NÃO CONCESSÃO DE LIBERDADE CONDICIONAL
ATITUDE DE DESCULPABILIZAÇÃO
FALTA DE JUÍZO DE PROGNOSE POSITIVO
Sumário

I - Sublinhando-se que a efetiva reinserção social é o objetivo programático assumido do instituto da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efetivamente alcançado há-de revelar-se através das várias dimensões pessoais que se encontram consagradas no artigo 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal a saber: as circunstâncias do caso; a vida anterior do agente; a sua personalidade e a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão.
II - O sinal mais evidente da impreparação do recluso para, uma vez em liberdade, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, advém da sua atitude de desculpabilização e de falta de consciencialização integral da gravidade dos factos praticados – factos integradores de um crime de homicídio qualificado e de dois crimes de rapto, praticados em coautoria – na medida em que o seu envolvimento nos crimes cometidos, e pelos quais o recorrente cumpre uma pena de 17 anos de prisão, é explicado pelo próprio com a sua imaturidade e com a influência do outro indivíduo com quem agiu.
III - Para a verificação da materialidade justificadora da colocação do arguido em liberdade antes do terminus do cumprimento da sua pena, não basta a verificação dos requisitos formais e a ausência de fortes indícios de um juízo de prognose desfavorável, ou seja, a falta de um juízo de prognose negativo. O legislador, na previsão do artigo 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal foi notoriamente mais exigente, estabelecendo, cumulativamente, condições formais – relacionadas com o consentimento do recluso e com o período da pena já fundadamente formulado.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Por decisão proferida autos de processo de liberdade condicional com o n.º 1969/12.8TXLSB-P, que correm termos no Juízo de Execução de Penas – J1 do Tribunal de Execução de Penas de Évora, não foi concedida a liberdade condicional ao arguido AA, identificado nos autos, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de ….

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1ª - É consabido que estando em causa nos autos a negação da concessão da liberdade condicional depois de cumpridos 2/3 da pena de prisão o Tribunal se deve ater exclusivamente às necessidades de prevenção especial;

2ª – Pelos motivos elencados em “II”, a reaproximação ao meio livre do recluso já decorre há tempo suficiente e que permite antever um juízo de prognose francamente favorável relativamente ao seu comportamento futuro em conformidade com o direito, socialmente responsável e sem cometer crimes;

3ª – Considerando, designadamente, factos os supra elencados em “II” 8. a 17. e, salvo melhor e mais douto entendimento, entende o arguido que aqueles demonstram um firme, contínuo e sério percurso de reaproximação ao meio livre por tempo superior a DOIS ANOS E MEIO o que permite antever um juízo de prognose francamente favorável relativamente ao seu comportamento futuro em conformidade com o direito, socialmente responsável e sem cometer crimes;

4ª - A decisão de privação de liberdade condicional do arguido terá necessariamente de se alicerçar em fortes indícios de que o mesmo, caso fosse colocado em liberdade, teria sérias probabilidades de vir a delinquir e a comportar-se de forma socialmente irresponsável, o que não se refere na douta decisão recorrida, nem se verifica in caso;

5ª - O arguido já está preso à mais de 11 anos e meio, já cumpriu 2/3 da pena de prisão, sem qualquer repreensão disciplinar, sempre se manteve ocupado laboralmente num percurso ininterrupto e isento de reparos negativos e responsável, tanto no interior na cadeia como no regime aberto ao exterior há mais de DOIS ANOS E MEIO;

6ª - Fruto do seu trabalho, o recluso está a pagar paulatinamente a indemnização em que foi condenado, o que igualmente revela uma atitude reparadora e de sincera interiorização e assunção do desvalor das condutas criminosas que praticou e que assume;

7ª - Motivos porque se entende que deve ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao arguido;

8ª - A douta decisão recorrida violou o artº 61º nº 3 do Cód. Penal.”

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional ao condenado.

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O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1 – Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a AA, tendo este ultrapassado o cumprimento de 2/3 do somatório das penas de 17 anos e 80 dias de prisão, em execução nos processos nºs … e …, pela prática de um crime de homicídio qualificado, dois crimes de rapto e um crime de condução sem habilitação legal.

2 – Atentos os elementos constantes dos autos, designadamente os referenciados nos relatórios da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (serviço de educação/tratamento penitenciário e serviço de reinserção social), as declarações do condenado, o seu registo criminal e respectiva ficha biográfica, conclui-se que não é possível nem razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que este uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à Lei Penal e afastado da prática de novos crimes.

3 – Na verdade, a falta de uma adequada interiorização crítica das suas condutas criminosas e suas consequências e da necessidade de cumprimento das penas, conjugada com um percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre a carecer de maior consolidação e a existência de antecedentes criminais, constituem-se como factores de risco de recidiva criminal, risco esse que não é socialmente sustentável e impede a liberdade condicional.

4 – Por estas razões, quer o CT (por unanimidade dos seus membros) quer o MP emitiram pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.

5 – Tendo, pois, em conta que não se mostram verificados os pressupostos materiais/ substanciais previstos no artigo 61 º n ºs 1, 2 al. a) e 3 do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.

6 – Consequentemente, bem andou o Tribunal “a quo” ao não conceder a liberdade condicional ao recorrente, tendo sido efectuada uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito, sendo certo que a decisão “sub judice” encontra-se devidamente fundamentada, não merecendo qualquer censura.”

*

O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.

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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, tendo o recorrente apresentado a sua resposta, na qual, reiterou a argumentação expendida no requerimento de interposição de recurso.

Redistribuídos aos autos à signatária, em cumprimento do disposto no artigo 379º n.º 3, do CPP, procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, a saber:

- Determinar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito em virtude de se encontrarem reunidos os pressupostos legais, formais e materiais, para ser concedida ao recorrente a liberdade condicional ou se, ao invés, os critérios legais, aplicados à situação do arguido, justificam a sua manutenção.

II.II - A decisão recorrida.

É o seguinte o teor da sentença recorrida: “I - Relatório Os presentes autos de liberdade condicional reportam-se a AA (já identificado nos autos), a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de …. Para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional, agora cumpridos os 2/3 da pena em execução, os autos voltaram a ser instruídos com os relatórios previstos no art.º 173 n.º 1 do Código de Execução das Penas. O Conselho Técnico reuniu, emitindo o respectivo parecer, e foi ouvido o recluso. Também pelo MºPº foi emitido o parecer que antecede.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A – OS FACTOS

Julgo provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:

1 – Recluído desde 26/11/2010, o recluso cumpre uma pena de 17 (dezassete) anos de prisão, pela prática dos crimes de homicídio qualificado e rapto (2), conforme decisão proferida no Proc. n.º … da Secção Cível e Criminal (Juiz …) da Instância Central de …;

2 - Entretanto cumpriu também 80 dias de prisão subsidiária aplicada no Proc. …, aqui condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

3 - Perfez metade da primeira pena em 14/8/2019, os seus 2/3 em 14/6/2022, prevendo-se os 5/6 da soma de ambas as penalidades para 1/5/2025, e o termo para 14/2/2028;

4 – Para além dos crimes referidos, o recluso regista anterior condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa, que cumpriu;

5 – O recluso declarou aceitar a liberdade condicional;

6 – O Conselho Técnico emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (por unanimidade dos seus elementos);

7 – Também o parecer do MºPº foi de sentido desfavorável a tal;

8 – O recluso não averba reparos disciplinares;

9 - Tem-se mantido ocupado laboralmente desde 1/10/2012, começando por exercer funções como serralheiro. Em 2014, por recusa a submissão a teste de despiste do consumo de substâncias psicoactivas, passa a inactivo, mas em Março de 2015, após realização de teste com resultado negativo, passa de novo a integrar o sector da serralharia. Em Março de 2018 volta a ficar inactivo, alegando estar saturado do posto de trabalho, mas em Junho de 2018 volta a trabalhar na serralharia, onde se manteve até Maio de 2020, altura em que foi colocado em regime aberto para o interior, passando a trabalhar como faxina nos serviços gerais;

10 – Beneficia de licenças de saída jurisdicional desde Março de 2020;

11 – Foi colocado a cumprir a pena em regime aberto para o exterior em 21/9/2020;

12 - E é transferido para o Estabelecimento Prisional de … em Outubro de 2021, logo passando a integrar brigada não custodiada de serviço externo, prestando trabalhos de manutenção de espaços verdes, e de serralharia, na Câmara Municipal da …, com avaliação positiva do seu desempenho;

13 - Sem motivação para participar nas actividades sócio-culturais promovidas no Estabelecimento Prisional, pratica algum exercício físico;

14 - Pretendendo casar com a namorada, em liberdade é desejo de ambos viver nos … (…), de onde aquela é natural e onde detém apoio da respectiva família; as últimas licenças de saída jurisdicional foram já gozadas junto da namorada, nos …;

15 – O recluso dispõe de proposta de trabalho em empresa de construção civil, sedeada em …;

16 - Condenado a pagar indemnização pelos danos provocados com os crimes cometidos, já o vem fazendo com o produto do rendimento do seu trabalho, desejando amortizar a sua dívida em prestações mensais;

17 - Assume a prática dos crimes, explicando o seu envolvimento no sucedido com a sua imaturidade e a influência do outro indivíduo com quem agiu. Reconhece os graves danos causados, afirmando-se arrependido, mas apresenta alguma resistência em abordar o seu comportamento de forma crítica.

B – CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa: a) Certidão das decisões condenatórias e liquidação das penas (a fls. 2 a 28 e a fls. 58 a 67). A recontagem da pena de prisão aplicada no Proc. … consta a fls. 132; b) Certificado do Registo Criminal (a fls. 185 a 188); c) Ficha biográfica do recluso e relatório dos serviços de educação, juntos a fls. 223 a 230; d) Relatório dos serviços de reinserção social, a fls. 231 a 233; e) Esclarecimentos obtidos em reunião do Conselho Técnico, realizada no dia 6/6/2022; f) Declarações do recluso, ouvido a 6/6/2022, complementadas com declarações de fls. 242 e 243.

C – O DIREITO

Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo “…criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização” 1. Segundo o art.º 61 do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional: 1 - Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos; 2 - Que aceite ser libertado condicionalmente; São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis: A) Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes; B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (requisito que não se mostra necessário aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta do disposto no n.º 3 do preceito em causa). Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral.

Assim, e considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-de revelar-se através dos seguintes aspectos: 1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal – e da medida concreta da pena em cumprimento); 2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais); 3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente); 4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre). Deve sublinhar-se que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial. Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso. No caso dos autos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional estão reunidos: o recluso já cumpriu os 2/3 da pena em execução, e continua a aceitar a liberdade condicional. No entanto, tal conclusão não nos é ainda possível formular quanto aos requisitos substanciais da liberdade condicional. É certo que, cumpridos os 2/3 da pena, e por força da lei, devemos já considerar devidamente satisfeitas as necessidades de prevenção geral reclamadas no caso. Mas, e sendo inegável o percurso positivo que o recluso vem apresentando, parece-nos que se justifica a continuação do processo da sua reaproximação ao meio livre, sobretudo agora que está a gozar saídas naquele que será o seu meio de residência, e onde se perspectiva inserir laboralmente. A continuação da flexibilização da pena é, assim, necessária, seja para que o recluso se vá paulatinamente adaptando à realidade que o espera no exterior, mas também para que possa ser avaliada de forma mais objectiva a sua actual capacidade e determinação para uma mudança de estilo de vida, sobretudo numa fase em que cumpre a pena em regime de menor controlo (e, por conseguinte, com maiores exigências de responsabilidade). Também, a gravidade dos crimes cometidos e a extensão da pena imposta (de 17 anos, com termo apenas previsto para 14/2/2028) reclamam que se continue a trabalhar com o recluso, no sentido de este conseguir, em reflexão mais crítica e focada, ultrapassar factores de desculpabilização, assumindo de modo claro e mais assertivo, a sua própria e autónoma responsabilidade criminal. Desta forma se excluindo o risco de repetição criminosa pois que, sem uma plena interiorização da responsabilidade (que pressupõe um efectivo juízo de reprovação interior), mais difícil será prever uma futura alteração de comportamentos.

III – DECISÃO

Pelo que, não concedo ainda a liberdade condicional a AA”

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II.III - Apreciação do mérito do recurso.

Considera o recorrente que a sentença recorrida assenta num juízo errado relativamente à verificação dos requisitos e à prognose favorável exigida por lei para a concessão da liberdade condicional.

Num breve apontamento sobre a natureza, a evolução e a finalidade deste instituto, consignamos que, tendo tido a sua origem em França, no início do séc. XIX, em Portugal o mesmo só viria a ter consagração legal em finais do mesmo século, enquadrado numa perspetiva ético-retributiva das penas, ou seja, concebido como uma recompensa aos condenados por boa conduta na reclusão. O regime foi sofrendo alterações ao longo do tempo, tendo-se assumido em 1972 que a liberdade condicional constituía uma modificação da pena de prisão na fase final da execução e tendo passado a ser competente para o seu decretamento o Tribunal de Execução de Penas.

A reforma relevante do instituto da liberdade condicional, surgiu em 1982, com a aprovação do novo Código Penal, que manteve as duas modalidades já existentes, a obrigatória e a facultativa. No ponto 9 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal, consignou-se, a propósito da liberdade condicional, estar «definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».

Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização” (1). Já quanto à natureza jurídica da liberdade condicional, é quase unânime a sua qualificação como uma realidade inerente à execução da pena.

Foi, por fim, a reforma do Código Penal realizada em1995 que, no essencial, veio a dar ao instituto da liberdade condicional a sua configuração atual. Hoje, a liberdade condicional facultativa (ope judicis) e a liberdade condicional necessária (ope legis) constituem incidentes na execução da pena de prisão, e obedecem aos seguintes requisitos de ordem geral:

- Só podem ser decretadas com o consentimento do recluso, nos termos estabelecidos pelos artigos 61.º, nº 1.º do CP e 176.º, nº1.º do CEPMPL;

- A sua duração não pode ultrapassar o tempo que ainda falta cumprir, nem ser superior a cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena – o que consubstancia uma verdadeira modificação redutora da pena (2) – de acordo com o disposto no artigo 61.º, nº 5.º do CP e em adequação com a finalidade de prevenção especial de reintegração do condenado na sociedade estabelecida no artigo 40.º do CP.

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Na sentença recorrida considerou-se estarem verificados os pressupostos formais exigidos para a concessão da liberdade condicional, mas não o pressuposto material consubstanciado no juízo de prognose favorável sobre o comportamento do recluso em liberdade.

O recorrente discorda de tal juízo decisório, fazendo assentar a sua discordância, em suma nas seguintes ordens de razões:

- Na perspetiva do recorrente, os factos tidos como provados na decisão “(…) demonstram um firme, contínuo e sério percurso de reaproximação ao meio livre por tempo superior a dois anos e meio o que permite antever um juízo de prognose francamente favorável relativamente ao seu comportamento futuro em conformidade com o direito, socialmente responsável e sem cometer crimes”;

- Mais alega que “(…) a decisão de privação de liberdade condicional do arguido terá necessariamente de se alicerçar em fortes indícios de que o mesmo, caso fosse colocado em liberdade, teria sérias probabilidades de vir a delinquir e a comportar-se de forma socialmente irresponsável, o que não se refere na douta decisão recorrida, nem se verifica in caso (…)”;

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Entendemos, porém, que não lhe assiste razão.

Vejamos.

Constituindo a liberdade condicional um período de transição entre a prisão e a vida em liberdade, que visa essencialmente permitir que o recluso se reintegre na comunidade após um período de afastamento motivado pelo cumprimento de pena de prisão, é a lei, no Código Penal, que fixa os seus pressupostos formais e materiais. A tal respeito, dispõe artigo 61.º do CP, da seguinte forma:

“Artigo 61.º

Pressupostos e duração

1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”

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De acordo com a norma transcrita, os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional facultativa em causa anos presente autos são:

a) O cumprimento de dois terços da pena de prisão, em período não inferior a seis meses (nº 3);

b) O consentimento do recluso (nº1).

E o pressuposto material ou substancial é:

a) O juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade de que saberá conduzir a sua vida em meio livre, sem cometer crimes (al. a) do nº 2, ex vi nº 3).

No caso presente não se encontra posta em causa a verificação dos pressupostos formais de concessão da liberdade condicional ao recorrente. Uma vez que o mesmo já cumpriu 2/3 da pena e consentiu na liberdade condicional, o único requisito a verificar é o previsto na al. a) do nº 2, por remissão do nº 3 do artigo 61º do CP, ou seja, o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, de que saberá conduzir a sua vida em meio livre, sem cometer crimes.

Relevante para a formulação desse juízo, nas palavras de Figueiredo Dias, é a “capacidade objetiva de readaptação” por forma a que as expectativas sejam superiores ao risco de reincidência, revelando-se decisivo que o condenado tenha revelado “vontade séria” de se readaptar à vida social, ou seja, mais que da “vontade subjetiva”, tudo deve depender da capacidade de se readaptar analisada em termos objetivos. (3)

Sublinhando-se que a efetiva reinserção social é o objetivo programático assumido do instituto da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efetivamente alcançado há-se revelar-se através das várias dimensões pessoais que se vêm sedimentando no discurso normativo, a saber: as circunstâncias do caso (valoração do crime cometido e das realidades que serviram para a determinação concreta da pena); a vida anterior do agente (atendendo-se existência ou não de antecedentes criminais); a sua personalidade (que deve reconduzir-se à análise e compreensão do percurso criminoso do agente); a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão (que deve ser percetível através de padrões comportamentais reiterados, ativos ou omissivos, que persistam no tempo e que indiciem um adequado processo de preparação do agente para a vida em liberdade).

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Do acervo factológico relevante e tido por assente na decisão recorrida, extrai-se que:

- O recluso AA, atualmente com 36 anos de idade, nasceu em … de 1986 e é de nacionalidade ….

- Cumpre uma pena de 17 (dezassete) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado e de dois crimes de rapto, tendo, entretanto, cumprido, também 80 dias de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

- Encontra-se recluído desde 26.11.2010; perfez metade da primeira pena em 14.08.2019, os seus 2/3 em 14.6.2022, prevendo-se os 5/6 da soma de ambas as penas para 01.05.2025 e o termo para 14.02.2028.

- Para além de tais condenações o recluso regista ainda uma condenação pela prática de um crime de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa, que cumpriu.

- Não tem averbados reparos disciplinares no seu registo.

- Durante a reclusão, a sua situação laboral sofreu as seguintes vicissitudes:

a) Em 2012, começou a exercer funções como serralheiro;

b) Em 2014 passou a estar inativo por recusa a submissão a teste de despiste do consumo de substâncias psicoativas:

c) Em março de 2015, após realização de teste com resultado negativo, passou de novo a integrar o setor da serralharia.

d) Em março de 2018 volta a ficar inativo, alegando estar saturado do posto de trabalho;

e) Em junho de 2018 voltou a trabalhar na serralharia, onde se manteve até Maio de 2020, altura em que foi colocado em regime aberto para o interior, passando a trabalhar como faxina nos serviços gerais.

- Beneficia de licenças de saída jurisdicional desde março de 2020.

- Em 21.09.2020 foi colocado a cumprir a pena em regime aberto para o exterior.

- Em outubro de 2021 foi transferido para o Estabelecimento Prisional de …, tendo passado a integrar brigada não custodiada de serviço externo e prestando trabalhos de manutenção de espaços verdes e de serralharia na Câmara Municipal da …, com avaliação positiva do seu desempenho.

- Não revela motivação para participar nas atividades sócio culturais promovidas no Estabelecimento Prisional.

- Pratica algum exercício físico.

- Tem uma namorada, com a qual pretende casar, sendo desejo de ambos viver …, de onde aquela é natural e onde conta com o apoio da família.

- As últimas licenças de saída jurisdicional foram já gozadas junto da namorada, nos ….

- Dispõe de proposta de trabalho em empresa de construção civil, sedeada em ….

- Com o rendimento do seu trabalho tem vindo a realizar o pagamento da indemnização para ressarcimento dos danos provocados pelos crimes que cometeu, nos termos constantes da condenação de que foi alvo, pretendendo amortizar a sua dívida em prestações mensais.

- Assume a prática dos crimes, reconhecendo os graves danos causados e afirmando-se arrependido.

- Porém, apresenta alguma resistência em abordar o seu comportamento de forma crítica, explicando o seu envolvimento no sucedido com a sua imaturidade e com a influência do outro indivíduo com quem agiu.

- O Conselho Técnico, por unanimidade, pronunciou-se desfavoravelmente à concessão da liberdade condicional, sendo o parecer do Ministério Público igualmente desfavorável.

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No que diz respeito à primeira das duas ordens de razões apresentadas pelo recluso como fundamento do recurso – concretamente a alegação de que os factos provados permitem “antever um juízo de prognose francamente favorável relativamente ao seu comportamento futuro em conformidade com o direito” – ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, todas as circunstâncias que acima enunciámos nas quais deverá assentar o aludido juízo de prognose, foram, a nosso ver, corretamente valoradas e, indubitavelmente, tidas em conta na decisão recorrida, que a tal propósito consignou que:

“(…) No caso dos autos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional estão reunidos: o recluso já cumpriu os 2/3 da pena em execução, e continua a aceitar a liberdade condicional.

No entanto, tal conclusão não nos é ainda possível formular quanto aos requisitos substanciais da liberdade condicional.

É certo que, cumpridos os 2/3 da pena, e por força da lei, devemos já considerar devidamente satisfeitas as necessidades de prevenção geral reclamadas no caso.

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Mas, e sendo inegável o percurso positivo que o recluso vem apresentando, parece-nos que se justifica a continuação do processo da sua reaproximação ao meio livre, sobretudo agora que está a gozar saídas naquele que será o seu meio de residência, e onde se perspectiva inserir laboralmente. A continuação da flexibilização da pena é, assim, necessária, seja para que o recluso se vá paulatinamente adaptando à realidade que o espera no exterior, mas também para que possa ser avaliada de forma mais objectiva a sua actual capacidade e determinação para uma mudança de estilo de vida, sobretudo numa fase em que cumpre a pena em regime de menor controlo (e, por conseguinte, com maiores exigências de responsabilidade).

Também, a gravidade dos crimes cometidos e a extensão da pena imposta (de 17 anos, com termo apenas previsto para 14/2/2028) reclamam que se continue a trabalhar com o recluso, no sentido de este conseguir, em reflexão mais crítica e focada, ultrapassar factores de desculpabilização, assumindo de modo claro e mais assertivo, a sua própria e autónoma responsabilidade criminal.

Desta forma se excluindo o risco de repetição criminosa pois que, sem uma plena interiorização da responsabilidade (que pressupõe um efectivo juízo de reprovação interior), mais difícil será prever uma futura alteração de comportamentos.(…)”. Ora, da leitura do excerto transcrito avulta que foram vários os fatores que pesaram contra a concessão da liberdade condicional do recluso e não apenas o “passado delitivo grave do arguido”, como a motivação de recurso parece inculcar. De facto, a sentença sindicada afirma claramente que na fase atual de cumprimento da pena do recorrente as exigências de prevenção especial são relevantes, pois que ainda se verifica falta de cabal sentido crítico por parte do recluso, circunstância que, a nosso ver, especialmente se reportada a pessoa com antecedentes penitenciários e com o “passado delitivo grave do recorrente” (4) – condenado, entre o mais, pela prática em coautoria de um crime de homicídio qualificado e de dois crimes de rapto – constitui sério fator de risco de recidiva criminal. Acresce que o comportamento prisional do recluso, constituindo também um dos fatores de avaliação da eventual evolução positiva da sua personalidade, não se revela, no entanto, e por si só, decisivo, o que significa que o bom comportamento foi devidamente ponderado, mas foi considerado insuficiente para a formulação do juízo de prognose favorável imprescindível à concessão da liberdade condicional facultativa. Aliás, sem desvalorizar tal vertente do cumprimento da pena, é importante que a mesma não seja sobrevalorizada, do mesmo modo que se não deverá valorizar exageradamente o comportamento inadequado, em relação à expetativa da comissão de novos crimes em meio livre. Assim, ao nível da consciência crítica, é evidente que a sentença fez adequada ponderação, tendo entendido que o condenado não a evidencia de forma sedimentada. A este propósito, se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, afirmando que “não estamos perante a exigência de um ato de contrição momentâneo divulgado in extremis quando se aproxima ou se conhece mesmo a data da audição para efeitos de concessão da liberdade condicional, antes de um processo dinâmico que se vai desenvolvendo gradualmente e que conduz à conclusão pela verificação (ou não, bem entendido) dos mencionados reconhecimento e consciência do mal do crime.” (5)

Conforme assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, a respeito da situação recluso“(…) cumpre saber se perante tais factos é possível fazer um juízo de prognose positivo que assegure um comportamento futuro em conformidade com o direito, ou a possibilidade de reincidência é de tal forma elevada que obvia a esse juízo ou por outras palavras, se é ou não possível defender que as expectativas de reinserção são manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da restituição do recluso à liberdade? (…)

A nosso ver, ainda existe risco de recidiva criminal que não é socialmente sustentável.

Tal risco deriva do facto do recluso ainda apresentar défices ao nível da interiorização crítica das suas condutas criminosas, da sua culpa e da necessidade de cumprimento das penas em situação de reclusão (défices não só constatados pelo Tribunal como evidenciados nos relatórios dos serviços prisionais).

Na verdade, a evolução positiva da personalidade durante a execução da pena, não se esgota no comportamento regular e cumpridor das regras institucionais e no exercício de actividade laboral (aspectos que o recorrente obviamente satisfaz), mas tem de passar, necessariamente, pela exteriorização da construção crítica que ao longo da reclusão vai sendo feita acerca da(s) conduta(s) criminosa(s), num padrão de verbalização estruturado e consistente que aponte de forma inequívoca para a verificação de uma adequada preparação para a vida em meio livre (evolução essa que no caso do condenado não pode considerar-se como tendo sido atingida em grau de suficiência).

(…) Por outro lado, verifica-se que muito embora o recorrente venha a efetuar um percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre que se considera muito positivo, o certo é que este carece de consolidação, designadamente quanto à continuação da sua avaliação em regime aberto para o exterior e da sua reaproximação ao meio livre, sendo certo que esta maior necessidade de avaliação deriva também e obviamente da dimensão das penas que o mesmo cumpre.

Tanto vale por dizer, que não são visíveis indícios consistentes de uma evolução da personalidade do condenado que façam situar as exigências de prevenção especial num patamar compatível com a sua libertação antecipada, impondo-se a necessidade de continuação do cumprimento das penas.

Salienta-se, finalmente, que o termo do somatório das penas aqui em causa só está previsto para 14-2-2028, pelo que a concessão da liberdade condicional ao recluso neste momento, implicaria obrigatoriamente uma modificação do quantum das penas e um período muito alargado de liberdade condicional (cinco anos), por força do disposto no artigo 61 º n º 5 do CP, o que se nos afigura dificilmente compaginável com a natureza e extrema gravidade dos crimes praticados e sua deficitária interiorização crítica.”

*

Nesta conformidade, acompanhamos a conclusão vertida na sentença no sentido de que de que a natureza muito grave dos crimes e a circunstância de os autos não evidenciarem

uma plena interiorização da responsabilidade pelo seu cometimento, ou seja, um efetivo juízo de reprovação interior, deverem ser sopesadas e conexionadas, de forma muito prudente, com a evolução da personalidade do recluso durante o cumprimento da pena. Diremos ainda que o sinal mais evidente da impreparação do recluso para, uma vez em liberdade, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, advém da sua atitude de desculpabilização e de falta de consciencialização integral da gravidade dos factos praticados, na medida em que o seu envolvimento nos crime cometidos e pelos quais o recorrente cumpre pena de prisão é explicado, pelo próprio, “com a sua imaturidade e com a influência do outro indivíduo com quem agiu”. Não poderá, a nosso ver, tal sinal deixar de ser entendido – tal como o entenderam, aliás, o Conselho Técnico, o Ministério Público e o Juiz “a quo” – como evidenciador da ausência atual de uma “vontade séria” do recluso de readaptação à vida social uma vez restituído à liberdade.

Finalmente, no que diz respeito ao segundo ponto da argumentação do recorrente acima enunciado – qual seja o de que “a decisão de privação de liberdade condicional do arguido terá necessariamente de se alicerçar em fortes indícios de que o mesmo, caso fosse colocado em liberdade, teria sérias probabilidades de vir a delinquir e a comportar-se de forma socialmente irresponsável” – o mesmo não encontra qualquer sustentação nas normas e princípios que regulam a concessão da liberdade condicional e que temos vindo a apreciar.

Conforme acima explanado, o artigo 61º nº 2, al. a) do CP, por remissão do nº 3 do mesmo preceito, estabelece como requisito material necessário para a concessão da liberdade condicional ao condenado a verificação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, de que saberá conduzir a sua vida em meio livre, sem cometer crimes. Trata-se de uma condição positiva sem a qual o condenado não poderá ser colocado em liberdade.

Diferentemente, na argumentação apresentada pelo recorrente e que agora apreciamos, o juízo de prognose surge, na sua dimensão negativa, como impeditivo da concessão da liberdade condicional. Nos termos de tal construção, verificados os pressupostos formais, o tribunal deveria sempre conceder ao condenado a liberdade condicional exceto se tivesse elementos que lhe permitissem formular uma juízo de prognose desfavorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, ou, nas palavras do recorrente, se dispusesse de “fortes indícios de que o mesmo, caso fosse colocado em liberdade, teria sérias probabilidades de vir a delinquir e a comportar-se de forma socialmente irresponsável”. Ora, tal formulação não está prevista na lei, não encontrando cobertura nem na letra nem no espírito do artigo 61º do CP acima transcrito. O legislador foi notoriamente mais exigente no que diz respeito à previsão da materialidade justificadora da colocação do arguido em liberdade antes do terminus do cumprimento da sua pena, estabelecendo, cumulativamente, condições formais – relacionadas com o consentimento do recluso e com o período da pena já cumprido – e uma condição material consubstanciada num juízo de prognose positivo fundadamente (6) formulado. Não basta, pois, ao contrário do que parece entender o recorrente, a verificação dos requisitos formais e a ausência de fortes indícios de um juízo de prognose desfavorável.

***

Por tudo o exposto, concluímos que não estão preenchidos os requisitos para a concessão da liberdade condicional ao recorrente, revelando-se bem fundado o juízo realizado pelo tribunal a quo relativamente à sua recusa, pelo que o recurso deverá improceder.

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III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)

Évora, 24 de janeiro de 2023

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

Margarida Bacelar

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1 Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 528.

2 Segundo Artur Vargues, in “Alterações ao Regime da Liberdade Condicional”, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, página 58.

3 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 539.

4 Utilizando a expressão trazida ao processo pelo próprio recluso no recurso.

5 Acórdão da Relação de Lisboa de 26.06.2017 proferido no processo 1673/10.1TXEVR-Q.L1-5, relatado pelo Desembargador Artur Vargues e disponível em www.dgsi.pt.

6 Previsão expressa do nº 2 do artigo 61º do CP.