VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
REGRAS DE CONDUTA
PROIBIÇÃO DE APROXIMAÇÃO
CONTROLO POR MEIOS TÉCNICOS
Sumário

Revelando as declarações da assistente, os depoimentos de testemunhas e ainda o relatório social elaborado pela DGRSP um grande sentimento de insegurança da vítima, receio desta pela sua integridade física e vida e a conflitualidade demonstrada pelo recorrente e dificuldades de interiorizar o desvalor da sua conduta, o que inclusive se traduziu na decisão do Tribunal a quo determinar que os contactos a realizar relacionados com as responsabilidades parentais do filho menor de ambos ou com o divórcio e divisão do património fossem feitas através de terceira pessoa, para evitar qualquer tipo de contacto ou situação que o propiciasse, e tendo em conta que a distância de 200 metros ainda permitem um contacto visual e auditivo entre os intervenientes e uma proximidade espacial entre o recorrente e a vítima, a distância de 400 metros de proibição de aproximação à assistente não é desproporcional nem desadequada ao caso concreto. Tanto mais que o recorrente não se encontra proibido de se aproximar da residência e/ou local de trabalho, apenas de ali permanecer num raio de 400 metros e de se aproximar da vítima num raio de 400 metros.
Na verdade, tendo em consideração a acentuada ilicitude dos factos, a reiteração dos comportamentos, a falta de sentido crítico sobre a sua atuação e o grande sentimento de insegurança da vítima, que é fundado, entende-se que a imposição ao arguido/recorrente da proibição de contactos e o afastamento da vítima, no mínimo de 400 metros, sujeito a vigilância eletrónica, constitui um meio adequado e legal de proteção, não merecendo qualquer reparo a decisão recorrida.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de … - Juiz…, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificado:

AA, filho de BB e de CC, nascido em …….1968, natural da freguesia de …, concelho de …, com domicílio na Rua …, ….

A final, foi decidido:

A) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

B) Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período, suspensão que será acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

Tal plano de reinserção social deverá, necessariamente, prever a sujeição do arguido às seguintes regras de conduta:

a. Proibição de contactar, onde quer que seja, e por qualquer forma ou meio, com a assistente DD durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta, devendo os contactos necessários relacionados com as responsabilidades parentais do filho menor de ambos, ou com o divórcio e divisão de património conjugal, ser realizadas por intermédio de terceira pessoa;

b. Proibição de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta;

c. Proibição de ter em seu poder qualquer tipo de arma de fogo, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta;

d. Obrigação de se sujeitar a tratamento psicológico e psiquiátrico, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 3, Processo Comum (Tribunal Singular) e 54.º, n.º 3, do Código Penal (para o qual o arguido deu já o seu consentimento expresso), durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.

C. Determinar que o cumprimento das regras de conduta referidas nas alíneas a. e b. do ponto B supra, seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (já expressamente consentida pelo arguido);

D. Não condenar o arguido em qualquer uma das penas acessórias previstas no n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal;

E. Arbitrar a DD, a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de €1.000,00 (mil euros), em cujo pagamento se condena o arguido;

Inconformado o arguido AA interpôs recurso da referida decisão, que motivou formulando as seguintes conclusões:

“l. A pena de 3 anos de prisão, aplicada ao arguido, ficou suspensa na sua execução por igual período de tempo e será acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

II.O plano de reinserção social deverá prever a sujeição do arguido a regras de conduta mencionadas nas alíneas a., b., c., d., do ponto B. da douta sentença.

III. A discordância do arguido, e daí o presente recurso, tem a ver com a proibição de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

IV. A regra de conduta referida será fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.

V. O arguido anuiu expressamente à utilização dos meios técnicos.

VI. O recorrente entende que a proibição de se aproximar da assistente deveria ter sido balizada pelos 200 metros.

VII. O controlo por meios técnicos impõe uma forte limitação às liberdades e garantias não só do arguido, como também da vítima, traduz-se numa acentuadíssima restrição para a liberdade de movimentos dos intervenientes.

VIII. Assim, o recorrente deixará de poder aceder ao Tribunal de Família e Menores de …, onde neste momento corre o divórcio e a regulação das responsabilidades parentais, ao Tribunal do Trabalho, ao Tribunal Cível, ao balcão da Instituição Bancária onde tem conta aberta (sendo previsível que a partilha de bens comuns imponha a deslocação a estes locais), aos serviços de Reinserção Social onde deverá deslocar-se para ser acompanhado no plano a gizar por estes serviços, em sede de regime de prova, serviços a que deverá comparecer pessoalmente, localizados no raio de 400 metros da residência da assistente.

IX. A proibição de aproximação do local de trabalho da assistente impede por sua vez, que durante os três anos de suspensão, o arguido vá pessoalmente buscar o filho menor ao local de recolha estipulado pelo Tribunal de Família e Menores.

X. Ao arguido será negado o acesso ao Tribunal Judicial da Comarca de …, onde ainda corre este processo, ao Centro de Emprego e Formação Profissional, a Loja do Cidadão, sita no … que aglomera diversos serviços imprescindíveis como são os Registos e Notariados, Câmara Municipal, … - serviço de águas e resíduos -, EDP, Autoridade Tributária.

XI. O arguido deixará de poder deslocar-se à clínica dentária, ao ginásio, ao local de trabalho da atual companheira e bem assim, a grande parte da baixa da cidade de … que possui comércio e serviços locais, por estes se situarem no raio de 400 metros da residência e do local de trabalho da assistente.

XII. Estes últimos locais são importantes para fins de prevenção especial por visarem a ressocialização do arguido em liberdade.

XIII. Nenhum meio de prova foi considerado provado que revele que o arguido tenha tentado aproximar-se da assistente ou a tenha perseguido, ou sequer arranjado algum estratagema para o conseguir.

XIV. O arguido encontra-se sujeito ao sistema judicial, que respeita, e desde então, não mais violou os direitos da vítima, nem as medidas de coação impostas em sede de inquérito.

XV. O recorrente anuiu expressamente à obrigação de se sujeitar a tratamento psicológico e psiquiátrico, acolhendo como boa, considerando que o seu estado de saúde foi elemento causal e determinante dos factos praticados.

XVI.O arguido sofre de depressão desde o ano 2017, salvo o devido respeito, considera o recorrente que não foi devidamente valorado o relatório médico junto a fls. 319 dos autos. Devia ter tido algum peso a seu favor na determinação da medida da pena.

XVII. Do relatório social, mais se apurou com relevo a favor da condição social do arguido, que vivencia uma relação afetiva desde o início do corrente ano que foi descrita por si e pela companheira como gratificante, circunstância que deve depor a seu favor. Devia ter tido algum peso na determinação da medida da pena.

XVIII. O Tribunal recorrido violou o artigo 71º artigo 40º do Código Penal e artigo 18º nº 2 da C.R.P.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, no ponto B. alínea b., substituindo-se por outra que imponha ao arguido a proibição de se aproximar da assistente, a menos de 200 metros e/ou de permanecer num raio de 200 metros da residência elou do local de trabalho da assistente, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

Assim se fazendo justiça.”

O Ministério Público respondeu às motivações do recurso apresentado pelo Arguido/Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.

Neste Tribunal, o Exma. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso do arguido/recorrente.

O recorrente, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA

São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados:

1. O arguido AA é casado com a assistente DD, tendo dois filhos em comum: EE, nascido a …de 2009 e FF, nascida a … de 1997.

2. Iniciaram relação de namoro há cerca de 31 anos, tendo passado a residir em comunhão de cama, mesa e habitação há 29 anos, casando em 22 de agosto de 1992.

3. Sempre residiram em …, inicialmente na zona da …; há cerca de vinte e cinco anos mudaram para Rua …, em …, e há 13/14 anos mudaram para a atual residência na Rua …, em ….

4. Desde, pelo menos, o ano de 2008, o arguido, em datas e com frequência não apurada, dirigiu-se à esposa, no interior da residência comum e disse “Tu não vales nada. Filha da Puta. Tu é que és a culpada de eu não andar focado nas coisas”.

5. Desde o ano de 2017 e até ao momento em que a sobrinha de ambos passou a residir com o agregado, em 2018, e porque a assistente tomou conhecimento de relacionamento extraconjugal mantido pelo arguido, a relação deteriorou-se e o arguido passou a ser seguido em consultas de psicologia e de psiquiatria.

6. A partir do ano de 2020 e até ao final da coabitação, o arguido passou a discutir com a assistente, em datas não apuradas ocorridas todas as semanas, mais que uma vez por semana, dizendo-lhe “Puta. Filha da puta. Tu não vales nada, tu não ganhas nada, tu ganhas uma merda. Se tiraste o 12.º ano tens de me agradecer a mim. O teu dinheiro não dá nem para comprar as tuas cuecas”. Por diversas vezes em número não apurado, o arguido disse também à assistente:

“Tu não sabes. Cala-te”.

7. Em várias dessas discussões, o arguido disse à assistente que se matava, tendo numa delas, em data não apurada, chegado a retirar uma arma do seu local de armazenamento e levado a mesma para a sala, não tendo chegado, contudo, a retirar o cadeado de segurança.

8. Em dezembro de 2020 o arguido teve um acidente de viação, e em janeiro de 2021 teve outro acidente de viação, tendo dito à assistente que a culpa era dela, porque ele não sabia no que ela estava a pensar, e estava com falta de foco por causa dela. Além disso, disse-lhe que ela era a culpada pela depressão dele.

9. O arguido saiu da residência comum a …de 2021, passando a residir na Rua …, em ….

10. Face a divergências sobre o divórcio e a divisão dos bens comuns, em data não apurada de setembro de 2021, o arguido telefonou à assistente e disse-lhe: “Vou descobrir quem ficou com o carro e vou-lhe chegar fogo. És uma mentirosa, aldrabona. Nunca mais faças isso. Enganaste-me. Fui enganado. Eu disse que queria o carro e não quiseste saber”.

11. Em data não apurada de novembro de 2021, o arguido deslocou-se à residência de ambos e discutiu com a assistente na presença dos filhos de ambos. Nessa ocasião, levou com ele o cofre onde tem armazenadas as armas de fogo.

12. No dia 31 de dezembro de 2021, a assistente verificou que, na conta conjunta, tinham recebido uma indeminização do Município de …, no valor de €4.419,00 e transferiu metade de tal valor para a conta da filha.

13. O arguido, nesse dia 31 de dezembro de 2021, quando descobriu, disse à assistente por telefone, “Ladra, vaca, vadia. És uma ladra. És igual à tua família. Vou acabar contigo. Vou-te dar um tiro na testa, vou-te matar”.

14. Nesse dia, logo de seguida, a assistente telefonou ao arguido e discutiram relativamente a questões monetárias, tendo, entre outras expressões, este dito àquela “Temos o que temos infelizmente juntos, mas noventa por cento do que temos veio dos meus rendimentos. Esta semana eu vou aí para casa outra vez. Fazes mais alguma coisa e eu dou-te um tiro. A mãe dos meus filhos não passa de uma badalhoca, uma ladra.”

15. De seguida, o arguido efetuou novo telefonema à assistente, tendo-lhe dito, entre outras coisas “Vai-te sair caro esta merda. Era o caralho, o que era teu. Tu não vales uma merda. Ladra do caralho. Filha a puta de família que tens, caralho. Tu és uma porca. Não passas de uma ladra. Só tens tempo para badalhoquices.

Não passas de uma badalhoca. Esta semana vou aí para casa outra vez. Vou ficar aí a foder-te o juízo todos os dias.”

16. No dia 2 de janeiro de 2022, o arguido disse à assistente que pretendia ir à residência na Rua … em … para recolher pertences pessoais.

17. A assistente trocou a fechadura para a antiga que antes ali se encontrava, visto que, entretanto, com receio, trocara a fechadura para o arguido ali não entrar sem a sua autorização.

18. Ali chegado, pelas 15h00, o arguido, disse que “Fizeram bem em mudar outra vez a fechadura”, mais dizendo que não podiam mudar a fechadura pois, caso o fizessem, chamaria os bombeiros e a polícia pois a casa é dele e não podem proibi-lo de ali entrar.

19. A assistente disse-lhe que tinha mudado a fechadura devido às ameaças que ele lhe dirigiu, ao que ele respondeu: “Quais ameaças, estás é maluca”.

20. Depois, o arguido sentou-se no sofá e disse “Vou ficar aqui. Já não saio daqui. Vou viver aqui outra vez. Vou-te foder o juízo todos os dias. Vou-te fazer a vida um inferno, não vais ter descanso. Andas a mentir ao nosso filho. Ele pensava que também pagavas esta casa, mas eu é que a apago sozinho”.

21. No dia 16 de fevereiro de 2022, em sede de audiência mantida no processo de regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho menor de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à assistente, que dava o seu acordo apenas enquanto tivesse a pulseira da medida de coação e que depois iria ser diferente.

22. O arguido foi diagnosticado com depressão no Verão de 2017, sendo que à data da última observação em consulta, em setembro de 2021, se encontrava melhorado.

23. Em tudo, agiu o arguido com o propósito de maltratar a assistente, humilhando-a e aterrorizando-a, querendo e conseguindo ofendê-la na sua honra e consideração, ciente ainda que as expressões que lhe dirigiu eram adequadas a fazer a assistente recear pela sua integridade física e vida.

24. Agiu ainda ciente que praticava os factos na presença de filho menor de ambos, bem como no interior da residência comum e posteriormente residência da assistente, ciente que tal agudizava os maus tratos e o terror que infligia à assistente.

25. Em tudo, o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

26. O arguido é titular da licença de uso e porte de arma da classe … n.º …, emita em … e válida até …, sendo proprietário das seguintes armas:

a. Classe …, marca …, n.º…, livrete n.º …;

b. Classe …, marca …, n.º …, livrete n.º …;

c. Classe …, marca …, n.º …, livrete n.º …; e

d. Classe …, marca …, n.º …, livrete n.º ….

27. Em consequência da atuação do arguido supra descrita, a assistente sentiu-se humilhada, triste, e infeliz, bem como sentiu, e sente ainda hoje, medo que ele volte a insultá-la e a maltratá-la, e que possa vir a concretizar as ameaças contra a sua vida.

28. Fruto da atuação do arguido supra descrita a assistente é hoje uma pessoa muito nervosa e ansiosa, triste e com uma autoestima muito baixa.

29. Do relatório social elaborado pela DGRSP e referente ao arguido consta, além do mais, o seguinte:

“I - Condições sociais e pessoais

Na atualidade, e desde a saída, em agosto de 2021, do domicílio familiar (moradia propriedade do arguido e ofendida desde 2007, mediante recurso a crédito bancário), AA reside na morada atrás indicada, correspondente a apartamento de tipologia T2, imóvel igualmente propriedade do casal e com adequadas condições de habitabilidade.

Em termos afetivos, AA vivencia desde o início do corrente ano relação marital caracterizada, quer pelo próprio, quer pela companheira, como gratificante, tendo o primeiro salientado a partilha de ocupação de tempos livres (columbofilia, ginásio, amigos em comum) e a segunda considerado a evolução do quadro de humor depressivo que AA apresentava no início da relação. Contudo, cumpre salientar que o arguido referiu igualmente “ainda não ter esquecido a ofendida e que talvez ela queira voltar”.

O arguido tem cumprido normativamente a medida de coação de afastamento da ofendida com recurso a meios de vigilância eletrónicos, bem como o acordo de regulação das responsabilidades parentais efetuado em fevereiro/2022, nomeadamente ao nível da pensão de alimentos atribuída ao descendente menor (no valor de 200 Euros) e almoços (ou outros contactos) de caracter quinzenal com o filho.

O arguido mantém ainda contacto regular com a descendente primogénita, sendo, do veiculado por ambos, que a relação tem assumido um caráter mais funcional (resolução de questões relacionadas com as visitas ao descendente menor ou outras) do que assente numa efetiva comunicação dialogante.

AA referiu a perceção de tensão na relação com os descendentes, consequência da influência e/ou manipulação da ofendida. Ao nível económico laboral, AA movimenta-se num quadro de estabilidade, desenvolvendo, desde há cerca de 32 anos, a atividade de … na …, SA, em …. Com um vencimento líquido estimado no valor de 1.900 Euros, o arguido referiu como principais despesas mensais fixas (para além da já referida pensão de alimentos), a amortização do crédito da habitação (residência da ofendida e descendentes) no valor de 700 Euros (incluindo Seguro do imóvel) e Seguros de Saúde dos descendentes, estimados no valor total de 120 Euros. A este nível, e segundo a ofendida, AA tem cumprido, até ao momento, o pagamento (no valor de 150 Euros) referente à parte correspondente (metade) do compromisso económico-financeiro assumido pelo casal com referência a crédito para financiar estudos do ensino superior da descendente primogénita. AA é o único descendente de um relacionamento efémero, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido, desde os primeiros anos da infância (e pai biológico já falecido), na família, entretanto constituída pela mãe. Usufruindo de um enquadramento socioeconómico otimizado, foi ainda salientada a adequada vinculação e/ou papel educativo do padrasto, contexto proporcionador a uma normativa dinâmica familiar em termos psicoafectivos. Do confronto dos elementos recolhidos junto das fontes contactadas, foi referenciada história clínico de depressão registada pela mãe do arguido (falecida há vários anos), não sinalizada por AA.

Com habilitações literárias ao nível do 12º ano de escolaridade, na área de …, o arguido viria a integrar o mercado de trabalho com cerca de 21 anos, na atual entidade patronal, fixando residência, desde então, no …. Nesse contexto, AA contraiu posteriormente matrimónio com a ofendida, natural do mesmo meio de origem, com quem já namorava.

A relação matrimonial foi caracterizada, quer pelo arguido, quer pela ofendida, e com referência a período anterior ao nascimento do segundo descendente, como gratificante em termos psicoafectivos, sendo salientada a partilha do mesmo projeto de vida, focalizado no bem-estar socioeconómico da família e/ou na educação dos descendentes, participando AA nas tarefas ou rotinas domésticas.

Segundo a ofendida, alterações no comportamento do arguido (desvinculação e apatia relativamente ao quotidiano/compromissos familiares, decisões particulares de investimentos financeiros, como a aquisição de pombal) traduziram-se num gradual, mas crescente, processo de conflitualidade marital.

O arguido recorreu a apoio clínico especializado (psiquiatria e psicologia) em 2017 ou 2018, assumindo que então havia já alguns anos que apresentava perturbações do sono, identificando-se com o diagnóstico de depressão e reconhecendo que a intervenção terapêutica o ajudou em termos de autoconhecimento, tendo, inclusive, cessado a execução de turnos laborais noturnos. Paralelamente, AA considerou que pese embora tenha aderido a apoio clínico por insistência da ofendida e/ou apresentado maior disponibilidade para a família, a tensão marital perpetuou-se/intensificou-se.

A este nível, a ofendida referiu inadequada adesão do arguido ao programa medicamentoso prescrito, desvinculação do acompanhamento psicológico, registo de instabilidade do humor e atitude de culpabilização relativamente à própria, num processo vivenciado por si de crescente desgaste emocional, culminando na ausência de comunicação entre o casal e/ou agressividade verbal.

Cumpre referir que AA indicou ter mantido/mantém acompanhamento regular na especialidade de psiquiatria (não tendo, contudo, precisado a data da última consulta), encontrando-se a efetuar programa de redução da medicação prescrita.

Sem antecedentes criminais, ao nível social não foram detetadas relevantes referências estigmatizantes. Contudo, a ofendida e a descendente verbalizaram receios, que o consumo de bebidas alcoólicas do arguido (restrito às refeições e a convívios sociais, mas em moldes caracterizados como excessivos no âmbito dos contextos descritos) possa constituir um desinibidor situacional quando face a situações de adversidade, como a partilha dos bens em comum. Na atualidade, a ofendida encontra-se a diligenciar no sentido do divórcio litigioso, face às divergências entre a mesma e o ainda cônjuge relativamente à partilha dos bens em comum.

AA denotou dificuldades em compreender a presente situação jurídico-penal ou a aplicação da medida de coação de proibição de contactos com a ofendida com recurso a meios de vigilância eletrónica, focalizando-se nas responsabilidades da ofendida, em detrimento de uma avaliação de eventuais responsabilidades próprias. Contudo, verbalizou igualmente respeito pelo sistema legal e, por conseguinte, disponibilidade para o cumprimento de eventual medida direcionada para a frequência de ação de sensibilização para a violência doméstica e para a manutenção de acompanhamento médico especializado/psiquiatria.

A ofendida indicou a manutenção de significativos receios, inclusive pela sua segurança, considerando às divergências relativamente à partilha de bens uma relevante situação de risco, pretendo, por conseguinte, a manutenção de medida de proibição de contactos com recurso a meios de vigilância eletrónica.

II – Conclusão

AA movimenta-se num quadro de estabilidade económico laboral, não tendo sido recolhidos elementos suficientes para uma adequada avaliação do historial clínico/depressão, mas salientando-se a ambiguidade do arguido relativamente aos seus sentimentos para com a ofendida com referência a verbalizações como “ainda não a esqueceu, talvez ela queira voltar”.

Do exposto, e atendendo ainda ao posicionamento de vitimização assumido pelo arguido (focalizado na atitude da ofendida em detrimento de uma avaliação de eventuais responsabilidades próprias) e às divergências relativamente à partilha de bens em comum, caso venha a ser condenado no âmbito do presente processo, afigura-se-nos que a aplicação de medida direcionada para a frequência do “Programa para Agressores de Violência Doméstica” e para a manutenção de acompanhamento médico especializado, na área de psiquiatria e psicologia, consubstanciaria um quadro de proteção. O referido programa (da responsabilidade da DGRSP), promove, entre outras temáticas, um maior conhecimento sobre si próprio/sobre o impacto das condutas nos outros e/ou sobre reações emocionais, comportamentos relacionais, bem como estratégias comportamentais e cognitivas de autocontrolo.

Face aos sentimentos de insegurança verbalizado pela ofendida, salvo melhor opinião, coloca-se à consideração desse Tribunal que, em sede de condenação, seja ponderada a aplicação de pena acessória de proibição de contactos com a ofendida.

30. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS

“A. Desde, pelo menos, o ano de 2008, o arguido, em datas e com frequência não apurada, dirigiu-se à esposa, no interior da residência comum dizendo também “Tua não me acompanhas. Não vais comigo para os meus hobbies. A culpa é tua. Tu é que me obrigaste a dizer isto”.

B. Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo referidas em 10, o arguido disse ainda à assistente “Continuas a fazer isto e vais ver o que te acontece. Qualquer dia acabo contigo. Acabo com isto tudo. Fizeste isso nas minhas costas. Estás a viver à grande e à francesa nessa casa e eu é que a estou a pagar”.

C. Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo referidas em 13, o arguido disse também à assistente: “Ela não é como tu. Ela é uma mulher independente. Tu é que sempre dependeste de mim. Vais ver o que te vai acontecer”.

D. O arguido não é acompanhado no seu diagnóstico de depressão desde o ano de 2019.

A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO

PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”

O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados:

“ Para formar a sua convicção quanto aos factos provados e não provados supra elencados, o tribunal atendeu à prova documental junta aos autos – designadamente ao auto de notícia de fls. 47 a 49, ao aditamento de fls. 58, às certidões de nascimento de fls. 92, 93 e 104, à informação do NAEXP, de fls. 77, ao teor das mensagens enviadas pelo arguido à assistente, cujos prints constam de fls. 71 e 73 e 81, à gravação de áudio constante do CD junto a fls. 64, ao certificado de registo criminal de fls. 313, ao relatório social de fls. 310 a 312, e à declaração médica junta a fls. 319, e ao assento de casamento constante de fls. –, bem como à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, analisada e conjugada, criticamente, à luz das regras da experiência comum, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal).

Vejamos, concretamente.

Dos factos provados.

Para prova dos factos elencados no ponto 1 dos factos provados bem como da data em que o arguido e a assistente casaram (ponto 2 dos factos provados), valorou, o tribunal, o teor das certidões de nascimento de fls. 92, 93 e 104, e do assento de casamento junto em audiência de julgamento, dos quais decorre a factualidade em apreço.

No que se refere à restante matéria de facto descrita no ponto 2 dos factos provados, bem como aquela contida no ponto 3 dos factos provados, matéria de facto contida no ponto 2 dos factos provados foi a mesma atestada, de forma séria, espontânea e segura pela assistente, em sede de declarações prestadas em audiência de julgamento.

Com efeito, a assistente referiu há quanto tempo se iniciou a relação de namoro com o arguido, e passaram a residir juntos, esclarecendo, ainda, as diferentes residências ao longo dos anos.

Tendo o arguido optado por exercer o seu direito constitucionalmente consagrado ao silêncio, as declarações prestadas pela assistente, pela forma espontânea, sincera, coerente, segura, e emocionada, como foram prestadas, mereceram, por si só, toda a credibilidade deste tribunal.

De facto, com uma espontaneidade evidente e uma emoção perfeitamente compreensível em face das vivências que descreveu, a assistente, ao longo das suas declarações, foi referindo, de forma muito concreta e precisa, como foi a vida com o arguido, a partir de que momento as discussões se tornaram mais frequentes e qual o teor das expressões que o arguido lhe dirigia no âmbito dessas discussões, todas ocorridas no interior da residência comum – pontos 4, 6, 7 e 8 dos factos provados.

Mais concretizou que a relação se deteriorou no ano de 2017, quando a assistente tomou conhecimento de um relacionamento extraconjugal mantido pelo arguido, tendo nessa altura sido diagnosticada, àquele, uma depressão, motivo pelo qual se manteve com o arguido, com vista a o ajudar no acompanhamento de psiquiatria e psicologia que, então, iniciou – ponto 5 dos factos provados.

Relatou também, a assistente, com a mesma espontaneidade, clareza e coerência, as situações vividas após a saída do arguido da residência comum, e na sequência das divergências acerca do divórcio e a divisão dos bens comuns, concretizando as diferentes situações em apreço, as circunstâncias de tempo e lugar, tanto quanto se recordava, bem como a concreta atuação do arguido e concretas expressões proferidas e, à mesma, dirigidas, em cada uma dessas situações (pontos 9 a 21 dos factos provados).

As declarações assim prestadas pela assistente, além da credibilidade que por si só mereceram, pela forma espontânea, séria, coerente e segura como foram prestadas, encontraram ainda corroboração, em diversas das situações em apreço, no depoimento prestado pela testemunha FF, filha da assistente e do arguido.

Esta testemunha, pese embora a relação de filiação, quer com o arguido, quer com a assistente, revelando espontaneidade, coerência, seriedade, mas também isenção – na medida em que, em momento algum lhe foi notada uma qualquer intenção de favorecer um e prejudicar outro – relatou as diversas discussões entre os pais que se foi apercebendo existirem, desde os seus 14 anos, bem como esclarecer que a situação se deteriorou depois de Verão de 017, quando a mãe descobriu que o pai tinha uma relação com outra senhora. Limitando-se a afirmar, apenas, aquilo a que efetivamente assistiu, e porque esteve presente em tais situações, esta testemunha confirmou, concretamente, as situações descritas nos pontos 5, 7, 11, e 12 a 20 dos factos provados, acrescentando ainda, sem frequente o seu pai se dirigir à sua mãe, dizendo-lhe, “Tu não sabes. Cala-te”.

Pese embora a testemunha FF não tenha sido capaz de recordar ou relatar todas as situações que a sua mãe, a assistente, relatou em julgamento, o facto de ter, em grande medida, confirmado aquelas, sendo coincidente na maioria das expressões imputadas por ambas ao arguido, bem como, no geral, quanto à forma como este tratava a assistente, o seu depoimento foi de molde a corroborar a versão relatada pela assistente e a credibilidade que a mesma, por si só, já nos merecia.

Acresce ainda considerar que também a testemunha GG, namorado de FF, veio confirmar a existência de diversas discussões, de que se apercebeu quando estava em casa do casal com a FF, bem como a expressão proferida pelo arguido na situação ocorrida a 31.12.2021, designadamente, o facto de o arguido ter dito que matava a assistente, que lhe dava um tiro na cabeça, ao que assistiu por encontrar presente naquela altura.

No que respeita concretamente à factualidade descrita nos pontos 14 e 15 dos factos provados, designadamente às concretas expressões proferidas pelo arguido, resultam as mesmas, além de relatadas pela assistente e pela testemunha FF, do teor da gravação de áudio constante do CD junto a fls. 64.

Tendo o arguido optado por prestar algumas declarações sobre os factos imputados, admitiu apenas o teor das conversas telefónicas ocorridas no dia 31.12.2021, dizendo que nesse dia perdeu a cabeça, mas que nunca antes havia dirigido tais expressões à assistente. Contudo, quando questionado quanto ao motivo pelo qual perdeu a cabeça se o dinheiro transferido da conta conjunta era apenas a metade que cabia à assistente, o mesmo não foi capaz de explicar cabalmente, referindo apenas que aquele dinheiro era para ser entregue pelo próprio, até porque ainda havia contas a fazer.

Resta referir que quanto à factualidade contida nos pontos da matéria de facto acima referidos, nenhuma relevância mereceu o depoimento prestado pela testemunha HH, atual companheira do arguido, na medida em que apenas foi capaz de confirmar a existência de discussões entre o arguido e a assistente, dizendo que nunca ouviu o que foi dito.

A prova da matéria de facto contida no ponto 22 dos factos provados, resulta quer das próprias declarações do arguido, que em sede de declarações finais se referiu a esse diagnóstico, quer às declarações da assistente e ao depoimento da testemunha FF, que atestaram o diagnóstico e concretizaram que teve lugar no Verão de 2017, e ainda, do teor da declaração médica do fls. 319, da qual se retira a data da última consulta e o estado do arguido à data da mesma.

Relativamente à factualidade descrita nos pontos 23 a 25 dos factos provados, a prova da mesma decorre da apurada concreta atuação do arguido, conjugada com as regras da experiência e da normalidade.

Consistindo, os factos em questão, em elementos da vida interior do agente, a prova dos mesmos terá de resultar, como sucede no caso em presença, de dados concretos que, com muita probabilidade, revelam aqueles factos internos, em conjugação com as regras da experiência e daquele que é o padrão de atuação do homem médio.

No que respeita à matéria de facto descrita no ponto 26 dosa factos provados, mostrou-se essencial o teor da informação do NAEXP, constante de fls. 77 dos autos da qual decorre a factualidade em questão.

Para formar convicção relativamente os factos elencados nos pontos 27 e 28 dos factos provados, valorou, o tribunal, as declarações prestadas pela assistente, a qual, da mesma forma espontânea e séria, além de emotiva, relatou o que sentiu e sente, ainda hoje, fruto da atuação arguido. Além do declarado pela assistente, foi evidente para qualquer pessoa presente na sala de audiências, o sofrimento vivido, ainda hoje, por aquela, e o seu estado de espírito – a ansiedade, a tristeza, a baixa autoestima –, o que foi declarado também, de forma espontânea, séria e emotiva pela testemunha FF.

Já a prova dos factos descritos no ponto 29 dos factos provados assenta no teor do relatório social elaborado pela DGRSP e junto aos autos, a fls. 310 a 312, enquanto a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido – ponto 30 dos factos provados – decorre do teor do certificado de registo criminal junto a fls. 313.

Finalmente, a matéria de facto elencada nos pontos 18 e 19 dos factos provados, resulta do teor do depoimento prestado pela testemunha II, assistente social no …, a qual atestou a mesma, de forma sincera, espontânea e coerente, pelo que mereceu a credibilidade do tribunal.

Dos factos não provados.

No que concerne à factualidade que resulta não provada, agora elencada nos pontos A a D dos factos não provados, decorre a mesma da total ausência de prova quanto a tal factualidade, uma vez que nem a assistente, nem a testemunha FF se referiram às expressões em questão.”

O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO

Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que a recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

A única questão suscitada pelo Arguido/Recorrente (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:

1) Se peca por excesso a proibição imposta ao arguido de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

O MÉRITO DO RECURSO DO ARGUIDO

1) Se peca por excesso a proibição imposta ao arguido de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

Insurge-se o Recorrente contra o facto de a sentença recorrida ter imposto, para além do mais, a seguinte regra de conduta - Proibição de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.

Para tanto, louva-se na seguinte ordem de razões:

Esta condição, ainda para mais fiscalizada por meios técnicos, traduz numa acentuadíssima restrição para a liberdade de movimentos dos intervenientes, impossibilitando o arguido de aceder aos Tribunais, balcão da instituição bancária onde tem sedeada a sua conta bancária, entre outros locais e entidades públicas, bem como o impedirá de se deslocar à clinica dentária, ginásio, ao local de trabalho da atual companheira e a grande parte da baixa da cidade de ….

Em sede de medidas de coação foi aplicada ao arguido/recorrente a medida de afastamento e proibição de contactar com a vítima, tendo-se fixado em 200 metros a distância da residência ou dos locais por ela frequentados, inexistindo razões para alteração dessa distância.

Pelo que – na tese do Recorrente -, a proibição de se aproximar da assistente deveria ter sido balizada pelos 200 metros.

Quid juris?

O tribunal “a quo” fundamentou do seguinte modo a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido/recorrente subordinada ao cumprimento das regras de conduta acima mencionadas:

“… Dispõe o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, elencando de seguida um conjunto exemplificativo de circunstâncias a atender, entre as quais, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este.

Posto isto, passa-se, de seguida, à determinação concreta da pena a aplicar ao arguido.

Terá de se considerar, antes de mais, a elevada relevância dos bens jurídicos cuja proteção se visa com a norma incriminadora ora violada: a saúde, como bem jurídico complexo, que inclui a integridade corporal e a saúde física, psíquica e mental, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e a honra – no fundo, a dignidade humana, num contexto de especial relação entre agressor e vítima. No caso em presença foram postos em causa, com a apurada conduta do arguido, pelo menos, a honra e consideração da assistente e a sua liberdade de ação e de determinação, pelo que ficou afetada a sua dignidade enquanto pessoa, em todas as referidas vertentes.

Será ainda de ponderar, a elevada incidência deste tipo de criminalidade, como é dado sobejamente conhecido, e a tendência que se tem revelado, nos últimos anos, de crescimento dos casos de violência doméstica detetados, mostrando-se, assim, acentuadas as exigências de prevenção geral, que demandam uma maior necessidade de sancionamento com vista ao restabelecimento da confiança na norma violada.

Depondo, também, contra o arguido, haverá, ainda, que considerar o elevado grau de culpa com que atuou, situando-se, a mesma, no mais elevado nível do dolo – o dolo direto.

No que se refere ao grau de ilicitude o mesmo é já elevado considerando o longo período de tempo durante o qual o arguido persistiu e reiterou a prática das condutas em questão, bem como a quantidade e o teor das expressões dirigidas à assistente, tendo vindo a culminar com ameaças à vida da mesma, bem como a gravidade das consequências dos seus atos na vida da assistente.

Pesa, de igual modo, contra o arguido, a sua atitude posterior aos factos, patente em sede de audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual exercendo inicialmente o seu direito a não responder a questões sobre os factos, acabou por admitir, mais tarde, a prática daqueles em relação aos quais havia registo de áudio, negando, contudo, os demais, e não se escusando de fazer comentários sobre a prova que ia sendo produzida, sendo patente a sua vitimização e atribuição de culpas à assistente.

O próprio relatório social elaborado a respeito do arguido refere um posicionamento de vitimização assumido pelo arguido (focalizado na atitude da ofendida em detrimento de uma avaliação de eventuais responsabilidades próprias), dizendo que o mesmo, “denotou dificuldades em compreender a presente situação jurídico-penal ou a aplicação da medida de coação de proibição de contactos com a ofendida com recurso a meios de vigilância eletrónica, focalizando-se nas responsabilidades da ofendida, em detrimento de uma avaliação de eventuais responsabilidades próprias”.

Na verdade, foi patente na postura do arguido, em sede de audiência de julgamento, uma completa ausência de capacidade de autocensura e de arrependimento, focada apenas nas responsabilidades que atribui à assistente, revelando uma visão completamente distorcida de realidade.

Em favor do arguido, releva, a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais, se mostrar inserido laboral e socialmente, não lhe tendo sido detetadas relevantes referências estigmatizantes.

Tudo ponderado, julgo adequado aplicar ao arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, uma pena de 3 (três) anos de prisão.

3.3. Da suspensão da execução da pena de prisão.

Aplicada, ao arguido, uma pena de três anos de prisão, impõe-se, neste momento, a apreciação da verificação dos pressupostos da suspensão da execução dessa pena.

Dispõe o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” As finalidades da punição são, como se determina no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Assim, quando o tribunal aplica uma pena de prisão não superior a cinco anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido. Este juízo de prognose não tem de assentar necessariamente numa certeza; basta que haja uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição, e consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido (cfr. Acórdão do STJ, de 08.07.1998, in CJ STJ 1998, tomo II, pág. 251). Todavia, há um limite inultrapassável que o tribunal deve respeitar na consideração sobre o comportamento futuro do arguido: a defesa do ordenamento jurídico.

Como escreve Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Parte Geral II, As

Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 344, “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”

O critério primordial que preside à escolha desta pena de substituição assenta em finalidades, exclusivamente, preventivas e não de compensação da culpa, com prevalência para as considerações de prevenção especial de socialização relativamente às quais a prevenção geral funciona como limite para a sua atuação.

A finalidade essencial é, assim, a ressocialização do agente na vertente de prevenção da reincidência cujas probabilidades de êxito são aferidas no momento da decisão, em função dos indicadores previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

De modo que, importa fazer um juízo de prognose acerca do comportamento futuro do arguido, no sentido de se suspender a execução da pena de prisão aplicada, caso esse juízo seja favorável, ou seja, caso seja possível prever que o arguido, no futuro, não voltará a praticar crimes e que ficará assegurada a proteção dos valores ou bens jurídicos subjacentes à norma incriminadora violada.

Em primeiro lugar, verifica-se que ao arguido foi aplicada uma pena de prisão de três anos, pelo que o pressuposto formal da suspensão está observado.

Por outro lado, pese embora a gravidade da conduta do arguido e das suas consequências, a completa ausência de capacidade de autocensura, a sua postura de vitimização e de atribuição de responsabilidades à assistente sem que equacione sequer, as suas eventuais responsabilidades, julgamos que, atenta a sua inserção profissional e social, a ausência de antecedentes criminais, e o facto de não lhe serem conhecidas relevantes referências estigmatizantes, a personalidade do arguido se revela, ainda, e em última análise, uma personalidade que permite formular um juízo de prognose favorável quanto à prática de novos crimes.

Com efeito, não se olvidando as dificuldades reveladas, pelo arguido, na assunção das suas responsabilidades, o seu percurso laboral contínuo e estável, e a sua boa inserção social, sem outras problemáticas conhecidas, permite, ainda, formular o aludido juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido.

Cremos, pois, que confrontado com a possibilidade de ver cerceada a sua liberdade, o arguido perspetivará, com elevada probabilidade, o seu anterior comportamento, interiorizando a gravidade e a potencialidade lesiva dele, e conformando-se, doravante, com as regras vigentes.

Sendo certo que não podemos formular qualquer juízo de certeza no sentido que acabamos de formular, igualmente não podemos afirmar, com a certeza que se imporia, que, no presente circunstancialismo, apenas o cumprimento efetivo da pena de prisão satisfaria as necessidades da punição. Cremos, aliás, que, no caso em apreço, o cumprimento efetivo da pena de prisão teria, seguramente, um efeito estigmatizante e dessocializador e poria, mesmo, em causa qualquer novo projeto de vida que o arguido pretenda abraçar, refazendo a sua individualidade e deixando, que a assistente refaça a sua, como é seu direito.

O juízo de prognose que é possível realizar é, pois, in casu, ainda, positivo.

Por outro lado, cremos que, não obstante as prementes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, as quais são indesmentíveis, a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido não merecerá, no circunstancialismo do caso, o repúdio da sociedade.

Pelo exposto, entendemos que as exigências de prevenção especial não impõe, ainda, no presente caso, a execução efetiva da pena de prisão aplicada ao arguido, acreditando o tribunal que, poderá concluir-se, ainda, com o grau de certeza que se exige no juízo de prognose realizado – uma expectativa fundada –, que a simples censura dos factos cometidos e a ameaça da prisão realizam, no caso vertente, as exigências de prevenção especial, mostrando-se provável a ressocialização do arguido em liberdade.

Pelo exposto, determina-se, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão de três anos, aplicada ao arguido AA, durante igual período.

*

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16/09, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 57/2021, de 16/08, “A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.

A suspensão da execução da pena imposta ao arguido ficará, pois, subordinada a regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - cfr. artigos 53.º e 54.º, ambos do Código Penal.

Tal plano de reinserção social deverá, necessariamente, prever a sujeição do arguido às seguintes regras de conduta:

a) Proibição de contactar, onde quer que seja, e por qualquer forma ou meio, com a assistente DD, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta, devendo os contactos necessários relacionados com as responsabilidades parentais do filho menor de ambos, ou com o divórcio e divisão de património conjugal, ser realizadas por intermédio de terceira pessoa;

b) Proibição de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.

*

Nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16/09, na aludida redação, “o tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”.

Ora, no caso concreto tal fiscalização patenteia-se como imprescindível para garantia de não violação, pelo arguido, dos direitos da vítima, considerando, designadamente a postura do arguido de vitimização e de responsabilização da assistente, e a sua dificuldade na avaliação de eventuais responsabilidades próprias, o que conjugado com as divergências mantidas com a assistente relativamente à partilha de bens, configura uma relevante situação de risco que importa acautelar.

O cumprimento das acima referidas regras de conduta será, pois, fiscalizado, por meios técnicos de controlo à distância (cuja utilização foi já expressamente consentida pelo arguido).”

A simples leitura deste trecho da sentença recorrida evidencia que a decisão do Tribunal de 1ª instância não é passível de qualquer censura.

Como bem nota o Digno Magistrado do Ministério Público na sua resposta ao recurso, «… as declarações da vítima e demais testemunhas e ainda o relatório social (…) elaborado pela DGRSP e constante de fls. 310 a 312 dos autos, revelam um grande sentimento de insegurança da vítima, receio desta pela sua integridade física e vida e a conflitualidade demonstrada pelo recorrente e dificuldades de interiorizar o desvalor da sua conduta, o que inclusive se traduziu na decisão do Tribunal a quo determinar que os contactos a realizar relacionados com as responsabilidades parentais do filho menor de ambos ou com o divórcio e divisão do património fossem feitas através de terceira pessoa, para evitar qualquer tipo de contacto ou situação que o propiciasse. Tendo em conta que a distância de 200 metros ainda permitem um contacto visual e auditivo entre os intervenientes e uma proximidade espacial entre o recorrente e a vítima, a distância de 400 metros não é desproporcional nem desadequada ao caso concreto. Tanto mais que o recorrente não se encontra proibido de se aproximar da residência e/ou local de trabalho, apenas de ali permanecer num raio de 400 metros e de se aproximar da vítima num raio de 400 metros. »

Na verdade, se tivermos em consideração a acentuada ilicitude dos factos, a reiteração dos comportamentos, a falta de sentido crítico sobre a sua atuação e o grande sentimento de insegurança da vítima, que é fundado, entendemos que a imposição ao arguido/recorrente da proibição de contactos e o afastamento da vítima, no mínimo de 400 metros, sujeito a vigilância eletrónica, constitui um meio adequado e legal de proteção, não merecendo qualquer reparo a decisão recorrida.

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, mais nada nos resta senão concluir que o presente recurso irá improceder.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se na íntegra a Sentença final recorrida.

Fixa-se a taxa de justiça devida pelo Recorrente em 4 (quatro) UCs.

Évora, 24/ 01/2023