ANTECEDENTES CRIMINAIS
REGISTO CRIMINAL
CADUCIDADE
INVALIDADE
Sumário

I. O decurso de certo tempo releva para que se possam ter em conta os antecedentes criminais registado. Decorrido o tempo previsto na lei sem interferência de outras condenações, as decisões inscritas cessam a sua vigência por caducidade.
II. Decorridos que sejam os prazos previstos na lei, contados nos termos ali expressamente referidos, o condenado tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais, ainda que permaneçam (indevidamente) visíveis (acessíveis) no registo criminal, independentemente de se ter ou não procedido à realização material do seu cancelamento, deverão considerar-se inexistentes, na medida em que deles se não poderá retirar nenhum efeito.

Texto Integral

I – RELATÓRIO
a. No 2.º Juízo (1) Local de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum de AA, nascido a … de 1970, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a prática, como autor, de um crime de falsas declarações, previsto no artigo 348.º-A, § 1.º e 2.º do Código Penal (CP).

Realizada a audiência de julgamento o Tribunal veio a ser proferida sentença, pela qual se condenou o arguido pela prática de um crime de falsas declarações, previsto no artigo 348.º-A, § 1.º e 2.º CP, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 5€.

b. Inconformado com o decidido o Ministério Público apresentou recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:

«2. O Ministério Público não se conforma com a pena aplicada na douta sentença condenatória, por entender que a sentença é nula por existir contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 1 e 2 b) do CP.

3. O Tribunal a quo deu como provados todos os factos constantes da acusação pública, assim como o teor do Certificado de Registo Criminal do arguido.

4. Destarte, aquando da sua fundamentação da matéria de Direito, o mesmo Tribunal a quo, entendeu que “no caso ajuizado, cumpre destacar que não obstante os antecedentes criminais conhecidos ao arguido importa ter presente que as condenações averbadas no seu registo criminal o foram (todas elas) por crimes de diferente natureza ao que o arguido ora se mostra incurso. Além disso, verifica-se que as condenações averbadas no registo criminal do arguido remontam aos anos de 1991, 1992, 1999, 2005, 2006, 2009 e 2010, o que face à Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, não poderá ser valorado.”

5. Ora, segundo o Tribunal a quo se por um lado os antecedentes criminais do arguido são todos dados como provados, por outro lado não podem ser valorados, incorrendo, claramente, em contradição insanável entre fundamentação e decisão, sendo a sentença nula.

6. Dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são, assim, na filosofia da lei penal, a proteção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afetados.

7. Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades, de forma a que tal pena seja um instrumento de atuação preventiva sobre o agente do crime, com o fim de evitar que ele cometa novos crimes.

8. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objetivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.

9. No caso concreto, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, pois o arguido, com a sua conduta, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, uma vez que se coloca em causa a autoridade de que foram investidos os OPC e a descredibilização das suas funções, sempre que as mesmas não são respeitadas, antes usadas para fins ilícitos.

10. Os nossos tribunais não podem descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária, sendo premente a proteção do bem jurídico em causa, através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora.

11. Relativamente às necessidades de prevenção especial, que relevam ao nível da necessidade da pena, enquanto medida dissuasora da prática de novos ilícitos, são, também, acentuadas, pois o arguido já conta com vários antecedentes criminais no seu Certificado de Registo Criminal, existindo penas que não se encontram extintas, encontrando-se inclusivamente a cumprir pena de prisão atualmente.

12. Perante este quadro, entendemos que a pena de multa de 200 dias é desajustada e não satisfaz as prementes necessidades de prevenção geral e as elevadas exigências de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir, afigurando-se justo condenar o arguido numa pena prisão, eventualmente suspensa na sua execução e, de medida não inferior a um ano, que não vai além da culpa, e será adequada a dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.

13. Nestes termos, há também clara violação das disposições conjugadas nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 348.º-A do CP.

TERMOS em que deve ser dado provimento ao recurso, sendo revogada a sentença condenatória e substituída por outra que, acolhendo o entendimento expresso neste Recurso condene o arguido pela prática do crime de falsas declarações, previsto e punido, nos termos do disposto no artigo 348-º-A, n.ºs 1 e 2 do CP, numa pena de prisão, eventualmente suspensa na sua execução e em medida não inferior a um ano, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada justiça.»

c. O recurso foi recebido, não tendo o arguido a apresentado resposta ao mesmo.

d. Subidos os autos o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação pronunciou-se manifestando a sua total adesão aos fundamentos constantes das alegações de recurso.

e. No exercício do contraditório relativamente ao aludido parecer o arguido - que não havia contra-alegado - veio manifestar a sua discordância relativamente ao mesmo.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 403.º, § 1.º, 410.º, § 2.º e 412.º, § 1.º CPP). E, nessa sequência, verificamos que o recurso suscita as seguintes questões:

- vício da decisão recorrida (contradição insanável entre a fundamentação e a decisão);

- erro do julgamento de direito quanto à da espécie de pena.

2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

«1. No dia 20 de Março de 2015, pelas 21h35m, na Avenida …, junto ao Posto de Combustíveis da …, em …, quando o Agente da PSP, BB se encontrava no exercício das suas funções de Agente de Trânsito, devidamente fardado, identificado e em viatura policial caracterizada, abordou o condutor do veículo automóvel de matrícula …, da marca …, azul, em virtude de tal veículo ter sido detetado em circulação pelo sistema informático PAGIS - Polícia Automático que equipa a viatura de trânsito da PSP, encontrando-se penhorado para garantia do pagamento de dívidas fiscais no âmbito do processo de execução fiscal nº …, do Serviço de Finanças de …, e circulava sem seguro de responsabilidade civil obrigatório;

2. Quando abordou o condutor desse veículo, este declarou não ser portador de qualquer documento de identificação e identificou-se como sendo: CC, nascido em …1978, solteiro, canalizador, de momento desempregado, filho de DD e de EE, nascido em França, residente no Bairro …, no …;

3. Estes elementos de identificação foram confirmados no sistema informático da PSP, os quais já se encontravam ali registados, não existindo nada pendente sobre o mesmo;

4. Foi igualmente visionada a carta de condução no sistema informático do IMT, na qual aparece a fotografia do titular da carta de condução que era bastante similar à fisionomia do arguido;

5. O veículo foi então apreendido, bem como o certificado de matrícula, mediante auto de apreensão NPP … e participação de igual registo por apreensão/recuperação de veículo, tendo sido transportado para o parque de veículos apreendidos da PSP;

6. No dia 23-03-2015, em hora não concretamente apurada da parte da manhã, foi recebida uma chamada telefónica anónima de uma senhora, dando conta que o arguido se tinha feito passar pelo seu irmão mais novo, CC;

7. Perante esta denúncia, foram visionados no sistema informático do IMT, as cartas de condução do arguido e do seu irmão, sendo evidentes as parecenças de ambos;

8. O arguido ao declarar aos agentes da PSP que se chamava CC, bem sabia que tal não correspondia à verdade, que estava a declarar e a atestar uma identidade falsa em documento que iria ser elaborado pela PSP para ser apresentado em Tribunal;

9. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei;

Mais se provou:

10. O arguido confessou integralmente os factos de que se mostra acusado nos autos;

11. O arguido demostrou arrependimento pela prática dos factos;

12. O arguido é solteiro;

13. Tem um filho com 16 anos de idade;

14. Encontra-se em reclusão no estabelecimento prisional de … desde o dia 10.04.2015;

15. No estabelecimento prisional trabalha auferindo mensalmente quantia que cifra entre €60,00 a €70,00;

16. O arguido não é proprietário de veículos automóveis;

17. Como habilitações literárias tem o 6.º ano de escolaridade;

18. O arguido não tem rendimentos para além do que recebe pelo trabalho que realiza no estabelecimento prisional;

19. Do certificado do registo criminal do arguido constam averbadas as seguintes condenações:

i. Por sentença datada de 09.08.1991, transitada em julgado, do então Tribunal judicial da Comarca de …, proferido no âmbito do Processo Sumário n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de detenção de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 36.º, n.º 1, al. e) do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13/12, por factos praticados a 09.08.1991, na pena de 30 mil escudos de multa.

ii. Por Acórdão datado de 14.07.1992, transitada em julgado, de Tribunal Judicial não indicado proferido no âmbito do Processo Coletivo n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 306.º e 297.º do Código Penal, por factos praticados em data não indicada, na pena única de 9 anos de prisão e 30 mil escudos de multa.

iii. Por Acórdão datada de 20.11.1991, transitada em julgado, do então Tribunal judicial da Comarca de …, …º Juízo, proferido no âmbito do Processo Coletivo n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de Furto qualificado, p. e p. pelo artigo 296.º e 297.º, n.º 1 e 2, al. d) e h) do Código Penal, por factos praticados a 16.02.1991, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos;

iv. Por Acórdão datada de 10.12.1991, transitada em julgado, do então Tribunal do Círculo do …, (3) proferido no âmbito do Processo Comum Singular n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo, na forma consumada, e um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 306.º, 297.º e 22.º, 23.º e 74.º do Código Penal, por factos praticados a 30.12.1986, na pena de 5 anos de, tendo sido perdoado um ano desta pena;

v. Por Acórdão datada de 21.05.1992, transitada em julgado, do então Tribunal do Círculo do …, proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 306.º e 297.º do Código Penal, na pena de 9 anos de prisão englobando esta pena as penas dos processos n.ºs … do Tribunal Judicial de … … do tribunal de Círculo do Barreiro;

vi. Por Acórdão datada de 24.09.1999, transitado em julgado, do então Tribunal Judicial de ..., proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 30.º, n.º 2 do Código penal e 25.º do DL 15/93, de 221.01, na pena de 3 anos de prisão;

vii. Por sentença datada de 03.11.2005, transitada em julgado a 18.11.2005, do então Tribunal de Família e Menores e de Comarca do …, proferida no âmbito do Processo Comum n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo artigo 181.º e 184.º do Código penal, praticado a 15.10.2004, na pena de 89 dias de multa à taxa diária de 3,50, o que perfaz a quantia de €350,00, pena que veio a ser declarada extinta pelo cumprimento a 21.02.2006;

viii. Por sentença datada de 23.02.2006, transitada em julgado a 10.03.2006, do então Tribunal de Família e Menores e de Comarca do …, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º …, do …º Juízo criminal, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do DL n.º 2/98, de 3/01, praticado a 11.02.2006, na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 4 anos subordinada ao pagamento da quantia de €1.500,00 ao Centro de Reabilitação de Alcoitão, no prazo de 30 dias, pena que veio a ser declarada extinta a 10.03.2010;

ix. Por sentença datada de 19.10.2009, transitada em julgado a 18.11.2009, do então …º Juízo Criminal de …, proferido no âmbito do Processo Comum n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 22/97, de 27 de junho na redação dada pela lei 98/01 de 25 de agosto, por factos praticados a 16.03.2010, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €4,00, o que perfaz a quantia de €400,00, pena que veio a ser declarada extinta a 16.03.2010.

x. Por sentença datada de 08.02.2010, transitada em julgado a 10.03.2010, do então …º Juízo Criminal de …, proferida no âmbito do Processo Comum n.º …, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, nº 2 do Dec. Lei 2/98, de 3 de janeiro, por factos praticados a 17.09.2007, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5,00, o que perfaz a quantia de €300,00, pena que veio a ser declarada extinta a 07.06.2010.

xi. Por Acórdão datado de 04.10.2019, transitado em julgado a 19.02.2020, do Juízo Local Criminal de …, J…, proferida no âmbito do Processo Comum n.º …, o arguido foi condenado pela prática de 1 crimes de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela anexa I-C, por factos praticados a 25.06.2010, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.»

3.1 Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão

Alega o recorrente que se na sentença se julgaram provados os antecedentes criminais do arguido não poderia depois o Tribunal considerar que os mesmos não poderiam ser valorados, constituindo isso uma «contradição insanável entre fundamentação e decisão, sendo a sentença nula.»

Parece que o recorrente se equivoca a dois níveis: em primeiro lugar a verificarem-se os pressupostos previstos no artigo 410.º, § 2.º, al. b) CPP, isto é, a haver realmente a contradição assinalada, isso significaria que estaríamos diante de um vício da decisão recorrida, do qual decorreria o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, exceto se fosse possível supri-lo sem necessidade do reenvio (artigo 426.º, § 1.º CPP). Mas tal não constitui nulidade (mas qual?), razão pela qual o recorrente nenhuma concretamente assinala. E em segundo lugar o que o recorrente indica como sendo uma contradição entre a fundamentação e a decisão, também não o é, efetivamente.

Vejamos porquê.

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista na al. b) do § 2.º do artigo 410.º CPP é uma contradição entre os fundamentos da decisão ou entre estes e a própria decisão.

Consiste na incompatibilidade entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. E ocorre quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da mesma, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta; ou não justifica a decisão; ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal.

Conforme assinala o Supremo Tribunal de Justiça, «o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão». (2)

«Ocorre contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quando através de um raciocínio lógico se conclua pela exustência de oposição insanável entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão, ou seja, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão.» (3)

A que contradição se reporta o recorrente?

Ao facto de o Tribunal ter considerado provados os antecedentes criminais do arguido (talqualmente constam do respetivo certificado de registo criminal) e depois ter considerado que os mesmos não relevam para o julgamento da causa por estarem caducos.

Fazendo-o do seguinte modo:

«Do certificado do registo criminal do arguido constam averbadas as seguintes condenações: (…)»

E depois, em sede de valoração de tais averbamentos efetuando o seguinte juízo: «importa ter presente que as condenações averbadas no seu registo criminal o foram (todas elas) por crimes de diferente natureza ao que o arguido ora se mostra incurso. Além disso, verifica-se que as condenações averbadas no registo criminal do arguido remontam aos anos de 1991, 1992, 1999, 2005, 2006, 2009 e 2010, o que face à Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, não poderá ser valorado.»

Não se verifica o apontado vício da decisão, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Na medida em que se considerou que os factos provados relativos ao passado criminal do arguido não poderiam ser considerados e valorados na escolha e medida da pena, por haver um impedimento legal que o não permitia – o qual circunstanciadamente se indicou. E sobre o qual o recorrente nada disse!

Coisa diversa é saber se esse juízo está de acordo com os princípios e regras de julgamento na matéria da escolha e medida da pena.

O que nos leva à segunda questão colocada no presente recurso.

3.2 Da escolha e medida da pena

O crime de falsas declarações cometido pelo arguido, previsto no artigo 348.º-A, § 1.º e 2.º CP, é punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 360 dias (cf. artigo 47.º, § 1.º CP), tendo o Tribunal recorrido aplicado uma pena de 200 dias de multa, à razão diária de 5€.

Entende o recorrente que o Tribunal a quo não respeitou os princípios orientadores dos fins das penas (artigo 40.º CP); nem os critérios normativos relativos à escolha da pena principal (artigo 70.º CP); nem ainda os respeitantes à determinação concreta da pena (artigo 71.º CP).

Considera que as exigências de prevenção geral são no caso concreto muito elevadas, na medida em que a conduta do arguido atinge valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade. Devendo nestes casos os Tribunais relevar tais exigências preventivas e a proteção do bem jurídico em causa, só desse modo afirmando e consolidando na comunidade a vigência da proibição.

E conclui sustentando que ao arguido deverá ser aplicada pena de prisão não inferior a um ano, justamente em razão de este «já conta(r) com vários antecedentes criminais no seu Certificado de Registo Criminal, existindo penas que não se encontram extintas, encontrando-se inclusivamente a cumprir pena de prisão atualmente.»

Caberá recordar que o paradigma de que os recursos penais são remédios jurídicos, vocacionados para colmatar erros de julgamento, despistando ou corrigindo, cirurgicamente, eventuais erros in judicando (por violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (por violação de normas de direito processual), abrange o iter decisório sobre a pena. (4) Isto é, o Tribunal ad quem não julga de novo, não escolhendo e determinando concretamente a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância que já se pronunciou sobre o tema.

A reapreciação pelo Tribunal superior tem em vista o respeito e consideração pelo Tribunal recorrido dos princípios constitucionais e legais, das regras e vetores relevantes para escolha e determinação da medida da pena. Essa reapreciação não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (5).

Vejamos, em primeiro lugar, se há erro de julgamento de direito quanto à validade ou caducidade dos averbamentos constantes do registo criminal do arguido, por esta questão (ainda que de viés – apenas implicitamente) vir colocada pelo recorrente.

Dispõe a Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, sobre o modelo, organização e funcionamento da identificação criminal, que: «a identificação criminal deve processar-se no estrito respeito pelo princípio da legalidade e, bem assim, pelos princípios da autenticidade, veracidade, univocidade e segurança dos elementos identificativos» (artigo 4.º § 1.º).

Identificam-se depois no artigo 6.º as decisões que são objeto de registo criminal.

No artigo 11.º estabelecem-se as regras concernentes ao cancelamento definitivo do registo criminal, nomeadamente a fixação dos períodos de vigência relevante dos registos efetuados e as relativas ao respetivo cômputo temporal.

Ali se dispondo que:

1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:

a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

(…)

e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

(…)

2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.

3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.»

Deste retábulo resulta que verificado o decurso de certo tempo, sem interferência de outras condenações, as decisões inscritas cessam a sua vigência, tal significando que deixam de poder ser consideradas contra o condenado, independentemente de se ter ou não procedido à realização material do cancelamento.

Assim, decorridos os prazos ali previstos, contados nos termos expressamente referidos, o condenado tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais, ainda que permaneçam (indevidamente) visíveis (acessíveis) no registo criminal, deverão considerar-se inexistentes, na medida em que deles se não poderá retirar nenhum efeito.

Ora, tendo em conta estes princípios e regras e confrontando os registos transcritos na sentença mostra-se que, com exceção da condenação constante do ponto XI, os antecedentes criminais registados do arguido caducaram efetivamente, não podendo valorar-se.

Mas a assinalada condenação do ponto XI, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão (que o arguido se encontra a cumprir), reporta-se à prática em 25 de junho de 2010 de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, pelo qual veio a ser condenado a 4 de outubro de 2019, pode e deve ser valorada no juízo a efetuar sobre a pena concreta a aplicar – cf. artigo 71.º, § 2.º, al. e) CP.

Portanto, para a escolha da pena e respetiva medida a aplicar é preciso ter em conta os factos relevantes constantes da sentença recorrida, e que são os seguintes:

«10. O arguido confessou integralmente os factos de que se mostra acusado nos autos;

11. O arguido demostrou arrependimento pela prática dos factos;

12. O arguido é solteiro;

13. Tem um filho com 16 anos de idade;

14. Encontra-se em reclusão no estabelecimento prisional de … desde o dia 10-04-2015;

15. No estabelecimento prisional trabalha auferindo mensalmente quantia que cifra entre 60€ - 70€;

16. O arguido não é proprietário de veículos automóveis;

17. Como habilitações literárias tem o 6.º ano de escolaridade;

18. O arguido não tem rendimentos para além do que recebe pelo trabalho que realiza no estabelecimento prisional.»

E ainda que:

(19.) «em data posterior aos factos ilícitos sob julgamento praticou a 25 de junho de 2010 um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, pelo qual foi condenado no dia 4 de outubro de 2019, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão, que o arguido se encontra a cumprir.»

Pois bem.

De acordo com o princípio vertido no § 1.º do artigo 40.º CP, o juízo sobre a escolha da pena implica que se acautelem as razões de prevenção geral positiva, isto é, que a opção pela pena de multa alternativa não comprometa a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e na norma penal que foi violada.

A finalidade das penas, tal como afirmado no artigo 40.º, § 1.º e 2.º CP é a de proteger bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade, não podendo a pena concreta exceder a medida da culpa do infrator.

Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70.º CP). Dar preferência significa que não pode deixar de dar preferência à segunda, exceto se surpreender razão objetiva demonstrativa de que a pena de multa não logrará realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O princípio da prevalência das penas não privativas da liberdade é uma decorrência do direito fundamental à liberdade que assiste a todos os cidadãos (cf. artigo 27.º, § 1.º da Constituição da República), o qual só pode ser restringido quando se revele necessário, adequado e proporcional à satisfação de outros interesses constitucionalmente protegidos (cf. artigo 18.º, § 2.º da Constituição).

Intervêm as exigências de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial, traduzindo primeira a necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime); e a segunda, numa vertente positiva ou de socialização, traduz-se na oferta ao arguido das condições ajustadas à prevenção da reincidência. (6)

Atendendo, pois, aos elementos que importa considerar (aqui arredando quaisquer asserções estribadas - expressa ou apenas implicitamente - num passado criminal que a lei não permite valorar), a partir dos quais se deverá aferir a escolha da pena, nenhum se vislumbra que exija ou mesmo que indubitavelmente justifique, nomeadamente para defesa da ordem jurídica, a aplicação de pena de prisão.

Importando frisar que nesta cogitação cabem apenas razões de legalidade. O mesmo será dizer de legitimidade democrática. Quaisquer considerações morais de pendor securitário são desajustadas, e por isso mesmo excrescentes.

Acrescente-se que nem a consideração da condenação de 4 de outubro de 2019 altera nada de essencial, pois reporta-se a uma única condenação, por factos praticados há mais de 10 anos e por crime que nada tem que ver com aquele que foi julgado neste processo.

Breve: mostra-se justificada a preferência dada à pena não detentiva.

É agora tempo de avaliar se o quantum certo da pena aplicada na 1.ª instância se mostra desajustado das regras e princípios pertinentes.

A base de que se parte é, naturalmente, a moldura abstrata prevista na lei, sendo atendíveis como parâmetros os limites fixados pela medida da culpa, pelas exigências de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial. Traçando a culpa o limite máximo da pena concreta, já que a sua verdadeira função no sistema punitivo reside na incondicional proibição de excesso. Constituindo uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar. (7) Sendo depois as exigências de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial que intervêm para determinar a medida concreta da pena: a primeira fixando o limite mínimo exigido para tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma que foi violada (sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime); e a segunda traduzindo a vertente positiva ou de socialização, a fixar em última instância (na medida necessária à prevenção da reincidência (8) - ajustando-se às necessidades de reintegração social do agente) a medida concreta da pena.

Dadas as circunstâncias concretas relativas à prática do ilícito, tal como vêm descritas na sentença recorrida; ao tempo entretanto decorrido desde a prática do facto ilícito; à confissão integral e sem reservas efetuada em juízo, com demonstração de efetivo arrependimento; e às circunstâncias pessoais do arguido (habilitações formais, família, reclusão, ausência de rendimentos, sendo-lhe desconhecida fortuna), a medida de 200 dias numa moldura que vai de 10 a 360 mostra-se indubitavelmente ajustada.

Nenhum reparo merece, pois, a decisão recorrida, pelo que o recurso não se mostra merecedor de provimento.

III – DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a douta sentença recorrida.

b) Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 513.º, § 1.º e 3.º do CPP e artigo 8.º Reg. Custas Processuais e sua Tabela III). Évora, 24 de janeiro de 2023 J.

F. Moreira das Neves (relator)

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

-------------------------------------------------------------------

1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo respetivo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível ao jargão numeral (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Acórdão do STJ, de 20abr2006, proc. 06P363, Cons. Rodrigues da Costa.

3 Acórdão do STJ, de 11jan2017, proc. 93/14.3JAGRD.C1.S1, citado no Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar e outros, 3.ª ed., 2021, Almedina, pp. 1298.

4 Neste sentido Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 295; Sérgio Gonçalves Poças, Revista Julgar, n.º 10, 2010, pp. 22; e na jurisp. (por todos) Ac. TRÉvora, de 16jun2015, proc. 25/14.9GAAVS.E1 Des. Clemente Lima; Ac. TRCoimbra, de 5abr2017, proc. 47/5.2IDLRA.C1, Des. Olga Maurício;

DSum. TRE, 20/2/2019, proc. 1862/17.8PAPTM.E1, Des. Ana Brito; Ac. TRLisboa, de 12jan2021, proc. 2127/19.6PBLSB.L1-5, Des. Paulo Barreto, todos disponíveis em www.dgsi.pt

5 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 197.

6 «Por reforço dos standards de comportamento e de interação na vida comunitária (condução da vida “de forma socialmente responsável”)» - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, pp. 74, 110 e 238 ss. Também Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2020, Almedina, pp. 24 ss.

7 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2019, 3.ª ed., Gestlegal, pp. 94.

8 «Por reforço dos standards de comportamento e de interação na vida comunitária (condução da vida “de forma socialmente responsável”)» - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 74, 110 e 238 ss., Aequitas – Editorial Notícias, 1993. Também Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020, pp. 42 e ss.