EXTRADIÇÃO
FUNDAMENTOS ADMISSÍVEIS DA OPOSIÇÃO
Sumário

Relativamente ao pedido de extradição não compete ao tribunal do Estado requerido apreciar o mérito da decisão condenatória do Estado requerente, mormente em caso de cumprimento de uma pena, quanto aos factos que sustentam a respectiva condenação, apenas se é ou não o detido a pessoa reclamada e se se verificam ou não os requisitos legais da pretensão de extradição.
Aliás, só estes são fundamentos admissíveis da oposição, como claramente consta do artigo 55º, nº 2, da Lei nº 144/99.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO

1. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, tendo em vista a extradição para a República Federativa do Brasil, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 2º e 21º, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, apresentou AA, filho de BB e de CC, nascido aos …/…/1988, em …/Brasil, de nacionalidade brasileira, titular do passaporte brasileiro nº …, residente em …, para audição.

2. O requerido foi detido em Portugal pela autoridade policial portuguesa aos 22 de Novembro de 2022, na sequência do pedido de detenção internacional difundido pela Interpol com o nº … e da existência de mandado de detenção internacional emitido aos 8 de março de 2021 pela autoridade judiciária da República Federativa do Brasil.

3. Em 24 de Novembro de 2022, procedeu-se a diligência de audição do extraditando no Tribunal da Relação de Évora, nos termos do artigo 54º, da Lei nº 144/99 de 31/08. Nessa diligência, o requerido declarou opor-se à extradição e não renunciar à regra da especialidade. O relator de turno decidiu manter a situação de detenção provisória. Foi ainda concedido prazo para apresentação da oposição, na sequência do impetrado pelo Ilustre mandatário do requerido.

4. Em 2 de Dezembro de 2022, o requerido apresentou oposição ao pedido de extradição, alicerçando-a, em síntese, nos seguintes fundamentos:

a) Irá dar entrada na Justiça Brasileira de uma “Revisão de Processo Findo”, por não se conformar com a sentença da .. Vara Criminal do Distrito de …/Brasil que o condenou em pena de 8 anos de prisão e bem assim estar em causa o depoimento falso de uma testemunha e terem surgido novas provas da sua inocência;

b) Encontra-se a trabalhar em Portugal há cerca de quatro anos, onde reside com a esposa e dois filhos menores. A família não possui condições económicas para retornar ao Brasil e existe o risco de sofrerem represálias, pelo que a extradição gerará graves consequências para si e sua família;

c) Padece de hipertensão arterial crónica, tomando medicação diária e obrigatória, pelo que teme que a sua extradição possa agravar o estado de saúde e/ou até mesmo impedir o acesso ao medicamento;

d) Teme que, sendo extraditado para o Brasil, possa ser submetido a condições precárias, tratamentos cruéis e degradantes e à própria morte, “por conta do terror que se vive no sistema prisional brasileiro”.

Arguiu ainda a nulidade da decisão que determinou aguardasse sob detenção a ulterior tramitação processual, sustentando a sua falta de fundamentação e requereu a aplicação de medida de coacção não detentiva em substituição da detenção.

Juntou dois documentos e impetrou a inquirição de dez testemunhas.

5. Em 7 de Dezembro de 2022, o Ministério Público apresentou requerimento onde impetra se mantivesse a situação de detenção do extraditando e aguardassem os autos o pedido formal de extradição, bem como o despacho de Sua excelência a Senhora Ministra da Justiça que considere admissível o prosseguimento dos mesmos.

6. Por despacho de 12 de Dezembro de 2022, o Relator julgou improcedente a arguida nulidade e manteve o requerido na situação de detenção provisória.

7. Em 28 de Dezembro de 2022, o Ministério Público juntou o pedido formal da República Federativa do Brasil de extradição do cidadão de nacionalidade brasileira AA para cumprimento da pena de oito anos de reclusão a que foi condenado pela prática do crime capitulado no artigo 217-A, caput, do Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal).

8. Em 4 de Janeiro de 2023, o Ministério Público veio promover o cumprimento do pedido de extradição e apresentar resposta à deduzida oposição, concluindo por dever este ser julgado procedente, em razão de se verificarem os respectivos requisitos.

9. Aos 10 de Janeiro de 2023, procedeu-se à audição do requerido, que manteve a não renúncia à regra da especialidade e se opor à extradição. Deu também como reproduzida a oposição ao pedido de extradição já apresentada.

Por reproduzida deu também o Ministério Público a sua resposta à oposição deduzida.

10. Por despacho do Relator de 17 de Janeiro de 2023, foi indeferida a inquirição das testemunhas indicadas na oposição e mantidos nos autos os dois documentos apresentados.

No mesmo despacho se decidiu que, não havendo lugar à produção de prova testemunhal, também não é de determinar a vista do processo para alegações a que se refere o artigo 56º, nº 2, da Lei nº 144/99 – cfr. Ac. R. de Lisboa de 06/10/2021, Proc. nº 1627/21.2YRLSB-3; Ac. R. de Évora de 22/11/2022, Proc. nº 183/22.9YREVR; Acs. do STJ de 11/01/2018, Proc. nº 1331/17.6YRLSB.S1, 20/10/2021, Proc. nº 1149/20.9YRLSB.S1 e 24/11/2021, Proc. nº 129/21.1YRCBR, disponíveis em www.dgsi.pt.

11. Procedeu-se ao exame do processo e, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Encontram-se provados os seguintes factos:

1. AA, no âmbito do Processo nº …, da … Vara Criminal do Distrito de …/Brasil, foi condenado, por sentença de 18 de Dezembro de 2017, na pena de oito anos de prisão, confirmada por acórdão da … Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de …, que apenas alterou o regime de cumprimento da pena de inicial fechado para inicial semiaberto, pela prática de um crime de estupro de vulnerável, previsto e punido pelo artigo 217-A, combinado com artigo 61, inciso I, do Código Penal Brasileiro, com os rigores do artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 8.072/90.

2. Os factos por que foi condenado são, em síntese, os seguintes:

Em 4/12/2016, na …, no loteamento denominado “…”, em …, nesta Comarca, ocasião em que AA praticou ato libidinoso com menor de 14 anos de idade.

Conforme apurado, no dia e no local dos fatos, a vítima DD, de 12 anos de idade, estava com seus familiares em uma chácara pertencente à AA, local onde ocorria uma festa familiar. À noite, a vítima foi para um quarto dormir na companhia de seus familiares, local onde havia vários colchões no chão.

O denunciado AA, que permaneceu ingerindo bebida alcoólica, adentrou para o quarto posteriormente e se deitou ao lado da ofendida.

Em determinado momento, o denunciado começou a passar as mãos pelo corpo da vítima: apalpou sua barriga e, de seguida, passou a apalpar os seis (sic), nádegas e vagina. Em seguida, e por duas vezes, o denunciado passou a língua na genitália da vítima.

A vítima, receosa do que o denunciado pudesse repetir o ato com sua irmã mais nova, não esboçou qualquer reação e esperou sua irmã acordar, momento em que foram para fora do quarto e esperaram sua genitora acordar.

Ao acordar, por volta de 8h:30, a mãe da vítima percebeu que suas filhas não estavam no quarto e, já do lado externo da casa, foi informada pela ofendida acerca do ocorrido.

Abalada com a notícia, a genitora da vítima pegou seus pertences e de seus filhos e voltou para …, local onde acionou a Polícia Militar noticiando o ocorrido.

3. A decisão tornou-se definitiva em 19 de Janeiro de 2021.

4. Não se mostra extinto, por prescrição, o procedimento criminal respectivo perante a lei da República Federativa do Brasil ou a legislação portuguesa.

5. As autoridades brasileiras pretendem que AA seja extraditado para a República Federativa do Brasil para cumprimento da referida pena de prisão.

6. AA tem nacionalidade brasileira.

7. Foi detido com fundamento no mandado de detenção internacional emitido em 8 de Março de 2021 pela República Federativa do Brasil, inserido no sistema de informação oficial da Interpol sob notícia vermelha.

8. Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, pelo despacho nº … assinado em 28 de Dezembro de 2022, declarou admissível o pedido de extradição.

9. O pedido formal de extradição foi recebido neste Tribunal, mostra-se junto aos autos e encontra-se devidamente instruído, pela forma legalmente exigida pela Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

10 Inexiste conhecimento de que se encontre pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objecto.

Inexistem quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão.

A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados, formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos emanados das autoridades brasileiras e bem assim do teor do despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, cuja veracidade não está colocada em causa.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Tendo em conta a oposição deduzida pelo extraditando, as questões a decidir são as seguintes:

Pedido de “revisão de processo” perante a justiça brasileira.

Consequências graves da extradição para o extraditando e sua família/problemática de saúde do extraditando.

Condições no sistema prisional brasileiro.

Apreciemos.

O Ministério Público promove o cumprimento do pedido de extradição com origem na República Federativa do Brasil, para cumprimento de pena.

De acordo com o artigo 3º, com referência ao artigo 1º, ambos da Lei nº 144/99, de 31/08 – que aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal - a extradição rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, só havendo lugar à aplicação da lei da cooperação na falta desses instrumentos internacionais ou na sua insuficiência e a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23/11/2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008, de 18/07, publicada no DR nº 178, de 15/09/2008, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67/2008, de 15/09, com entrada em vigor em 01/03/2010, no seu artigo 25º, nº 1, estabelece que “substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.”

A República Federativa do Brasil invoca precisamente as normas desta Convenção para alicerçar a sua pretensão.

Tal pedido, que foi julgado admissível por despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, refere-se a factos subsumíveis ao artigo 217-A, combinado com o artigo 61, inciso I, do Código Penal Brasileiro, e artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 8.072/90.

O extraditando é o próprio e foi informado da matéria do pedido de extradição.

O pedido extradicional contém cópia dos documentos pertinentes, atesta a existência de ordem de detenção do extraditando e foi regularmente transmitido, obedecendo aos requisitos de forma e de conteúdo previstos no artigo 10º da Convenção CPLP.

O crime por que o extraditando se encontra condenado tem correspondência no disposto no artigo 171º, nº 1, do Código Penal Português, sendo punível com pena de duração máxima não inferior a um ano (na verdade, é punível com pena máxima de oito anos de prisão), a pena por cumprir não é inferior a 6 meses, sendo que também não se mostra extinta por efeito de prescrição, conforme resulta do estabelecido nos artigos 122º, nºs 1, alínea b) e 2, 125º e 126º, do mesmo Código.

Analisemos então os motivos apresentados pelo extraditando para a sua oposição ao pedido.

Pedido de “revisão de processo” perante a justiça brasileira

Como retro enunciado, no caso em apreço, importa ter em atenção as normas da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (doravante denominada Convenção), que são aplicáveis primacialmente, pois as da Lei nº 144/99, de 31/08 só o serão em caso de falta ou insuficiência daquelas.

Estabelece-se na Convenção:

“Artigo 1º

Obrigação de extraditar

Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.

Artigo 2.º

Factos determinantes da extradição

1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano.

2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses.

3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles.

Artigo 3.º

Inadmissibilidade de extradição

1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos:

a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física;

b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal;

c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum;

d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição;

e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção;

f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.

2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos:

a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional;

b) Os actos de pirataria aérea e marítima;

c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido;

d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949;

e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.

Artigo 4.º

Recusa facultativa de extradição

A extradição poderá ser recusada se:

a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido;

b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida;

c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido;

d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade;

e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.”

Alega o extraditando que está inconformado com a sentença por que foi condenado e que funda o pedido de extradição, estando também em causa o depoimento falso de uma testemunha, existindo novas provas da sua inocência, pelo que irá impetrar, junto da Justiça Brasileira, a “revisão do processo”, ao abrigo do consagrado nos artigos 621º, 622º e 623º, do Código de Processo Penal Brasileiro.

Ora, relativamente ao pedido de extradição não compete ao tribunal do Estado requerido apreciar o mérito da decisão condenatória do Estado requerente, mormente em caso de cumprimento de uma pena, quanto aos factos que sustentam a respectiva condenação, apenas se é ou não o detido a pessoa reclamada e se se verificam ou não os requisitos legais da pretensão de extradição.

Aliás, só estes são fundamentos admissíveis da oposição, como claramente consta do artigo 55º, nº 2, da Lei nº 144/99.

Daí que, não integrando este pedido (mais precisamente, a manifestação de intenção do requerido de que o irá formular, pois, pelos vistos, ainda o não foi) “de revisão de processo” motivo de inadmissibilidade da extradição ou sua recusa facultativa, não merece acolhimento a sua pretensão com alicerce neste fundamento.

Consequências graves da extradição para o extraditando e sua família/problemática de saúde do extraditando

Invoca ainda o extraditando que a extradição terá “consequências devastadoras” para si e sua família, porquanto encontra-se em Portugal há cerca de quatro anos, onde reside com a mulher e dois filhos menores; sua família irá passar por grandes dificuldades porquanto é o único que trabalha; desenvolve actividade laboral; sua família não tem condições económicas para regressar ao Brasil, correndo o risco de sofrer represálias por ficarem em situação desprotegida; permanecendo a família em Portugal, o requerido ficará prejudicado na obtenção de medidas de flexibilização da pena e liberdade condicional, pois não terá residência e apoio familiar no País, trazendo à colação o estabelecido no artigo 18º, nº 2, da Lei nº 144/99.

Antes de mais, cumpre se diga que esta norma não é aplicável no caso, pois a Convenção rege de forma cabal e taxativa sobre os motivos de inadmissibilidade da extradição ou sua recusa facultativa e a problemática familiar não consta do elenco, nem de uns, nem de outros.

Como se pode ler no Ac. do STJ de 21/04/2021, Proc. nº 5/21.8YREVR.S1, disponível em www.dgsi.pt, “dispõe o artº 25º, nº 1, da referida Convenção que «A presente Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.»

Significa isto que não tem aplicação do artº 18º, nº 2, da L. 144/99 de 31/8, como bem se refere no ac. do S.T.J. de 30/10/2013: «da hermenêutica do preceito do artigo 4.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição»”.

Mas, mesmo que assim se não entendesse, tem vindo a consolidar-se no Supremo Tribunal de Justiça o entendimento, a que aderimos, de que “não se enquadra como motivo de recusa de extradição prevista no artigo 18º, nº 2, da LCJ “circunstâncias graves para a pessoa visada em razão de outros motivos de carácter pessoal”, o facto do extraditando ter família (filhos) a residir no nosso País. Tem-se decidido no sentido que o afastamento da família é uma consequência “inevitável” da extradição (…) e que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça”, como elucida cabalmente o Ac. do STJ de 23/04/2020, Proc. nº 498/18.0YRLSB.S1, consultável no referido sítio, que também é acompanhado, entre outros, pelo referenciado Ac. do mesmo Tribunal de 21/04/2021.

E, como resulta do mesmo raciocínio, também não integrará esse motivo as eventuais consequências que da extradição resultem para os seus familiares, mormente mulher e filhos ou ainda para o próprio no âmbito do benefício de medidas de flexibilização da pena.

Já quanto ao estado de saúde (alega que padece de hipertensão arterial crónica e toma medicação diária), dada a não aplicação do estabelecido no mencionado artigo 18º, nº 2 e não integrando tal circunstância causa de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição prevista na Convenção, não constitui fundamento que mereça acolhimento.

Condições no sistema prisional brasileiro

Aduz também o recorrente que se for extraditado para o Brasil, teme poder ser submetido a condições precárias, tratamentos cruéis e degradantes e mesmo à morte, “por conta do terror que se vive no sistema prisional brasileiro.”

O suscitar desta questão quando está em causa a extradição para a República Federativa do Brasil não é original e tem sido apreciada e decidida pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça.

Com efeito, no mencionado Ac. de 21/04/2021, podemos ler:

“(…) Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e

outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando.

Como, aliás, se refere no Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade.

E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art.º 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º).

(…)

Para além disso, o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção e acolhido no art.º 20.º da CRP, como, de resto, explanou o acórdão recorrido, do direito à publicidade, direito ao contraditório, direito à igualdade de armas, direito a estar presente, direito ao silêncio e direito a julgamento em prazo razoável»”.

Porque assim é, efectivamente, este argumento expendido pelo requerido não pode proceder.

Acresce que, de qualquer modo, da Convenção também não consta a admissibilidade de recusa da extradição com motivo nas alegadas más condições do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação, sendo certo que, como se pode ainda ler no mesmo aresto (citando o Ac. do mesmo Tribunal de 30/10/2013, Proc. 86/13.8YREVR.S1), “à dita Convenção “encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas””.

Daí que não se vê que que a extradição para o Brasil coloque em risco a integridade física ou a vida do requerido e o teor do documento junto pelo requerido com peça processual em que deduziu a oposição, que consiste em cópia de um relatório, elaborado em língua inglesa, do relator especial do “Human Rights Council”/Nações Unidas, datado de 20/01/2016, sobre tortura e outros cruéis, desumanos ou degradantes tratamentos ou punições no Brasil, seja inócuo para a justa decisão da causa.

Também invoca o requerido o estabelecido no artigo 22º, da Convenção, de acordo com o qual “o Estado requerido pode recusar, com a devida fundamentação, o pedido de extradição quando o seu cumprimento for contrário à segurança, à ordem pública ou a outros seus interesses fundamentais.”

Ora, atento o retro explicitado, não se alcança que o cumprimento do pedido de extradição viole ou seja contrário a qualquer dos interesses fundamentais do Estado Português.

Destarte, não ocorrendo causa alguma de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, constante dos artigos 3º e 4º da Convenção, não sendo aplicável in casu o estabelecido no artigo 18º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31/08 e bem assim porque o cumprimento do pedido de extradição não se mostra contrário à segurança, à ordem pública ou a outros interesses fundamentais do Estado Português, cumpre deferir o pedido de extradição.

III – DECISÃO

Pelo exposto, após conferência, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em autorizar a extradição, para a República Federativa do Brasil, de AAs, filho de BB e de CC, nascido aos …/…/1988, em …/Brasil, de nacionalidade brasileira, titular do passaporte brasileiro nº …, para aí cumprir a pena de oito anos de prisão em que se mostra condenado no Processo nº …, da … Vara Criminal do Distrito de …/Brasil.

Sem custas.

Notifique, sendo o requerido pessoalmente.

Dê conhecimento, pela via mais expedita, ao Gabinete Nacional da Interpol.

Proceda-se às necessárias comunicações.

Évora, 24 de Janeiro de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso)