TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
INSCRIÇÃO NA SEGURANÇA SOCIAL
Sumário

O Tribunal do Trabalho não tem competência, mesmo por acessoriedade, complementaridade ou dependência, atenta a diferente natureza das relações jurídica em causa, para decidir o pedido submetido pelo trabalhador relativo à sua inscrição, pelo empregador, na segurança social.

(Elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


Autor (A.): e recorrente: AAA
Réus (RR.): BBB e CCC


A A. demandou os RR. pedindo a sua condenação solidária a:
a)-A pagarem-lhe uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano de trabalho, desde Setembro 2004 até Maio de 2021, com as respectivas actualizações anuais, atentas as actualizações anuais por portaria governamental, adequadas aos contratos de trabalho de serviço doméstico, até ao transito em julgado da decisão do tribunal, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, até ao seu pagamento efectivo;
b.-A pagarem-lhe € 45.000,00, por danos patrimoniais futuros, acrescidos dos juros legais vencidos e vincendos desde a prolação da sentença, até ao seu pagamento efectivo;
c.-A pagarem-lhe € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais vencidos e vincendos, desde a data da prolação da sentença, até ao seu pagamento efectivo;
d.-A pagarem as contribuições em falta junto do Instituto da Segurança Social, por via da celebração do contrato em apreço com a autora.

Isto além de pagarem à autora as despesas processuais e procuradoria condigna no valor de € 2.500,00.

Alega que em 01.09.2004 celebrou um contrato de trabalho doméstico com os réus, nunca tendo sido actualizado o vencimento até à sua cessação em 2021, nem foram pagas as contribuições junto do Instituto da Segurança Social referentes ao seu vencimento. Em face da pandemia, o mandatário da autora, a pedido e com efeitos a Janeiro de 2020, comunicou aos réus a intenção da autora, com carácter de excepção, suspender o contrato de trabalho. Mais foi solicitado que essa suspensão fosse comunicada pelos réus ao Instituto da Segurança Social, para poder beneficiar dos apoios estatais, o que não foi feito, provocando essa omissão dificuldades financeiras que levaram ao incumprimento de pagamento de serviços básicos e falta de liquidez para alimentação. Com o desconfinamento, em 02.04.2021 comunicou aos réus que se ia apresentar ao serviço em 05.04.2021, recebendo no dia 4 uma mensagem dos réus onde a informavam que estava suspensa preventivamente e que ia ser alvo de um processo disciplinar. Posteriormente a autora recebeu o relatório final, sem que lhe tenha sido enviada a nota de culpa, impugnando por esse facto o despedimento.

*
Em 5.5.2022 o Tribunal lavrou o seguinte despacho, com areferência 415523502:
“A autora propôs a presente acção contra BBB e CCC, não pagando taxa de justiça, mas oferecendo requerimento de protecção jurídica, não invocando o acto tácito sendo certo que não o podia fazer porque à data da entrada da acção o mesmo já havia sido indeferido sendo isto que decorre da informação prestada a estes autos pelo Instituto da Segurança Social por email de 21.03.2022.

O facto de resultar da informação do Instituto da Segurança Social que a carta remetida à autora foi devolvida com a indicação “Não Atendeu”, não a iliba do acima referido uma vez que apenas a si é imputável o não recebimento.

Acresce que, ainda que desconhecesse aquela decisão, a autora só poderia propor acção juntando apenas o requerimento de pedido de apoio judiciário nos casos previstos no artigo 552.º, n.º 9, do Código de Processo Civil, o que não era claramente o caso destes autos.

Donde poderia a petição inicial ser recusada com fundamento no pagamento da taxa de justiça.

Em suma, a autora propôs a presente acção sem pagar taxa de justiça uma vez que à data da entrada da acção de acordo com o email remetido pelo Instituto da Segurança Social o apoio judiciário havia sido indeferido por decisão de 06.12.2021.

Não obstante, decidiu o Tribunal oficiar ao Instituto da Segurança para que informasse se tinha recaído decisão sobre o apoio judiciário.

Com efeito, decorre do artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004 de 29.07, que o tribunal deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do acto tácito.

Posteriormente à notificação do email remetido pelo Instituto da Segurança Social veio a autora pagar taxa de justiça, o que em rigor já não poderia fazer designadamente atento o disposto no artigo 560.º do Código Processo Civil e, uma vez que a autora se encontra representada por Advogado.

Não obstante, porque o processado dos autos até esta data (que não é da responsabilidade da signatária que apenas assumiu a sua titularidade desde 2 de Maio) criou uma expectativa na autora que em face do mesmo é legitima, sendo qualquer indeferimento liminar nesta data uma decisão surpresa, para realização da audiência de partes a que alude o artigo 55º do CPT, designa-se o próximo dia 19 de maio de 2022, às 13h40 m neste Tribunal.

Notifique o autor e cite a ré para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir, sob pena de virem a ser condenados em multa por litigância de má-fé (art. 54º, n.ºs 3 e 5 do CPT).
Advirta ainda a(o) ré(u) remetendo cópia deste despacho, que se não comparecer, ou se a tentativa de conciliação se frustrar, o prazo de contestação (dez dias) se inicia no dia seguinte ao da audiência de partes, tendo a falta de contestação os efeitos previstos no art. 57º/1 do Cód. Proc. Trabalho, considerando-se confessados os factos articulado(s) pelo(a) autor(a).

*
Logo após a realização da audiência de partes, os RR. Insurgiram-se contra esta decisão, apresentando alegações e concluindo:
I.–Os recorrentes discordaram do despacho (referência citius 415523502, datado de 05.05.2022) que admitiu a petição inicial da autora, sem que, aquando da propositura da acção, a autora tenha autoliquidado a taxa de justiça devida, junto o comprovativo de deferimento da protecção jurídica ou invocado o deferimento tácito;
II.Para o efeito, o julgador sustentou que: “(…) posteriormente à notificação do email remetido pelo instituto da segurança social veio a autora pagar taxa de justiça, o que em rigor já não poderia fazer designadamente atento o disposto no artigo 560.º do código processo civil e, uma vez que a autora se encontra representada por advogado. Não obstante porque o processado dos autos até esta data criou uma expectativa na autora que em face do mesmo é legítima, sendo qualquer indeferimento liminar nesta data uma decisão surpresa (…);
III.A decisão recorrida violou o disposto no artigo 558.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Civil aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, ao admitir, em vez de rejeitar liminarmente, uma petição inicial que não foi acompanhada do comprovativo de pagamento da taxa de justiça ou do comprovativo de deferimento de protecção jurídica, conforme preceituado no artigo 552.º, n.º 7;
IV.O predito artigo 558.º é claríssimo: a petição inicial deve ser rejeitada quando não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário;
V.Ao tribunal apenas incumbia sindicar o cumprimento pela autora daquele normativo, sendo que a delonga na apreciação da situação deveu-se tão-somente à circunstância de a Autora, a qual está representada por advogado, ter omitido aos autos a decisão de indeferimento do pedido de protecção jurídica;
VI.Foi a autora quem protelou a tomada de uma decisão pelo tribunal, quem impediu que o Tribunal decidisse com a brevidade necessária, bem como foi a respectiva conduta omissiva que levou o tribunal a expedir notificações para confirmar o que a autora omitiu;
VII.A decisão do tribunal não pode obedecer a critérios de oportunidade no que tange à rejeição da petição inicial, pelo que a petição inicial deveria ter sido rejeitada liminarmente;
VIII.Acresce que o tribunal violou, sempre com o devido respeito, o disposto no artigo 560.º, do Código de Processo Civil aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, ao admitir que a autora auto-liquidasse a taxa de justiça numa situação não subsumível àquele artigo, nomeadamente a circunstância de estar representada por advogado;
IX.Denote-se igualmente a violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do código de processo civil aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do código de processo do trabalho, porquanto a decisão recorrida é, em si mesma, uma surpresa, tendo sido proferida sem previamente ter dado oportunidade aos recorrentes partes de se pronunciarem sobre a questão, nem justificado que se tratava de um caso de manifesta desnecessidade de cumprimento do princípio do contraditório;
X.Destarte, cometeu o tribunal recorrido uma nulidade com influência no exame e na decisão da questão, pelo que deverão ser anulados todos os actos subsequentes à decisão recorrida, incluindo a própria citação dos recorrentes.
Normas jurídicas violadas: art.º 3.º, n.º 3, 558.º, n.º 1, alínea f), e 560.º, todos do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

*
Não havendo acordo os RR. contestaram arguindo erro na forma de processo e ilegitimidade dos réus, e reiterando a validade do processo disciplinar e fundamentos.

*
Saneados os autos e efetuado o julgamento foi proferida sentença que julgou
a)-não ser o Tribunal do Trabalho competente em razão da matéria para conhecer do pedido na parte em que integra os descontos para a Segurança Social e absolveu os réus da instância, nessa parte (alínea e) do pedido).
b)-procedente a excepção de erro na na forma do processo e absolveu os réus AAA e BBB, da instância (art.º 278.º, n.º 1, al. b) e 577.º, al. b), do Código Processo Civil).

*
Não se conformando, a A. apelou na parte vencida, tendo apresentado motivação e formulado as seguintes conclusões:
1.A Meritíssima Juíza a quo, errou quando fundamentou a sua decisão e deu procedência à matéria de exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria para julgar o pedido formulado na alínea e).
2.Contrária a esta análise da lei, deveria o Tribunal a quo ter concluído, que a matéria versada na petição inicial configuraria um direito passível de ser integrado na esfera jurídica do trabalhador, e por facto de livre apreciação por parte do Douto Tribunal, por se enquadrar na sua competência em razão de matéria de julgar.
3.Deveria o Tribunal a quo considerar que a ação intentada pela Recorrente não está ferida de qualquer erro na forma de processo, atento, que pela sua especificidade não estamos a julgar um despedimento, pela sua ilicitude / licitude, mas sim uma indemnização através do pagamento de uma compensação de natureza global, por via da especificidade do contrato de trabalho doméstico em apreço.
4.Não obstante o Tribunal a quo julgar o erro na forma de processo utilizada pela Autora, deveria aproveitar o processo quanto ao pedido e causa de pedir, no que concerne aos pedidos indemnizatórios que resultaram nos prejuízos patrimoniais sofridos e nos prejuízos patrimoniais futuros, conforme se pede na petição inicial.
5.Não havendo assim qualquer sustentação conforme aduz o douto Tribunal a quo, de se estar na presença de exceções, que sustentem a absolvição conforme sentenciou.
6.Assim se reitera que deveria ter sido esse o entendimento do Tribunal a quo.
7.Pelo que a questão em apreço deverá ser apreciada no âmbito da presente fundamentação, que se dá por integralmente reproduzida, segundo os critérios legais, e segundo também a posição jurisdicional emergente dos tribunais superiores.
Remata pedindo que o recurso seja julgado procedente e a sentença revogada, com todas as consequências legais.

*
Os RR. contra-alegaram, tendo concluído:
I.Os recorridos concordam com o teor da decisão recorrida, a qual aplicou correctamente o direito, pelo que deverá ser mantida;
II.Percorrendo as várias alíneas do art.º 126.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), em nenhuma delas se encontra expressamente consagrada a competência dos tribunais do trabalho para conhecer da regularização de descontos junto da segurança social;

III.A questão da falta de pagamento de contribuições à segurança social não é da competência material dos tribunais do trabalho nem de qualquer outro tribunal judicial, mas dos tribunais administrativos e fiscais, conforme jurisprudência citada na motivação;

IV.A segurança social tem competência exclusiva para providenciar pelo cumprimento das obrigações a que está obrigada a empregadora quanto ao procedimento de liquidação e cobrança das contribuições, não decorrendo directamente a obrigação de liquidar e pagar as contribuições da violação do contrato de trabalho mas, outrossim, da violação de um dever de contributo/tributário;

V.Denote-se, pois, o que foi decidido pelo venerando Tribunal de Conflitos, no acórdão de 17.01.2008, processo n.º 016/07, disponível em www.dgsi.pt: “é competente em razão da matéria o tribunal tributário, e não o tribunal do trabalho, para conhecer do pedido de condenação dos réus a reconstituir retroactivamente o contexto contributivo do autor junto da previdência social, inscrevendo-o e fazendo a entrega das contribuições sociais na instituição respectiva”;

VI.De outra face, a comunicação dos recorridos é explícita: despedimento por justa causa; houve um erro na forma de processo, em virtude de a recorrente ter proposto a acção sob a forma comum para peticionar a ilicitude do despedimento, que lhe foi comunicado por, quando podia e teria que desencadear o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento;

VII.A forma de processo para o pedido de declaração da ilicitude do despedimento e para o exercício da indemnização decorrente da pretensa ilicitude, nas circunstâncias invocadas pela recorrente, é a que está consagrada no artigo 98.º-b, do código de processo do trabalho;

VIII.A doutrina e a jurisprudência referem, de forma unânime, que a consequência legalmente consagrada para o vício do erro na forma de processo é a absolvição da instância, visto que nada se pode aproveitar, porquanto houve ausência de apresentação do formulário legalmente exigível para iniciar o processo especial de impugnação do despedimento;

IX.A acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista nos artigos 98.º-b a 98.º-p, do Código de Processo do Trabalho destina-se a ser utilizada pelo trabalhador que tenha sido alvo de despedimento individual, concretizado por escrito pelo empregador – seja por causa subjectiva (despedimento fundado em justa causa), seja por causa objectiva (despedimento por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação) –, e que a ele se pretenda judicialmente opor;

X.O erro na forma do processo trata-se de um vício sanável através da prática dos actos necessários à recondução do processo à forma adequada.

XI.A predita sanação é inviável nos casos em que face às especificidades da forma adequada e da forma até aí seguida não seja possível aproveitar os actos já praticados, o que sucedeu in casu.

XII.Finalmente, denote-se que1.- A acção especial regulada nos arts. 98.º-b e segs. do código de processo do trabalho aplica-se à decisão de despedimento individual, comunicada por escrito, inequivocamente assumida pelo empregador. 2.- A inexistência de procedimento é apenas relevante para a qualificação do despedimento como ilícito, não é relevante para impedir a aplicação desta forma de processo. 3.- Esta forma de processo aplica-se no caso de trabalhadora que recebe uma comunicação escrita de despedimento, por motivos relacionados com a reestruturação da empresa”, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 12.05.2022, processo n.º 3704/21.0t8far.e1, disponível em www.dgsi.pt.
Remata pedindo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.

*
O MP teve vista e pronunciou-se no sentido da confirmação da sentença.

Os RR. responderam ao parecer.

Foram colhidos os vistos legais.
*
*
FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente ao 1º recurso, do despacho supra identificado, nada mais se vislumbra nos autos, sendo que a admissão do recurso se cinge expressamente ao recurso interposto pelos RR. da sentença.
Nada há a conhecer, pois, quanto ao primeiro, sendo que, de todo o modo, nem se vislumbra que interesse poderiam ter os AA., a quem a decisão final foi favorável. E nada existe que cumpra conhecer oficiosamente nesta sede.

*
Cumpre assim apreciar no recurso da sentença – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – a quem cabe a competência material para conhecer do pedido de inscrição da A. na segurança social e ainda se o erro na forma de processo não obsta a aproveitamento e prossecução da ação.
*
*
São estes os factos apurados nos autos: os descritos supra.
*
*
De Direito
1.Da competência material quanto ao pedido relativo à segurança social.
Não oferece quaisquer dúvidas que a competência material para decidir o pedido de condenação do empregador a pagar retribuições em falta à Segurança Social  pertence aos Tribunais da jurisdição administrativa e tributária.
Nesse sentido, e por todos, cfr. o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 17.01.2008, que decidiu que "É competente em razão da matéria o tribunal tributário, e não o tribunal do trabalho, para conhecer do pedido de condenação dos réus a reconstituir retroactivamente o contexto contributivo do autor junto da previdência social, inscrevendo-o e fazendo a entrega das contribuições sociais na instituição respectiva" (cfr. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931)
O Supremo Tribunal Administrativo decidiu, na mesma linha (acórdão de 16.5.12, idem em www.dgsi.pt), que "A jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal dos Conflitos vai no sentido da competência dos tribunais tributários para conhecer da acção intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação desta a proceder aos pagamentos à Segurança Social das diferenças que aquele considera terem existido nas contribuições devidas".

E esta Relação de Lisboa decidiu, no acórdão. de 7.12.11, que "O Tribunal do Trabalho não é competente para a apreciação do pedido de pagamento de quantias que o trabalhador auferiria a título de subsidio de desemprego da Segurança Social, por a entidade empregadora não ter procedido à entrega da totalidade dos descontos para aquela".

A A. pretende que está ser diretamente prejudicada, porquanto deixou de ter acesso ao subsídio de desemprego, além de perder o valor de reforma a que teria direito, o que tudo traduz um dano patrimonial futuro.

Porém, nada disto colhe. Não havendo sequer uma conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência.

Exarou o Tribunal de Conflitos na fundamentação de decisão acima referida:
“Releva para a apreciação da competência em razão da matéria os termos em que a acção é proposta, o modo como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos; o quid disputatum ou quid decidendum. (...). (O pedido relativo à segurança social insere-se) no âmbito da relação jurídica contributiva, e visa assegurar o cumprimento, pela empregadora, da respectiva obrigação contributiva, que as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social têm vindo a estabelecer. Com efeito, quer a Lei 28/84, de 14 de Agosto (art.º. 24°), quer a Lei 17/2000, de 8 de Agosto (arts. 60° e 62°), quer a Lei 32/2002, de 20 de Dezembro (arts. 45° e 47°/1), quer finalmente a Lei 4/2007, de 16 de Janeiro (arts. 56°/1 e 59°/1) impõem a obrigação de contribuição para os regimes de Segurança Social aos beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, às respectivas entidades empregadoras, estabelecendo mesmo a responsabilidade destas pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, pelo que devem, para o efeito, proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes, e fazer o respectivo pagamento juntamente com a contribuição própria. (...) Está, assim, delineada, uma relação jurídica bilateral, de natureza contributiva, que impõe à empregadora a obrigação de efectuar uma prestação pecuniária (a contribuição), correspondendo a tal obrigação o direito da Segurança Social a essa prestação. Embora fundada na relação laboral, esta relação jurídica contributiva não se confunde com ela, e apenas incide sobre um dos sujeitos da relação laboral, a entidade empregadora, responsável pelo pagamento, mesmo na parte respeitante ao trabalhador. Como se refere nos acórdãos deste Tribunal dos Conflitos n.° 02/04, de 27.10.2004, e n.° 03/06, de 04.10.2006 (...) no âmbito desta relação jurídica contributiva a empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico; é perante as instituições de Segurança Social, que integram a chamada administração indirecta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente tendo poderes para intervenções coactivas, que as entidades empregadoras têm de cumprir a sua obrigação contributiva. Os aludidos acórdãos são igualmente conformes no entendimento – que aqui também se acolhe e que, aliás, se abona em recente jurisprudência do STA Acs. De 05.06.2002 e de 11.02.2004, disponíveis na base de dados do ITIJ. E nalguma doutrina Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, 1996, pág. 366 e ss. que citam – de que as contribuições para a Segurança Social, enquanto verdadeiras quotizações sociais, não são impostos ou taxas, mas imposições parafiscais: embora apresentem grandes semelhanças com os impostos, partilhando das características destes (patrimonialidade, obrigatoriedade, afectação a entidades públicas), contêm, em vários domínios do seu regime jurídico, algumas especificidades que deles as distinguem – designadamente quanto às finalidades, forma de criação e modificação, e natureza dos organismos em favor dos quais são atribuídos – e que melhor se acomodam à tese da parafiscalidade. (...) A acção, na parte em que versa sobre a relação jurídica contributiva, e sobre eventual obrigação dos réus, enquanto sujeitos passivos dessa obrigação, perante a Segurança Social, tem por objecto matéria que é da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal (cfr. arts. 4º e 49°/l .c) do ETAF), já que tal obrigação tem, como vimos, natureza parafiscal.

Encontrada norma legal atributiva da competência a um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal, fica logo afastada a competência dos tribunais do trabalho, face às regras dos arts. 66° do CPC e 18°/l da LOFTJ, que, à partida, limitam a competência dos tribunais judiciais às causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

(... Mas será a competência não direta mas por conexão?) No alargado rol das competências, em matéria cível, dos tribunais do trabalho, elencado no art.º. 85° da LOFTJ, contém-se, na alínea o), a de conhecer “(d)as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”. Leite Ferreira, depois de acentuar que apenas releva, para efeitos de competência, a conexão objectiva em sentido restrito, ou seja, a que emana da interligação dos diversos pedidos, precisa o seguinte:  “Em qualquer dos seus aspectos, a conexão objectiva pressupõe uma causa dependente de outra. Mas, na acessoriedade, a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal ainda que tenha por finalidade garantir as obrigações derivadas da relação fundamental. Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objectivo, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra. Em consequência disso, a competência do órgão jurisdicional projecta-se sobre a questão complementar na medida em que esta sofre a influência daquela. Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade. Simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal Cod. De Proc. do Trabalho anotado 4ª ed., pág.80/81..

(...) Não se verifica a conexão a que se reporta o preceito legal acima transcrito. Na verdade, se é certo que a relação jurídica contributiva se estabelece tendo como pressuposto a existência de um contrato de trabalho, verdade é também que ela não emerge de relação conexa com a relação de trabalho. Ela concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral entre o empregador e o Estado. No âmbito desta relação jurídica a empregadora não se acha constituída em qualquer dever jurídico perante o trabalhador: a sua obrigação contributiva existe face à Segurança Social e é perante esta que tal obrigação deve ser cumprida. Não existe, pois, qualquer conexão entre a relação jurídica contributiva e o contrato de trabalho (...), o pedido não está numa situação de acessoriedade, nem tão pouco de complementaridade ou dependência.

Também o citado acórdão desta Relação de Lisboa salienta:

“a natureza tributária ou parafiscal dos descontos ou contribuições a efectuar pelas entidades empregadoras para a Segurança Social, por força dos contratos de trabalho que hajam celebrado. (...) E porque tais contribuições revestem natureza tributária ou parafiscal, acompanhamos o afirmado no Art.º. do STJ de 15/02/2005 (www.dgsi.pt, proc. 04S3037), que salienta que “não há razões para duvidar da incompetência directa dos tribunais do trabalho para decidir das questões emergentes da relação contributiva, ou seja, da incompetência material dos tribunais do trabalho quando o único objectivo da acção proposta pelo trabalhador contra a sua entidade empregadora seja a condenação desta a pagar à Segurança Social as contribuições que devia ter pago na pendência do contrato de trabalho”.

(E quando o autor formula outro ou outros pedidos para cuja apreciação o tribunal do trabalho tem directa competência?) Aí terá que se equacionar o disposto na al. o) do art.ºº 85º da LOFTJ. E a pergunta que se impõe é a de saber se entre a relação contributiva subjacente à obrigação de pagamento das referidas contribuições à Segurança Social por parte da entidade empregadora, existe alguma conexão com a relação laboral. A resposta é dada pelo mesmo Art.º. do nosso Supremo Tribunal, quando, com toda a clareza e rigor, refere: “diz-se que duas causas são conexas quando estejam interligadas por alguns dos seus elementos (sujeitos, causa de pedir e pedido). Todavia, como diz Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pag. 71 e seguintes), para que a extensão de competência prevista na referida alínea o) tenha lugar não basta uma qualquer conexão. A tal respeito escreveu aquele autor: «A alínea o) nenhuma referência faz à conexão subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidência das partes, o que equivale a dizer que a conexão subjectiva não é factor determinativo da extensão da competência nos tribunais do trabalho. E com razão, pois que a competência especializada dos tribunais do trabalho define-se em função da real diversidade de acções e não da qualidade dos sujeitos que nelas intervêm – trabalhador, entidade patronal, organismos sindicais, etc. Resta a conexão objectiva que, num sentido lato, pode provir:

a)-da unidade da causa de pedir;

b)-da relacionação dos diversos pedidos.

Só que do mesmo facto jurídico, como causa de pedir – Cod. Proc. Civil, art.º. 498.º, n.º 4 – pode brotar uma pluralidade de relações jurídicas a cada uma das quais corresponda, paralelamente, efeitos jurídicos distintos. Sempre que isso aconteça não poderá dizer-se, sem mais, que se está perante uma multiplicidade de acções conexas.
Se dum mesmo facto nasce uma acção penal e uma acção civil não há conexão. O tribunal do trabalho apenas conhecerá delas se para isso tiver competência directa. (…)
A unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizar a competência por conexão dos tribunais do trabalho. Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais do trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (…) De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido estrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos».


Essa conexão, continua aquele autor, pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal”.

E como se conclui no Acórdão desta Relação de 7/3/2007, in www.dgsi.pt, também no caso que nos ocupa “não restam dúvidas de que a relação contributiva está dependente da relação laboral, uma vez que se esta não existisse, a ré não teria a obrigação de pagar contribuições à Segurança Social, relativamente à pessoa do aqui autor. Acontece, porém, que entre os pedidos emergentes da relação laboral e o pedido de condenação da ré no pagamento das contribuições à Segurança Social não existe nenhuma das referidas modalidades de conexão, sendo autónomos e independentes entre si. Com efeito, a formulação daqueles não depende da formulação deste e vice-versa. Cada um deles pode ser formulado separadamente”.

Acresce que, nos termos dos art.º 51º e 56º da Lei 4/2007 de 16/1 – Lei de Bases da Segurança Social – é obrigatória a inscrição dos trabalhadores e das entidades patronais como contribuintes, bem como o pagamento das respectivas contribuições, obrigações que no caso dos trabalhadores por conta de outrem estão a cargo do empregador.  A obrigação de liquidar e pagar as contribuições não decorre directamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário. Com efeito, ambas as violações contratuais (o não pagamento de prestações retributivas e a omissão de contribuição para o sistema de segurança social) estão relacionadas com a existência de um contrato de trabalho, mas cada uma delas tem um conteúdo próprio e independente, já que qualquer uma pode ocorrer sem o concurso da outra.
Nunca existiria, no caso em apreço, uma conexão directa, por o pedido de pagamento da prestações do subsídio de desemprego, não estar numa situação de acessoriedade, complementaridade e/ou dependência”.


Estas considerações, que acompanhamos, e que não foram ultrapassadas pelas alterações legislativas, mantendo-se o mesmo regime, elucidam a questão: não há conexão entre este pedido, relativo à inscrição na segurança social, e os demais, pelo que decidiu bem o Tribunal a quo ao julgar-se incompetente materialmente.

*
2.Do erro na forma do processo

Alega a recorrente que não impugna o despedimento, apenas pretende receber aquilo “que a lei lhe faculta como direito por via da prestação laboral no contrato de serviço doméstico”. E mesmo que assim não fosse, acrescenta, a petição é inteligível e há suficiente matéria relativa ao pedido e causa de pedir para que o recurso seja admitido, quanto aos prejuízos patrimoniais presentes e futuros, pelo que tal deveria ter lugar ao menos nesta parte.

Importa, pois, saber se os atos praticados podem ser aproveitados, nos termos previstos no art.º 193 do CPC.
Entendeu a sentença recorrida que não, porquanto há uma diferença acentuada de formalismos entre as duas formas de processo, pois “este processo especial inicia-se com um mero requerimento/formulário de oposição, subscrito pelo trabalhador, existindo uma fase inicial sem articulados, sendo que o primeiro articulado é da entidade empregadora que apresenta articulado de motivação do despedimento e junção do processo disciplinar e, só após este apresenta o trabalhador articulado de contestação”.  

No caso, a A. invoca despedimento sem justa causa (cfr. por todos os art.º 28, 29 e 38 da petição inicial:
28.º- Pelo que a comunicação dos Réus, para pôr termo ao contrato de trabalho com invocação de justa causa, não poderá proceder, uma vez que não estão preenchidos os requisitos de aplicabilidade de um despedimento por justa causa.
29.º- Em conformidade, as consequências de despedimento promovido pelo empregador com alegação de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente são as previstas no artigoº 31 do Decreto-Lei nº. 235/92, de acordo com este preceito, nesses casos o trabalhador tem direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fração decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou termo incerto, como é o contrato em controvérsia.
35.º- Pelo que o despedimento com justa causa alegado pelos Réus, deverá ser julgado como insubsistente, por falta de fundamento legal, com o consequente pagamento da indemnização que tem direito, por via desse despedimento ilícito),
o qual se reflete no pedido adiante deduzido em a) de indemnização de um mês por cada ano de antiguidade.
É, pois, indubitável, que a ação orbita em torno do alegado despedimento.
Que assim é, até quanto aos demais pedidos se vê da forma como as questões são trazidas a juízo. Cfr os art.º 38, 39, 44 (este no segmento dos “danos patrimoniais futuros”) e 49 (este no segmento dos “danos não patrimoniais”):
38.º- Por via do despedimento operado pelos Réus, a Autora, procurou obter apoio social, junto do Instituto da Segurança Social, tendo obtido resposta, que não tinha direito a subsídio de desemprego, uma vez que Réus, não tinham pago as contribuições ao referido Instituo.
39.º- O que veio avolumar o receio da Autora, que se viu assim, sem trabalho, e sem apoio social, de imediato, e no futuro, por via do não pagamento das contribuições sociais pelos Réus, e também pela sua idade já avançada.
44.º- O facto dos Réus, não terem efetuado os descontos, junto do Instituto da Segurança social, desde o mês de setembro de 2004, até ao mês do despedimento operado em maio de 2021, por via do trabalho realizado pela Autora, vem prejudicá-la no futuro, considerando que não lhe será atribuído qualquer subsídio, atento essa omissão.
49.º- Os Réus, ao despedirem a Autora, alegando justa causa, bem sabendo que face à pandemia por todos Vivenciada, como é o Covid-19, não o podiam, não procederam segundo as regras de boa-fé.

Ou seja, como bem observa a Sr.ª Procuradora Geral Adjunta, “toda a estrutura da petição inicial baseia-se nas consequências do despedimento (…). Não se vislumbra como pudesse ser “aproveitado o processado quanto aos prejuízos patrimoniais sofridos e futuros”, ainda que se discordasse da aplicação do art.º 193, n.º 1, do CPC.”

Isto já responde ao primeiro argumento da recorrente de que, não se aplicando o regime geral do despedimento por a regra não ser a reintegração, não seria de aplicar o processo especial.

Contudo, isto não colhe: o afastamento do regime regra da reintegração apenas vale substantivamente, porque se trata de trabalho doméstico, por isso muito especifico. Mas tal não tem reflexos adjetivos.

Ora, o código adjetivo laboral prevê nos art.º 98-B e ss. um processo especial para a impugnação da regularidade e licitude do despedimento individual, sempre que este seja comunicado por escrito ao trabalhador. Neste caso, o trabalhador deverá obrigatoriamente, preencher e entregar no tribunal do trabalho um formulário eletrónico onde declara opor-se ao despedimento (art.º 98-C/1). Não havendo acordo na audiência de partes o empregador deverá apresentar o seu articulado (art.º 98-I/4 e 98-J/1 e 2), e posteriormente, quer este junte articulado ou não, o trabalhador tem oportunidade de pedir os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação (art.º 98-J/3-c e 98-L/3).

É nesta ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que se há de discutir e decidir 1) a licitude do despedimento; 2) os créditos devidos ao trabalhador emergentes do contrato de trabalhador, sejam ou não decorrentes da sua cessação.

Convergindo, por todos, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5.6.2013 (disponível em www.dgsi.pt): “O processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento previsto nos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho, na versão conferida pelo Decreto-Lei nº295/2009, de 13 de Outubro, é aplicável aos casos em que o despedimento tenha sido comunicado, por escrito, ao trabalhador (artigo 98º-C, número 1 do referido diploma legal).

Existe, portanto, manifesto erro insuprível na forma do processo.
*
*
DECISÃO
Pelo exposto, este Tribunal julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pela A.



Lisboa, 1 de fevereiro de 2023


Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega