REQUERIMENTO DE PROVA
ALTERAÇÃO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
MULTA
Sumário


I. Nada impede que a parte que tenha apresentado certo requerimento probatório com o seu articulado venha posteriormente na audiência prévia a requerer meio de prova diverso.
II. Era, por isso, admissível que os Réus, ora apelantes, viessem a requerer, nesta sede, a junção doutros documentos no âmbito da prerrogativa contemplada no nº1 do art.º 598º do CPC, não havendo, nesse caso, lugar à sua condenação em multa, o que apenas sucederia se tal junção tivesse ocorrido nos termos do art.º 423.º do CPC.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


1. RELATÓRIO

V… – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS E IMOBILIÁRIOS, S.A. e HABISERVE – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., Réus nos autos à margem identificados, nos quais figura como Autor BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A, veio recorrer do despacho proferido na Audiência prévia realizada a 13/09/2022, que indeferiu a alteração do requerimento probatório por eles apresentado, formulando, na sua apelação, as seguintes conclusões:

1. O douto despacho recorrido foi proferido em sede de Audiência Prévia que teve lugar no dia 13/09/2022, e indeferiu a alteração do requerimento probatório apresentado pelos Réus.

2. Requerimento através do qual os Réus requereram a produção de prova sobre os factos alegados em contestação que integram a excepção peremptória de prescrição.

3. E que, em audiência prévia, foram enunciados como um dos temas carecidos de prova.

4. A douta decisão recorrida indeferiu tal alteração remetendo para a impertinência dos meios de prova requeridos, não obstante o reconhecimento expresso de factos alegados na Petição Inicial que, através de tais meios de prova, se visava provar.

5. O requerimento apresentado pelos Réus encontra oportunidade processual no n.º 1 do artigo 598.º do CPC.

6. E, ainda que assim não fosse, nos termos do n.º 2 do artigo 423.º do CPC, sempre a junção de tais documentos seria admissível até 20 dias antes da data designada a audiência final, ainda que mediante pagamento de multa.

7. Na interpretação necessária conjugada nos artigos 410.º e 598.º do CPC é a Audiência Prévia o momento processual próprio para adequar o requerimento probatório inicialmente formulado aos temas identificados como carecidos de prova.

8. A invocação de uma impertinência, ou de ausência de pertinência superveniente, de um tal requerimento afigura-se até ininteligível e, como tal, manifestamente ambígua ou obscura, como decorrência de fundamentação do douto despacho recorrido.

9. O douto despacho recorrido faz uma menos acertada interpretação e aplicação, entre o mais, das normas contidas nos artigos 410.º, 411.º, 423.º e 598.º todos do CPC, devendo ser revogado e substituído por douto acórdão que admita a alteração do requerimento probatório formulado pelos Réus.

10. Sem prejuízo, tal douto despacho sempre seria nulo por força do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º aplicável ex vi n.º 2 do artigo 613.º do CPC.

TERMOS EM QUE, NOS MAIS DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, com as legais consequências.

Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada J U S T I Ç A”.

2. Não houve contra-alegações.

3. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se os documentos em apreço deveriam ter sido admitidos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

4. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, os seguintes:

4.1. Da acta da audiência prévia, realizada em 13.9.2022, consta o seguinte:

“De seguida, dada a palavra aos ilustres mandatários para se pronunciarem sobre os meios de prova, pelo ilustre mandatário dos réus foi dito que, em função do objeto e dos temas de prova, vai requerer a alteração do requerimento probatório.
Atenta a fixação dos temas de prova, entendem os réus que carece de prova a data da citação da autora para os processos identificados nos artigos 30º, 39º e 58º da petição inicial, a saber: processo n.º 839/12.4TBLSB, processo de insolvência que foi requerido pela autora na data em que o mesmo foi instaurado e o processo n.º 625/19.0T8ABF identificado no artigo 58º da petição inicial, tais documentos comprovativos por meio de certidão podem ser obtidos e juntos a estes autos pelas rés, desde que, para tanto lhes seja concedido prazo suficiente para o efeito. Quando assim não se entender, subsidiariamente, requerem que seja oficiado cada um desses processos para que seja junta a respetiva certidão comprovativa de tais factos. (…).
Dada a palavra à ilustre mandatária do autor, pela mesma foi dito o seguinte:
Relativamente ao pedido de obtenção de certidões relativas aos processos mencionados nos artigos 30º, 39º e 58º da petição inicial, com vista tanto quanto se compreendeu a certificar a data de citação da autora para os mesmos, os réus não indicaram a prova de que matéria tal junção se destinaria. Logrando apenas divisar-se como útil para a prova do tema da prova n.º 4 como ser a data da citação para os termos do processo n.º 625/19.0T8ABF, no que respeita aos demais não vê o autor qualquer utilidade ou pertinência dos mesmos para os presentes autos. Assinalando-se no que inicialmente se reporta à insolvência da ré Cerro Grande S.A. que o autor aí não foi, pela própria natureza do processo, citado. Portanto não será possível certificar tal facto.
Quanto à oportunidade do requerido, julga o autor que tais documentos se aos réus interessava a sua apresentação, poderiam ter sido obtidos e juntos com a contestação, artigo 423º, n.º 1 CPC, não se tendo tornado supervenientemente úteis ou inúteis em função dos temas da prova, pelo que, em suma, se opõe o autor, pelas razões expostas, a que seja requerida certidão relativa as ações referidas nos artigos 30º e 39º da petição inicial, sendo que a ser deferida pelo Tribunal tal junção, não se vê razão que justifique que não sejam os réus condenados em multa por junção tardia de tais documentos. (…).
Seguidamente, a Mm. ª Juíza proferiu o seguinte:
DESPACHO:
Quanto ao requerimento efetuado pelos Réus no sentido da obtenção de certidões relativas aos processos mencionados nos artigos 30º, 39º e 58º da petição inicial, não vislumbramos qualquer pertinência superveniente que justifique a sua junção, porquanto tais ações judiciais haviam já sido invocadas na petição inicial e a sua alegação era conhecida dos Réus aquando da apresentação da contestação.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.”.

5. Do mérito do recurso

Entendeu o Tribunal “a quo” rejeitar a junção aos autos de determinados documentos tendentes a comprovar a data da citação da ora Autora em determinadas acções que, de acordo com o alegado na petição inicial, configuram o exercício ilícito do direito de acção e pelo qual pretende ser indemnizada através do presente processo.

Fê-lo, com fundamento na sua “impertinência”.

Há que convir que os réus não explicitaram a que matéria controvertida os mesmos se destinavam a fazer prova (arts.º 410º e 423º, nº1) o que justificaria um convite do Tribunal a esclarecê-lo.

Não o tendo feito, não pode tal omissão desencadear a rejeição da sua junção nos moldes enunciados.

Sem embargo, como perspicazmente salientou a Autora, a data da citação para os termos do processo n.º 625/19.0T8ABF revela utilidade para o tema enunciado no ponto 4 atinente ao conhecimento pela Autora quanto aos termos dessa acção.

Pelo que relativamente ao documento comprovativo da citação para tal acção não se descortina qualquer “impertinência” na sua junção.

É de salientar que o “Tribunal não pode rejeitar produção de provas, desde que estas incidam sobre os factos controvertidos e se respeitem os limites legalmente fixados, com o fundamento num juízo de inutilidade formulado a priori . O juiz não pode, por exemplo, numa audiência de julgamento, a pretexto de que está devidamente esclarecido, recusar-se a ouvir testemunhas arroladas”[1] .

É que o direito à prova, que engloba a possibilidade de propô-la e produzi-la, integra o direito à tutela jurisdicional efectiva contido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Porém a questão pode, e deve, ser observada sob outro prisma, mais concretamente a do artigo 598º do CPC que versa sobre a alteração do requerimento probatório na audiência prévia.

De acordo com Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís F. Sousa[2] «o requisito mínimo é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário, na indicação de outros meios de prova que tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados».

Por conseguinte, nada impede que a parte que tenha apresentado certo requerimento probatório com o seu articulado venha posteriormente a requerer meio de prova diverso.

Como nada a impede de ter apresentado um determinado documento ao seu articulado e vir a requerer a junção doutro ou doutros.

Aliás, “a alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento, que então se altera. Essa modificação pode, todavia, ser da mais diversa ordem, desde a ampliação do rol de testemunhas - dentro dos limites fixados por lei -, até à apresentação de diferentes meios de prova, passando pelo requerimento de notificação das testemunhas já arroladas. A título de exemplo, a mera apresentação de um documento com a petição inicial - para efeitos probatórios (...) - compreende um requerimento implícito de admissão como meio de prova, tanto bastando para que o autor fique habilitado a alterar este requerimento na audiência prévia, apresentando, por exemplo, um rol de testemunhas”[3].

Era, por isso, admissível que os Réus, ora apelantes, viessem a requerer, nesta sede, a junção doutros documentos no âmbito da prerrogativa contemplada no nº1 do art.º 598º do CPC.

Aliás, como o poderiam fazer até 20 dias antes da data de realização da audiência final, sendo que neste caso seriam condenados em multa, salvo se provassem que não os poderiam ter oferecido com a contestação. (art.º 423º, nº2 do CPC).

Note-se, todavia, que o regime do art.º 423.º do CPC, atinente ao momento da apresentação dos documentos, não visa afastar ou excepcionar a regra do art.º 598.º do CPC, a qual foi aditada à Proposta de Lei n.º 113/XII já na Assembleia da República e não podia ter sido visada pelo legislador quando delineou o regime do art.º 423.º do CPC.

A regra do art.º 598.º representa um plus relativamente à regra geral atinente à apresentação dos requerimentos probatórios nos articulados, complementando-a, ao possibilitar, em termos amplos, a alteração dos requerimentos probatórios; quando o regime do art.º 598.º não seja aplicável, então sim, as partes poderão lançar mão de outras regras legais, como a do art.º 423.º do CPC.[4]

Por consequência, tendo a junção dos documentos em apreço sido requerida pelos Réus na audiência prévia, por aplicação do disposto no art.º 598.º do CPC, não há lugar à sua condenação em multa, o que apenas sucederia se tivesse ocorrido nos termos do art.º 423.º do CPC.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita os documentos referidos.

Custas do recurso pela parte vencida a final.

Évora, 12 de Janeiro de 2023
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Assim, Conselheiro Salazar Casanova in “ Aspectos do regime da Prova no Processo Civil Português“Comunicação apresentada no dia 19.11.99 no CEJ no âmbito do seminário internacional subordinado ao tema “ Evolução do Processo Civil na Europa : a Cooperação no Domínio da Prova

[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 704.

[3] Cfr. Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2013, pág. 519.

[4] Neste sentido, Ac. Relação de Lisboa de 29.9.2022 ( Laurinda Gemas)