ADIAMENTO DE JULGAMENTO
Sumário

1 - Com a alteração introduzida ao artº 328º, nº 6, 2ª parte, do C.P.P. pela L. 27/2015 de 14/4, o decurso de prazo de 30 dias desde a última sessão de julgamento não tem como consequência a perda da eficácia da prova anteriormente produzida nessa sessão.
2 - Temos, assim, que a circunstância de a 1ª parte do referido nº 6 do artº 328º - “O adiamento não pode exceder 30 dias” - permanecer inalterada, não tem qualquer consequência.
Trata-se de um prazo indicativo (como muitos outros), cujo desrespeito inicial, isto é, logo quando se designa a sessão de julgamento seguinte, apenas obriga a que se consignem os motivos desse mesmo desrespeito, tal como expressamente se determina na indicada disposição legal.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

RELATÓRIO

No âmbito do processo 7/19.4T1PTM ocorreu uma sessão de julgamento em 6/10/2021.

Apreciando requerimento formulado pela arguida AA, no qual se solicitava “a desmarcação da sessão da audiência de julgamento agendada para o dia 21/09/22” (para a qual foi designada a produção dos meios de prova já anteriormente produzidos na referida sessão de 6/10/2021), em 8/9/2022, foi proferido o seguinte despacho:

“Requerimento 43182351

A prova produzida na sessão de 06 de Outubro de 2021 perdeu eficácia, ante o tempo decorrido, pelo que se mantém a marcação da sessão de 21 de Setembro de 2022, com o objecto fixado no despacho de 15 de Julho de 2022.”

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Inconformada com tal despacho, dele recorreu a arguida, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1- O presente recurso é interposto do despacho datado de 08/09/2022, que decidiu que “a prova produzida na sessão de 06 de Outubro de 2021 perdeu eficácia, ante o tempo decorrido, pelo que se mantém a marcação da sessão de 21 de Setembro de 2022 (que entretanto passou para 25/10/2022), com o objeto fixado no despacho de 15 de Julho de 2022”, assim indeferindo o que tinha sido requerido pela arguida em 06/09/2022.

2- O despacho em questão não se encontra fundamentado de facto nem de direito e é nulo – artigos 374, N.º 2 e 379, N.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

3- Acresce que, o despacho recorrido viola o disposto no artigo 328 do Código de Processo Penal, na redação que lhe foi conferida pela Lei N.º 27/2015, de 14 de Abril.

4- Após as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei N.º 27/2015, de 14 de Abril, não há a perda da eficácia da prova ainda que seja ultrapassado o prazo de 30 dias entre as sessões da audiência de julgamento – veja-se acórdão de fixação de jurisprudência N.º 1/2016, publicado no Diário da República n.º 2/2016, Série I de 05/01/2016.

5- A produção de prova que coincida com a prova que já foi produzida na audiência de 06/10/2021 não é admissível e não pode ser valorada.

NESTES TERMOS e nos mais de direito e sem prejuízo do tribunal “a quo” proceder à reparação da decisão (artigo 414, N.º 4, do Código de Processo Penal), deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e em consequência ser revogada a decisão recorrida não se permitindo que seja valorada a produção de prova que coincida com a prova que já foi produzida na audiência de 06/10/2021.

Assim se decidindo, far-se-à

JUSTIÇA”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1. A recorrente inconformada com o despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, em 08.09.2022, dele veio recorrer invocando, por um lado ,a nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal e, por outro, a violação do disposto no artigo 328.º do mesmo diploma legal, na redação conferida pela Lei n.º 27/2015, de 14 de abril.

2. No que concerne à nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, importa salientar que não estamos perante uma sentença, mas sim de um despacho que ainda que exija fundamentação, a sua falta ou insuficiência não é passível de ser cominada com nulidade, mas como uma mera irregularidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 97.º e 118.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.

3. As irregularidades estão sujeitas ao regime do artigo 123.º, n.º 1, do C.P.P., sendo certo que a recorrente não cumpriu esse regime, já que não a invocou perante o Tribunal “a quo”, no prazo previsto nesse preceito legal, motivo, pelo qual, a existir tal irregularidade/ invalidade invocada já se encontra sanada pelo decurso do tempo.

4. Em face do exposto, deverá o recurso interposto pela recorrente, nesta parte, ser rejeitado por impossibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal.

5. Relativamente à violação do disposto no artigo 328.º do Código de Processo Penal, importa considerar que, entre o início da produção de prova, 06.10.2021,e a data de marcação da nova sessão de julgamento,21.09.2022, decorreu aproximadamente um ano.

6. Ora, sufragando o entendimento do Tribunal “a quo”, a continuação da audiência de julgamento, sem repetição da prova produzida, era susceptível de interferir na produção da demais prova, porquanto, conforme amiúde sucede, as questões colocadas aos sucessivos depoentes têm na sua origem aquilo que foi dito pelo depoente anterior, por forma a aferir da respetiva credibilidade e como tal da (in)coerência daquilo que está a ser narrado e, consequentemente no esclarecimento da verdade material.

7. Assim, a continuidade da audiência de julgamento, com este hiato temporal tão vincado entre aquela primeira sessão e a que agora importaria designar, iria contrariar frontalmente os princípios da concentração e continuidade da audiência de julgamento e, consequentemente, da imediação e oralidade da produção da prova, motivo, pelo qual, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.

8. Não se mostram, pois, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente o disposto nos artigos 97.º, 118.º, n.ºs 1 e 2, 123.º, n.º 1 e 328.º do Código de Processo Penal.

Face ao exposto deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, a decisão judicial recorrida.”

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso no que diz respeito à alegada nulidade do despacho recorrido e no sentido da procedência no que diz respeito à não perda da eficácia da prova produzida na sessão de julgamento de 6/10/2021.

A recorrente respondeu ao parecer, reiterando o anteriormente alegado na motivação de recurso.

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APRECIAÇÃO

Importa apreciar no presente recurso:

- o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação?

- a prova produzida na sessão de julgamento de 6/10/2021 não perdeu eficácia?

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Quanto à 1ª questão

Entende a recorrente que o despacho recorrido é nulo nos termos dos artºs 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), do C.P.P., por não se encontrar fundamentado de facto e de direito.

É para nós evidente que o despacho recorrido não se encontra devidamente fundamentado, nem de facto, nem de direito, não dando devido cumprimento ao disposto no artº 97º, nº 5, do C.P.P..

Quanto à fundamentação de facto limita-se a referir “ante o tempo decorrido”, desconhecendo-se se subjaz a isso o decurso de mais de 30 dias desde a sessão de julgamento de 6/10/2021, ou o decurso de qualquer outro prazo.

Quanto à fundamentação de direito, nenhuma disposição legal, ou princípio jurídico a ter em conta, são referidos.

Acontece que as nulidades previstas no artº 379º, nº 1, do C.P.P. aplicam-se apenas às sentenças, ou, quando muito, também a despachos que a elas se assemelhem (por exemplo, decisões instrutórias), o que não é o caso em apreço.

Temos, assim, que a deficiência de que padece o despacho recorrido consubstancia uma irregularidade que não foi atempadamente arguida pela recorrente nos termos do artº 123º, nº 1, do C.P.P., pelo que está a mesma sanada.

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Quanto à 2ª questão

Sendo o despacho recorrido irregular nos termos acabados de referir, ficamos sem saber as razões da declarada perda de eficácia da prova produzida na sessão de julgamento de 6/10/2021.

Terá sido porque se entendeu que foi ultrapassado o prazo de 30 dias desde essa sessão? Terá sido porque, embora se entenda não aplicável tal prazo, se entendeu que decorreu muito tempo? Ou terá sido por outra razão qualquer?

Seja como for, temos para nós como certo que com a alteração introduzida ao artº 328º, nº 6, 2ª parte, do C.P.P. pela L. 27/2015 de 14/4, o decurso de prazo de 30 dias desde a última sessão de julgamento não tem como consequência a perda da eficácia da prova anteriormente produzida nessa sessão.

As razões para essa alteração são bem conhecidas: tratou-se de evitar a perda da eficácia da prova quando é certo que sendo toda a prova gravada, não há razões para “esquecimento” da mesma. Basta ouvir a gravação dos depoimentos.

Bem se sabe que, como se refere no ac. de fixação de jurisprudência nº 1/2016, “Isso mesmo era também já referido por Castro Mendes (Direito Processual Civil, III, 1980, pags 210-211) quando conferindo suma importância à oralidade, à imediação e à concentração, esta com o objectivo de os juízes não esquecerem «as impressões colhidas na produção de prova», concluía que o registo dos depoimentos mesmo que fosse em gravação para efeitos de apreciação pelo tribunal superior não esbatia essa importância pois, como sublinhava, «o comportamento da testemunha tem a sua relevância».

Só a gravação áudio e vídeo dos julgamentos contribuiria para a “frescura” total da prova anteriormente produzida. Mas o que é certo é que a alteração legislativa referida desconsiderou a inexistência de gravação vídeo, apelando genericamente ao “contexto tecnológico actual”.

Temos, portanto, que como se refere no indicado acórdão de fixação de jurisprudência (proferido por referência à redacção anterior do artº 328º do C.P.P.):

“O primeiro período do n.º 6 do art. 328º mantem-se inalterado. Já o período seguinte, ou 2ª parte do dispositivo, sofreu profunda alteração aludindo a hipóteses em que não seja possível evitar o adiamento por mais de 30 dias. Mas desapareceu do texto a cominação que lá figurava e que é o epicentro da polémica subjacente ao tema deste acórdão: a que estipulava que a ultrapassagem do prazo de 30 dias implicava a perda da eficácia da prova.

Se se atentar na redacção do n.º 7 do dito art. 328º enunciam-se várias situações que passaram a não ser consideradas para a transcorrência desse prazo: (i) o decurso das férias judiciais; (ii) o período durante o qual, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova; (iii) o período em que os autos aguardem a prolação da sentença; (iv) o período em que decorra o recurso que anule parcialmente o julgamento para repetição de prova ou produção de prova suplementar.

Pareceria que o objectivo de tal enunciação visaria precisamente contornar ou evitar a perda de eficácia nesses casos, configurando-se como excepções a essa regra. Intenção baldada visto que a cominação que existia - a perda da eficácia da prova - desapareceu.

A "Exposição de Motivos" da Proposta de Lei n.º 263/XII é clara a tal respeito. Um dos alvos das alterações que eram propostas e foram aceites era «a eliminação da sanção consistente na perda da prova, por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida» adiantando-se depois que «No contexto tecnológico atual, a sanção legalmente prevista - perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação.»

Isto é, presentemente, em circunstância alguma se poderá colocar a questão da perda da eficácia da prova caso se veja ultrapassado o prazo de 30 dias entre cada intervalo da audiência aconteça isso porque razão for.”

Temos, assim, que a circunstância de a 1ª parte do referido nº 6 do artº 328º - “O adiamento não pode exceder 30 dias” - permanecer inalterada, não tem qualquer consequência.

Trata-se de um prazo indicativo (como muitos outros), cujo desrespeito inicial, isto é, logo quando se designa a sessão de julgamento seguinte, apenas obriga a que se consignem os motivos desse mesmo desrespeito, tal como expressamente se determina na indicada disposição legal.

Nada mais do que isso, não ficando “nas mãos” do Juiz, como parece resultar da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público, aquilatar em que casos deve ocorrer, ou não, a perda da eficácia da prova produzida na anterior sessão de julgamento.

Tem, pois, razão a recorrente nesta parte.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso parcialmente procedente, nos termos referidos, e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, devendo o processo seguir os seus termos sem perda da eficácia da prova produzida na sessão de julgamento de 6/10/2021.

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Sem tributação.

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Évora, 24 de Janeiro de 2023

Nuno Garcia

António Condesso

Laura Goulart Maurício