RECURSO
PRESSUPOSTOS
IN DUBIO PRO REO
ERRO DE JULGAMENTO
MEDIDA DA PENA
Sumário

I – A apresentação, posterior à interposição de recurso, de um requerimento autónomo reproduzindo / transcrevendo, pura e simplesmente, o conteúdo das declarações prestadas pelo Assistente e por testemunha, para além de método que se pode apresentar como duvidoso de cumprimento do formalismo legal, não satisfaz minimamente as exigências expressas no artigo 412º, nº 3 do CPPenal.~
II - O princípio in dubio pro reo, tem como suporte a dúvida, como essência a dúvida e visa proteger qualquer decisão judicial que padeça de segurança e concretização por falha de uma firme certeza do julgador, pelo que, fazer operar esta proposição, pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.
III - O recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir. É antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo e que sobreleve de todo o espetro decisório, razão pela qual se impõe ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso que algo de errado ocorreu na decisão de primeira instância na matéria relativa à ou às penas impostas.
IV - Nada alegando o arguido de modo claro e direto que corresponda a uma errada apreciação, pelo tribunal recorrido, dos critérios de determinação da medida das penas, cingindo-se à mera afirmação para não falar do absurdo da pena a que o arguido foi condenado, e perante uma ponderação equilibrada e bastante, evidenciada na decisão recorrida, no que à escolha e determinação da medida da pena concerne, nada há que permita qualquer censura e / ou reparo.

Texto Integral


Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1.No processo nº 464/19.9T9LLE da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – J... , foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido AA, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1972, em ..., ..., de nacionalidade portuguesa, casado, ..., residente na Rua ..., ... ..., como autor material de um crime de difamação com publicidade e agravada, previsto nos artigos 180, n.º 1, 183, n.º 1, al. a), e 184, por referência ao artigo 132, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão.

Mais se decidiu em condenar o arguido / demandado a pagar ao demandante DD a quantia de três mil e quinhentos euros de indemnização por danos não patrimoniais.

2.Inconformado com o decidido, recorreu o arguido questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição)

1 -O presente recurso prende-se, não só mas também, entre outros, com a escolha e a medida da pena aplicada ao ora recorrente, não se consegue conceber como pode o Tribunal, atendendo à prova, ou melhor ausência de prova realizada em sede de audiência de julgamento, em que dois dos militares ouvidos, assistente e uma das testemunhas, vamos dar o beneficio da dúvida, se olvidaram de responder com verdade sobre os factos que lhes foram questionados, fazendo afirmações que não correspondem à verdade, cfr. depoimentos que se anexam e se transcreveram na integra para melhor análise de V. Exas., negando o arguido ser possuidor de qualquer conta na rede social Facebook, sem que exista nenhuma investigação e prova nesse sentido o Tribunal decida nitidamente contra reo, referindo que o arguido não logrou fazer prova que não tinha pagina ou presença na rede social, mormente no caso concreto o Facebook.
2 – A questão que se coloco é se no nosso ordenamento jurídico-penal é o arguido quem tem de fazer prova da sua inocência ou a acusação quem tem de fazer prova da culpabilidade do arguido.
3 – Conforme o arguido afirmou em sede de audiência, constando tais declarações transcritas em suma na Sentença condenatória, “o arguido quis falar e afirmou que não tem conta ou perfil no Facebook, mas várias vezes foi interpelado por amigos por redes sociais com o seu nome, e ele diz que denunciem isso, não faz ideia de quem seja as testemunhas e o DD, não tem memória sequer deste caso, a sua mulher é de facto ... em ..., e que criam perfil no Facebook “e vêm com mais outra”, e que nesta comarca teve uma Procuradora amiga, que ele defendeu, e gera-se este processo, e mais que essa foto, que é sua, é também a que está no portal da Ordem dos ..., portanto é publica, e várias denuncias têm sido contra ele e geralmente arquivadas, nenhuma das condenações do CRC foi por factos de redes sociais, não sabe se foram na Comarca ... ( e muito se estranha que um ... tantas vezes condenado por crimes contra a honra e bom nome das pessoas não fique a saber onde os perpetrou), não tem ideia de ter acompanhado o DD em diligência, mas admite que seja verdade, não tem memória disso, e entre amigos pessoais, policias e GNR comenta o que decorre nas diligências, mas não esta, nem o que diz o que está sob sigilo profissional ou de processos sobre segredo de justiça, e, em declarações finais, acrescentou que a sua educação sempre foi de nunca deixar de chamar os bois pelos nomes, e se quisesse dizê-lo ao assistente, dizia-lho pessoalmente (mas que em vários casos o que disse não foi pessoalmente resulta clara e sobejamente dos crimes de denuncia caluniosa e difamação por que foi condenado, e não só por injurias, que exigem a confrontação pessoal).declarações do arguido prestadas em sede de audiência cfr. Acta de audiência de julgamento do dia 24.05.20222, CD único -declarações prestadas entre as horas/minutos/segundos 15:49:01 e as 16:02:37 – em anexo ao presente recurso juntamos as declarações prestadas pelo assistente a fim de V. Exas. melhor apreciarem todo o seu conteúdo).
4 – Ora como o Tribunal se baseou no CRC que só refere o tipo de crime e não conhece as Sentenças proferidas, não sabe, nem quis saber que nos crimes que supra referiu o arguido foi condenado por peças por si escritas assinadas e carimbadas, ou seja no âmbito da sua actividade profissional.
5 – parece-nos que basta tão só este facto para aquilatarmos que o Tribunal de que ora se recorre decidiu in dúbio contra reo, pois nem sequer questionou ou sequer tentou saber se o que o arguido disse em sede de julgamento era ou não verdade, quedando-se pelas meras suspeitas de um militar da GNR de nome DD que entendeu que a publicação efectuada numa pagina de Facebook, com a fotografia do arguido, mas que nunca foi por este utilizada, nada, nenhum documento no processo prova que a página ou o IP onde consta a frase que aqui se discute, seja da autoria, da propriedade ou tenha tido qualquer participação na sua elaboração pelo arguido, bem como não se prova, em nosso entender que era dirigida ao assitente, este entendeu que assim o era porque detinha as expressões “DD”, com letra minúscula, secretário, suíno e gayola(entre outras), pelo que entendeu que tais expressões eram contra si dirigidas. Explicou também este, militar assistente nos presentes autos que, para si, “o lápis azul”, era o Facebook. (Acta de audiência de julgamento do dia 14.03.20222, CD único - declarações prestadas entre as horas/minutos/segundos 10:31:01 e as 11:13:21 – em anexo ao presente recurso juntamos as declarações prestadas pelo assistente a fim de V. Exas. melhor apreciarem todo o seu conteúdo).
6 – Sendo também certo que, ninguém segundo o assistente sabia que este tinha desempenhado no âmbito de qualquer inquérito as funções de secretário a não ser as pessoas que assistiram ao acto. Pelo que urge perguntar porque é que alguém que lesse a publicação, a qual não foi realmente escrita e/ou publicada e/ou partilhada pelo arguido, entenderia que tais expressões eram dirigidas ao assistente, se sequer sabiam que tinha havido uma diligência em que o arguido e o assistente intervieram?
7 – Refere outra testemunha de acusação o Militar da GNR EE que entendeu ser dirigida ao colega dele DD, porque tinha escrito DD em minúsculas, entendendo que seria referente ao nome próprio do Colega, sendo que “secretário” no entendimento desta testemunha também era uma expressão atentatória da honra e profissionalismo do seu colega “DD”, visto que se verifica que “DD” nunca vem escrito como substantivo na frase imputada ao arguido e que não é de sua autoria, pois que vem sempre em minúsculas.(Acta de audiência de julgamento do dia 03.05.20222, CD único - depoimento prestado entre as horas/minutos/segundos 15:30:21 e as 15:53:21 – em anexo ao presente recurso juntamos o depoimento integral também prestado por esta testemunha a fim de V. Exas. melhor apreciarem todo o seu conteúdo).
8 – Quanto ao FF, chefe do assistente explicou que só teve conhecimento de publicações que lhe foram mostradas pelo seu subordinado aqui assistente e que a diligência correu bastante bem, não tendo havido qualquer conflito entre os intervenientes na mesma.
9 – Todas as demais pessoas interrogadas não conheciam nem sabiam, nem sabem quem é o assistente nem que o mesmo se chama DD, não podendo consequentemente fazer qualquer tipo de relação entre a publicação que foi imputada ao arguido e que não é da sua autoria com o assistente aqui nos autos. 10 – Compulsados os autos, verifica-se sim que, pelo menos desde do ano de 2015 o aqui assistente persegue o arguido imputando-lhe a prática de diversos crimes e tentando que o mesmo seja investigado, tendo até ao momento sido infrutíferas as suas crenças e desconfianças.
11 – Ou seja, há mais de cinco anos e com endereços diversos que o assistente vem tentando imputar ao arguido a prática de crimes, desconhecendo o arguido até ao presente momento o motivo de tal conduta.

12 – Tal como já se referiu, nenhuma das pessoas que partilhou o comentário que foi imputado ao arguido disse em sede de julgamento que a página do Facebook era pertença do arguido, sendo certo que o mesmo nunca teve Facebook, tendo a testemunha EE, ou se olvidado da respostada dada pela AO ou prestado falsas declarações em sede de audiência de julgamento.
13 – As demais pessoas ouvidas em sede de julgamento, nenhuma delas disse ter conhecimento que o perfil era do ora arguido, tendo apenas presumido porque no mesmo se encontrava a fotografia que a pessoa que pelo arguido se fez passar tirou da página oficial da Ordem dos ....
14 – Tal como já se referiu inexiste qualquer investigação para que se possa imputar a propriedade da referida página de Facebook ao ora arguido, devendo essas diligências sido efectuadas no inquérito, não o tendo sido não pode o Tribunal lançar mão do artigo 127.º para dar como provado facto que não tem alicerce em qualquer prova nos autos, sendo não só ilegal mas inconstitucional o entendimento diverso do aqui explanado do artigo 127.º do CPP,
15 – Constata-se que em todo processo nada existe que implique que o arguido seja o subscritor do mencionado post, tendo todas as pessoas que partilharam o post afirmado desconhecer o aqui assistente, pelo que não se consegue vislumbrar como foi possível, atendendo à insuficiência de provas, condenar o arguido e muito mais numa pena de prisão efectiva.
16 - O arguido negou expressamente, os factos tendo afirmado ao Tribunal não possuir Facebook, tendo vindo aos autos fornecer explicação lógica que afasta a leitura que o Tribunal considerou lógica dos factos e que considerou apontar inevitável e manifestamente para a sua autoria;
17 – Apenas por maldade, intriga ou vingança, alguém quis e teve interesse em subscrever tal escrito em nome do ora arguido, perguntamos nós se será quem anda atrás de pertenças publicações do arguido desde o ano de 2015?
18- Inexiste prova par que se chegue a uma conclusão lógica que atribui a autoria do escrito ao arguido, pelo que se impõe a sua absolvição.
19 - Aqui chegados, após titânico esforço de interpretação, atenta a prova produzida em audiência de julgamento, não sepercebeu o raciocínio que o Tribunal a quo construiu (por total ausência probatória e de razão de ciência da lógica invocada) para condenar o arguido pelo crime de difamação agravada, em nome
da verdade material e em busca da composição de decisão justa, importa desde já afirmar que a decisão ora recorrida para além de consubstanciar flagrante e descarada violação do princípio geral do processo penal in dubio pro reo e consequentemente do princípio Constitucional da presunção da inocência, assenta numa errada interpretação da Lei, numa errada valoração da prova e não tendo sequer considerado o esforço efectuado pelo arguido para provar a sua inocência, mormente requerendo e obtendo junto da AO que o depoimento prestado em sede de audiência de julgamento pela testemunha EE não era nem verdadeiro, nem isento.
20 - Pois, o Tribunal à quo para dar como provado, como deu, os pontos 3.º a 7.º e 10.º, 12.º e 15.º, dos factos provados, fê-lo à margem da lei, refugiando-se no art.º 127.º do Código de Processo Penal, invocando as regras da experiência, da lógica e do normal acontecer, sem qualquer prova documental ou testemunhal que demonstrasse a autoria da prática dos crimes pelo arguido, assentando essencialmente num juízo de presunção de culpa, o que é bem patente e a seguir se demonstrará.
21-Os presentes autos têm origem numa queixa-crime apresentada pelo assistente nos presentes autos, que a fizeram acompanhar de diversos documentos escritos que também não se comprova serem da titularidade do arguido, tendo inclusive diversos desses documentos endereços diversos.
22 - O MP recebeu a referida queixa-crime, que autuou como inquérito e sem que tivesse praticado qualquer ato de inquérito - nomeadamente, a recolha de prova documental, a obtenção de prova digital (prova que, tratando-se de um alegado crime praticado pelo Facebook, exige a observação de formalismos legais previstos para a sua obtenção e preservação – Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro – Lei do Cibercrime, o que não se verificou), a inquirição dos queixosos, a identificação e inquirição de prova testemunhal essencial (o (s) “terceiro (s) ” que alegadamente tomou (aram) conhecimento das imputações) - formulou um juízo de prognose da existência de responsabilidade criminal por parte do arguido e, sem mais, aliás, sem nada fazer, proferiu despacho de acusação.
23 - O arguido apresentou a sua contestação, oferecendo o merecimento dos autos e arrolou prova testemunhal.
24-Nos presentes autos não existe qualquer prova de que tal publicação efectuada numa pagina de Facebook com o nome do arguido tenha sido redigido pelo arguido, seja da sua autoria, tenha sido por ele enviado, que o endereço eletrónico constante dos autos lhe pertença ou tenha sido alguma vez por ele utilizado, que ele tivesse tido sequer conhecimento da sua existência e do conteúdo de tal conteúdo.
25 - O arguido apenas tomou conhecimentos dos factos que lhe são imputados nos presentes autos com a sua notificação nos presentes autos.
26 - O facto de constar o nome do arguido na referida página do Facebook, tal como, o facto de constar a referência a DD, por si só, não basta para lhe atribuir a autoria dos factos de que vinha acusado. Pode ser indício, mas não é prova.
27 - Porquanto, a capacidade de conhecer dos autos referidos em tal escrito, de nele fazer constar o nome do arguido, de redigir na primeira pessoa como se do arguido se tratasse, estava ao alcance de qualquer pessoa que tentasse prejudicar o arguido, como tem vindo a acontecer.
28 - O arguido afirmou que tais escritos não são da sua autoria e que nunca teve página na rede social Facebook, facto esse que nunca o poderia ter prejudicado, como prejudicou in casu, por manifesta violação do princípio in dubio pro reo da presunção da inocência, o que desde já se invoca e requer seja reconhecido.
29 - O Tribunal a quo não fez uma avaliação crítica da prova e da falta dela. 30 - Aliás, é patente a inexistência de qualquer prova.
31 - Para além de suspeitas, indícios e inadmissíveis presunções, PROVA, obtida legalmente e produzida e examinada em sede de produção de prova na audiência de julgamento, INEXISTE !!!
32 - Pelo que, se demonstra suficientemente claro que a Sentença recorrida carece de fundamentos de facto e de direito para levar à condenação do arguido pelo crime de difamação agravada.
33 - Pelo que, deveria o Tribunal à quo ter absolvido o arguido dos crimes de que vinha acusado, o que se impõe.
34 – Já para não falar do absurdo da pena a que o arguido foi condenado, absolutamente violadora de todos os princípios penais da reintegração do agente na sociedade, e que mesmo a existir prova inabalável da prática dos factos descritos na acusação, pelo arguido que tal como já se disse inexiste, se impunha a alteração da mesma, o qua apenas não se peticiona por se entender que o arguido tem obrigatoriamente de ser absolvido, como é de justiça.

Nestes termos, nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de V, Exas., deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e o arguido ser absolvido, assim se fazendo JUSTIÇA!


3.O Digno Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, sem apresentar quaisquer conclusões, pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença proferida, invocando em síntese:
- Não assiste razão ao recorrente sendo que a prova foi valorada e apreciada em conformidade com o previsto na lei penal e processual penal.
- O recurso da matéria de facto não é uma reapreciação total dos elementos de prova não significando por isso um novo julgamento em que a Segunda Instância aprecia toda a prova produzida em Primeira Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse.
- O recorrente tem que demonstrar que as provas a que alude impõem decisão diversa da recorrida, não bastando que as provas sejam compatíveis com a decisão que o recorrente gostaria de ter visto acolhida pelo tribunal.
- Nos presentes autos a matéria de facto dada como provada em sede de sentença corresponde à prova que consta dos autos, a qual foi apreciada pelo tribunal de acordo com o disposto no artigo 127.º do CPP, tendo o Tribunal de Primeira Instância analisado criticamente as provas e explicitado o raciocínio lógico que lhe serviu de base.
- O Meritíssimo Juiz apreciou criticamente e de forma racional, todas as provas de acordo com as regras da experiência e fixou a matéria de facto de forma correcta, pelo que, e salvo o devido respeito e melhor entendimento não merece a decisão proferida no que toca à fixação da matéria de facto qualquer censura.
- Reproduzindo todos os argumentos constantes da douta decisão, considerando as circunstâncias descritas na sua globalidade, sopesando as circunstâncias agravantes e atenuantes a pena aplicada mostra-se adequada, tendo sido ponderadas as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial.

4. O Assistente, igualmente respondeu ao recurso, vindo afirmar que adere e acompanha as doutas Motivações, Alegações e Conclusões apresentadas pela Exmª Sra Procuradora, em representação do MºPº, para as quais, respeitosamente, se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que se passa a designar de CPPenal), emitiu parecer pronunciando-se no sentido de que quanto à fixação da matéria de facto alinha no posicionamento assumido em primeira instância, sendo que quanto à pena imposta é a mesma algo exagerada[1].

Em resposta ao parecer do Digno Mº Pº, vem o arguido recorrente subscrever as suas motivações e conclusões e, ainda, defender que caso não seja absolvido que a pena imposta seja reduzida ao mínimo e suspensa na sua execução.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art.º 410°, n.°2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do art.º 412º, nº1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido recorrente – os quais nem sempre se mostram facilmente apreensíveis, atentando na motivação e nas conclusões apresentadas[2] - e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
-impugnação da matéria de facto / erro notório na apreciação da prova.
-pena imposta.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)

1
O assistente DD é militar da Guarda Nacional Republicana, com a categoria de cabo, e exerce funções no Núcleo de Investigação Criminal de ....
2
No âmbito dessas funções, o dito DD secretariou, no dia 04 de Janeiro de 2019, pelas 10 h 30 min, uma inquirição no âmbito dos processos disciplinares 821/...-... e 822/...-..., diligência em que foi inquirida a testemunha GG, que compareceu acompanhada do seu ..., o arguido AA.
3
No dia 06 de Janeiro de 2019, o arguido, referindo-se ao assistente DD, escreveu, entre outras expressões na sua página pessoal da rede social Facebook, publicação essa que é aberta e de livre acesso a qualquer pessoa, e não só ao seu grupo de amigos, a publicação com o URL: https://www.facebook.com/photo.php?... “Vamos lá ver se o suíno gayola DD já tem a categoria e secretário …, Director do Departamento do Lápis Azul (…) a ver se o gayola começa já a instruir processos crime (…)”
4
As expressões utilizadas pelo arguido, “suíno”, “gayola” e “director do departamento do lápis azul” são objectiva e subjectivamente difamatórias.
5
Quis o arguido ofender o Sr. Militar da Guarda Nacional Republicana DD na sua honra e consideração, pessoais e profissionais, o que conseguiu, mais sabendo que se referia a um militar da Guarda Nacional Republicana, por motivo directamente relacionado com o exercício das suas funções e por causa delas.
6
Mais sabia o arguido que, ao publicar as expressões supra descritas na rede social Facebok, numa publicação acessível ao público em geral, facilitava a sua divulgação, o que efectivamente aconteceu, uma vez que a publicação referida no ponto 3 desta acusação foi comentada por diversas pessoas, partilhada por HH e por II, e visualizada por várias pessoas.
7
O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem censuráveis, proibidas e punidas por lei penal as suas condutas.
8
Foi condenada, pela prática de:
- um crime de denúncia caluniosa, previsto no artigo 365, n.º 1 e 2, CP, na pena de 115 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, no Proc. CS n.º 443/07.... do ... Juízo de ... – factos de 28.06.2006, decisão de 14.07.2011, transitada em 04.10.2011;
- um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, previsto no artigo 187, n.º 1, CP, cometido em 05.09.2012, - um crime de injúria agravada, previsto no artigo 181 e 184 CP, cometido em 21.02.2012, - um crime de difamação agravada, previsto nos artigos 180 e 184 CP, cometido em 09.02.2012, - um crime de injúria agravada, previsto no artigo 181, n.º 1, e 184, n.º 1, CP, cometido em 21.02.2012, - um crime de difamação agravada, previsto no artigo 180 e 184 CP, cometido em 05.09.2012, - um crime de injúria agravada, previsto no artigo 181, n.º 1, e 184, n.º 1, CP, cometido em 21.02.2012, - um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, previsto no artigo 187, n.º 1, CP, cometido em 18.06.2012: na pena de um ano e cinco meses de prisão suspensa por igual período, no Proc. CS n.º 401/12.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... – decisão de 30.10.2015, transitada em julgado em 23.01.2017;
- um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, previsto no artigo 187, n.º 1 e 2, al. a), 183, n.º 1, al. b), CP, na pena de três meses de prisão suspensa por um ano, no Proc. CS n.º 1534/15.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... – factos de 02.03.2015, decisão de 22.05.2018, transitada em julgado em 21.06.2018;
- um crime de denúncia caluniosa, previsto no artigo 361, n.º 1, CP, em concurso aparente com um crime de difamação agravada, previsto nos artigos 180, n.º 1, 182, e 132, n.º 2, al. l), CP, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de 8 euros, no Proc. CS n.º 808/13.... do Juiz ... do Juízo de Competência Genérica ... – factos de 2013, decisão de 14.01.2016, transitada em julgado em 15.02.2016;
- um crime de injúria agravada, previsto nos artigos 181, 184 e 132, n.º 2, al. l), CP, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de sete euros, no Proc. CS n.º 401/12.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... – factos de 22.05.2014, decisão de 01.03.2016, transitada em julgado em 12.04.2016, pena prescrita.
9
Com a conduta acima descrita do demandado, ficou o demandante profundamente envergonhado e vexado.
10
O demandado sabia e sabe que os factos imputados ao demandante são mentira.
11
Terceiros tiveram acesso e divulgaram a publicação do demandado,
12
Que o ser ... de profissão o torna ainda mais ciente do teor das suas declarações e do impacto destas nas redes sociais, que se propagaram criando-se desse modo uma imagem negativa do assistente perante os seus pares,
13
Tendo sido alvo de chacota nos dias seguintes à publicação,
14
E necessidade de explicar o sucedido a todos aqueles que o contactaram nos dias seguintes.
15
Sabia o demandado que ao publicar as expressões descritas o fazia na rede social Facebook, publicação acessível ao público em geral, o que facilitava a sua divulgação,
16
Com o que o demandante passou a sentir-se muito inquieto e nervoso, passou a ter dificuldade em dormir, além de ter perdido o apetite.
17
O arguido e demandado, de 50 anos, ... com escritório em ..., ... e ..., tem filhos de 13 e 15 anos, é casado, a mulher é ..., possui casa própria, carro, estimou em 10 ou 11 mil euros o que apura por ano.
18
O assistente e demandante, de 50 anos, ganha 1300 euros por mês como militar da GNR, possui casa e carro, está a amortizar o empréstimo da compra de casa, tem filhos de 13 e 6 anos, é casado, a mulher trabalha.

2.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos: (transcrição)

Relevante para a decisão da causa, nenhum outro facto se provou, nem foi possível elaborar relatório social do arguido, apesar de ter sido mais de uma vez notificado para o efeito, sempre em vão, como consta dos autos e informações da DGRSP.

2.3. Fundamentação da matéria de facto efetuada pelo Tribunal recorrido (transcrição)

O tribunal firmou a sua convicção na prova produzida em audiência, em que o arguido declarou não pretender prestar declarações no princípio.
E o assistente e demandante afirmou que pelas suas funções o arguido fez isso, ou seja, as expressões em causa, e que secretariou a diligência como referido no ponto 2 (da acusação), e o arguido fez o referido no ponto 3, pelo que se sentiu humilhado, com as expressões «suíno» e «gayola», e «DD»: portanto eram dirigidas à sua pessoa, pois já antes ele participara em diligências contra o arguido, que por isso fez esses comentários, e afirmou o ponto 1 (da acusação), e, quanto ao ponto 2, que essa sua nomeação (para secretariar) foi excepcional, pois a pessoa normalmente nomeada não estava presente, e que soube das expressões por terceiros, recebeu contactos de colegas de serviço que ligaram esses dizeres a ele, assistente, e depois viu-as ele mesmo, e qualquer pessoa podia aceder a esse sítio, houve comentários de várias pessoas, que indicou como testemunhas, ficou revoltado, inquieto, ofendido, sem dormir, andou a pensar nisso e fez queixa, os superiores abeiraram-no: FF, o tenente JJ e o comandante de destacamento de ..., capitão KK, e nesse sítio o arguido já publicou outras caras, e tem a sua foto e nome dele, arguido, e publica casos que só ele sabe, e mais que só fez de secretário nesse processo, e só ele e os que intervieram nele é que sabiam dessa intervenção, e “gayola” significa homossexual, o capitão FF estava ligado ao dito processo, os outros falaram-lhe do assunto, é a primeira vez que apresenta queixa contra o arguido, e dias antes, nesse processo disciplinar, interveio como secretário também, com a mulher do arguido e com o arguido como mandatários das pessoas inquiridas.
FF afirmou ser militar da GNR, capitão também em ..., e esteve na diligência do ponto 1, processo disciplinar interno de guarda, relacionado com acidente de viação, o condutor da viatura estava acompanhado pelo arguido então como ..., e nomeou o assistente para secretariar a inquirição, pois era necessário, e já tinha experiência em processos crimes, por isso optou por ele, assistente, e decorreu normalmente em 04.01.2019, e ainda no mesmo dia viu no Facebook, com o nome e foto do arguido, a dizer que fora um gosto conhecê-lo naquela diligência a ele, LL, e em 06.01 viu outra publicação no mesmo perfil do Facebook com o comentário: “o suíno gayola DD, já com a categoria de secretário director do departamento do lápis azul e já ordenar buscas a ... e telemóveis”, e tinha mais publicações referindo-se a órgãos de soberania e juízes, e mais que na dita inquirição estava ele (FF), o assistente, a testemunha, o arguido, e foi no gabinete, só os quatro, no gabinete do comandante do destacamento de ..., só os quatro presentes, e na sua opinião as expressões referiam-se ao DD (assistente), nem é comum referirem-se a DD, a esse nome, e foi o único momento que estiveram nessa diligência, e que o assistente sentiu-se incomodado e afectado por esses comentários a denegrir a sua imagem, tinham algumas partilhas essas publicações, tanto o primeiro comentário a ele, FF, como o referido ao DD, como lhe foram mostrados, o primeiro por um agente, o tenente JJ, adjunto, o segundo pelo assistente, e só poderia ter sido o arguido a publicá-las, não teve dúvida, pois referia-se a secretário, que eram as funções que o assistente desempenhara na tal diligência, só essas pessoas da inquirição sabiam das funções de secretário do assistente nesse processo.
MM afirmou ser empresário de captações de água e que não conhece arguido e assistente, e que tem Facebook com muitos “amigos”, recebe muita coisa e inadvertidamente faz partilha de publicações, mas sem querer prejudicar ninguém, e não pôde evitar, depois foi abeirado por isso, leu o título publicado por amigo e partilhou, leu o título, “algo sobre um GNR, um polícia, foi o que lhe bateu à vista”, e o Dr. HH publicou, e como é seu amigo, veio parar à sua rede, e publicou também, e quando foi abeirado pela polícia, já não conseguia aceder à publicação, e, confrontado com fls 13 (foi-lhe lido pela Il. ... do arguido, como também foi lido a FF pela Il. ... do assistente), e, perguntado por que diz que se refere à polícia, respondeu que naquela altura a polícia tinha matado uma pessoa que ia numa carrinha, e mais que foi ouvido em ...: ninguém lhe disse que se tratava de um GNR, enfim não sabe a quem se refere.
NN afirmou ser ... em ... e ..., conhecer o arguido, não conhecer o assistente, não se lembrar já da publicação em causa, ter uns quatro ou seis amigos no Facebook, conhecer o arguido há três ou quatro anos, a quem depois do interrogatório no posto ligou, e acha que um polícia lhe disse que o visado era polícia, e ligou para o arguido, que lhe disse que não era do seu sítio a mensagem.
EE afirmou ser militar da GNR de unidade de controlo costeiro e conhecer o assistente por trabalhar no mesmo destacamento de ..., e o arguido só de publicações no Facebook de comunicação social, e que estava no Facebook, reparou na publicação sobre o DD, e DD só conhece o assistente, e há várias publicações do arguido contra guardas e juízes e presidente da República, pelo que fez participação contra o arguido à Ordem dos ..., que respondeu que o arguido, depois da instauração de processo, dissera que o sítio e perfil do arguido era privado, e por isso não ia haver sanção, copiou o link e mandou a mensagem ao DD (assistente), que lhe disse que fora ele, EE, o primeiro a dizer-lho, e mais que conhece o assistente há mais de 10 anos no âmbito profissional: é exemplar, e foram muitos comentários em linha na altura e partilhas, o assistente ficou chateado como qualquer pessoa ficaria, “gayola, secretário, suíno” eram os dizeres, entre outros, dirigidos a militares ou agentes da polícia, o perfil continuou mais algum tempo, depois desapareceu, e também ele, EE, deixou de acompanhar, e ultimamente não tem conhecimento de publicações do arguido, e não fez diligência para saber de quem era esse perfil, não teve nada pessoal nem profissional com o arguido, e por nas expressões se falar também em investigação concluiu que era o DD (assistente), pois não é qualquer que trata disso, e aqui foram-lhe lidas pela Defesa fls 195-3, e do pedido cível o ponto 6, fls 206, e afirmou que soube depois pelo assistente que que este tivera a dita diligência com o arguido, e que, sim, é essa mensagem ou dizeres que copiou e enviou ao assistente.
Aqui, a Defesa requereu no seguimento da testemunha EE que, como este disse que apurou que a página do Facebook cuja publicação é analisada nos autos e ponto 6 do PIC, e que a Ordem respondeu que o arguido teria dito que a tal página era da sua pertença privada, se oficiasse à Ordem dos ... que informasse nos autos a resposta dada à testemunha e resposta final do processo disciplinar mencionado, e, deferido, a Ordem informou em suma que o processo disciplinar intentado ao arguido na sequência de queixa do dito EE por expressões publicadas no perfil do Facebook, e depois de ouvido o arguido, que nada disse, terminou em arquivamento por se considerar não ter havido actuação no exercício da profissão de ..., e só ler as ditas expressões quem quiser, cf. documentos juntos em 06.05.2022, constantes do Citius.
E OO afirmou conhecer o arguido por motivos profissionais, pois é ... em ..., mas agora não exerce, e que não tem ideia de ver o arguido no Facebook, os contactos com ele no seu processo eram por email e telefone, e que normalmente faz comentários a publicações, e, confrontada com fls 10, 11, 12, 13 e 14 dos autos, que não se lembra, e com fls 12, que não sabe se é a sua página, mas está ali alguém com o seu nome, mas a foto não é sua, ou melhor, não sabe dizer se é ou não é, perdeu alguma memória e de raciocínio lógico, por isso deixou de exercer advocacia.
E neste ponto o arguido quis falar e afirmou que não tem conta ou perfil no Facebook, mas várias vezes foi interpelado por amigos por redes sociais com o seu nome, e ele diz que denunciem isso, não faz ideia de quem sejam as testemunhas e o DD, não tem memória sequer deste caso, a sua mulher é de facto ... em DD, e que criam perfil no Facebook “e vêm com mais outra”, e que nesta comarca teve uma procuradora amiga, que ele defendeu, e gera-se este processo, e mais que essa foto, que é sua, é também a que está no portal da Ordem dos ..., portanto é pública, e várias denúncias têm sido contra ele e geralmente arquivadas, nenhuma das condenações do CRC foi por factos de redes sociais, não sabe se foram na Comarca ... (e muito se estranha que um ... tantas vezes condenado por crimes contra a honra e bom nome das pessoas não fique a saber onde os perpetrou), não tem ideia de ter acompanhado o DD em diligência, mas admite que seja verdade, não tem memória disso, e entre amigos pessoais, polícias e GNR comenta o que decorre nas diligências, mas não esta, nem o que diz o que está sob sigilo profissional ou de processos sob segredo de justiça, e, em declarações finais, acrescentou que a sua educação sempre foi de nunca deixar de chamar os bois pelos nomes, e se quisesse dizê-lo ao assistente, dizia-lho pessoalmente (mas que em vários casos o que disse não foi pessoalmente resulta clara e sobejamente dos crimes de denúncia caluniosa e difamação por que foi condenado, e não só por injúrias, que exigem a confrontação pessoal).
E destes depoimentos e declarações, conjugados entre si, e prestados os das testemunhas por quem não revelou interesse algum material na causa nem particular animadversão ao arguido, considerando que o assistente secretariou a referidas diligências com intervenção do arguido e testemunha FF, que também atestou ter logo a seguir visto no dito perfil do Facebook apresentado como do arguido com a foto deste um comentário positivo à sua pessoa dele, FF, dizendo aquele que tinha tido muito gosto em conhecê-lo, ao contrário das referências depois feitas ao assistente DD, logo identificado pelos colegas FF e EE como a pessoa visada pelas expressões publicadas no mencionado perfil, raro como é esse nome atribuído a pessoa, e ainda por cima aparecidas as expressões logo na sequência da intervenção deste em inquirições com o arguido, e tendo dito o próprio assistente que também estivera em diligência contra o arguido, e sendo tais expressões já conotadas pelas testemunhas com outros dizeres anteriores do mesmo género na mesma página de Facebook sempre atribuída ou conotada com o arguido, que não consta por outra qualquer via que alguma vez o tivesse desautorizado, senão pelo que somente ele se limitou a dizer que fez falando aos amigos que o denunciassem, mas sem ninguém confirmar tal, pelo que também o tribunal acompanha e faz o raciocínio e conclusão seguidos por estas testemunhas, mormente pelo LL, que afirmaram outrossim as repercussões das referidas expressões no ânimo do demandante, como é natural que causassem, nem finalmente tais dizeres e comportamento destoam em nada do que sobejamente e claramente transverbera do registado no CRC do arguido de fls 277 a 289 só com crimes do mesmo e análogo tipo, incluindo denúncia caluniosa, portanto sempre contra a honra ou bom nome das pessoas singulares ou colectivas, tudo elementos que, conjugados com documentos de fls 2 a 14, entende-se provarem os factos da acusação e pedido cível quais por isso assim se consideram, fora de toda a dúvida razoável.

2.4. Das questões a decidir

Como se deixou antever, emerge alguma falta de clareza, em termos de vontade recursiva, sendo que apontando o arguido recorrente, no seu entender, falhas em relação ao que se considerou provado, invocando aqui e ali alguns traços da matéria provada – anunciando assim uma intenção de impugnar a matéria de facto dada como assente – olvida oferecer outros elementos que se reputam essenciais neste conspecto.
Ora, o recurso da matéria de facto pode ocorrer por duas vias: no âmbito, mais restrito, por via da invocação de algum dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPPenal, no que se convencionou chamar de revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, está-se perante vícios decisórios, de conhecimento oficioso que, não sendo necessário que o recorrente impugne, impõe-se-lhe que demonstre racionalmente a existência dos mesmos.
A sua indagação tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos que sejam àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[3].
Quanto à segunda via, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que contém e se pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPPenal.
Aqui não está em causa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[4].
E, nessa medida, como o que está em questão é despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, ao recorrente injunge-se o específico ónus de proceder a uma tríplice especificação, como decorre do artigo 412.º, n.º3, do CPPenal:
-a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados - alínea a);
- a indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida – alínea b);
- a indicação das provas que devem ser renovadas – alínea c).
A indicação dos concretos pontos de facto traduz-se na referência aos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das concretas provas exige a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, n.º2, do CPPenal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do CPPenal).
No que tange às duas últimas especificações impende ainda sobre o recorrente um outro dever: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas e / ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (artigo 412º, nºs 4 e 6 do CPPenal.
Saliente-se que o S.T.J., no seu acórdão N.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412º, nº 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.
Partindo de todo texto do instrumento recursivo, atendendo às motivações e às conclusões que, como se afirmou, se repetem e são exatamente o mesmo, exuberando certas referências que podem dilucidar pretender o arguido recorrente usar este caminho, o certo é que não respeitou cabal e rigorosamente, as exigências acima enunciadas, tendo em momento posterior e em requerimento autónomo reproduzido / transcrito, pura e simplesmente, o conteúdo das declarações prestadas pelo Assistente e da testemunha EE[5].
Na verdade, limita-se o arguido recorrente, nas extensas conclusões que arrima a fazer vagas e dispersas considerações, referir que o Tribunal à quo para dar como provado, como deu, os pontos 3.º a 7.º e 10.º, 12.º e 15.º, dos factos provados, fê-lo à margem da lei, refugiando-se no art.º 127.º do Código de Processo Penal, invocando as regras da experiência, da lógica e do normal acontecer, sem qualquer prova documental ou testemunhal que demonstrasse a autoria da prática dos crimes pelo arguido, assentando essencialmente num juízo de presunção de culpa, o que é bem patente e a seguir se demonstrará, sem daí prosseguir caminho, para além de apresentar a sua versão, de molde a observar as demandas que esta forma recursiva quer - indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida e a indicação das provas que devem ser renovadas.
Por seu turno, tendo junto em momento posterior um requerimento autónomo transcrevendo declarações do Assistente e de uma testemunha, para além de método que se pode apresentar como duvidoso de cumprimento do formalismo legal, como se disse, nada daí retira no sentido da impugnação que se pensa ter sido intuito do arguido / recorrente.
Nesta senda, pensa-se, que padece o articulado recursório de falhas incontornáveis, não seguindo nem respeitando a cabal disciplina decorrente do estatuído no artigo 412.º, nºs 3 e 4 do diploma legal que se vem referindo e, por isso, sucumbe nesta parte.
De outra banda, igualmente em jeito meio difuso, parece pretender o arguido recorrente, ainda que o referindo de um modo genérico e sem qualquer especificação e / ou concretização minimamente robusta, que em sede de recurso, ocorra a sindicância da matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido, por via mais restrita, ou seja, pela verificação dos vícios prevenidos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”.
Neste circunspecto, igualmente nesta sede, não se visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, assumindo-se antes como um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que está em causa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[6].
Emergindo em tom algo disperso e confuso, e sem nunca o afirmar claramente, pensa-se que nesta vertente é intento do arguido recorrente que se averigue do vício expresso no artigo 410.º, nº 2 alínea c) do CPPenal - erro notório na apreciação da prova.
Tem-se entendido que constitui tal, a saber: o erro sobre facto notório incluindo os factos históricos de conhecimento geral; a ofensa às leis da natureza (vg. considerar provado um facto física ou mecanicamente impossível); a ofensa às leis da lógica (vg. incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova); ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos[7].
Mostram-se aqui incluídas todas as situações que se assumam como casos de erro “(…) evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta (…) também todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”[8].
Há erro notório quando o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade como que realmente se provou (…) que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis[9], trata-se na verdade de um vício de raciocínio no momento da apreciação das provas que emerge de uma simples leitura da decisão.
Tem-se igualmente entendido na jurisprudência configurar tal noção, tudo o “(…) que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa” (…) aquele erro de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta”[10].
Observando toda a decisão recorrida não emerge erro notório na apreciação da prova, entendido como aquilo que se mostre evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e resulte do texto do acórdão conjugado com as regras da experiência comum.
Na verdade, o que parece exultar de todo o recurso é uma mera leitura diferente de toda a prova produzida.

Há aqui que chamar à colação o princípio enformador do processo penal, princípio da livre apreciação da prova. O tribunal ouviu, avaliou, ponderou e decidiu. E todo esse processo foi seguido de um modo sustentado, lógico, racional e justificado, não resultando de uma mera opção arbitrária, caprichosa, descuidada e / ou insensata.

Sopesando toda a parte decisória relativa à fundamentação da matéria de facto, transparece, pensa-se, que está devidamente explicada a razão para o tribunal a quo ter dados como provados os factos que se apontam ao arguido recorrente, tendo escalpelizado todo o percurso no sentido de considerar inconsistente a versão do arguido, evidenciando um raciocínio lógico e dentro de um padrão de normalidade - destes depoimentos e declarações, conjugados entre si, e prestados os das testemunhas por quem não revelou interesse algum material na causa nem particular animadversão ao arguido, considerando que o assistente secretariou a referidas diligências com intervenção do arguido e testemunha FF, que também atestou ter logo a seguir visto no dito perfil do Facebook apresentado como do arguido com a foto deste um comentário positivo à sua pessoa dele, FF, dizendo aquele que tinha tido muito gosto em conhecê-lo, ao contrário das referências depois feitas ao assistente DD, logo identificado pelos colegas FF e EE como a pessoa visada pelas expressões publicadas no mencionado perfil, raro como é esse nome atribuído a pessoa, e ainda por cima aparecidas as expressões logo na sequência da intervenção deste em inquirições com o arguido, e tendo dito o próprio assistente que também estivera em diligência contra o arguido, e sendo tais expressões já conotadas pelas testemunhas com outros dizeres anteriores do mesmo género na mesma página de Facebook sempre atribuída ou conotada com o arguido, que não consta por outra qualquer via que alguma vez o tivesse desautorizado, senão pelo que somente ele se limitou a dizer que fez falando aos amigos que o denunciassem, mas sem ninguém confirmar tal, pelo que também o tribunal acompanha e faz o raciocínio e conclusão seguidos por estas testemunhas, mormente pelo capitão FF, que afirmaram outrossim as repercussões das referidas expressões no ânimo do demandante, como é natural que causassem, nem finalmente tais dizeres e comportamento destoam em nada do que sobejamente e claramente transverbera do registado no CRC do arguido de fls 277 a 289 só com crimes do mesmo e análogo tipo, incluindo denúncia caluniosa, portanto sempre contra a honra ou bom nome das pessoas singulares ou colectivas, tudo elementos que, conjugados com documentos de fls 2 a 14 -.
Importa, ainda, notar que não há qualquer explicação, plausível e aceitável, para compreender o comportamento do arguido em nada fazer perante um alegado uso abusivo dos seus dados no Facebook, inclusive segundo alega a fotografia aqui existente é a que está no portal da Ordem dos .... Ou seja, perante elemento que se prende com a sua vertente profissional, nada despontando que ilustre qualquer reação do arguido recorrente, surge claro, entende-se, que o seu posicionamento não merece credibilidade.
Na realidade, deambulando por toda a motivação e no que aos vários meios de prova concerne, não exorbita qualquer contradição, falta de lógica, irracionalidade, incongruência, incompatibilidade, incoerência ou fragilidade.
Assim sendo, não se vislumbrando qualquer vício de facto de conhecimento oficioso e inexistente o vício apontado, improcede também nesta parte o pretendido pelo arguido recorrente.
Também de forma indireta vem o arguido recorrente fazer apelo ao princípio in dúbio pro reo.
Esta máxima constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova – aqui também dito como afetado – pois impõe uma orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos que leva o tribunal a decidir em favor do reo, sendo que tal dúvida tem que envergar forma que impeça a convicção do tribunal.
Ao que emerge, não se revela nos autos que a aplicação deste princípio se imponha, pois, que avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não ressaltou qualquer dúvida no espírito do tribunal ad quo sobre a existência dos factos dados como provados e apontados ao arguido recorrente.
Com efeito, e tanto quanto é percetível do texto da decisão recorrida, não resulta que o Tribunal tenha dado como provados factos que como tal especificou, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles e, por outro lado, do mesmo escrito, conjugado com as regras da experiência comum, nada ressalta indicando que outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto.
E tal assim foi que todo o elenco factual de onde sobressai a decisão, é claro / evidente / seguro.
Ponderando toda a matéria descrita como assente e o suporte da mesma, não subsiste / exala qualquer dúvida, podendo afirmar-se que o tribunal, numa apreciação positiva sobre o acontecer naturalístico, formulou um juízo muito para além da dúvida razoável.
O princípio in dubio pro reo, tem como suporte a dúvida, como essência a dúvida e visa proteger qualquer decisão judicial que padeça de segurança e concretização por falha de uma firme certeza do julgador[11].
Fazer operar esta proposição pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório. O que não ocorre no caso presente nem tal se demonstra de modo densificado / robusto / intransponível no recurso do arguido recorrente – o que se faz é apresentar uma leitura / visão / compreensão diferente do posicionamento assumido pelo tribunal, o envergar de um caminho diverso daquele que o tribunal ad quo seguiu..
Pensa-se que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos que permitem estabelecer um suporte racional de fundamentação e convicção, não surgindo beliscado o retrato factual apurado pelo tribunal recorrido, perante a argumentação do arguido recorrente face à correta / linear / sistematizada fundamentação exibida, que mais não fez do que usar o princípio da livre apreciação da prova que, in casu, se pensa adequado e verosímil.
Limitar a alegação, neste segmento, à existência de uma violação do brocardo em análise, sem qualquer ancoradouro sólido e robustecido é um exercício algo frágil.
Nesta medida, não se descortina qualquer violação do afirmado princípio.
Desta feita, igualmente nesta dimensão, falece o recurso interposto.
Em presença de todo o retratado, nada há a alterar na decisão revidenda no que concerne ao acervo factual provado.

*
Outro segmento suscitado pelo arguido recorrente, sem qualquer concretização, prende-se com a solução encontrada pelo tribunal recorrido em matéria de pena.
Percorrendo o instrumento recursivo, pormenorizada e detalhadamente, o arguido recorrente quanto a esta dimensão, mais uma vez reproduzindo, na íntegra, toda a motivação nas conclusões e sem questionar todo o argumentário usado para sustentar a pena concreta encontrada, limita-se a afirmar Já para não falar do absurdo da pena a que o arguido foi condenado, absolutamente violadora de todos os princípios penais da reintegração do agente na sociedade, e que mesmo a existir prova inabalável da prática dos factos descritos na acusação, pelo arguido que tal como já se disse inexiste, se impunha a alteração da mesma, o qua apenas não se peticiona por se entender que o arguido tem obrigatoriamente de ser absolvido, como é de justiça, sem o mais pequeno ancoradouro que alicerce esta alegação.
De outra banda, o Digno Mº Pº junto deste tribunal, no seu Parecer, e sem que concretizasse as razões de tal entendimento e em que medida / aspeto, vem majestaticamente afirmar Quanto à pena imposta entendemos ser algo exagerada.
Por sua vez, em resposta a este posicionamento do Digno Mº Pº, vem o arguido recorrente, mais uma vez sem o menor suporte factual e / ou de direito, defender que a pena imposta dever ser reduzida ao mínimo legal e suspensa na sua execução.
Em presença deste quadro, importa revisitar a decisão recorrida.
O crime de difamação com publicidade e agravada, previsto no artigo 180, n.º 1, 183, n.º 1, al. a), e 184 CP, é punido com pena de prisão de 60 dias até 12 meses ou com pena de multa de 19 até 480 dias, cf. também os artigos 41, n.º 1, e 47, n.º 1, CP).
O arguido tem bastos antecedentes criminais, todos por crimes contra a honra e bom nome das pessoas, em que foi condenado em penas de multa, e também de prisão suspensa na sua execução mais de uma vez, sem que tal obstasse a análoga reiteração criminosa do arguido, o que faz que desta feita se opte, até por maioria de razão, por pena de prisão, única assim reputada adequada e necessária a evitar novos crimes e a reafirmar perante a comunidade a validade da norma violada.
(…)o grau da culpa com que o arguido actuou reveste a forma do dolo directo, e ao arguido se conhecem antecedentes criminais por crimes deste género, apresentando-se os actos ora censurados como sucessos nada isolados na sua vida, em rota de colisão com o direito desde 2006, assomando aqui exigências de prevenção especial de relevo. No âmbito da prevenção geral também se deparam algumas exigências, já que importa desincentivar comportamentos que deteriorem a boa convivência e relacionamento social, assegurar o respeito do exercício de funções públicas, e reforçar a confiança da comunidade no valor e efectividade da norma violada, sem esquecer contudo que a injúria e sobretudo a difamação tiveram repercussão negativa no conceito público para o ofendido e respectivas funções e imagem profissionais, além de que a arguida nada fez para reparar os seus actos.
(…) tem-se por adequado fixar a prisão em cinco meses.
Que não se suspende, e muito menos se substituiu por nenhuma outra, cf. artigo 50 CP, porquanto o arguido já beneficiou mais de uma vez de tal suspensão - de um ano e cinco meses de prisão suspensa durante igual período por decisão transitada em julgado 23.01.2017, - e de três meses de prisão suspensa durante um ano por decisão transitada em 21.06.2018, portanto ainda em vigor na altura da prática dos presentes factos em 06.01.2019, suspensão de que o arguido não fez caso, antes persistiu no seu vezo e comportamento difamatório, de modo que elemento nenhum dos autos e conduta do arguido permite fazer um juízo de prognose positivo de que qualquer outra pena e suspensão da prisão evitasse que o arguido praticasse novos ilícitos deste género, e reforçasse perante a comunidade o valor da norma violada, antes pelo contrário, e sobretudo a ressocialização do arguido somente serão alcançados com a efectivação da pena.
Exubera como pacífico, crê-se, que o recurso também em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir. É antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo e que sobreleve de todo o espetro decisório.
Nessa medida, impõe-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso que algo de errado ocorreu na decisão de primeira instância na matéria relativa à ou às penas impostas. E isso o arguido recorrente, como se disse, não fez, limitando-se à mera afirmação para não falar do absurdo da pena a que o arguido foi condenado.
Efetivamente, nada é alegado de modo claro e direto que corresponda a uma errada apreciação, pelo tribunal recorrido, dos critérios de determinação da medida das penas. Por outro lado, debruçando um olhar atento a todo o palco fatual em presença, nenhum dos factos provados e tidos em conta pelo tribunal a quo, reclama uma maior tolerância / benevolência, no jogo dos critérios contidos no artigo 71.º do CPenal.
Na realidade, atentando em toda a fundamentação de direito executada e evidenciada na decisão recorrida, no que à escolha e determinação da medida da pena concerne, emerge uma ponderação equilibrada e bastante, nada ressaltando que mereça qualquer censura e / ou reparo, mostrando-se acertada a pena imposta.
Parece claro que a pena aplicada se situa em patamar abaixo do ponto médio da moldura fixada, não se retiram quaisquer circunstâncias atenuativas a mitigar o comportamento tido pelo arguido recorrente, sendo evidente que este tem histórico de práticas várias do tipo, com condenações em penas de substituição que não evitaram a reiteração no cometimento de ilícitos, tanto mais, que sendo ... de profissão, terá mais ferramentas que permitam ponderar o que e o como deve pautar a sua conduta.
Sopesando todo o expendido, mormente tendo em conta todo retrato factual assente em 1ª instância e sem necessidade de outros considerandos, entende-se que, também quanto a este traço, falece o recurso interposto, sendo de manter o decidido.

III – Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e manter a decisão recorrida.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1 CPP).

Évora, 24 de janeiro de 2023
(o presente acórdão, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPPenal)

Carlos de Campos Lobo - Relator
Ana Bacelar – 1ª Adjunta
Renato Barroso – 2º Adjunto


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[1] Cfr. fls. 388.
[2] Atente-se, ainda, que as conclusões, em número de 34, são pura e simplesmente a cópia integral da motivação ipsis verbis.
[3] Neste sentido GONÇALVES, Maia, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª edição, pg. 873, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, pg. 339, ANTUNES, Maria João, Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121.
[4] Neste sentido ver os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em dgsi.pt.
[5] Linha que suscita algumas dúvidas em termos de cobertura legal.
[6] Neste sentido ver Acórdãos do S.T.J., de 14 de março de 2007, proferido no Processo 07P21, de 23/05/ 2007, Processo 07P1498, de 3/07/2008, proferido no Processo 08P1312, disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2009, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 1095.
[8] GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da ibidem p.1275.
[9] LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Vol. III (Artigos 362º a 499º), 2014, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 229.
[10] Ver os Acórdãos do STJ de 12.11.98, BMJ 481, p. 325 e de 9.12.98, BMJ 482, p.68.
[11] Neste sentido o Acórdão do STJ de 25/10/2007, proferido no processo 07P3170, disponível em www.dgsi.pt.