CONTRATO DE SEGURO
LEGITIMIDADE PROCESSUAL PASSIVA
DEMANDA DIRECTA DA SEGURADORA
DIREITO DO LESADO
CLÁUSULA CONTRATUAL
Sumário

Constando do artigo 15º al. a) das condições gerais do contrato de seguro que “o Segurador obriga-se a substituir-se ao Segurado na regularização amigável ou litigiosa de qualquer sinistro abrangido pelo presente contrato”, importa considerar que o contrato de seguro prevê a possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na ação declarativa que A… move contra S… e F…, o A. interpôs recurso do despacho saneador na parte em que julgou procedente a exceção perentória da ilegitimidade material e, em consequência, absolveu a R. F… do pedido.
Na alegação de recurso, o recorrente pediu que seja revogada a decisão recorrida e seja julgada a R. F… parte legítima, determinando-se a anulação de todo o processado subsequente à decisão recorrida que dela dependa.
O A. formulou as seguintes conclusões:
«A) Vem o presente recurso interposto do Despacho Saneador que julgou verificada a excepção peremptória de ilegitimidade da Ré F…, com fundamento no facto de, tratando-se de um seguro facultativo, ter considerado que não estavam preenchidos os requisitos previstos no artigo 140.º números 2 e 3 da LCS.
B) Discorda o Recorrente da Decisão constante do Despacho Saneador por entender que (i) o contrato de seguro junto aos autos como documento n.º 2 da Petição Inicial prevê expressamente a possibilidade de demandar directamente a seguradora, estipulando no artigo 15º alínea a) das condições gerais que “O Segurador obriga-se: a) Substituir-se ao Segurado na regularização amigável ou litigiosa de qualquer sinistro abrangido pelo presente contrato.”, e que (ii) entre a participação do sinistro, pelo segurado à seguradora, e a tomada de posição desta foram encetadas diligências e solicitada a intervenção do lesado, que não podem deixar de consubstanciar factos passíveis de integrar o conceito de “início de negociações directas”.
C) Em primeiro lugar, e com o devido respeito, o Tribunal a quo não considerou devidamente o teor do contrato de seguro, e, em particular, omitiu na sua decisão a interpretação da cláusula específica (artigo 15º alínea a) das condições gerais) que trata da acção directa sobre a seguradora, como se impunha.
D) E que, aliás, se encontra ipsis verbis retratada em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 14-06-2018 que, contrariamente à Decisão do Tribunal a quo, entendeu estar preenchido o requisito legal previsto no artigo 140.º n.º 2 da LCS.
E) Ao decidir desta forma, violou as disposições constantes dos artigos 140.º número 2 LCS, artigos 236.º número 1 e 238.º número 1 ambos CC, e artigos 10.º e 11.º número 2 RCCG.
F) Sendo que, a interpretação correcta do artigo 15º alínea a) das condições gerais do contrato de seguro importa concluir pela admissibilidade da intervenção da seguradora na qualidade de ré numa acção de responsabilidade civil extracontratual como a que se apresenta nestes autos.
G) Em segundo lugar, entre a participação do sinistro e a tomada de posição da seguradora sobre a sua responsabilidade, existiram diligências que envolveram o lesado e que não podem ser ignoradas - pedido de permissão para aceder a dados clínicos e subsequente recolha, reunião com o lesado e elaboração de relatório - muito menos desconsideradas para efeito de aplicação do artigo 140.º número 3 LCS, sob pena de esvaziar de contudo esta disposição.
H) Assim não entendeu o Tribunal a quo que dessa forma violou o artigo 140.º número 3 LCS
I) Posto isto, demonstrada que está a existência de uma previsão contratual a determinar a possibilidade de acção directa contra a seguradora, e descritos factos suficientes subsumíveis ao conceito de “início de negociações directas”, salvo o devido respeito, mas outra deveria ter sido a decisão proferida em sede de despacho saneador.»
As RR. não responderam à alegação do recorrente.
É a seguinte a questão a decidir:
- da ilegitimidade da R. F…
*
Da fundamentação do despacho recorrido consta o seguinte:
“Do contrato de seguro junto aos autos pelo Autor e pela Ré F…, documento que não se mostra impugnado, não está prevista qualquer possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora, pelo que não está assim preenchida a previsão do nº 2 do art.º 140º da LCS.”.
No entender do recorrente, essa possibilidade está prevista no artigo 15º al. a) das condições gerais do contrato de seguro.
Assim, passa-se a dar por provado o teor dessa alínea:
 “O Segurador obriga-se a:
a) Substituir-se ao Segurado na regularização amigável ou litigiosa de qualquer sinistro abrangido pelo presente contrato”.
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Nos seguros de responsabilidade civil obrigatórios, “o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador”, por força do art.º 46º nº 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
O tribunal recorrido considerou que “o seguro em causa nos autos tem natureza facultativa” e tal não foi questionado pelo recorrente, pelo que importa ter presente o disposto no art.º 140º nºs 2 e 3 do RJCS, que se passa a reproduzir:
“2 - O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.
3 - O direito de o lesado demandar diretamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.”
Constando do artigo 15º al. a) das condições gerais do contrato de seguro que “o Segurador obriga-se a substituir-se ao Segurado na regularização amigável ou litigiosa de qualquer sinistro abrangido pelo presente contrato”, importa considerar que o contrato de seguro prevê a possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 14 de junho de 2018, processo 6101/15.3T8BRG.G1.S1).
Verificada a hipótese prevista no art.º 140º nº 2 do RJCS, fica prejudicada a análise do nº 3 do citado artigo.
“A legitimidade é uma posição do autor e réu (s) em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele (s) réu (s) ocupar-se em juízo desse objecto do processo.”
“Da legitimidade processual distingue-se a legitimidade em sentido material que consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque ou que lhe seja atribuído” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 29 de outubro de 2015, processo 915/09.0TVPRT.P1.S1).
O direito de o lesado demandar diretamente o segurador tem a ver com a legitimidade processual passiva.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando o despacho saneador na parte em que julgou procedente a exceção da ilegitimidade material da R. F… e absolveu esta do pedido, com consequente anulação do processado subsequente à decisão recorrida que dela dependa absolutamente; e julgando a R. F… parte legítima. 
Custas pela R. F…

Lisboa, 26 de janeiro de 2023
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo