LIBERDADE CONDICIONAL
LIBERTAÇÃO
DEFESA DA ORDEM JURÍDICA
COMPATIBILIDADE
Sumário

O instituto da liberdade condicional tem sido considerado (embora de forma não totalmente pacífica) como um incidente da execução da pena privativa de liberdade (ou modificação da sua execução), embora com a redacção dada ao artigo 61º, do Código Penal pela Lei nº 59/2007, de 04/09, esta concepção se apresente em crise, mormente com a consagração de que tendo a liberdade condicional uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, se considera extinto todo o período que ultrapasse aquele limite (no pressuposto de que não venha ela a ser revogada, obviamente), pois estamos aqui verdadeiramente perante uma modificação posterior e substancial da condenação penal, traduzida na sua redução.
O requisito da compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social (exigível quando a apreciação ocorre em momento em que ainda se não encontram cumpridos dois terços da pena) traduz a preocupação com as exigências de prevenção geral, enquanto o juízo de prognose sobre a adoção de um comportamento socialmente responsável, defeso da prática de crimes, se prende com as necessidades de prevenção especial de socialização.
A norma contida na alínea a), do nº 2, do artigo 61º, do Código Penal, manda atender à “personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão” e é precisamente a postura face ao crime da condenação manifestada no decurso do cumprimento de pena que constitui um dos elementos fundamentais para aferir dessa evolução, o que, cumpre dizer, se não configura como um segundo julgamento sobre os mesmos factos e por isso não oblitera a norma vertida no nº 5, do artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa.
Aliás, que assim se deve entender, resulta da obrigatoriedade legal – plasmada no artigo 173º, nº 1, alínea a), do CEPMPL – de que o relatório dos serviços prisionais que instrui o processo de liberdade condicional contenha a “avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena (…) e da sua relação com o crime cometido”, não podendo estes factores deixarem de se reportar à posição que o condenado expressa ao longo do cumprimento da pena face aos factos criminosos em razão dos quais esta lhe foi aplicada e não apenas ao que verbaliza perante os técnicos de tratamento penitenciário e de reinserção social ou quando da sua audição pelo Juiz do Tribunal da Execução das Penas, com vista à prolação, em momento subsequente, da decisão sobre a liberdade condicional.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. No Tribunal de Execução das Penas de Évora - Juízo de Execução das Penas de Évora – Juiz …, Processo com o nº 572/19.6TXEVR-B, foi proferida decisão aos 24/10/2022, que não concedeu ao condenado AA, recluso no Estabelecimento Prisional de …, a liberdade condicional, por se não encontrarem preenchidos os legais pressupostos.

2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o condenado, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):

I) Antes de mais, o presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Juízo de Execução das Penas de Évora – Juiz …, pertencente ao Tribunal de Execução das Penas de Évora, datada de 24/10/2022, que decidiu não conceder a liberdade condicional ao Recorrente.

II) Tendo o Tribunal a quo entendido que não se encontram reunidos os requisitos substanciais da liberdade condicional, por ser ainda, alegadamente, insuficiente a reflexão que o Recluso realiza sobre o desvalor do seu comportamento criminoso e sobre a sua responsabilização criminal, revelando-se ainda a sua libertação neste momento ofensiva das exigências de prevenção geral, o que improceder quer de facto, quer de Direito, não pode o mesmo merecer o acompanhamento e o aplauso do Recorrente em qualquer medida.

III) Por conseguinte, segundo o disposto no artigo 146.º, n.º 1 do C.E.P.M.P.L., não se pode descurar que a decisão de recusa da liberdade condicional carece sempre da devida fundamentação, especificando os motivos de facto e de Direito da respectiva decisão.

IV) Na realidade, as questões da fundamentação e amplitude das decisões que concedam, deneguem ou revoguem a liberdade condicional e da consequência processual da falta ou insuficiência de tal fundamentação, têm sido objecto de discussão na doutrina e na jurisprudência nacionais.

V) Assim, a propósito da natureza das decisões relativas à liberdade condicional e das consequências da falta ou insuficiente fundamentação das mesmas, a doutrina e jurisprudência maioritárias têm perfilhado o entendimento de que tais decisões, atendendo primacialmente à importância do que estabelecem, são materialmente sentenças, pelo que a falta ou insuficiência da sua fundamentação constitui uma nulidade por força do disposto no artigo 379.º do C.P.P.

VI) Neste sentido, decidiram, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/03/2019, referente ao Proc. n.º 507/14.2TXLSB-E.L1-5, relatado pelo Exmo. Desembargador Jorge Gonçalves e o Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 13/09/2022, relativo ao Proc. n.º 631/19.5TXEVR-1.E1, relatado pela Exma Desembargadora Maria Margarida Bacelar, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

VII) Na realidade, a Lei Processual Penal não deixou de assumir que qualquer acto decisório, materialmente semelhante à sentença, será sempre nulo se não for fundamentado, uma vez que outra solução não se pode coadunar com a interpretação sistemática e teleológica das normais processuais penais.

VIII) Deste modo, na senda da linha que vem sendo defendida pela doutrina e jurisprudência maioritárias, veja-se como se decidiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, datado de 27/09/2022, proferido no Proc. n.º 1969/12.8TXLSB-N.E1, relatado pela Exma. Desembargadora Maria Clara Figueiredo, em cujo sumário se pode ler:

“(…) II – As decisões que concedam, deneguem ou revoguem a liberdade condicional, não poderão deixar de qualificar-se materialmente como sentenças,tal é a importância do que decidem, encontrando-se, por isso, sujeitas às exigências de fundamentação próprias das sentenças, previstas no artigo 374.º, n.º 2 do CPP e sendo-lhes aplicáveis as normas processuais reguladoras dos vícios de que as mesmas possam enfermar, designadamente o vício da nulidade por falta ou insuficiência da fundamentação cominado no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP. (…).”

IX) Efectivamente, aponta-se para uma equiparação material da decisão recorrida às sentenças, com a consequente aplicação dos regimes relativos às exigências da sua fundamentação, previsto no artigo 374.º, n.º 2 do C.P.P., bem como às consequências decorrentes da sua falta ou insuficiência, previstas no artigo 379.º do mesmo diploma legal.

X) Em bom rigor, não se pode olvidar que só o tipo de fundamentação a que alude o artigo 374.º, n.º 2 do C.P.P. permitirá assegurar o direito ao recurso constitucionalmente consagrado, uma vez que só as decisões devidamente fundamentadas poderão ser sindicadas por via recursiva.

XI) Devendo, assim, estender-se à decisão de apreciação da liberdade condicional as exigências de fundamentação da sentença previstas no artigo 374.º, n.º 2 do C.P.P., o que determina que igualmente lhe sejam aplicadas as consequências da violação de tais exigências, constantes do artigo 379.º do mesmo diploma, que sanciona com a nulidade a omissão das menções referidas no n.º 2 daquele preceito legal.

XII) Em bom rigor, ainda que o Tribunal a quo tenha optado por estruturar a decisão recorrida nos moldes previstos no artigo 374.º do C.P.P. para as sentenças, fazendo da mesma constar um relatório, factos assentes e sua fundamentação, não cumpriu o mesmo de cumprir as exigências legalmente previstas para os actos decisórios, afigurando-se-nos que a mesma é claramente insuficiente no que respeita à sua fundamentação de direito.

XIII) De facto, salvo o devido respeito por opinião contrária, a decisão de concessão ou não de liberdade condicional não pode ser tomada de ânimo leve e com recurso a fórmulas puras de retórica jurídica, não se satisfazendo a enumeração dos factos provados e não provados e uma fundamentação suficiente de Direito, quanto à verificação ou não dos requisitos substanciais da liberdade condicional, com a forma facilitista adoptada pelo Tribunal a quo.

XIV) Com efeito, só com o conhecimento de todos os factos relevantes e com uma motivação de Direito suficiente poderá o Arguido e o Tribunal superior proceder a uma fiscalização da decisão sob recurso, na concretização do direito do arguido ao recurso constitucionalmente consagrada e expressamente incluída nas suas garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º 1 da Lei Fundamental.

XV) Posto isto, tal exigência legal de uma fundamentação suficiente, quer dos factos, quer do Direito, a que alude o artigo 374.º, n.º 2 do C.P.P. não foi cumprida na sentença recorrida, razão pela qual resta concluir que a mesma padece do vício de nulidade de fundamentação insuficiente contemplado no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) daquele diploma legal.

Sem conceder, o que só por dever de cautela se equacional, diga-se ainda,

XVI) Por outra banda, ainda que tenha entendido que se verificam os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, o Tribunal recorrido pugnou pela não verificação dos respectivos pressupostos materiais ou substanciais.

XVII) Contudo, encontram-se vários elementos nos autos que apontam para a verificação integral dos requisitos formais e substanciais para que a figura da liberdade condicional possa ser concedida ao recluso.

XVIII) Como refere o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 212, a concessão facultativa da liberdade condicional depende exclusivamente, quanto aos seus pressupostos materiais, da adequação da libertação do condenado com as necessidades preventivas do caso, sejam necessidades de prevenção especial (artigo 61.º, n.º 2, alínea a) do C.P.), sejam necessidades de prevenção geral (alínea b) do mesmo preceito legal.

XIX) Efectivamente, veja-se como decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09/12/2010, proferido no Proc. n.º 937/10.9TXEVR-C.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador João Luís Nunes, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

“(…) 2. O objectivo da liberdade condicional é a efectiva reinserção social do condenado; porém, com vista a tal objectivo não poderá deixar de se atender a diversas circunstâncias, como sejam a natureza e gravidade do crime cometido e, até, outros factores com relevância normativa (cf. artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Código Penal), a situação anterior do condenado, máxime a existência ou não de antecedentes criminais, a sua personalidade, a conduta e evolução durante a execução da pena de prisão,de forma a poder efectuar um juízo de prognose favorável caso o condenado seja colocado em meio livre. (…). “

XX) De facto, de harmonia com as sábias palavras do Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, págs. 528 e 542, o instituto da liberdade condicional visa eliminar ou, pelo menos, esbater o efeito criminógeno de tal pena e o consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade a que pertencem, terminando que seja o respectivo cumprimento.

XXI) Tratando-se, assim, a figura da liberdade condicional como um incentivo e auxílio ao condenado, uma vez colocado em meio livre, a não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais.

XXII) Por conseguinte, ouvido o Conselho Técnico, nos termos do disposto no artigo 175.º do C.E.P.M.P.L., o mesmo, por unanimidade, emitiu parecer favorável à concessão da liberdade condicional do recluso.

XXIII) Em bom rigor, ainda que a existência de parecer favorável unânime por parte do Conselho Técnico não seja condição necessária ou suficiente para que a liberdade condicional seja concedida, não apresentando carácter vinculativo, não deixa, porém, tal parecer favorável deixar de corresponder a uma sugestão de decisão de quem o emite, com base nos elementos constante do processo individual do recluso, surgindo o mesmo dos serviços que têm um contacto permanente com o mesmo.

XXIV) Como tal, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se nos afigura que uma simples audição de um recluso possa permitir extrair conclusões muito precisas sobre a sua personalidade e sobre a reflexão que o mesmo realiza acerca do desvalor do seu comportamento criminoso, capaz de colocar em causa tudo o que foi informado pelos Serviços Prisionais e pela D.G.R.S.P. que têm um contacto mais directo e permanente com o Recorrente.

XXV) Por seu lado, como resulta do facto provado 10) da sentença recorrida, o Arguido tem aproveitado o seu tempo de reclusão para adquirir novas competências, encontrando-se o mesmo a trabalhar como faxina da ala desde 12/04/2022, tendo anteriormente frequentado cursos no Estabelecimento Prisional.

XXVI) Além de já ter usufruído de uma licença de saída jurisdicional e de uma saída de curta duração, sem incidentes, e se encontrar a cumprir pena em regime aberto para o interior, como resulta do facto provado 9), mais recentemente, entre o dia 11/11/2022 e o dia 13/11/2022, o Recorrente voltou a beneficiar de nova licença de curta duração.

XXVII) Nesta conformidade, sempre se dirá que o percurso de flexibilização da pena vivenciado até ao momento pelo recluso permite demonstrar uma razoável solidez e consistência quanto à formulação de um juízo positivo acerca do seu comportamento futuro em sociedade.

XXVIII) Por seu turno, quando sair da prisão, o Arguido pretende viver com a sua progenitora, que o tem visitado regular e frequentemente no Estabelecimento Prisional de …, apresentando aquele ainda promessa de trabalho outorgada por um anterior patrão que lhe assegura o exercício de actividade profissional como trabalhador agrícola.

XXIX) Ademais, apesar de o Tribunal a quo não o ter julgado como provado, o certo é que o Recorrente, por mais de uma vez e de forma sincera e sem reservas, mostrou e revelou aquando da sua audição o seu arrependimento, aceitando a pena que lhe foi aplicada e os factos pelos quais foi julgado e condenado.

XXX) Além disso, o Arguido formulou ainda de forma clara um juízo de auto-crítica, reconhecendo a necessidade de no futuro ponderar de forma mais criteriosa as suas opções, bem como a sua problemática com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, tendo aceitado a submeter-se a tratamento e acompanhamento especializado para o efeito, como decorre do teor do facto provado 11).

XXXI) De igual modo, do teor do relatório dos Serviços Prisionais, no que respeita ao ponto 3.1 “Competências pessoais e emocionais”, resulta que o Recorrente “Apresenta uma postura adequada. Vem demonstrando capacidades verbais e entendimento do discurso.

Assume o crime cometido e verbaliza arrependimento.” (Sublinhado nosso).

XXXII) Prosseguindo ainda o relatório elaborado pelos Serviços Prisionais, no ponto 6.1

“Atitude face ao crime cometido”, com os seguintes dizeres: “(…) Assume o crime praticado, verbaliza arrependimento e vontade de não voltar a delinquir. Refere que quando for libertado e começar a trabalhar, pretende efectuar o pagamento da indemnização em que foi condenado.” (Sublinhado nosso).

XXXIII) Destarte, estes elementos não foram valorados devidamente pelo Tribunal recorrido, os quais claramente apontam que o Arguido manifesta o seu arrependimento sincero e sem reservas, refere e assume o dever de ressarcir os danos sofridos pela vítima do crime que cometeu e não se desculpabiliza pelos os actos praticados por se encontrar influenciado no momento pelo consumo de álcool.

XXXIV)Na verdade, sempre que é ouvido, o Recorrente reconhece os erros que praticou, arrepende-se de os ter praticado, compreende e reconhece que fez mal à vítima e está consciente que de o erro foi seu e não de terceiros.

XXXV) Assim, o Arguido formulou e tem formulado um juízo de auto-crítica relativamente às condutas que adoptou no seu passado e que conduziram à sua reclusão, não se vislumbrando assim uma razão impeditiva do reconhecimento, sem reservas, de o mesmo tem condições para conduzir a sua vida de modo responsável e sem o cometimento de novos crimes.

XXXVI)Por outro lado e sem conceder, veja-se ainda o entendimento plasmado no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/03/2021, referente ao Proc. n.º305/14.3TXCBR-P.L1-3, acessível in www.dgsi.pt, onde se pode ler:

“(…) Sucede, todavia, que essas fragilidades, atenta a apreciação global do percurso feito nestes anos de reclusão, se tem de considerar como algo que faz parte da trajetória de vida do arguido, que a si apenas competirá ultrapassar, como sucede a qualquer outro adulto.

III. Mais importante do que a verbalização de um arrependimento ou de vontade de mudança de vida, são os actos concretos praticados que o revelam ou não. No caso, pese embora os tropeções pelo caminho (essencialmente problemas ocorridos em sede de reclusão, que determinaram a imposição de sanções disciplinares), a verdade é que o recluso demonstrou, por actos concretos, uma vontade efectiva de mudança de paradigma de vida, através da procura de ferramentas de futura efectiva reinserção (após prisão) e, nas saídas de que gozou, abstendo-se de comportamentos desadequados ou delituosos.

(…).”

XXXVII) Neste sentido e sem conceder, ainda que o recluso possa apresentar algumas fragilidades, não se pode descurar que o instituto da liberdade condicional não é um regresso, tout court, à liberdade.

XXXVIII) Sendo um regime no qual o Tribunal de Execução das Penas pode decidir em que condições fica sujeita a concessão dessa liberdade condicional, podendo, assim, este Tribunal, mesmo à distância e fora do E.P., controlar o recluso com o auxílio dos serviços da D.G.R.S.P., sendo o mesmo vinculado ao cumprimento de obrigações e regras de conduta.

XXXIX) Assim sendo, desde que está em reclusão, o Arguido tem encetado esforços e adoptado comportamentos que exteriorizam a sua vontade de mudança, encontrando-se a trabalhar, a participar em actividades e a procurar valorizar-se profissionalmente, resultando ainda do facto provado 13) da sentença recorrida que o mesmo “(…) Diz-se mudado pela prisão sofrida, e determinado a não cometer erros semelhantes, pois não deseja voltar à prisão.”

XL) Revela-se, assim, uma atitude proactiva do Recorrente, manifestada no desempenho de actividade laboral, participação em actividades sócio-culturais e frequência de cursos no Estabelecimento Prisional de …, o que evidencia uma interiorização do desvalor da sua conduta anteriormente adoptada e que se encontra preparado para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável de acordo com os bens jurídicos socialmente vigentes.

XLI) Em bom rigor, é de sublinhar que o Recorrente assumiu o crime cometido e manifestou a necessidade de no futuro orientar a sua vida de forma normativa, tudo apontando para uma evolução positiva da sua personalidade durante a sua reclusão.

XLII) Por outra banda, não se perspectivam quaisquer sentimentos de rejeição relativamente ao retorno do recluso à comunidade local, resultando do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P., quanto à inserção e receptividade do recluso no meio comunitário, o seguinte teor: “(…) No meio residencial de destino, …, não se verificam sentimentos de rejeição à presença do condenado, cujo crime foi cometido na localidade de ….” (Sublinhado nosso).

XLIII) Deste modo, demonstra-se que a libertação do Recorrente é compatível com a defesa da ordem e da paz social, ou seja, com as necessidades de prevenção geral que se possam fazer sentir no caso concreto, a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 61.º do C.P.

XLIV) Com efeito, das avaliações que foram efectuadas ao Arguido, resulta que o mesmo apresenta condições favoráveis aos níveis familiar, habitacional, laboral e económico que poderão afigurar-se como factores de protecção na sua futura reinserção social.

XLV) Além do mais, a presente pena trata-se da primeira condenação do Arguido em prisão efectiva, tendo o mesmo iniciado o cumprimento da pena em que foi condenado no dia 15/10/2019, enquanto as suas anteriores condenações não privativas da liberdade ocorreram há largos anos atrás.

XLVI) O Recorrente demonstra um percurso globalmente pró-activo durante a execução da pena, detém suporte familiar consistente e perspectivas de integração laboral, tudo remetendo para factores de protecção de âmbito pessoal, social, ocupacional e económico, potencialmente promotores de uma reinserção responsável e de uma execução da liberdade condicional isenta de anomalias.

XLVII) Efectivamente, o recluso encontra-se preparado para, em liberdade, assumir uma conduta conforme o direito e sem cometer crimes, de forma socialmente responsável, o que, por sua vez, justifica que possa beneficiar no presente da liberdade condicional.

XLVIII) Na realidade, todos estes elementos apontam para se poder concluir, com segurança, que o recluso tem adequado o seu comportamento às regras institucionais, que interiorizou o desvalor da sua conduta, que formula juízo de auto-crítica e que, em liberdade, procurará orientar-se de acordo com as regras vigentes.

XLIX) Permitindo-se assim verificar um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro e de que não existe perigo ou quebra das exigências de prevenção geral que se façam sentir no caso concreto, não se detectando quaisquer sentimentos de rejeição relativamente ao seu retorno à comunidade local e que a sua libertação se revele incompatível com a defesa da ordem e da paz social.

L) Aqui chegados, a decisão recorrida merece a censura que lhe vem assacada, encontrando- se totalmente preenchidos no caso concreto os pressupostos formais e materiais para a concessão ao Recorrente da liberdade condicional, sendo o mesmo sujeito ao controlo da D.G.R.S.P. e ao cumprimento de obrigações e regras de conduta.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, concedendo-se ao Recorrente a liberdade condicional, por se encontrarem observados integralmente os seus pressupostos formais e materiais, sendo o mesmo sujeito ao controlo dos serviços da D.G.R.S.P. e ao cumprimento de obrigações e regras de conduta, assim e como sempre se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA!

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito não suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão revidenda.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo recorrente, em que conclui por dever ser dado provimento ao recurso e concedida a liberdade condicional.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Nulidade da decisão por insuficiência de fundamentação, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP.

Verificação dos pressupostos para a concessão da liberdade condicional ao condenado.

2. A Decisão Recorrida

Tem o seguinte teor a decisão objecto do recurso, na parte que releva (transcrição):

I - Relatório

O presente processo de liberdade condicional reporta-se a AA (melhor identificado nos autos), recluído no Estabelecimento Prisional de ….

Tendo em vista a apreciação dos pressupostos da liberdade condicional ao meio da pena em execução, foram juntos aos autos os relatórios previstos no art.º 173 n.º 1 do Código de Execução das Penas.

O Conselho Técnico reuniu, emitindo o respectivo parecer, e foi ouvido o recluso. Também o MºPº emitiu o parecer que antecede.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A – OS FACTOS

Julgo provados os seguintes factos com relevância para a causa:

1 - Por decisão proferida no Proc. … da Secção Cível e Criminal (Juiz …) da Instância Central de …, e por factos de Outubro de 2019, o recluso foi condenado, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

2 – Na referida decisão foi dado como provado que, na sequência de uma discussão mantida entre o recluso e a vítima, num café, aquele foi ao seu veículo automóvel buscar o machado que usava para extrair cortiça e, com ele, desferiu um golpe na face e orelha esquerdas da vítima, tendo agido com o propósito de lhe tirar a vida;

3 – Reportado o início do cumprimento da pena a 15/10/2019 (esteve inicialmente em prisão preventiva, seguindo-se a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação desde 26/10/2019 a 1/3/2021) cumpriu metade da mesma em 15/7/2022, prevendo-se os seus 2/3 em 15/6/2023, e o termo em 15/4/2025;

4 – O recluso regista anterior condenação pela prática dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário e detenção de arma proibida, sendo a primeira vez que cumpre pena efectiva de prisão;

5 – O recluso declarou aceitar a liberdade condicional, bem como compreender o seu significado;

6 – O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade dos seus membros, parecer favorável à concessão da liberdade condicional (tendo os serviços de educação e os serviços de reinserção social mudado os seus pareceres para favoráveis aquando da reunião do Conselho Técnico, por entenderem que o recluso já havia usufruído de 1 licença de saída jurisdicional e de 1 saída de curta duração, sem incidentes);

7 – Já o MºPº foi desfavorável a tal;

8 – O recluso regista uma punição disciplinar (repreensão), por factos de Maio de 2021;

9 – Usufruiu de uma licença de saída jurisdicional em Julho de 2022, e de uma saída de curta duração, em Agosto de 2022 (cada uma com a duração de 3 dias), tendo passado a cumprir a pena em regime aberto para o interior em Julho de 2022;

10 – Em reclusão frequentou cursos de informática e de artes, estando a trabalhar como faxina da ala desde 12/4/2022;

11 – Reconhece que consumia bebidas alcoólicas em excesso, estando disponível para, em liberdade, ser sujeito a acompanhamento especializado para prevenir futuros excessos;

12 – Em liberdade pretende viver com a progenitora, apresentando promessa de trabalho por conta de anterior patrão, como trabalhador agrícola;

13 – Sobre os factos que se lhe imputam, afirma ter agido sem controlo e que talvez tenha havido excesso de consumo de bebidas alcoólicas de ambas as partes. Diz-se mudado pela prisão sofrida, e determinado a não cometer erros semelhantes, pois não deseja voltar à prisão.

B – CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa:

a) Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena; b) Certificado do Registo Criminal;

c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso; d) Relatório dos serviços de reinserção social;

e) Declarações do recluso, ouvido no dia 18/10/2022 (complementadas com declaração de promessa de trabalho, que juntou aos autos).

C – O DIREITO

Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo “…criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecidopor efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização” (1).

Segundo o art.º 61 do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional:

1 - Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos;

2 - Que aceite ser libertado condicionalmente;

São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:

A) Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;

B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (requisito que não se mostra necessário aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta do disposto no n.º 3 do preceito em causa).

Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral (2).

Assim, e considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-de revelar-se através dos seguintes aspectos:

1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal – e da medida concreta da pena em cumprimento);

2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais);

3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente);

4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre).

Deve sublinhar-se que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.

Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.

No caso dos autos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional estão reunidos: o meio da pena já se mostra alcançado, e o recluso aceita a liberdade condicional.

Tal já assim não é, no entanto, quanto aos requisitos substanciais da liberdade condicional.

É certo que o recluso está a aproveitar o tempo de reclusão para adquirir novas competências, estando ainda a trabalhar, o que permite manter rotinas de trabalho.

E começou já a usufruir de medidas de flexibilização da pena.

Reconhecendo fragilidade ao nível do consumo excessivo de bebidas alcoólicas, aceita acompanhamento especializado nessa temática, ciente de que deve controlar os seus impulsos.

Detém apoio familiar no exterior e perspectivas de inserção laboral – mas que sempre deteve. No entanto, o seu percurso não é linear, pois regista uma punição disciplinar, por factos de Maio de 2021.

E, com estatuto de condenado apenas com o trânsito em julgado da decisão condenatória, em 1/3/2021 (altura em que regressa definitivamente à prisão), temos por certo que também o percurso da flexibilização até ao momento experienciado é claramente insuficiente para, com o que mais se demonstrou, desde já poder fundamentar um juízo positivo acerca do futuro comportamento do recluso

Pelo contrário, não podemos ignorar a gravidade dos factos por que o mesmo cumpre pena (atentou violenta e inesperadamente contra a vida de uma pessoa), e que já apresenta anteriores condenações, por crimes onde a agressividade ou uso de meios violentos é nota presente.

O referido justifica, a nosso ver, a continuação da avaliação do seu comportamento por mais algum tempo, sendo que seria desejável assistir a uma maior evolução em termos de flexibilização da pena, designadamente através da sua oportuna colocação em regime aberto para o exterior.

Também, após auscultado, notamos ser ainda insuficiente a reflexão que realiza acerca do desvalor do seu comportamento criminoso (sequer se tendo reportado aos danos provocados na vítima), mas também quanto à sua própria responsabilização criminal (tentando desculpabilizar os seus actos com o facto de o próprio e da vítima eventualmente estarem influenciados pelo consumo de bebidas alcoólicas).

Reflexão que se impõe seja feita de forma mais assertiva e direcionada para o exterior, isto é, menos descentrada.

Neste momento também as exigências de prevenção geral permanecem muito elevadas, para o que cumpre atentar na natureza e gravidade do crime cometido (onde a morte apenas não sobreveio por razões alheias à vontade do recluso), e na medida da pena em execução. Na verdade, a forma imprevista como o recluso agiu constitui aspecto que acentua a necessidade de uma efectiva punição, por forma a se assegurar à sociedade que o Direito não se compadece com ofensas como as perpetradas pelo recluso, constituindo a pena imposta, e a continuação da reclusão por mais tempo, a forma de se manter a confiança da comunidade na vigência das normas violadas, e de se proteger os bens jurídicos ofendidos.

A libertação do recluso, neste momento, a nosso ver, ofenderia todas estas exigências, sendo havida, legitimamente, como injustificada e prematura.

III – DECISÃO

Pelo que, não concedo a liberdade condicional a AA.

Renovação da instância aos 2/3 da pena (isto é, 15/6/2023).

Apreciemos.

Nulidade da decisão por insuficiência de fundamentação, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP

Assinala o recorrente que a decisão recorrida não contém “fundamentação suficiente, quer dos factos, quer do Direito, a que alude o artigo 374º, nº 2, do C.P.P.” apontando, assim, para a aplicação do estabelecido no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP e sua consequente nulidade.

É objecto de controvérsia a aplicação à decisão que concede ou nega a liberdade condicional do estabelecido naquelas disposições legais.

Com efeito, pode ler-se no Ac. da R. de Coimbra de 16/12/2015, Proc. nº 6847/10.2TXLSB-O.C1, disponível em www.dgsi.pt:

“Os actos decisórios dos juízes revestem a forma de sentença quando conhecem a final do objecto do processo, e a forma de despacho quando conhecem de questão interlocutória ou quando ponham termo ao processo sem conhecerem do respectivo objecto (art. 97º, nº 1, a) e b) do C. Processo Penal).

A decisão recorrida insere-se na fase da execução da pena, de que instituto da liberdade condicional constitui incidente. Não é, contudo, líquida, a natureza da decisão que concede ou nega a liberdade condicional. O, pelo art. 8º, nº 2, a), da Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, revogado art. 485º do C. Processo Penal refere expressamente, o despacho sobre a concessão da liberdade condicional (nº 2), o despacho que deferir a liberdade condicional (nº 3), o despacho que negar a liberdade condicional (nº 4) e o despacho sobre a liberdade condicional (nº 5). Mas na sua vigência, parte da doutrina entendia tratar-se de sentença, a decisão que concedesse ou negasse a liberdade condicional (neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2001, pág. 44).

O C. da Execução das Penas limita-se, nos arts. 177º, nº 3, 178º e 179º, nºs 2 e 3, a referir a decisão, sem lhe atribuir nomen juris, embora não deixe utilizar, quando necessário, o termo, sentença condenatória (art. 181º). A jurisprudência das relações vem apresentando oscilações, entendendo uns que a decisão sobre a liberdade condicional deve ter uma estrutura idêntica à das sentenças (cfr., entre outros, Ac. da R. de Lisboa de 15 de Dezembro de 2011, proc. nº 4286/10.4TXLSB-F.L1, in CJ, Ano XXXVI, Tomo V, pág. 163), e entendendo outros que tal decisão é, formal e teleologicamente, um despacho (cfr., entre outros, Ac. da R. de Coimbra de 22 de Maio de 2013, proc. nº 850/10.0TXCBR-G.C1 e da R. do Porto de 4 de Julho de 2012, proc. nº 765/09.4PRPRT-A.P1, in www.dgsi.pt).

Para nós, brevitatis causa, porque objecto do processo deve considerar-se equivalente a mérito da causa, a decisão sobre a liberdade condicional não conhece seguramente, do objecto do processo penal e, em bom rigor, também não pode considerar-se que conhece do objecto da fase da execução da pena de prisão, já que se trata de mero incidente desta, pelo que, com referência ao critério distintivo fixado no art. 97º, nº 1 do C. Processo Penal, aquela decisão não é uma sentença.

Por isso, não há que convocar o disposto nos arts. 374º e 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal, para aferir a bondade da fundamentação da decisão recorrida e suas consequências” – fim de citação.

E, no mesmo sentido se perfilaram, entre outros, o Ac. da R. de Lisboa de 19/01/2021, Proc. nº 440/11.0TXLSB-P.L1-5; Acs. da R. de Coimbra de 08/08/2008, Proc. nº 16482/02.3TXLSB-A.C1, de 25/09/2013, Proc. nº 1080/10.6TXCBR-H.C1 e de 11/11/2015, Proc. nº 382/12.1TXCBR-G.C1; Ac. da R. do Porto de 03/10/2012, Proc. nº 821/11.9TXPRT-G.P1, que podem ser lidos no mesmo sítio.

No sentido de que tais decisões são equiparáveis a uma sentença, impondo-se que tenham uma estrutura idêntica à destas, devendo obedecer aos requisitos previstos no artigo 374º, nº 2 e sendo aplicáveis também as normas do artigo 379º do CPP, estão, entre os mais, os Acs. da R. de Lisboa de 01/10/2009, Proc. nº 6877/07.1TXLSB-A.L1-9, 14/10/2009, Proc. nº 8027/06.2TXLSB-A.L1-3, 14/04/2016, Proc. nº 1290/11.9TXLSB-L.L1, 26/03/2019, Proc. nº 507/14.2TXLSB-E.L1-5 e de 21/04/2022, Proc. nº 1359/18.9TXLSB-B.L1; Ac. da R. do Porto de 10/02/2010, Proc. nº 3259/03.8TXCBR-A.P1; Ac. da R. de Évora de 27/09/2022, Proc. nº 1969/12.8TXLSB-N.E1, disponíveis no sítio referenciado.

Pois bem, independentemente do entendimento que se adopte quanto à aplicabilidade das aludidas normas, certo é que da decisão sob censura consta a enunciação expressa dos factos dados como provados, a implícita consideração da existência de não provados e bem assim, quanto à convicção do Tribunal que para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa: a) Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena; b) Certificado do Registo criminal; c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso; d) Relatório dos serviços de reinserção social; e) Declarações do recluso, ouvido no dia 18/10/2022 (complementadas com declaração de promessa de trabalho, que juntou aos autos).

E, perfeitamente compreensível se torna em que medida cada um dos mencionados elementos contribuiu para a formação da convicção do Mmº Juiz da 1ª instância, dada a sua própria natureza e conteúdo. Explicitando, óbvio se torna que a certidão da decisão condenatória alicerçou a convicção quanto à factualidade que concerne à condenação e pena que o recorrente cumpre; o certificado do registo criminal quanto a anteriores condenações criminais que averba; a ficha biográfica é sabido que contém elementos relativos ao percurso institucional do recluso, desde logo no que se refere às saídas concedidas ou negadas e sua avaliação. Bem como aos averbamentos disciplinares e às actividades profissionais, sociais, culturais e outras, desempenhadas.

Quanto às declarações do recluso, explicita-se cabalmente na decisão que, após auscultado, notamos ser ainda insuficiente a reflexão que realiza acerca do desvalor do seu comportamento criminoso (sequer se tendo reportado aos danos provocados na vítima), mas também quanto à sua própria responsabilização criminal (tentando desculpabilizar os seus actos com o facto de o próprio e da vítima eventualmente estarem influenciados pelo consumo de bebidas alcoólicas)

No que tange ao Relatório dos Serviços Prisionais do E.P. e Relatório Social, integram apenas um contributo informativo, ainda que indubitavelmente importante, acerca dos aspectos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução do comportamento durante o período de reclusão, a projectos futuros de vida, de forma a habilitar o tribunal a decidir sobre aquela medida, tendo como base entrevistas realizadas pelos técnicos e consulta de documentos, mas em largos segmentos apenas traduzindo considerações e apreciações destes, nem sequer sendo vinculativos para o julgador – neste sentido, Ac. da R. de Coimbra de 08/08/2008, Proc. nº 16482/02.3TXLSB-A.C1; Ac. da R. do Porto de 22/09/2010, Proc. nº 2006/10.2TXPRT-C.P1; Ac. da R. de Lisboa de 19/01/2021, Proc. nº 440/11.0TXLSB-P.L1-5, consultáveis no sítio referido.

Como é sabido, a exigência de fundamentação não constitui uma finalidade em si mesma, justificando-se essencialmente para permitir aos sujeitos processuais a percepção fácil do sentido da decisão e para que, em caso de recurso (caso seja admissível) o tribunal superior avalie convenientemente a razão do sentido da decisão.

Destarte, percorrendo a decisão recorrida na sua totalidade e não ficando apegado apenas ao segmento denominado “Convicção do Tribunal”, estão bem patentes as razões da convicção adoptada e da decisão de facto proferida.

E, também, ao contrário do que sustenta o recorrente, cabalmente explicitados se mostram os seus fundamentos de direito, sendo certo que a discordância que patenteia quanto ao sentido da decisão nada tem a ver com a falta de fundamentação desta.

Termos em que, inexiste a enfermidade apontada.

Verificação dos pressupostos para a concessão da liberdade condicional ao condenado

O recorrente insurge-se, ainda, contra a forma como o tribunal recorrido aplicou o direito e optou por não o colocar em liberdade condicional, entendendo estarem reunidos os pressupostos para que fosse proferida decisão em sentido contrário.

Como resulta do nº 1, do artigo 42º, do Código Penal, “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, consagrando-se também no nº 1, do artigo 2º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, que “a execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade”.

Estabelece-se no artigo 61º, do Código Penal, que:

“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social”.

Temos assim que, constituem pressupostos formais da concessão da liberdade condicional facultativa o cumprimento pelo condenado de metade da pena de prisão e, no mínimo, seis meses e que à mesma preste ele a sua concordância.

Constituem seus pressupostos substanciais (ou materiais) que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto) e bem assim a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social.

O requisito da compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social (exigível quando a apreciação ocorre em momento em que ainda se não encontram cumpridos dois terços da pena, que é o caso) traduz a preocupação com as exigências de prevenção geral, enquanto o juízo de prognose sobre a adopção de um comportamento socialmente responsável, defeso da prática de crimes, se prende com as necessidades de prevenção especial de socialização.

A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade – cfr. Anabela Rodrigues, A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português, BMJ, 380, pág. 26.

Este instituto tem sido considerado (embora de forma não totalmente pacífica) como um incidente da execução da pena privativa de liberdade (ou modificação da sua execução), embora com a redacção dada ao artigo 61º, do Código Penal pela Lei nº 59/2007, de 04/09, esta concepção se apresente em crise, mormente com a consagração de que tendo a liberdade condicional uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, se considera extinto todo o período que ultrapasse aquele limite (no pressuposto de que não venha ela a ser revogada, obviamente), pois estamos aqui verdadeiramente perante uma modificação posterior e substancial da condenação penal, traduzida na sua redução.

Vejamos então se o recluso reúne os requisitos para a colocação em liberdade condicional.

O Conselho Técnico pronunciou-se unanimemente favorável à concessão da liberdade condicional, sendo o entendimento do Ministério Público junto da 1ª instância expresso no parecer desfavorável que emitiu a propósito.

Tem vindo o recluso a cumprir a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada.

Alcançou o cumprimento de metade da pena em 15/07/2022, os 2/3 serão atingidos em 15/06/2023, estando previsto o termo para 15/04/2025.

A nível comportamental, regista infracção disciplinar em Maio de 2021.

Beneficiou de uma licença de saída jurisdicional do estabelecimento prisional em Julho de 2022, avaliada positivamente e uma de curta duração em Agosto do mesmo ano. Encontra-se em regime aberto para o interior desde Julho de 2022.

No seu percurso prisional, frequentou cursos de informática e de artes, desenvolvendo actividade laboral como faxina de ala desde Abril de 2022.

No que tange à postura face ao crime que cometeu, resulta da decisão revidenda que:

Também, após auscultado, notamos ser ainda insuficiente a reflexão que realiza acerca do desvalor do seu comportamento criminoso (sequer se tendo reportado aos danos provocados na vítima), mas também quanto à sua própria responsabilização criminal (tentando desculpabilizar os seus actos com o facto de o próprio e da vítima eventualmente estarem influenciados pelo consumo de bebidas alcoólicas).

Reflexão que se impõe seja feita de forma mais assertiva e direcionada para o exterior, isto é, menos descentrada.

Ora, a norma contida na alínea a), do nº 2, do artigo 61º, do Código Penal, manda atender à “personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão” e é precisamente a postura face ao crime da condenação manifestada no decurso do cumprimento de pena que constitui um dos elementos fundamentais para aferir dessa evolução, o que, cumpre dizer, se não configura como um segundo julgamento sobre os mesmos factos e por isso não oblitera a norma vertida no nº 5, do artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa.

Aliás, que assim se deve entender, resulta da obrigatoriedade legal – plasmada no artigo 173º, nº 1, alínea a), do CEPMPL – de que o relatório dos serviços prisionais que instrui o processo de liberdade condicional contenha a “avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena (…) e da sua relação com o crime cometido”, não podendo estes factores deixarem de se reportar à posição que o condenado expressa ao longo do cumprimento da pena face aos factos criminosos em razão dos quais esta lhe foi aplicada e não apenas ao que verbaliza perante os técnicos de tratamento penitenciário e de reinserção social ou quando da sua audição pelo Juiz do Tribunal da Execução das Penas, com vista à prolação, em momento subsequente, da decisão sobre a liberdade condicional.

Não estamos perante a exigência de um acto de contrição momentâneo divulgado in extremis quando se aproxima ou se conhece mesmo a data exacta da audição para efeitos da concessão da liberdade condicional, mas antes de um processo dinâmico que se vai desenvolvendo gradualmente e que conduz à conclusão pela verificação (ou não, bem entendido) do reconhecimento e consciência crítica do mal do crime.

Daí que, partindo das condições e personalidade que o arguido apresentava à data da condenação e, o que agora importa é precisamente avaliar essa evolução, o que fez o tribunal a quo, sendo certo que da factualidade apurada, tal como consta da decisão recorrida e como nesta se mostra explicitado, resulta a necessidade da consolidação da interiorização do desvalor da conduta delituosa.

Destarte, tendo em conta a problemática de consumo excessivo de bebidas alcoólicas, que se não mostra ultrapassada, a postura face ao crime e a condenação anterior pelo cometimento de crime revelador de agressividade ou utilização de meios violentos, consideremos correcta a avaliação do tribunal recorrido de que não se mostra suficientemente aprofundado e consolidado o seu percurso de modo a chegar à conclusão de prognose de que “conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, o que coloca em crise uma perspectiva favorável quanto ao seu comportamento futuro em meio não institucionalizado.

E, o apoio familiar em meio livre de que dispõe (da progenitora) não se sobrepõe a este juízo, não constituindo, só por si, circunstância contentora da recidiva criminosa, visto que existia já à data dos factos delituosos e ao seu cometimento não obstou.

Acresce que, ainda não foi alcançado o cumprimento dos dois terços da pena em que foi condenado e vero é que a concessão da liberdade condicional antes de alcançado este marco, para além dos requisitos formais, exige o preenchimento cumulativo da verificação das razões de prevenção especial (reinserção do condenado e prevenção da recidiva criminosa) e de prevenção geral - que a pena já cumprida seja sentida pela comunidade como suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reinserção do condenado, reforçando o sentimento prevalecente de que a norma violada mantém a sua validade.

Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 540, “o reingresso do condenado no seu meio social, apenas cumprida metade da pena a que foi condenado, pode perturbar gravemente a paz social e pôr assim em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada”.

Tendo em atenção a gravidade e natureza do crime por que cumpre pena (homicídio, na forma tentada), afigura-se-nos que a comunidade não compreenderia a libertação neste momento, gerando até enfraquecimento da ordem jurídica potenciador do cometimento de novos crimes e não dissuasor da sua prática, como se almeja e também acertadamente ponderou a Srª. Juíza da 1ª instância.

Tudo visto, importa concluir que neste momento ainda não é possível fazer um juízo de prognose favorável em relação ao recluso, no sentido de que, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e também essa libertação não é compatível com as exigências de prevenção geral, pelo que não merece censura a decisão recorrida.

Como tal, porque carece de razão o recorrente, ao recurso tem de ser negado provimento.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo condenado AA e confirmar a decisão recorrida.

Sem tributação.

Évora, 24 de Janeiro de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso)

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1 Neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 528.

2 Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006, página 356; também António Latas, Intervenção Jurisdicional na Execução das Reacções Criminais Privativas da Liberdade – Aspectos Práticos, in Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, p. 223 e 224, nota 32.