC, consideram-se incorrectamente julgados os pontos n.º 9, 10, 11, 13 e 14 da decisão da matéria de facto, conforme consta da Fundamentação deste recurso.
46ª.- Subsidiariamente, a Autora invocou a proibição da auto defesa, pelos motivos constantes do requerimento de 04.05.2021, para os quais, em sede de economia processual, se remete.
47ª.- A 1ª Instância entendeu não assistir razão à Ré. Decidiu mal e este Venerando Tribunal da Relação deve corrigir o erro.
48ª.- Também subsidiariamente, a Ré invocou os abusos de direito (incluindo o indemnizatório) e a 1ª Instância entendeu não assistir razão à Ré. Decidiu mal outra vez e este Venerando Tribunal da Relação deve corrigir esse segundo erro.
49ª.- Resta acrescentar que os Acórdãos citados a pág.s 20 da sentença (do STJ, de 26-04-2007 e de10-09-2019, da RP, de 19-05-2020 e da RL, de 29-03-2011), bem como a orientação doutrinária de Antunes Varela, no CC Anotado, Vol. III, a págs. 180, embora “integrados” numa apreciação jurisdicional acerca do art. 888º do CC, podem ter igual ou idêntica “aplicação” a propósito do art. 913º do CC.
50ª.- De tal modo que, seguindo-se esses entendimentos, como na escritura de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré não se fez referência expressa à área do prédio vendido, não se verifica o pressuposto de redução do preço pago.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO E, POR VIA DISSO, SER A SENTENÇA DA 1ª INSTÂNCIA REVOGADA POR ACÓRDÃO QUE JULGUE A ACÇÃO IMPROCEDENTE E ABSOLVA A RECORRENTE DOS PEDIDOS.
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A ... - Energias, S.A. (doravante, “E...”), Interveniente Acessória Provocada também veio recorrer, concluindo nos seguintes termos:
-DO OBJETO DO RECURSO À LEGITIMIDADE DA RECORRENTE

A) O presente recurso tem por objeto:

i) a decisão vertida no Despacho Saneador que não julgou extinto o incidente de intervenção assessória, com fundamento no facto de não ter sucedido à E... (vendedora do prédio à Ré), não tendo, consequentemente, legitimidade substantiva para intervir a título sucessório;
ii) a sentença proferida pelo Tribunal a quo, pela circunstância de se verificar uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal, uma vez que este não se pronunciou sobre a exceção deduzida pela ora Recorrente, tangente com a sua ilegitimidade substantiva e processual, por não ter sucedido à E..., sendo por tal nula a sentença e essa nulidade um dos fundamentos do presente recurso;
iii) a decisão vertida no Despacho Saneador que considerou que saber se a interveniente acessória sucedeu ou não à E... era questão irrelevante no quadro da presente ação; e
iv) a decisão quanto a custas exarada na sentença parcialmente condenatória.
B) A Recorrente, enquanto interveniente acessória provocada, tem legitimidade para recorrer da sentença final na medida em que a sucumbência da Ré se repercute no direito de regresso que esta declarou pretender exercer contra ele (n.º2 do artigo 631.º do CPC).
C) Com efeito, tendo o Tribunal a quo, apreciado, por um lado, a extensão do terreno, e a diferença entre a sua área real e a sua área declarada, e por outro, a responsabilidade (lato sensu considerada) da Ré na medida da indemnização devida à Autora -, a sentença final, aqui recorrida, decidiu sobre aspetos concernentes com o putativo direito de regresso da Ré sobre a ora Recorrente, maxime, sobre os pressupostos de um tal direito de regresso.
D) A Recorrente também dispõe de legitimidade para recorrer, a final, da decisão do Tribunal a quo, vertida no Despacho Saneador, que rejeitou a pretensão de extinção do incidente de intervenção acessória provocada, uma vez que a mesma foi direta e efetivamente prejudicada por tal decisão, considerando que tal a forçou a manter-se como parte num processo a cujo litígio era totalmente alheia, com os inerentes encargos das custas processuais e honorários de mandatário, vinculando-a ao caso julgado formado pela sentença a proferir (cfr. 323.º, n.º 4, do CPC) sobre factos aos quais não tem qualquer ligação e que por isso desconhece, sem obrigação de conhecer.
E) Ao permanecer como parte acessória na presente ação, a ora Recorrente ficará abrangida pelos efeitos do caso julgado e, por conseguinte, obrigada a aceitar, em ulterior ação de regresso intentada pela Ré, os factos e o direito que a sentença proferida nestes autos estabeleceu–face a isto, tal decisão, prejudicou, quer do ponto de vista fáctico (obrigando-a a suportar custos com um processo com o qual nada tem que ver), quer do ponto de vista jurídico (impedindo-a de discutir todos os factos e direito concernentes ao alegado direito de regresso da Ré).
F) O prejuízo causado pela manutenção da Recorrente como parte acessória no processo –e que lhe confere legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos expostos – é, ainda, agravado pelo facto de esta ter sido impedida de produzir prova dos factos constitutivos da sua defesa.
G) A isto acresce a circunstância de o Tribunal a quo pura e simplesmente ter-se escusado a sindicar a putativa sucessão da ora Recorrente na E..., nada constando da sentença a esse respeito.
H) Face aos prejuízos sofridos, é manifesto que assiste legitimidade à Recorrente para interpor o presente recurso.
- DO ERRO NO DESPACHO SANEADOR À FALSIDADE DOS PRESSUPOSTOS DO CHAMAMENTO DA RECORRENTE
I) A Recorrente suscitou com a sua contestação a temática da falta da sua sucessão na E..., como forma de demonstrar a falsidade dos pressupostos do chamamento da E... à lide como interveniente assessória provocada, em razão do facto de não ter sucedido à E..., motivo pelo qual qualquer direito de regresso de que a Ré fosse titular para suscitar a intervenção acessória provocada da chamada, nunca existiria sobre a Recorrente.
J)Com efeito, se é verdade que a Ré comprou à E... o prédio em discussão dos autos, o certo é que é falso que a Recorrente tenha, de algum modo, sucedido à sociedade E..., assim como é falso que a Recorrente tenha, alguma vez, vendido à Ré o prédio em causa;
K) Com efeito, a E... nunca se designou E... - Electricidade ... S.A., nunca incorporou, direta ou indiretamente, a E..., nunca foi, de qualquer outra forma, a E..., não é, nem nunca foi, titular da relação jurídica (contratual) invocada pela Ré como fundamento do seu eventual direito de regresso e como justificação para o chamamento da ora Recorrente aos autos, sendo, pois, totalmente alheia a quaisquer atos que tal sociedade haja praticado, bem como a qualquer contrato que a mesma haja celebrado com a Ré.
L) Por conseguinte, uma ação de regresso contra a E..., destinada ao pagamento à Ré de indemnização pelo prejuízo que lhe adviesse da perda da demanda, jamais seria viável.
M) Ademais, a Ré, sobre quem recaía o ónus da prova dos factos constitutivos do seu alegado direito de regresso sobre a E... (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), não logrou satisfazer esse ónus, não se tendo produzido qualquer prova que permitisse demonstrar, minimamente, a existência de uma relação jurídica coma E..., ou a verificação de uma tal sucessão da ora  Recorrente na E....
N) Pelo que a decisão do Tribunal a quo, vertida no Despacho Saneador, que não julgou extinto o incidente de intervenção assessória, e que não excluiu da instância a ora Recorrente como parte acessória, é errada, uma vez que, ao contrário do que afirmou o Tribunal a quo quando considerou que “saber se a interveniente acessória é, ou não, sucessora da E..., é questão que (…) apenas poderá relevar em sede de uma futura possível ação de regresso que a R. possa vir instaurar contra a interveniente acessória”, tal questão sucessória relevava (e muito!) no quadro da presente ação, não só no plano da falsidade dos pressupostos do chamamento à lide da ora Recorrente (maxime, no plano da sua ilegitimidade processual passiva para figurar como interveniente acessória provocada nesta instância),
O) Mas também no plano da definição dos pressupostos da futura ação de regresso que se impunham sindicar na presente ação, isto claro, sob pena de o incidente de intervenção acessória provocada deduzido pela Ré ser absolutamente inútil e, bem assim, ser também para a Ré inútil a sentença proferida, uma vez que a mesma, na sequência da decisão proferida pelo Tribunal a quo (vertida no Despacho Saneador) se não apreciasse a temática da sucessão (o que se verificou, in casu, com as consequências adiante explicitadas), não esclareceria (e não esclareceu!) qual a relação jurídica controvertida que subjaz ao pretenso direito de regresso que a Ré F... alegava ter sobre a E....
P) Termos em que, sendo recorrível a final tal decisão, como assim o decidiu o próprio Tribunal a quo, deve este venerando Tribunal ad quem, sempre e em todo o caso, revogar esta decisão, declarando extinto o incidente de intervenção acessória provocada da Recorrente, afirmando a sua ilegitimidade substantiva e processual para figurar como parte acessória à margem da presente ação e, bem assim, eximindo-a dos efeitos do caso julgado que se poderão formar com o eventual trânsito da sentença final.

- DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA À NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA
Q) Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona – a verdade é que a douta sentença recorrida não deixa de padecer de uma insanável nulidade, em face da omissão da pronúncia que era devida por parte do Tribunal a quo;
R)Com efeito, o Tribunal a quo escusou-se a apreciar se a sucessão da Recorrente na E... se verificara ou não, além de ter impedido a Recorrente de fazer prova dos factos constitutivos da sua defesa, maxime, impediu-a justamente de fazer prova da circunstância de não ter sucedido à E....
S)Assim, a sentença recorrida, não se tendo pronunciando, como se impunha, sobre a questão da sucessão na E..., suscitada pela Recorrente e pela Ré, integra a previsão da norma ínsita à alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, sendo, por tal, nula, sendo essa nulidade fundamento do presente recurso, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.
T)Tal questão relevava no quadro da presente ação, maxime, para a decisão de mérito que veio proferida na sentença recorrida, nomeadamente no que respeitava à definição dos termos e dos pressupostos de que dependeria, precisamente, a propositura e eventual procedência da futura ação de regresso que viesse a ser interposta pela Ré.
U) Assim, face a esta omissão de pronúncia, id est, face à circunstância infeliz de o douto Tribunal a quo não ter apreciado e não ter decidido se a Recorrente sucedeu ou não à E..., subjazem mais as questões do que as respostas definitivas quer sobre esta lide, quer sobre a futura: com efeito, continuam por definir os termos e pressupostos em que poderá ser configurada a futura ação de regresso a interpor pela Ré contra a Recorrente.
V) O Tribunal a quo não sindicou, tal como nem sequer admitiu a produção de prova para esse efeito, se a interveniente acessória provocada, ora Recorrente, havia, ou não, sucedido na E..., entidade de quem a Ré alegava ter adquirido o terreno em crise nos autos;
W) Face ao exposto, apenas se pode concluir que o Tribunal a quo não observou o seu dever, de conteúdo positivo, de pronúncia, específica, detida e de fundo, sobre a identidade da entidade que sucedeu à E..., termos em que o Tribunal a quo, tendo incorrido no vício de omissão de pronúncia e verificando-se, in casu, o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, maxime, padecendo a sentença recorrida de nulidade, - deverá proceder à reforma da sentença, pronunciando-se sobre a sucessão da Recorrente na E..., afirmando ou infirmando tal sucessão, e admitindo, se necessário, a produção de prova pela Recorrente, nesse sentido.

- DA REFORMA DA SENTENÇA QUANTO A CUSTAS
X)Por força da interpretação conjugada do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 616.º do CPC, resulta que o presente pedido de reforma da sentença quanto a custas, deve ser suscitado nas alegações de recurso, uma vez que a decisão é recorrível e que a Recorrente dispõe de legitimidade processual para interpor recurso autónomo da sentença, termos em que deve o presente pedido de reforma ser admitido com as presentes alegações.
Y)Conforme resulta do dispositivo da sentença recorrida, a Recorrente foi condenada em custas, a par com a Autora e com a Ré «na proporção dos respetivos decaimentos (considerando-se relativamente à condenação ilíquida, em partes iguais) – art. 527.º, do C.P.C.»;
Z) A Recorrente assumiu o estatuto processual de interveniente acessória provocada, tendo a sua intervenção nesta lide sido provocada, ao abrigo do disposto, nos artigos 321.º e 322.º do CPC, pela Ré F..., sendo, pois, a Recorrente, como se diz na Doutrina e na jurisprudência, um terceiro, que é sujeito passivo de uma relação jurídica material controvertida conexa com aquela que é objeto da ação, e que não é titular da relação controvertida que opõe o autor ao réu,
AA)Quer isso dizer, portanto, que a ora Recorrente, E..., não era nem é sujeita passiva da relação material controvertida objeto da ação que opõe a FL... à F..., limitando-se a sua intervenção nestes autos, ao mero auxílio da Ré que a chamou à lide.
BB) Pelo que, não sendo a Recorrente sujeita passiva da relação material controvertida discutida nesta ação onde se dá a sua intervenção, a mesma não pode ser condenada, pelo que também não pode decair, termos em que a sua condenação em custas “na proporção dos respetivos decaimentos” se afigura impossível;
CC)Tal circunstância, a par de não se descortinar qualquer disposição legal que preveja que o interveniente acessório provocado – caso da E... -, seja responsável pelas custas da ação, impele a conclusão de que as mesmas não serão devidas pela Recorrente, ao contrário do que determinou o Tribunal a quo no dispositivo da sentença recorrida.
DD) E a verdade é que, apesar de o interveniente acessório provocado, se intervir, beneficiar do estatuto do assistente, ele não é, efetivamente e de per si, assistente, pelo que nunca faria sentido a aplicação do disposto no artigo 538.º do CPC como forma de sustentar a condenação da Recorrente em custas.
EE) Assim, o disposto no artigo 538.º do CPC não se aplica à intervenção acessória provocada, pois apenas se reporta à responsabilidade pelo pagamento das custas sujeito que intervenha na causa na qualidade de assistente e ao caso especial da intervenção do Ministério Público como parte acessória (como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo);
FF) A impossibilidade da condenação do interveniente acessório provocado em custas é algo que resulta da natureza da própria intervenção: o chamamento  do interveniente acessório, baseado na ação de regresso configurada pelo réu, não visa  fazer condenar o chamado a cumprir qualquer obrigação, que seja imputada ao demandado (réu), mas apenas a impor ao chamado o efeito de caso julgado (cfr. o artigo 323.º, n.º 4, do CPC), resultante da sentença que se proferir. Se a ação for julgada procedente, é o réu que será condenado nas custas, não o interveniente acessório.
GG) Não sendo o interveniente acessório provocado parte na relação material controvertida discutida na ação, não se pode considerar que perde (decai) ou que obtém vencimento, contrariamente ao que se refere na sentença recorrida quando se determina a condenação em custas do interveniente, “na proporção dos respetivos decaimentos”;
HH)Portanto,edeharmoniacomaregrageralemmatériadecustas,enunciadanoartigo 527.º do CPC, não é possível imputar ao interveniente acessório qualquer responsabilidade pelas custas da ação;
II) Ademais, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP, as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas. Não sendo admissível – pois é uma verdadeira impossibilidade – a condenação do interveniente acessório provocado nas custas da ação, não é possível extrair da condenação do réu nas custas que o interveniente é responsável pelo pagamento destas.
JJ) Face ao exposto, não se pode senão concluir que mal andou o Tribunal a quo, ao condenar no dispositivo da sentença recorrida, a Recorrente, então interveniente acessória provocada, em custas, na proporção de um decaimento que, pura e simplesmente, não existe nem existiu, impondo-se, pois, a reforma da sentença quanto a custas, impondo-se, em especial, que se exima a Recorrente do pagamento de quaisquer custas.
Termos em que deverão V. Ex.as conceder provimento ao presente Recurso de Apelação,
i) revogando a Decisão recorrida, vertida no Despacho Saneador e substituindo-a por outra que declare a extinção do incidente de intervenção acessória provocada da Recorrente, afirmando a sua ilegitimidade substantiva e processual para figurar como parte acessória à margem da presente ação e, bem assim, eximindo-a dos efeitos do caso julgado que se poderão formar com o eventual trânsito da sentença final;
subsidiariamente,
ii) caso assim não se entenda, sempre deverá declarar-se a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, havendo de determinar-se a reforma da sentença e a pronúncia pelo Tribunal a quo sobre a sucessão da Recorrente na E..., afirmando ou infirmando tal sucessão, e admitindo, se necessário, a produção de prova pela Recorrente, nesse sentido;
sempre e em todo o caso,
iii) deverá determinar-se a reforma da sentença quanto a custas, eximindo-se a Recorrente do seu pagamento.
*
A A. Empreendimentos F..., Lda. veio apresentar as suas contra-alegações ao recurso judicial interposto pela Ré F..., S.A., concluindo nos seguintes termos:

I. O objeto do recurso a que ora se responde prende-se com a intenção de reverter a douta decisão do Tribunal a quo, que, de forma bem clara, concisa e fundamentada, julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
d) Fixou o preço do negócio de compra e venda celebrado entre Autora e Ré, um valor indeterminado, a liquidar ulteriormente, mediante avaliação do valor que teria o prédio vendido/comprado com a área de apenas 1.853 m2, em vez da área de 2.461 m2;
e) Condenou a R. a pagar à A., a título de redução do preço do negócio celebrado entre as partes, a quantia líquida, resultante de avaliação, correspondente à desvalorização resultante do facto de o prédio só ter a área de 1.853 m2, em vez de ter a área de 2.641 m2 (em valor não superior a € 222.351,68);
f) Condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 65.137,50 (sessenta e cinco mil cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por danos decorrentes da venda de coisa defeituosa;
II.A Recorrente impugna a decisão proferida relativamente à matéria de facto, quanto aos pontos 7, 9, 10, 11, 13 e 14 da factualidade provada, em virtude de erro na apreciação das provas, pugnando, assim, pela reapreciação da decisão da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil;
III.Salvo o devido respeito por opinião diversa, não assiste qualquer razão à Recorrente, em nenhum dos pontos assinalados, uma vez que o Tribunal a quo procedeu a uma análise cuidadosa e adequada da prova documental, de forma articulada, e da prova testemunhal produzida em audiência, devidamente conjugada com a prova documental constante dos presentes autos;
IV.Além disso, no que às questões de direito suscitadas diz respeito, os argumentos da Recorrente não merecem acolhimento, na medida em que carecem de fundamento;
V. A Recorrente começa por limitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto considerada provada à questão essencial dos presentes que radica na área do prédio alienado pela Ré à Autora, sendo os factos impugnados, que de acordo com a Ré imporiam decisão diferente, assentes nos pontos 7, 9, 10, 11, 13 e 14 da factualidade provada;
VI.  Antes de mais, importa dizer que a motivação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal a quo é exímia, irrepreensível e demonstrativa da apreciação descortinada de todos os elementos de prova, quer de suporte documental, quer testemunhal, produzidos ao longo da presente ação, e de forma bem articulada;
VII.O que levou o douto Tribunal a concluir que “Há assim um conjunto de vários elementos documentais, que indicia, fortemente, haver, na parte sul do terreno destinado à construção que era da R. e que esta vendeu à A., uma parte do terreno que era pertença da Câmara Municipal ... ou de outros organismos públicos municipais (e que a aqui R. vendeu no pressuposto de que fazia parte do seu terreno) – ver pág. 15 da sentença recorrida;
VIII. No que à prova testemunhal diz respeito, destaca-se o depoimento de duas testemunhas, DD, técnico da Câmara Municipal ..., na direção de património, e EE, jurista das Águas do ..., particularmente relevantes pelo conhecimento de causa que possuíam relativamente ao trato do terreno sub judice e quanto à parcela de terreno do terreno de construção vendido à A. pertencente a outro organismo público, cuja sucessão de verifica como tendo sido pertença do Município ... e depois transferido para as Águas do ..., à data designada por C.M.....E.A. – Empresa de Águas do Município ..., EM, aquando da constituição desta entidade/organismo, conforme escritura junta aos autos como doc. ... da resposta à contestação, assim como por requerimento apresentado em juízo em 12/01/2021, correspondente à documentação que serviu de base ao registo de aquisição sob a Ap. ...87 de 2019/09/16 da descrição predial nº ...29 da Conservatória do Registo Predial,freguesia ... – cujo prédio corresponde à parcela de terreno que não faz parte do terreno que a R. vendeu à A.;
IX.  É de salientar também o conhecimento do histórico do prédio sub judice por parte de AA, arquitecto de profissão, que acompanhou processos de pedidos de informação prévia efetuados por ambas as partes em períodos de tempo distintos, e o projecto de construção da A. visado para o prédio adquirido à R.;
X. Começando pelo depoimento do AA, posto em causa pela Recorrente, na parte em que refere não ter dúvida de que o terreno em causa pertence às Águas do ..., conforme assinalado na motivação da sentença proferida;
XI.Acontece que a testemunha não se limitou a fazer essa afirmação, com grande convicção, de que não tinha dúvidas inclusive pela localização do terreno que lhe foi exibido por documentos na C.M...., mas também descreveu comprecisão a localização da aludida parcela que não faz parte do terreno vendido pela R. à A., conforme declarações prestadas na audiência de julgamento, na sessão que teve lugar no dia 16 de junho de 2021, cuja gravação teve início às 15:29:07 e fim às 16:33:55, com duração total de 01:04:48, nas passagens da respetiva gravação constantes dos [00:10:16] até aos [00:21:30], como correspondendo a parcela de terreno a sul do terreno vendido pela R. à A.;
XII.Com efeito, contrariamente à tese defendida pela R., Recorrente, é por demais evidente que a parcela de terreno em litígio, pertencente ao .../Águas do .../CM... (todas estas diferentes identificações dizem respeito à mesma entidade, que foi sofrendo alteração do seu nome), fica a sul do terreno destinado a construção, objeto da compra e venda, pertença da R. e que vendeu à A., conforme corroborado no depoimento da testemunha supra identificada que conhece muito o bem o(s) terreno(s) em questão;
XIII. Acresce que, conforme bem se refere na sentença – cfr. página 14 – “a própria planta de fls. 25, coloca-nos a referida parcela/terreno dos ... exatamente entre as casas situadas a sul e a parcela de terreno destinada a construção, situada a norte. E vários outros documentos tornam inequívoco que o ... era a norte das casas e a sul do terreno destinado a construção.
Veja-se por exemplo, a representação de fls. 28, a planta de fls. 48 verso e a fotografia aérea de 1954 junta aos autos, em todas se vendo as casas a sul e o terreno para construção a norte e, em igual localização em todos estes documentos, encontra-se aquilo que aparenta ser uma pequena construção no terreno destinado a construção, assim como uma pequena construção no terreno situado entre as casas e o terreno para construção.
XIV. Também os documentos de fls. 367 e seguintes, nos dão conta da existência, em 1938 e 1947, de um lavadouro público (que poderá bem ser a construção representada a fls. 28, 48 verso e na fotografia aérea de 1954, com a configuração de um retângulo, perto da extremidade do prédio, em sentido oposto ao da Rua ... ou Rua ...) na freguesia ..., designado por ... - lavadouro público da ... a que o documento de fls. 24, datado de 1967, faz referência, com a localização constante da planta de fls. 25, que não há dúvida de ser aquela a que corresponde a do prédio/terreno e litígio nos presentes autos - , na Rua ... L ... (antigo nome da Rua ..., conforme consta, nomeadamente, dos documentos de fls. 24, 28 e 116 verso).”
XV.Não se vê uma melhor forma de descrever de forma tão sabiamente resumida aquilo que resulta da prova produzida a respeito da realidade da parcela em litígio, com base nos diversos elementos de prova reunidos no processo;
XVI. Além disso, a Recorrente faz questão de ignorar as fotografias juntas aos autos a fls. 332 e ss., em que algumas são bem demonstrativas dos tanques e estação elevatória dos ... relatada no âmbito do histórico da bendita arcela de terreno em litígio, pela testemunha EE, e em particular as fotografias de fls. 332 a 334 e 336 a 341, de uma parede de granito, em estrutura de muro antigo, que estaria a delimitar os dois prédios distintos, e cujo muro foi descoberto nas escavações levadas  a cabo pela A. no âmbito do processo de construção;
XVII. O conteúdo e relevância deste suporte documental mereceu e bem colhimento pelo tribunal a quo, dado que é evidente que constitui um muro antigo em pedra/granito, antigo, e cuja localização coincide com a delimitação da separação dos dois prédios, confrontando com outras plantas constantes dos presentes autos;
XVIII.No que ao depoimento da testemunha DD diz respeito, consideramos pertinente salientar as declarações prestadas na audiência de julgamento, na sessão que teve lugar no dia 16 de junho de 2021, cuja gravação teve início às 16:39:05 e fim às 17:15:19, com duração total de 00:36:15, nas passagens da respetiva gravação constantes dos [00:06:54] até aos [00:11:00], onde afirma que o prédio (as questões a que respondia referiam-se à parcela em litígio) de domínio publico, foi desafetado do domínio público municipal e registado com a área aproximada de 434 m2. Posteriormente, quer a norte, quer a sul, foram efetuadas permutas com a chamada C..., depois conhecida como E..., nos anos 60; do lado norte era a C... e do lado sul era o Município. O somatório da área de 583 m2 registado no artigo matricial a favor da CM... é resultado das permutas com C.... Confirmouque havia um lavadouro público na parcela em litígio e que, em termos históricos, aquela parcela pertenceu desde sempre ao domínio público, até ao momento em que o município entendeu desafectá-lo. De acordo com o documento de que dispõe, era chamado lavadouro da ..., planta dos serviços municipalizados de agua e saneamento, do ano de 1962, portanto a génese deste prédio era um espaço que era do domínio público;
XIX. Dos [00:06:54] até aos [00:14:00], volta a esclarecer de forma mais detalhada a sequência das áreas registadas na Conservatória e nas Finanças, resultante das permutas de áreas com a C..., no âmbito do prédio descrito sob o n.º ...29 da freguesia ... e as omissões de regularização no registo predial. Os títulos já existiam, inclusive da transmissão posterior da propriedade da dita parcela para o ... mas não estavam refletidos no registo predial;
XX.De facto, e conforme pugnado em sede de alegações finais da A., corrobora o Tribunal a quo: “Cremos que, a confusão a propósito do assunto em apreço, poderá ter-se gerado no facto de, erroneamente, e tal nunca ter sido corrigido, pese embora houvesse vários elementos documentais que tal correção aconselhassem – a área matricial/registral do prédio destinado a construção ter sido inicialmente indicada como sendo de 2461 m2, englobando área do prédio que fora um lavadouro público e que sempre terá estado afeto a finalidades públicas, sendo pertença do Município ... e de a confrontação sul do prédio com os ... aparentar ser a sul das casas existentes (quando vários elementos apontavam no sentido de que essa confrontação sul com o ... ser a do terreno destinado a construção) – ver primeiros parágrafos da página 16 da sentença recorrida.”
XXI. Em inúmeros pontos da motivação da decisão quanto à matéria de facto verifica-se eu o Tribunal fez um trabalho brilhante na análise, articulação e compreensão da situação física e real da parcela em litígio e do terreno para construção, o que conduziu a uma justa composição do litígio, como se impunha em face das divergências registrais e omissão de regularização/atualização dos registos por parte de várias entidades, e sobretudo dos organismos públicos envolvidos;
XXII. Por fim, quanto ao depoimento da testemunha EE destacam-se as declarações prestadas na audiência de julgamento, na sessão que teve lugar no dia 06 de julho de 2021, cuja gravação teve início às 10:36:04 e fim às 17:46:14, com duração total de 01:10:08, nas passagens da respetiva gravação constantes dos [00:10:46] até aos [00:17:30]; arquivo com muitos documentos da Câmara ..., que analisou, nomeadamente as permutas com a C..., coerência entre a área de partida registada da parcela em litígio e as áreas advenientes das permutas; não havia tradição da Câmara tratar desses registo atempadamente; relata momento de constituição da CM..., cujo capital foi composto por vários prédios, incluindo a parcela de terreno de ..., por via da aclaração da escritura inicial de 2006 de constituição; como não era uma compra e venda e o registo não era obrigatório, foram ficando para trás e só foi regularizado em 2019;
XXIII.Dos [00:27:28] até aos [00:32:52], afirma que validou o histórico de que não havia dúvidas de que era propriedade municipal, mesmo a E... através de uma solicitadora solicitaram a assinatura de um documento de registo corrigindo as confrontações por declarações complementares para regularização  da parte do seu terreno, portanto também e não tinha a área regularizada pelo menos até2000 - página 15 da sentença recorrida - e conclui ainda que o terreno da E... a confrontação sul é com o “nosso” terreno, do ..., bem na altura o Município ..., porque em termos registais ainda não estava em nome do ..., e delimitado por ruma caminho pedonal, este terreno sempre teve autonomia e todos os terrenos atrás também eram do Município ...;
XXIV. Daí que os depoimentos das testemunhas supra identificadas confirmem a boa decisão da matéria de facto, pelo que, muito bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu quanto aos factos dados como provados, cuja factualidade deverá manter-se inalterada, nos precisos termos em que foram julgados na decisão recorrida;
XXV. Salvo o devido respeito, a análise compilada e articulada de todo o suporte documental carreado para os autos, plantas diversas, desde a década 40, documentos de registo predial e matriciais, documentos de registo de lavadouros públicos na cidade ..., fotografias das instalações elevatórias/tanques do ... e muro delimitador dos dois prédios em questão, conjugado com o conteúdo dos depoimentos, nomeadamente as passagens supra identificadas, impunham uma decisão no sentido da sentença proferida nos autos, para a justa composição do litígio;
XXVI.Em suma, escrutinados os depoimentos das testemunhas, conjugados com os restantes meios de prova produzidos e em consonância com o que se mostra explanado na “motivação de facto” da decisão em causa, não se vislumbra que tais depoimentos (designadamente nos excertos referidos) e demais elementos constantes dos autos sejam conducentes à alteração da matéria de facto nos termos peticionados pela Recorrente;
XXVII.  A sentença recorrida deverá aliás ser confirmada, tanto que no que diz respeito à matéria de facto como provada, e o mesmo se diga quanto à aplicação do direito, porquanto resulta devidamente provada nos auto a diferença de área do prédio adquirido, culminando na existência de uma parcela de terreno aí integrada como pertença, com origem, há muitos, muitos anos, num domínio municipal;
XXVIII. Pelo que é certo e justo o reconhecimento do direito à redução do preço peticionada nos autos Autora, por conta da venda de coisa defeituosa verificada in casu, acrescida da indemnização devida pelos danosa advenientes da venda de coisa defeituosa, tal como resulta do disposto no artigo 911.º, n.º 1do Código Civil, tal como pugnado na douta sentença recorrida, que procedeu a uma correta e adequada aplicação do direito à factualidade vertida e provada no caso concreto;
XXIX. Concluindo, a decisão quanto à matéria de facto e respetiva fundamentação nos termos constantes da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo é extremamente cuidada, exemplar e irrepreensível, fazendo uma justa aplicação do direito ao caso concreto, mostrando-se perfeitamente adequada;
XXX. Por tudo quanto foi exposto supra, o recurso interposto pela Ré Recorrente, com impugnação da matéria de facto deverá ser julgada totalmente improcedente, e, em consequência deverá a sentença ser confirmada in totum;
XXXI. Quanto à exceção da proibição da autodefesa, não se compreende, salvo o devido respeito, o alcance da questão suscitada pela Recorrente, nem em que medida que pode configurar tal exceção no âmbito dos presentes autos;
XXXII.  A Ré não se conforma com a estruturação da defesa da Autora, corroborada por prova documental bastante, e muito menos com o facto de ter sido vencida nos autos no essencial do objecto da ação, mas isso não lhe confere o “direito” de pôr em causa a defesa da Autora, ora Recorrida, alegando uma espécie de “autodefesa” ilegal?!
XXXIII. A Autora, Recorrida, fez um uso normal do processo, reivindicando o direito legalmente previsto à redução do preço da compra e venda celebrada com a Ré, Recorrente, por via de ação judicial, após se terem frustrado as tentativas de alcançar uma solução consensual, na medida em que estamos perante uma compra e venda de coisa defeituosa e decidiu exercer os direitos que lhe cabiam de ser compensada em face de o imóvel vendido sofrer de vícios quer quanto à quantidade, quer quanto à qualidade, que alicerçam a sua vontade de contratar nos termos que o fizeram, como foi aliás, resultou confirmado pelo Tribunal a quo, em face a prova produzida nos autos;
XXXIV. Além disso, e conforme ficou devidamente demonstrado nos autos, a Autora não assumiu sem mais, como alega a Recorrente, que parte do prédio que havia comprado não lhe pertencia, porquanto avançou imediatamente com reuniões, na Divisão de Gestão e Património da Câmara Municipal ..., com vista a esclarecer a situação descrita na comunicação recebida, relativamente à dominialidade da Câmara Municipal ... sobre determinada parcela de terreno que havia adquirido à R., conforme resulta do facto provado 8 – o qual não consta dos factos considerados incorretamente julgado pela Recorrente, nos pontos 167 e ss das suas alegações;
XXXV.Na sequência dessas reuniões e dos documentos exibidos – mais concretamente os documentos n.º ..., ... e ...0, em particular a planta anexa à carta dirigida à Ré, correspondente a cartografia de 1940, donde se evidencia o objecto das permutas de parcelas de terrenos realizadas entre a C.M.... e a C..., à data, todos da p.i. – a A. conclui haver uma parcela de terreno descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...29, onde pré-existiam um lavadouro público e uns tanques públicos, com a área aproximada de 434 m2, que pertencia ao Município ... e que correspondia a parte da área do prédio que a R. lhe vendera – cfr. ponto 9 dos factos provados na sentença recorrida;
XXXVI. Grosso modo, pelas mesmas razões, relativamente à exceção de abuso de direito, incluindo na perspetiva/âmbito do direito indemnizatório, os argumentos da Recorrente estão igualmente votados ao insucesso, não se verificando, in casu, qualquer circunstância subsumível a abuso de direito no comportamento da A., Recorrida;
XXXVII. A este propósito destas questões, já anteriormente suscitadas nos autos, precisamente nos mesmos termos, muito bem andou o Tribunal a quo quando pugnou (cfr. página 20 da sentença) que “não nos parece que o invocado se subsuma a qualquer conduta ilícita da A., nomeadamente, por ter atuado em contravenção ao disposto no art. 1º, do C.P.C. Foi sobre a A. que impendeu o ónus da alegação e prova de que, o prédio que a R. lhe vendeu padecia de um defeito - tinha área inferior à informada/vendida - e a R. pôde exercer a respetiva contraprova, sendo que, o facto de a A. ter aceite que parte do prédio que lhe foi vendido não era da R., em nada a beneficiou e em nada prejudicou a R., no exercício dos respetivos direitos e, em nada vinculou o tribunal. Nada seria diferente, a este respeito, se a A. não tivesse aceite que parte do prédio não era da R. Não vislumbramos também em que é que tal conduta da A. (nomeadamente pelas razões supra aludidas), possa ser tida como abusiva dos direitos nestes autos exercidos pela A.” (negrito nosso);
XXXVIII.Nestes termos, deverão ser julgadas improcedentes todas as questões de direito supra identificadas suscitadas pela Recorrente, por manifestamente infundadas;
XXXIX. A discordância da Recorrente com a apreciação do Tribunal, na medida em que mantém uma visão da prova muito peculiar, com base em elementos de prova muito selecionada e isolada, com conclusões bastantes desvirtuadas da realidade que resulta comprovada no processo, é algo que não gera a nulidade da sentença ou lhe confira qualquer vício ou alvo de qualquer censura.
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito que V. Exas. suprirão, deve ser julgado totalmente  improcedente o recurso interposto pela Ré Recorrente, com as demais consequências legais.
*
III- O Direito

Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, importa proceder à reapreciação da matéria de facto e subsidiariamente sobre a proibição de auto defesa e abusos de direito, quanto ao recurso da Ré, e, quanto ao recurso da interveniente, (re)apreciar a decisão que não julgou extinto o incidente de intervenção acessória, apurar se a sentença padece de omissão de pronúncia e se é de excluir aquela da condenação em custas tal como exarado na sentença.
*
Fundamentação de facto

Factos Provados

1 - Por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 21-06-2018, em cartório notarial na ..., FF, em representação da F..., S.A., declarou que, em nome da sua representada, vendia, pelo preço de € 900.000,00, o prédio urbano correspondente a terreno destinado a construção, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...49 e inscrito na matriz predial respetiva sob o art. ...87 e, GG e HH, em representação da Empreendimentos F..., Lda., declararam que aceitavam a venda, nos referidos termos.
2 - A escritura de compra e venda não faz menção expressa à área do prédio em causa, mas consta da mesma, terem sido exibidos: a certidão da conservatória do registo predial e a caderneta predial;
3 - Onde se referia que, o prédio em causa tinha a área de 2.461m2.
4 - Foi também esta a área confirmada pela R. no local, incluindo as respetivas delimitações do terreno, antes da compra, tendo inclusive disponibilizado à A., cópia da sua escritura de aquisição, na qual consta expressamente a área de 2.461 m2.
5 - A A. adquiriu o dito prédio/terreno, tendo em vista a execução de um projeto de construção, que compreendia a edificação de frações autónomas.
6 - Tendo comprado o prédio, a A. avançou, de imediato, com o licenciamento necessário, junto da Câmara Municipal ....
7 - Acontece que, a Câmara Municipal ... informou a A., de que parte do terreno que havia comprado, pertencia ao Município, pelo que seria necessário esclarecer a legitimidade da A. para intervir na totalidade desse terreno.
8 - A A. teve então reuniões, na Divisão de Gestão do Património da Câmara Municipal ..., com vista a esclarecer a situação descrita na comunicação recebida, relativamente à dominialidade da Câmara Municipal ... sobre determinada parcela, do terreno que havia adquirido à R.
9 - Na sequência dessas reuniões e dos documentos exibidos, a A. concluiu haver uma parcela de terreno descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...29, onde pré-existiam um lavadouro público e uns tanques públicos, com a área aproximada de 434 m2, que pertencia ao Município ... e que correspondia a parte da área do prédio que a R. lhe vendera.
10 - Confrontada com uma parcela de terreno de domínio municipal, a A. decidiu proceder à realização de um levantamento topográfico, com vista a averiguar qual a área real do terreno que comprara à R. - expurgada da área real da parcela do Município ... - .
11 - Tal levantamento topográfico veio a concluir que, a área real do terreno adquirido pela A. - expurgada da área do terreno pertença do Município ... - era de apenas 1.853m2, em vez de 2.461m2.
12 - A A. deu conta do exposto à R., através de comunicação escrita datada de 25/07/2018, que foi rececionada pela R.
13 - O prédio que a A. comprara à R., tinha assim uma área inferior àquela que a A. julgava ter, com a consequente redução da capacidade edificativa do mesmo.
14 - A continuidade do projeto de construção da A., ajustado à área real do prédio, implicava uma alteração ao projeto de construção em curso.
15 - Devido a tal, o processo de licenciamento ficou suspenso durante vários meses, enquanto a A. tratou de obter um projeto reformulado, ajustado à área real do terreno, de 1.853m2, e respetivas limitações.
16 - O projeto sofreu alterações, implicando, nomeadamente, a perda de cerca de cerca de 10/12 frações autónomas.
17 - A reformulação do projeto de especialidade custou à A. a quantia de 28.290,00 €. 18 - A revisão do projeto de arquitetura custou à A. o montante de 18.450,00 €.
19 - A alteração do projeto elétrico e ITED custou à A. a quantia de 3.330,00 €.
20 - A A. pagou ao empreiteiro por si contratado para execução da obra, a quantia de € 15.067,50, pelos prejuízos por este sofridos com os atrasos na execução da obra, decorrentes do tempo necessário à alteração dos projetos, decorrentes da diferença de área do prédio que a A. comprou.
21 - A A. pagou de imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis, relativamente à compra e venda referida em 1, a quantia de 58.500,00 € e, de imposto de selo, a quantia de € 7.200,00.
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Fundamentação jurídica

Cumpre começar por apreciar e decidir sobre o apontado erro de julgamento, considerando que no domínio do nosso regime recursório cível, o meio impugnatório de recurso para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da acção, mas julgar a própria decisão recorrida.
Não basta, pois, vir requerer-se a alteração da decisão da matéria de facto com base numa perspectiva parcelar de parte.
Acresce que a matéria de facto só deve ser alterada quando o registo e análise crítica da prova o permita com a necessária segurança – n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
Por outro lado, importa ter sempre presente que o julgador da matéria de facto tem um contacto directo com as pessoas e coisas que servem de fontes de prova, sendo, em conformidade com as impressões colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que a prova é apreciada, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, embora com a devida conjugação e avaliação de toda a prova.
Contudo, não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida” - in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
Vejamos, pois, o que da prova resulta, por forma a apurar se foram, ou não, incorrectamente julgados os pontos 9, 10, 11, 13 e 14, dos factos provado, no sentido de se julgar verificado o alegado erro de julgamento.
Ora, se se bem atentar na factualidade que consta desses pontos, desde logo se torna possível constar que uma grande parte se baseia em dados adquiridos nos autos de actuações a que se procedeu e diligências encetadas que se mostram documentadas, apenas sendo de questionar se é correcta a conclusão daí resultante quanto a uma área mais reduzida do terreno vendido pela Ré à A.
De qualquer das formas, como aí consta nos pontos 9, 10, 11 e 14, dos factos provados, tais ilações são da A. em resultado dos elementos por si colhidos, importando, por isso, apurar se, após a análise dos elementos probatórios disponíveis no seu todo, é de se julgar existir efectivamente uma área inferior àquela que a A. julgava ter comprado, com a consequente redução da capacidade edificativa do mesmo, tal como se concluí no ponto 13, dessa matéria fáctica dada como provada.
Relativamente a esta questão que constitui o cerne da impugnação respeitante à área do referido terreno, a Ré/Recorrente considera que não é possível concluir-se com a respectiva segurança como o fez o tribunal a quo, quando designadamente a própria Câmara Municipal ..., apenas questiona se o ‘será’, afirmando-o de uma forma meramente condicional e hipotética de que pudesse ser um terreno municipal.
Menciona, ainda, a Ré/Recorrente que apenas se verificou uma cedência verbal de uma parte do terreno para colocação de uns reservatórios de água pelo então ..., sem que a propriedade se tivesse transferido, apontando no sentido que julga ser o adequado o depoimento das testemunhas que indica quando conjugados com o teor dos documentos.
Procede, assim, a uma valorização da prova por si efectuada, por discordar da convicção formada pelo tribunal a quo.
Ora, tal como é entendimento pacifico, importa desde logo considerar que, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum, e, consequentemente, que a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso por se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Cabe, nessa base, ao tribunal superior verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, levando em conta que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova.
Acontece que, embora a Ré/Recorrente considere, nos termos sinteticamente referidos, terem sido incorrectamente julgados os apontados factos, o certo é que não indicou expressamente, nas suas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto impugnadas, como o impõe o art. 640.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil, susceptível de basear legalmente a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Considerando, no entanto, que se pudesse intuir pretender-se dar a apontada factualidade como não provada, o facto é que o tribunal aprofundou e decifrou de forma detalhada e pormenorizada toda a prova, articulando-a e ‘desmembrando-a’, por forma a decifrar todo o processo registal e documentos de suporte.
Especificamente, o tribunal a quo referiu que da “prova documental, nomeadamente de fls. 69 a 74 verso, decorre que, o prédio que a R. vendeu à A., em termos registais, em 1997, era constituído por 3 casas, respetivas dependências e logradouros e por 1 terreno destinado a construção e que as três casas, respetivas dependências e logradouros tinham uma área de 1.659 m2 e o terreno destinado a construção tinha uma área de 2.461 m2. E este prédio confrontava: a norte com a Estrada Interior da Circunvalação, a sul com ..., a nascente com o IPO e o Rio ... e a poente com a Rua ....
Fruto da desanexação das referidas casas, o referido prédio passou a ser constituído apenas por 1 terreno destinado a construção, com a área de 2.461 m2 e as mesmas confrontações.
Do constante do penúltimo parágrafo supra, parece decorrer que, o prédio, na sua totalidade, composto por casas e terreno destinado a construção, confrontaria a sul com ..., ou seja, que a propriedade do ... seria a sul das casas e não a sul do terreno destinado a construção.
Porém, não é seguro que assim fosse (como estamos absolutamente convictos que assim não era, como seguidamente tentaremos explicar), desde logo porque as confrontações constantes do registo predial do prédio estão apenas a seguir ao terreno destinado a construção, podendo querer dizer respeito apenas a este (embora não seja isto o mais provável).
Mas mais importante do que isso, no documento de fls. 117 verso a 119 (de 1995), de acordo com as declarações da própria E... - E..., consta que, as tais três casas que inicialmente faziam parte do prédio em questão, nenhuma delas confrontava a sul com ... (o que indicia que, afinal não seriam as casas - situadas a sul, face ao terreno destinado a construção -, que confrontavam a sul com o ..., mas sim o terreno destinado a construção).
Mas mais, contata-se que uma dessas casas - correspondente ao artigo ... -confrontava a norte com o ... e esta casa só pode ser a situada mais a norte (porque é evidente que a casa a que corresponde o art. ...64 será a que fica a meio (pois confronta a norte e sul com proprietária) e a casa a que corresponde ao art. ...63 seria a situada mais a sul (pois que confrontava a norte com proprietária e a sul com caminho de servidão - caminho de servidão este que não há qualquer notícia de existir entre as casas e o prédio destinado a construção, até porque o prédio destinado a construção sempre confrontou a sul com ... -aliás, esse caminho de servidão parece descortinar-se a fls. 25, 48 verso, 132 e 134, a sul das 3 casas; o que parece decorrer também do documento de fls. 116 verso, que indica como confrontação inicial, a sul - da totalidade do prédio que corresponderia ao que mais tarde passou a ser a totalidade do prédio da E... - com caminho de servidão), ao que acresce o facto de ser também a R. que, no art. 43º, da sua contestação, diz que, a casa mais a norte é aquela que corresponde ao n º ..., que segundo o documento de fls. 118 verso, é precisamente aquela que corresponde ao artigo ....
Resulta assim do referido documento de fls. 118 verso (conjugado também com outros) que, o prédio urbano ali identificado sob o art. ...65, que seria a casa situada mais a norte, nessa confrontação norte, confrontaria com os ....
Acresce que, o prédio ali identificado como correspondendo ao artigo 11587, como sendo um terreno destinado à construção urbana (que é o prédio que a R. vendeu à A.) confronta a sul com os ....
Resulta assim destes elementos documentais, com evidência, o reconhecimento por parte da E..., a proprietária dos prédios em questão, de que o prédio que “agora” a R. vendeu à A., confrontava a sul com os ... e que a casa a que corresponde o art. ...65, a casa situada mais a norte, confrontava a norte com os ....
Assim, entre as casas e o prédio destinado a construção, havia um prédio dos ... (tal mostra-se reconhecido pela própria proprietária daquelas casas e daquele prédio destinado a construção).
Acresce declarar também a E..., a fls. 118 verso que, por um lado, o terreno urbano destinado a construção de que era proprietária, tinha a área de 1.776 m2 (e não 2.461m2) e que o prédio dos ... tinha a área de cerca de 685 m2.
E da planta junta pela E... na CRP, constante de fls. 120, resulta claro que, o prédio do ... se situa entre as casas e o terreno destinado a construção.
Ou seja, resulta das declarações da então proprietária do prédio aqui em causa que, havia então um prédio pertença do ..., situado a norte da casa localizada mais a norte e a sul do terreno destinado a construção, no meio dos dois, que tinha cerca de 685 m2 e que o seu terreno destinado a construção tinha 1.776 m2 (que não há dúvida de ser o prédio/parcela de terreno que a R. vendeu à A.).
Analisada a questão agora sob o ponto de vista dos elementos documentais da Câmara Municipal ..., indicia-se também a existência do referido terreno pertença do ... ou da Câmara Municipal ... ou de outro organismo municipal, entre as casas e o terreno destinado a construção.
Em 1955, a Câmara Municipal ... permutou parcelas de terreno com a C... (fls. 28 verso a 31 verso).
Da planta junta a fls. 28 (que configura a propriedade do Município como tendo a forma parecida à de quase um triângulo, o que se mostra consentâneo com a fotografia aérea do local, datada de 1954, constante de fls. 132 - cuja ampliação foi junta aos autos, na qual tudo é mais nítido - e, onde se vislumbra essa forma de quase triângulo - quanto a dois dos lados - , uma configuração, nessa parte, muito semelhante à de fls. 28 e 48 verso) e da descrição das parcelas efetuada na escritura de permuta, nomeadamente, das suas confrontações, decorre que, o Município ..., em 1995, já era proprietária de um terreno situado no local em questão, tendo permutado uma parcela desse seu terreno com duas parcelas de um terreno da C... (para construção de uma estação elevatória dos ...).
Esta referência a uma cedência da E... de parte do terreno aos ..., para construção de depósitos, é feita pela própria E... à repartição de finanças do Águas do ..., em 1997, em ordem a que, por tal razão, fosse retificada a área do prédio da E... de 2.461 m2 para € 1.842 m2 (fls. 77) - o que vem de encontro ao que a E... declarara anos antes, como consta de fls. 118 verso - , juntando também uma planta, que consta de fls. 188 verso e 189, da qual resulta, de forma clara que, a própria E... indicou aquele que era o seu prédio urbano destinado a construção, como tendo uma área de 1.842 m2 e que a sul do mesmo, havia um prédio dos ... com a área de 598 m2; embora passados dias, a E... requeresse que o que requerera não produzisse efeitos (fls. 78).
Isto ocorre na sequência de a própria E..., em 1993, ter requerido ao serviço de finanças que, se retificasse a confrontação sul do seu prédio, como confrontando, não com a requerente, como inicialmente indicara, mas sim com os ... (fls. 186 verso).
Ora, se já em 1955, a Câmara Municipal ... permutou parcelas de terreno com a C... (fls. 28 verso a 31 verso), tendo adquirido ao menos duas parcelas à C..., e parece-nos não haver dúvidas, face à planta de fls. 28 e 48 verso e às confrontações referidas na escritura de permuta (assim como às sobreposições dos documentos de fls. 135), que o objeto da permuta se localizava a norte das três casas que faziam parte do prédio original da C..., na parte sul do que viria a ser o prédio que a R. vendeu à A.; então, já em 1995, a Câmara Municipal ... tinha ali um prédio, que “perdeu” uma pequena parcela e “ganhou” duas pequenas parcelas, fruto da permuta realizada.
Neste contexto e no do documento de fls. 117 verso a 119, não faz sentido algum, o afirmado pela E... no documento de fls. 80 (nem o afirmado pela R. na contestação, no art. 47º, de que, nos anos 90, a E... autorizou que os ... instalassem, por mero favor, tolerância e provisoriamente, no topo norte do prédio, dois reservatórios de água), de que, o terreno onde existiam os reservatórios do ... tivesse sido cedido temporariamente aos ..., sendo o terreno na sua totalidade da E... (pois que, não só os .../Câmara Municipal ... já em 1955 era proprietária de um prédio no local, como reconhecido pela própria E..., assim como adquiriu à própria E..., por permuta, a título definitivo, duas parcelas e perdeu, a título definitivo, uma parcela do mesmo).
Em 1968, a Câmara Municipal ... requereu à Conservatória do Registo Predial ..., a inscrição a seu favor, de uma parcela de terreno com a área de cerca de 434 m2, sita na Rua ..., da freguesia ..., a confrontar de norte e do sul com C... (Companhia Hidroelétrica ...) (fls. 23 verso).
Este requerimento, assim como os documentos de fls. 24 a 26, mostram-se relativamente coerentes com o que consta de fls. 118 verso e 120.
Não havendo notícia da existência de qualquer outro terreno da Câmara Municipal ... e da C... na zona em questão, concretamente na Rua ..., a confrontação a norte e sul com a C... mostra-se coerente com o facto de se tratar da parcela de terreno situada entre as casas pertença da C... e o terreno destinado a construção pertença da C... em questão, o que é credibilizado pela informação constante de fls. 118 verso a 120.
Aliás, não havendo também notícia da existência de um prédio da C... a sul das tais três casas (que juntamente com o lote para construção constituíam o prédio único original), não se vê como pudesse o tal prédio dos ... situar-se a sul dessas casas, uma vez que, por exemplo a fls. 23 e 26, se indica que o prédio que seria dos ... confrontava a sul com C....
A própria planta de fls. 25, coloca-nos a referida parcela/terreno dos ... exatamente entre as casas situadas a sul e a parcela de terreno destinada a construção, situada a norte.
E vários outros documentos tornam inequívoco que, o prédio dos ... era a norte das casas e a sul do terreno destinado a construção. Veja-se por exemplo, a representação de fls. 28, a planta de fls. 48 verso e a fotografia aérea de 1954 junta aos autos, em todas se vendo as casas a sul e o terreno para construção a norte e, em igual localização em todos estes documentos, encontra-se aquilo que aparenta ser uma pequena construção no terreno destinado a construção, assim como uma pequena construção no terreno situado entre as casas e o terreno para construção.
Também os documentos de fls. 367 e seguintes, nos dão conta da existência, em 1938 e 1947, de um lavadouro público (que poderá bem ser a construção representada a fls. 28, 48 verso e na fotografia aérea de 1954, com a configuração de um retângulo, perto da extremidade do prédio, em sentido oposto ao da Rua ... ou Rua ...) na freguesia ..., designado por ... - lavadouro público da ... a que o documento de fls. 24, datado de 1967, faz referência, com a localização constante da planta de fls. 25, que não há dúvida de ser aquela a que corresponde a do prédio/terreno em litígio nos presentes autos - , na Rua ... L ... (antigo nome da Rua ..., conforme consta, nomeadamente, dos documentos de fls. 24, 28 e 116 verso).
E as fotografias de fls. 338 e seguintes, relativas à “parcela de terreno em litígio, em especial as de fls. 332 a 334 e 336 e 341, mostram aquilo que aparenta ser uma parede de granito antiga que, embora pudesse fazer parte do mesmo prédio, mais provável é que pudesse ser delimitadora de dois prédios distintos (e que cremos, face ao que acima já referimos e ao que abaixo também referiremos, que seria delimitadora do prédio que a R. vendeu à A. face ao prédio que seria pertença dos ...).
Há assim um conjunto de vários elementos documentais, que indicia, fortemente, haver, na parte sul do terreno destinado a construção que era da R. e que esta vendeu à A., uma parte de terreno que era pertença da Câmara Municipal ... ou de outros organismos públicos municipais (e que a aqui R. vendeu, no pressuposto de que fazia parte do seu terreno).
Acresce que, também os depoimentos de DD e EE, respetivamente, técnico superior da Câmara Municipal ..., na área das finanças e património e ex-jurista nas “Águas do ...”, conhecedores da realidade do prédio em causa, descreveram aquela que foi a sua “história”, no sentido da existência do prédio em causa como pertença dos ..., descrevendo a utilização que ao longo dos anos foi sendo dada ao trato de terreno em discussão, de cariz público (lavadouro público – como também decorre, nomeadamente, de fls. 24 a 26, local de tratamento dos esgotos do Hospital ..., onde foram colocados uns reservatórios pelo ... - como decorre, nomeadamente, de fls. 78 e 80), não consentâneo com a natureza privada do prédio que a R. vendeu à A.
EE deu também conta de que, na década de 2000, uma solicitadora, em representação da E..., contatou os ..., para que estes, na qualidade de confrontantes, assinassem um documento para regularização das confrontações e áreas daquele que era o prédio da E... e de que, desse documento constava que o prédio da E... confrontava a sul com os ... (esse sul, como acima referimos, só podia ser a sul do terreno destinado a construção e não a sul das três casas).
Importa também recordar as palavras de AA, arquiteto que fez o projeto de construção para o terreno em causa, para a R. e depois para a A. (pessoa que nos pareceu insuspeita de parcialidade), que disse não ter dúvida de que, o terreno em causa pertence às Águas do ....
Assim, da conjugação da vasta prova documental junta aos autos, com a testemunhal, formámos convicção de que, parte do prédio que a R. vendeu à A., afinal era do Município ... ou de algum dos seus organismos.
Cremos que, a confusão a propósito do assunto em apreço, poderá ter-se gerado no facto de, erroneamente - e tal nunca ter sido corrigido, pese embora houvesse vários elementos documentais que tal correção aconselhassem - , a área matricial/registal do prédio destinado a construção ter sido inicialmente indicada como sendo de 2.461 m2, englobando área do prédio que fora um lavadouro público e que sempre terá estado afeto a finalidades públicas, sendo pertença do Município ... e de a confrontação sul do prédio com os ... aparentar ser a sul das casas existentes (quando vários elementos apontavam no sentido de essa confrontação sul com ... ser a do terreno destinado a construção).”.
Perante este escrutínio irrepreensível, minucioso, detalhado, lógico e dedutivo de toda a prova, torna-se dispensável acrescentar o que quer que seja, por absolutamente inútil, por, perante o exposto, se tornar evidente que o tribunal a quo não se limitou tão só a proceder a uma avaliação superficial e insegura da prova produzida.
Assim, tendo em conta a convicção formada pelo tribunal recorrido, nos termos e pelos fundamentos ora expostos, comparativamente com a posição defendida pela Ré/recorrente, conclui-se que o que se pretende, sem razão, é contrariar, sem prova cabal que o revele, a convicção bem alicerçada pelo tribunal a quo.
Deve, assim, julgar-se não incorrectamente valorada a prova, dado que, no caso concreto, a sentença proferida pelo tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Como tal, por não se ter logrado inverter o sentido da decisão factual, tem, pois, de improceder o recurso.
Configurou, ainda, a Ré ter a A. actuado em autodefesa, ao ter procedido por sua iniciativa e vontade, assumindo as vestes de tribunal, ao ter assumido unilateralmente a alteração da área do imóvel vendido, inibindo qualquer discussão sobre a eventual composição do direito de propriedade.
Neste aspecto, como decorre do disposto no art. 1.º do Cód. Proc. Civil, “a[A] ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei”.
Aí se postula, perante a existência de tribunais cíveis, como órgãos com poderes de hétero-composição dos litígios surgidos entre particulares, a proibição da auto-tutela, só excepcionalmente consentida ao titular do direito material.
Ora, o que se verifica no presente caso é que tendo a A. sido confrontada, aquando da apresentação do seu pedido de licenciamento, com a informação por parte da Câmara Municipal ... de que, parte do terreno onde pretendia implantar o seu projecto de construção, lhe pertencia, tal levou a A. a proceder a várias diligências e recolha de elementos para apurar da real situação com que foi confrontada.
Com base nas conclusões a que chegou, após ter inclusive confrontado a Ré, enquanto vendedora do imóvel, na falta de um consenso quanto à resolução da situação, a A. veio propor acção contra aquela.
Daqui decorre que só por via desta acção, o direito respeitante à questão quanto à área de terreno vendida, com as inerentes consequências, é que definiria a relação material entre a A., enquanto compradora do bem, e a Ré, enquanto vendedora do bem.
O facto da A. ter admitido que parte do referido terreno objecto do contrato firmado entre as partes era efectivamente da Câmara Municipal ..., nenhum efeito produziria em relação à aqui Ré, se não fosse a acção em causa.
Não se pode, assim, concluir ter a A. agido em autodefesa.
Argumentou, ainda, a Ré integrar a actuação da A. um claro abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, ao justificar um direito que diz não ser seu, demonstrando que parte desse direito que adquiriu não lhe pertence, como forma de facilitar o processo de licenciamento e evitar discussões com entes públicos.
Por outro lado, aduziu que ao peticionar, como o fez, o pagamento de uma indemnização, exerce de forma abusiva esse direito, na medida em que pretende manter o negócio, optando pela redução do preço, em vez ter vindo requerer a sua anulabilidade.
Ora, como decorre do disposto no art. 334.º, do C. Civil, o abuso do direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para Manuel de Andrade, in ‘Teoria Geral das Obrigações’, 3.ªed., Almedina, pg. 63-64, “há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”.
Para Vaz Serra, in Ábuso de Direito, BMJ, n.º 85, pg. 253, ‘o acto abusivo é, em regra, o exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na coletividade social. Só excecionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.
Noutra perspetiva, para Antunes Varela, in ‘Das Obrigações em Geral’, Vol. I, Almedina, 5.ª ed., pg. 499, “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.”.
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 299).
O abuso de direito na modalidade do “desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados”, abrange subtipos diversificados, nomeadamente: i) o do exercício de direito sem qualquer benefício para o exercente e com dano considerável a outrem; ii) o da atuação dolosa daquele que vem exigir a outrem o que lhe deverá restituir logo a seguir; iii) e o da desproporção entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem (cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, Almedina, 2ª edição, 2015, págs. 372-381).
Posto isto e considerando o reconhecido direito da A./Recorrida vir peticionar a redução do preço, julga-se, ab intio, afastada a excepção invocada.
Na verdade, a Ré/Recorrente não veio pôr em causa a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto (a não ser por via da impugnação da matéria de facto, nos termos já apontados e decididos que não logrou obter).
Por outro lado, como daí decorre, a anulação do contrato não foi a solução pretendida pela A., antes tendo optado pela redução do preço, como direito que lhe assiste, ao abrigo do disposto nos arts. 913º, n º 1 e 911º, n º 1, do C.C., por a R. ter vendido à A. coisa que sofre de vício que impede a cabal realização do fim a que se destinava e que a desvalorizava, por a A. ter contratado convencida de que o prédio não padecia do referido vício e ter assim contratado em erro quanto a tal e ainda assim ter tido interesse em manter o negócio, embora por preço inferior ao que pagou.
A tudo isto acresce o facto da Ré/Recorrente não ter alegado e demonstrado que a actuação da A. visou tão só facilitar o processo de licenciamento e evitar discussões com entes públicos, reconhecendo-lhes um direito que não tinham, por forma a alcançar tal desiderato.
Pelo contrário, alegou e provou a A. factos que o tribunal a quo considerou serem susceptíveis de integrar o direito que reivindicava e lhe foi reconhecido, inclusive à indemnização peticionada.
Pelo exposto, tem, pois, de se julgar não verificado qualquer abuso de direito por parte da A.
Por último sempre se dirá que nenhum efeito há a retirar do facto de, na escritura de compra e venda celebrado entre A. e Ré, não se ter feito referência à área do prédio vendido, tendo em conta a factualidade que se mostra provada nos pontos 2, 3 e 4, que faz com que não seja afastada a referência aos citados acórdãos.
Importa, então, agora, apreciar e decidir a questão suscitada pela recorrente interveniente quanto à extinção do incidente de intervenção, baseada essencialmente no facto de alegar não ter, de modo algum, sucedido à sociedade E..., invocando, sob essa perspectiva, a nulidade da decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Cód. Proc. Civil, ao não se ter permitido à ora recorrente a faculdade de produzir prova quanto àquela circunstância.
A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3, do mesmo diploma, quanto à alínea d), que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Perante o exposto no citado art. 615.º, n.º 1 al. d), constata-se que o mesmo está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja  decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Reconduz-se a nulidade invocada, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, i.e., a vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam, que tem de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
Por conseguinte, tem de se concluir que, como tal, a questão suscitada não contende, com a nulidade da decisão recorrida, enquanto vício ou erro formal ou de procedimento, mas com a sua fundamentação fáctico-jurídica.
Pois, pondo a interveniente recorrente em causa a decisão quanto à admissão da sua intervenção nos autos, a questão não se prende com a sua parte formal, mas sim com a alegada não verificação dos seus pressupostos, com base no facto de invocar não ser a sucessora da vendedora do bem em causa à demandada.
Como tal, é de concluir que a questão suscitada não se enquadra na nulidade da decisão, levando a que se proceda à sua apreciação sob a perspectiva do respectivo incidente, por forma a apreciar se a decisão que julgou improcedente o pedido sobre a sua extinção, é, ou não, de manter.
Ora, no âmbito dos presentes autos determinou-se que a ora Apelante, na sequência do pedido de intervenção da Ré, fosse citada, nos termos do disposto no art.º 323, nº 1, do (novo) CPC, onde se estabelece que “o[O] réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.”
E no n.º 2 da mesma norma preceitua-se que “a[A]intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.”.
O art.º 323.º, por sua vez, estabelece no seu nº 1, que “o[O] chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 328.º e seguintes.”.
Acrescenta-se no n.º 4 desse art.º 323.º que “a[A] sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização.”.
Finalmente, este artº 332º - para o qual se remete no nº 4, desse artº 323º -, estabelece, sob a epígrafe “Valor da sentença quanto ao assistente”, que “a[A] sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, exceto:
a) Se alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final;
b) Se mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova suscetíveis de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por negligência grave.”.
Daqui decorre que, se o réu funda o chamamento num putativo direito de regresso, se for condenado, terá sobre o chamado o direito de receber dele aquilo que na primitiva acção foi condenado a pagar.
Como tal, ao decidir intervir, convém contestar para tentar impedir que se provem factos que sustentem a existência desse direito de regresso de que o réu pretende servir-se nessa futura acção.
Também é evidente que o chamado nos termos dos artºs. 321º e 323º, nº 1, do NCPC, não pode ser condenado nessa acção, porque não é sujeito da relação jurídica que aí se debate entre Autor e Réu. Ou seja, em termos mais simples, o Autor, relativamente ao interveniente chamado pelo Réu, nos termos dos citados artºs 321º e 323º, nº 1, não tem, a seu favor, qualquer direito que habilite uma condenação desse interveniente.
É esclarecedor, a este respeito, o que escreve o Sr. Cons. Salvador da Costa, in ‘Os Incidentes da Instância’ – 2016 – Almedina, 8ª Edição, pág. 117, ao afirmar que «[…] O interveniente não é condenado nesta primeira ação, apenas ficando vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réu, isto é, o que implementou o chamamento. Não é condenado a cumprir qualquer obrigação decorrente de pedido do autor, mas estendem-se-lhe os efeitos do caso julgado da sentença final (…).
Este incidente permite que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente ação de indemnização proposta pelo réu contra ele se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo.(…)
No fundo, o caso julgado torna indiscutíveis, na ação posterior, no confronto do chamado, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor.
Assim, em regra, na nova ação de indemnização em que figure como réu o chamado à intervenção, fica este vinculado ao conteúdo da respetiva sentença como prova plena dos factos nela estabelecidos relativamente ao direito definido e no que concerne às questões de que a ação de regresso dependa.
Ele pode, porém, na nova ação, impugnar os referidos factos e o direito, se alegar e provar que a atitude do autor, ou seja, que o réu na ação anterior o impediu de fazer uso de alegações ou de meios de prova influentes na decisão final, ou que desconhecia a existência de alegações ou provas suscetíveis de influir naquela decisão, e que o autor as não usou intencionalmente ou com grave negligência.
A primeira das referidas exceções tem a ver com o facto de o chamado à intervenção não poder praticar atos que o réu chamante haja perdido o direito de praticar, e a segunda com o facto de não poder assumir, na ação, atitude oposta à dele.
Em conformidade, não pode o réu, chamado à intervenção acessória na ação anterior, se pretender ter êxito na ação de regresso, limitar-se a invocar que a ela não está sujeito.[…]».
No decurso deste entendimento, a jurisprudência tem vindo ultimamente inclusivé a decidir no sentido de que o interveniente acessório tem legitimidade para recorrer da sentença final, na medida em que a sucumbência do demandado se repercute no direito de regresso que este declarou pretender exercer contra ele, tal como se decidiu no Acórdão do STJ, de 17/04/2008 (Agravo nº 08A1109).
Daqui decorre que o chamamento é justificado pelo interesse invocado pelo R. que legitime o incidente quanto à acção de regresso a exercer sobre terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda (cfr. arts. 321.º, n.º 1 e 322.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil.
Perante o fundamento invocado, se o juiz concluir pela viabilidade de uma futura acção de regresso, admitindo a intervenção acessória do chamado, tal decisão torna-se irrecorrível (cfr. art. 322.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo diploma).
Sendo assim, admitida a intervenção, já não é possível excluir e julgar extinto o incidente, devendo o interveniente, na futura acção, demonstrar não ter sucedido à E..., enquanto vendedora do prédio, dado que esse pressuposto preliminar não foi nesta acção dado como certo e já englobado nos factos dados como provados.
Era à Ré que incumbia alegar e provar esse pressuposto, pelo que não o tendo feito, terá de o demonstrar na acção de regresso.
Nesta perspectiva, é, pois, de manter o decidido ao afirmar que não se pode declarar extinto um incidente que já se mostra ‘extinto’ pelo despacho irrecorrível que o admitiu.
Já quanto à condenação do interveniente nas custas, verificam-se algumas divergências.
E, a este respeito o citado Sr. Cons. Salvador da Costa, na obra referida, defende que “e[E]mbora o chamado à intervenção não seja condenado na sentença final, nem tenha impulsionado diretamente o incidente, como tem o estatuto de assistente, se interveio e o chamante ficou vencido, está sujeito ao pagamento das custas da acção”.
Acontece que, no caso da intervenção acessória, o terceiro chamado intervém apenas como auxiliar na defesa, circunscrevendo-se a sua posição à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (cfr. 321.º, n.º 1 e 2, do CPC), enquanto que o assistente tem já de ter um interesse jurídico capaz de legitimar a sua intervenção, enquanto, pelo menos, titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido (cfr. 326.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Por sua vez, a intervenção do Ministério Público plasmada no art. 325.º, do mesmo código, não tem por base o referido direito de acção de regresso, mas sim o objectivo de, no âmbito das suas competências, zelar directamente pelos interesses que lhe estão confiados, daí a diferenciação consagrada, a nosso ver, no art. 538.º, do mesmo diploma, quanto ao pagamento das custas, que não contempla o interveniente acessório.
De qualquer das formas, o facto é que o interveniente não é sujeito passivo da relação material controvertida objecto da acção, pelo que não pode ser condenado no pedido, total ou parcialmente, daí que se entenda que, a ser assim, não pode ser condenado nas custas.
É que o critério geral de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Como tal, entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for, regendo-se a condenação em custas pelos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Francisco L. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, pág. 359).
«O critério para determinar quem dá causa à ação, incidente ou recurso prescinde, em princípio, de qualquer indagação autónoma: dá-lhe causa quem perde. Quanto à ação, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento» (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 419).
Ora, não sendo o interveniente acessório provocado parte na relação material controvertida discutida na acção, como se apontou, não se pode considerar que perde (decai) ou que obtém vencimento. Nunca é parte vencida ou vencedora na acção.
Portanto, de harmonia com a regra geral em matéria de custas, enunciada no artigo 527.º do CPC, também não seria possível imputar-lhe a responsabilidade pelas custas da acção.
Relativamente a esta questão e em sentido idêntico ao que aqui defendemos, o acórdão da Relação do Porto, de 14.01.2020, proferido no processo 3039/15.8T8PNF-B.P1, afirmou-se que «o chamado por via da intervenção acessória provocada, embora beneficie do seu estatuto não é um assistente, nos termos em que esta regra processual está definida no art.º 326º do C.P.Civil, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 328.º e seguintes do mesmo diploma legal. Mas, como é evidente, o assim chamado por não ser sujeito da relação jurídica que se debate nessa acção entre autor e réu não pode ser objecto de condenação ou de absolvição no pedido e isto, porque, como também é evidente, relativamente ao assim chamado, o autor não tem a seu favor qualquer direito que o habilite a uma condenação no que pede na acção», concluindo que «perante os autores as intervenientes acessórias provocadas (…), jamais se poderão arrogar como parte vencedora, pela simples e elementar razão de que, contra elas, nenhum direito se arrogaram os autores».
De igual forma assim se decidiu, de forma mais exaustiva, no acórdão desta Relação proferido no proc. 1083/19.5T8VCT-B.G1, de 24.2.22, para o qual se remete.
Como tal, têm os recursos, interpostos pela Ré e interveniente, de improceder, mantendo-se, em consequência, a decisão proferida, a não ser quanto à decisão que condenou a interveniente nas custas da acção.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª secção cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar os recursos, interpostos pela Ré e interveniente, improcedentes, mantendo-se, em consequência, a decisão proferida, a não ser quanto à decisão que condenou a interveniente nas custas da acção.
Custas pela Ré e interveniente, à excepção, quanto a este, na parte que procede quanto à sua desoneração do pagamento das custas da acção que condenou a Ré no pedido nos termos definidos pela 1.ª Instância.
Registe e notifique.
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Guimarães, 26 de Janeiro de 2023
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária, sem observância do novo acordo autográfico, a não ser nos textos transcritos com adesão ao mesmo, e é assinado electronicamente)