PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
ACTUALIDADE
DATA A PARTIR DA QUAL SÃO DEVIDOS
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
Sumário

1. Os alimentos devem corresponder às necessidades do alimentando e às possibilidades do obrigado, no momento em que são fixadas, como se extrai do disposto no art.º 2004º do CC;
2. Face a esta característica de actualidade, os alimentos apenas podem ser fixados nos termos do art.º 2006º do CC, sendo devidos a partir do momento em que são pedidos e não a partir do momento em que verifique qualquer situação de necessidade;
3. Nos termos do art.º 2006º do CC, a obrigação de alimentos apenas surge com a decisão judicial ou acordo judicialmente homologado;
4. No que se refere aos alimentos provisórios aludidos no art.º 2007º do CC, dispõe o art.º 386º, nº 1 do CPC que os alimentos provisórios são devidos a partir do primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do respectivo pedido.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A   intentou contra B  o presente “Incidente para cobrança de valores em divida a título de alimentos devidos e não pagos” pedindo que a condenação do Requerido a pagar-lhe €3.350,00, relativos a alimentos devidos e não pagos.
Para tanto, alega que, em 03.05.2021 foi determinado pelo Tribunal o pagamento pelo progenitor de €150,00 mensais, a título de alimentos ao menor, encontrando-se por pagar os meses desde a separação do casal em 2019.
2. Foi proferido despacho indeferindo liminarmente o requerimento inicial.
3. É desta decisão que a Requerente recorre, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1.º
Em 03.05.2021 o Tribunal a quo fixou a título de alimentos a quantia de 150,00€ a pagar pelo recorrido à recorrente.
2.º
Recorrente e recorrido, separaram-se entre fevereiro e março de 2019, i.e. 2 anos antes da decisão proferida.
3.º
Durante esses dois anos, o menor DE, sempre residiu com a mãe, aqui recorrente que lhe garantiu alimentos, vestuário, educou, saúde e estudos.
4.º
Sem prejuízo as inúmeras insistências da mãe, ora recorrente, no sentido de incentivar a proximidade entre pai e filho, o ora recorrido manteve sempre enorme distanciamento do menor tanto ao nível emocional e afectivo como monetário.
5.º
Nunca foi ao encontro dos pedidos da mãe para que fosse mais presente na vida do filho, e assim, em dois anos, esteve com o filho meia dúzia de vezes e a pedido da mãe, e não garantiu qualquer contribuição monetária.
6.º
Por tal entendemos que pese embora apenas haja incumprimento da sentença de fixação de alimentos após esta ser proferida, não concordamos que apenas haja violação deste dever após o mesmo ser decretado em Tribunal, pois em nosso ver, este dever nasce com o fim da relação conjugal dos progenitores.
7.º
O direito aos alimentos está consagrado constitucionalmente e amparado por convenções e acordos internacionais, assente na subsistência humana e, assim, referir-se à dignidade da pessoa humana.
8.º
Os alimentos cumprem a função de garantia da sobrevivência humana, portanto, asseguram a dignidade da pessoa humana, abrangendo também as despesas médicas, deslocações, lazer, dentre outras diversas, e deverão ser destinadas à satisfação das reais necessidades do alimentando, tendo como parâmetro tanto a sua condição socioeconómica, como a do devedor de alimentos.
9.º
A obrigação alimentar, devido a sua natureza especial, a qual se vincula ao bem da vida, possui garantias peculiares, no intuito da sua função de proteção de necessidades urgentes, ou seja, de ordem da subsistência do ser humano.
10.º
A obrigação de alimentos caracteriza-se por ser (1) pessoal dado que os alimentos são fixados em razão da pessoa do alimentando sendo um direito estabelecido intuitu personae e visa preservar a vida do indivíduo, levando em consideração as situações económicas e pessoais do credor e do devedor, (2) indisponível, já que no termos do artigo 2008.º, n.º 1, do Código Civil, o direito a alimentos não pode ser renunciado ou cedido, e imprescritível pois o direito aos alimentos, em princípio não está sujeito às prescrições, o que prescreve é a pretensão para haver as prestações alimentares a partir da data que se vencerem, (3) impenhorável de acordo com o artigo 2008.º, n.º 2, do CC pois o crédito aos alimentos não é penhorável, o que corresponde também a sua não compensação por créditos de outra ordem (cfr. artigo 853.º, n.º 1, al. b, do CC).
11.º
O direito a alimentos e consequente dever de os garantir, assenta na relação de filiação e não, nas decisões judiciais.
12.º
Deste modo, o fundamento da obrigação de alimentos respalda-se no princípio da solidariedade, como bem explicita o Remédio Marques.
13.º
Por tal, deve a Sentença recorrida ser revogada e ser reconhecido o direito a alimentos do menor, entre a data da separação da recorrente e do recorrido e a data da decisão de fixação de quantum de pensão e, ser o recorrido condenado a pagar o montante de 3.350€ a título de alimentos devidos e não pagos à recorrente.”.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que a questão submetida a recurso é determinar se os autos devem prosseguir.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos com interesse para o presente recurso são os que resultam do relatório que antecede.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Vem o presente recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente o requerimento inicial de incidente de incumprimento.
Como se verifica da leitura do requerimento inicial, a Requerente intentou o presente incidente nos termos do art.º 41º da Lei 141/2015, de 08 de Setembro (RGPTC).
Entendeu o tribunal recorrido que o seu pedido era manifestamente improcedente, tendo indeferido liminarmente o requerimento inicial.
Nada há a apontar a esta decisão.
Nos termos do art.º 41º, nº 1 do RGPTC, “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos”.
Resulta desta norma que o incidente de incumprimento se destina a apreciar a existência de violação do regime acordado ou decidido, em qualquer uma das suas vertentes, podendo levar à condenação em multa ou indemnização.
Como se pode ler no Ac. TRL de 22-10-2020, proc. 1752/13.3TMLSB-A.L1-6, relator Adeodato Brotas, este incidente caracteriza-se por ter “… uma faceta declarativa, em que se aprecia e decide se houve um incumprimento relevante e se pode condenar o incumpridor no pagamento de uma multa e/ou em indemnização e, uma vertente executiva em que podem serem impostos determinados expedientes legais por forma a garantir o cumprimento coercivo do que tenha sido incumprido”.
Por outro lado, para que se possa aferir da violação do regime das responsabilidades parentais, é necessário que esse regime esteja previamente fixado, provisória ou definitivamente, seja por acordo das partes, seja por decisão judicial.
Como já se referiu, o tribunal recorrido indeferiu liminarmente o requerimento inicial dizendo que “… a requerente apenas pode invocar o incumprimento relativamente a pensões de alimentos que o requerido tenha sido condenado a pagar pela referida decisão, ou seja alimentos vencidos e vincendos desde a data da decisão. Sendo que a presente acção não constitui o meio próprio para apreciar a invocada obrigação do requerido pagar alimentos desde a data da separação dos progenitores.
Por outro lado, do requerimento inicial emerge que o requerido a partir de Maio de 2021 tem vindo a pagar a pensão de alimentos devida ao menor, dado que não são reclamados pela requerente quaisquer valores vencidos depois desta data. Inexistindo, também, fundamento para prosseguimento dos autos relativamente às pensões vencidas depois da decisão proferida nos autos apensos”.
Discorda a apelante deste entendimento alegando que “entendemos que pese embora apenas haja incumprimento da sentença de fixação de alimentos após esta ser proferida, não concordamos que apenas haja violação deste dever após o mesmo ser decretado em Tribunal, pois em nosso ver, este dever nasce com o fim da relação conjugal dos progenitores” (Cls. 6ª).
Relaciona-se esta questão com a obrigação de alimentos existente e meios de forçar o seu cumprimento.
Nos termos do art.º 1877º do CC, “Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”.
Por seu turno, refere o art.º 1878º, nº 1 do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, além do mais, prover ao seu sustento.
É, pois, neste preceito que surge a questão dos alimentos, enquanto componente do regime de regulação das responsabilidades parentais.
Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, de separação de facto, cessação de convivência entre progenitores que viviam em condições análogas às dos cônjuges, e de filiação estabelecida quanto a ambos os cônjuges que não vivem em tais condições “os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação”, devendo tal acordo corresponder ao interesse do menor, sob pena de rejeição, cfr. art.ºs 1905º, nº 1, 1909º, 1911º e 1912º, nº 1, todos do CC.
Nos termos do art.º 2003º do CC, entende-se por alimentos “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, sendo que no caso do alimentado ser menor, os alimentos compreendem também a sua instrução e educação (cfr. nº 2).
Mais refere o art.º 2006º do CC que “Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo do disposto no artigo 2273º”.
Tem este preceito ínsito o princípio nemo alitur in praeteritum e in praeteritum non vivitur.
Veja-se, a propósito deste artigo, o Ac. TRL de 14-09-2017, proc. 817/12.3TMLSB-A.L1-2, relator Pedro Martins, quando diz que “Parafraseando Antunes Varela, diga-se que a primeira parte da norma, vale para os casos “em que a obrigação nasce ex novo, a requerimento judicial do carecido.” A segunda parte vale para os casos em que a prestação alimentícia foi fixada pelo tribunal ou por acordo dos interessados, “à margem da acção da prestação de alimentos”.”.
Recorde-se ainda que, nos termos do art.º 259º do CPC, a acção se considera proposta, intentada ou pendente logo que a respectiva petição se considere apresentada em juízo.
E compreende-se que assim seja.
Na verdade, os alimentos devem corresponder às necessidades do alimentando e às possibilidades do obrigado, no momento em que são fixadas, como se extrai do disposto no art.º 2004º do CC.
Donde, e face a esta característica de actualidade, os alimentos apenas podem ser fixados nos termos do art.º 2006º do CC, o qual pressupõe a intenção de obter alimentos e a descrição das necessidades do alimentado.
Como se refere no Ac. TRP de 06-04-2006, proc. 0631569, relator Fernando Baptista, citado nas contra-alegações, “apenas podem ser pedidos alimentos para o futuro e não retroactivamente. Só havendo uma acção instaurada para o efeito em que o tribunal fixe os alimentos, ou, então, havendo acordo dos interessados nesse sentido (ut art.º 2012º CC) é que os alimentos podem ser exigidos.
Aliás, se não houver essa acção nem, sequer, há interesse em apreciar, em termos de actualidade, da necessidade de alimentos por parte do peticionante, tal como das possibilidades do obrigado os prestar.
Resulta, de facto, do art.º 2006º do CC que os alimentos só podem ser peticionados para o futuro: desde o pedido judicial ou de constituição em mora.
E a explicação vem dada, da forma sábia a que nos habituou, pelo Prof. Vaz Serra, in Boletim, nº 108, a pág. 155, onde se explica que tal assim deve ser para evitar um dispêndio demasiado gravoso, não previsto por parte do vinculado à prestação, por ter decorrido dilatado lapso de tempo entre o momento do nascimento do respectivo direito, pela verificação dos requisitos legais, e aquele em que a obrigação surge para o alimentante com o pedido da prestação, coisa que poderia ter levado este, o obrigado, a dissipar livremente seus rendimentos na persuasão de que lhe não seriam pedidos alimentos por desnecessidade ou renúncia à sua exigência, renúncia permitida porque irrenunciável é apenas o próprio direito a alimentos como se infere do disposto no artigo 2008º do CC”.
Por outro lado, o art.º 2007º do CC prevê que “Enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal, a requerimento do alimentando, ou oficiosamente se este for menor, conceder alimentos provisórios, que serão taxados segundo o seu prudente arbítrio”, referindo o nº 2 que “Não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos”.
Constata-se, assim, que o regime de alimentos provisórios previsto neste art.º 2007º se afasta do regime de alimentos definitivos consagrado no art.º 2006º do CC.
Acresce que este regime provisório tem consagração nos art.ºs 384º a 387º e 1120º do CPC, gozando assim de uma tutela específica, quer na sua fixação, quer na sua efectivação.
No caso concreto das prestações alimentícias devidas a menores, quando as partes não estejam de acordo nesta matéria, pode, ao abrigo do disposto no art.º 28º do RGPTC, fixar um regime provisório no que respeita à pensão de alimentos, enquanto o processo segue para mediação familiar ou audição técnica especializada, por forma a salvaguardar os melhores interesses das crianças.
Também o art.º 38º do mesmo diploma permite a fixação de um regime provisório, quando os progenitores não cheguem a acordo, devendo o juiz atender aos elementos existentes nos autos.
No caso vertente, em que o tribunal optou, e bem, por seguir a via expressa no citado art.º 38º, coloca-se a questão de saber qual o momento a partir do qual podem as prestações fixadas ser judicialmente exigidas.
Recorde-se que decorre do art.º 2006º do CC que a obrigação de alimentos apenas surge com a decisão judicial (ou com o acordo).
Por outro lado, e no que se refere aos alimentos provisórios aludidos no art.º 2007º do CC, dispõe o art.º 386º, nº 1 do CPC que os alimentos provisórios são devidos a partir do primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do respectivo pedido.
Da conjugação destas normas resulta, assim, um regime diferente consoante os alimentos devidos estejam fixados a título provisório ou definitivo.
Isto é, e seguindo de perto o Ac. TRP de 06-04-2006, proc. 0631569, supra citado, podem ocorrer as seguintes situações:
Quando os alimentos tenham sido fixados pelo tribunal ou por acordo entre os progenitores e homologado pelo tribunal, as prestações alimentícias são exigíveis desde o momento em que o credor exija a realização dessas prestações, isto é, nascem com a decisão e são exigíveis desde aí, como previsto no art.º 2006º do CC.
Quando os alimentos não tenham sido fixados, e seja instaurado o competente procedimento cautelar para a sua fixação provisoria, nos termos previstos nos art.ºs 384º e ss. do CPC, em conjugação com o art.º 2007º do CC, são os mesmos exigíveis nos termos do art.º 386º do CPC.
Quando não exista esse pedido de fixação provisória de alimentos, estes apenas são exigíveis com a decisão final, nos termos do art.º 2006º do CC, sem prejuízo de eventuais acertos de contas entre as prestações definitivas e provisórias.
Como nos explicam José Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, Coimbra Editora, 2001, pág. 105, “… a fixação dos alimentos provisórios retroage os seus efeitos ao primeiro dia do mês seguinte àquele em que o pedido é deduzido, pelo que, proferida a decisão, o requerido deverá ao requerente as quantias correspondentes aos meses em que hajam decorrido desde a petição inicial”.
Do que se vem de expor, resulta que a apelante apenas poderia intentar o presente incidente de incumprimento caso estivessem em dívida prestações devidas após a sua fixação judicial, a título provisório, em sede de conferência de pais.
Assim, e pelas razões já expostas, não se pode concordar com a apelante quando refere que a obrigação de alimentos em causa nasceu com o fim da relação conjugal dos progenitores (cls. 6ª).
Donde, considerando que os alimentos são devidos a partir do momento em que são pedidos e não a partir do momento em que verifique qualquer situação de necessidade, cfr. art.º 2006º do CC, do qual resulta que a obrigação de alimentos apenas surge com a decisão judicial, impõe-se concluir pela improcedência das alegações e pelo acerto da decisão recorrida, já que o presente incumprimento não podia prosseguir, sendo o seu indeferimento liminar a decisão acertada.
Pelo exposto, e não tendo sido suscitada qualquer outra questão, decide-se pela manutenção da decisão recorrida.
As custas da presente apelação ficam a cargo da apelante, nos termos do art.º 527º do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
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Lisboa, 24 de Janeiro de 2023
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano