PETIÇÃO INICIAL
TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário

I.–Não juntado o A. com a petição inicial documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida nem da concessão de apoio judiciário, mas tão-somente comprovativo de que havia formulado tal pedido, não deve a secretaria judicial receber e distribuir aquele articulado.

II.– Recebendo-o, o juiz não deve declarar extinta a instância, por impossibilidade legal da lide, mas sim determinar a notificação do A. para efectuar o pagamento omitido, com multa.

III.– Só no caso do A. não pagar a taxa de justiça e a multa deve o juiz mandar desentranhar a petição inicial.

(Elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I–Relatório.

AAA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BBB e BBB e CCC, na qual, notificada do despacho proferido pela Mm.ª a quo pelo qual decidiu não admitir a petição inicial e, em conformidade, declarou extinta a instância, por impossibilidade legal da lide, veio interpor recurso desse despacho, pedindo que seja revogado, culminando a alegação com as seguintes conclusões:

"a)-O presente recurso incide sobre a decisão:

'Uma vez que a Autora não comprovou o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 558.º do CPC, aplicável ex vi o artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, não admito a petição inicial e, em conformidade, declaro extinta a instância, por impossibilidade legal da lide.

Custas pela Autora'.

b)-A Autora pediu o apoio jurídico ao Instituto de Segurança Social, não tendo ainda recebido a decisão.

c)-Embora não tendo anexado o comprovativo do pedido, a Autora indicou na petição inicial 'Junta: 17 documentos, comprovativo do pedido de apoio jurídico, procuração'.

d)-No formulário do Citius a A. inseriu a indicação:

e)-A petição inicial foi recebida e distribuída sem a referida junção do comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do pagamento da taxa de justiça.

f)-Cabia ao Tribunal, ao invés de denegar Justiça à cidadã aqui A., proferindo a decisão sobre recurso, notificá-la para juntar o respectivo comprovativo.

g)-Ao não tê-lo feito violou, além do mais, o art.º 6.º, n.º 2 do CPC (Dever de gestão processual), o art.º 54.º n.º 1 CPT, o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa e também o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem".

Os apelados foram citados para os termos da acção e da apelação, nos termos do disposto nos art.os 228.º e 641.º n.º 7 do Código de Processo Civil, mas não contra-alegaram.

Entretanto, a apelante juntou aos autos comprovativo de que o Instituto da Segurança Social, I. P. a notificou de despacho de deferimento do pedido de apoio jurídico na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Admitido o recurso na 1.ª Instância para subir imediatamente e nos próprios autos, chegados a esta Relação e vistos preliminarmente os seus pressupostos foram com vista ao Ministério Público,[1] tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que o recurso merece provimento, com os fundamentos constantes das respectivas alegações, pelo que considerou ser de alterar a decisão sob recurso, substituindo-a por outra que não impeça a tramitação da acção.

Nenhum das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos,[2] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[3] Assim, a questão a resolver é a de saber se:

    • a apelante devia ter sido notificada para juntar o comprovativo apoio jurídico ao Instituto de Segurança Social.
***

II–Fundamentos.

1.-Factos processuais relevantes:

a)-No dia 04-01-2022 a autora, patrocinada por advogado, apresentou petição inicial da acção e após formular o pedido e indicar o valor da acção a apelante referiu o seguinte: "Junta: 17 documentos, comprovativo do pedido de apoio jurídico, procuração".

b)-E com ela juntou 17 documentos mas não o comprovativo do pedido de apoio jurídico, procuração.

c)-No dia 13-01-2022 a Sr.ª Escrivã Auxiliar abriu conclusão à Mm.º Juiz, a qual proferiu o seguinte despacho, que é o recorrido:

"Uma vez que a Autora não comprovou o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 558.º do CPC, aplicável ex vi o artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, não admito a petição inicial e, em conformidade, declaro extinta a instância, por impossibilidade legal da lide.

Custas pela Autora".

2.O direito.

Vejamos então se ao invés de não ter admitido a petição inicial deveria ter sido determinado judicialmente a notificação da apelante autora para juntar o comprovativo apoio jurídico ao Instituto de Segurança Social. Benefício que a apelante alegara ter requerido ao declarar que juntava comprovativo do pedido de apoio jurídico.

Ora, o art.º 552.º do Código de Processo Civil reza assim:[4]

"1-Na petição, com que propõe a acção, deve o autor:

(…)

7-O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º

(…)".           

Por sua vez, o art.º 558.º diploma estatui que:

"1-São fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos:

(…)

f)-Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552.º;

(…)".[5]

Está assim claro que não tendo a apelante autora juntado aos autos com a petição inicial documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida nem tampouco da concessão de apoio judiciário, mas tão-somente comprovativo de que havia formulado tal pedido, não deveria a secretaria judicial ter recebido aquele articulado.

Todavia, o certo é que o fez, pelo que cumpre saber se poderia a Mm.ª Juiz a quo rejeitar liminarmente a petição inicial, como efectivamente rejeitou e de resto também já se viu ser decidido por esta Relação de Lisboa.[6]

No caso não vale de muito argumentar que se a secretaria podia recusar também o juiz o podia fazer, isto porque na verdade aquela situação (ou seja, a secretaria abrir conclusão do processo ao juiz ao invés de rejeitar a petição inicial) não está verdadeiramente contemplada na lei, pelo que é apodíctico concluir que estamos perante uma lacuna. Sendo certo que a lei prevê outras situações similares a essa, como seja a de nas causas que não importem a constituição de mandatário e a parte não esteja patrocinada,[7] ou a da contestação do réu em que também tal comprovação não tenha sido feita nem que foi requerida a concessão de patrocínio judiciário.[8]

E é essa lacuna que deve ser preenchida, de acordo com o estatuído no n.º 1 do art.º 10.º do Código Civil, "segundo a norma aplicável aos casos análogos"; sendo esta última situação a que mais se aproxima da vivida na apelação porquanto em ambos os casos se está perante o articulado normal das partes numa acção de processo declarativo comum (aqui, a petição inicial do autor; na do art.º 570.º, n.os 1 a 3 a contestação do réu) em que em ambas se mostram patrocinadas por mandatário judicial. No mesmo sentido vem de resto consistentemente decidindo a jurisprudência, agora como já antes da alteração do processo civil decorrente do Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26/07, como foi nos seguintes casos:

I–Nos termos do art.º 552.º/3 do NCPC, 'o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.

II–A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no n.º 5 do art.º 552.º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558.º/f do NCPC).

III–Nas situações em que é obrigatória a apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, a falta de apresentação desse documento tem como resultado final, nos casos de recusa da petição pela secretaria ou de subsequente recusa da distribuição, a possibilidade do autor juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, considerando-se a acção proposta na data da apresentação da petição inicial recusada.

IV–Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.

Acórdão da Relação de Coimbra, de 16-10-2014, no processo n.º 273/14.1TTCBR-A.C1, publicado em http://www.dgsi.pt.

1.–Transmudado o procedimento de injunção em acção declarativa, aplica-se a regra geral de que a taxa de justiça é paga em duas prestações, pelo que o requerente terá de pagar, após a distribuição da acção, apenas a primeira prestação da taxa de justiça, descontando-se a taxa paga aquando da apresentação do requerimento de injunção (artigos 13.º, n.º 2 e 7.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais).

2.–Não tendo o autor de acção declarativa transmudada de anterior procedimento de injunção demonstrado ter pago o complemento de taxa de justiça, no prazo de 10 dias após a distribuição da acção, não deve ser ordenado o desentranhamento e a restituição do requerimento de injunção, mas antes deve o autor ser notificado para pagar a quantia em falta no prazo de 10 dias, acrescida de multa, por aplicação das disposições conjugadas dos artigos 145.º, n.º 3 e 570.º, ambos do Código de Processo Civil.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 07-12-2016, no processo n.º 142726/15.7P.L1.-2, publicado em http://www.dgsi.pt

I–Não tendo a secretaria recusado a petição inicial à qual falta a comprovação do pagamento de taxa de justiça, não prevê a lei a solução a adoptar, tratando-se de lacuna legal a regulamentar judicialmente com recurso às normas relativamente às quais procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

II–É, por isso, de recorrer ao previsto para a ausência de pagamento de taxa de justiça com a contestação, notificando o A. para o pagamento omitido, com multa, antes de decidir pelo desentranhamento da petição inicial, pela suspensão da instância ou por outra solução equivalente.

Acórdão da Relação do Porto, de 20-09-2021, no processo n.º 1266/21.8T8PNF.P1, publicado em http://www.dgsi.pt

I–Não tendo a secretaria recusado a petição inicial por falta de comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário com a consequente distribuição da acção, e, não prevendo a lei a solução a adoptar nestes casos, deve recorrer-se a analogia para integrar a respectiva lacuna (artigo 10.º, n.º 2 do CCivil).

II–A nova redacção, decorrente do disposto no DL 97/2019, de 26/07, conferida ao artigo 560.º do CPCivil, apenas prevê a recusa nas situações em que não seja obrigatória a constituição de mandatário, razão pela qual não pode ser aplicado às situações em que seja obrigatória aquela constituição.

III–Deverá, por conseguinte, recorrer-se ao previsto para a ausência de pagamento de taxa de justiça com a contestação com as devidas adaptações (cfr. artigo 570.º do CPCivil), antes de se recusar o recebimento da petição inicial.

Acórdão da Relação do Porto, de 10-01-2022, no processo n.º 1087/21.8T8STS.P1, publicado em http://www.dgsi.pt

1‒Nos termos do artigo 79.º, n.º 1 do CPTA, artigo 552.º, n.os 2 e 5 do CPC e artigos 7.º, n.º 1, 13.º e 14.º do RCP, o autor deve apresentar juntamente com a petição inicial documento comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça ou demonstrar que lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário requerido, a não ser que ocorra uma razão de urgência, caso em que lhe bastará demonstrar que foi requerida a concessão do apoio judiciário.

2‒A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos de urgência, a possibilidade de a secretaria recusar a petição inicial.

3‒Não sendo a petição recusada pela secretaria e fora dos casos de urgência, a falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência que deve ser recusada a distribuição da petição (art.º 207.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi n.º 7 do art.º 79.º do CPTA).

4‒Tendo a petição inicial sido indevidamente recebida e, indevidamente distribuída, impõe-se ao Tribunal que antes de decidir pelo seu desentranhamento, convide a parte para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos documento comprovativo da liquidação da taxa de justiça devida ou do deferimento do pedido de proteção jurídica, sob pena de desentranhamento da petição inicial.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-09-2021, no processo n.º 01972/20.4BEPRT, publicado em http://www.dgsi.pt

Deve, pois, decidir-se em conformidade com o atrás exposto, revogar o despacho recorrido e determinar que os autos prossigam seus termos, no que será tido em conta que a apelante juntou aos autos comprovativo de que entretanto o Instituto da Segurança Social, I. P. a notificou de despacho de deferimento do pedido de apoio jurídico, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

III–Decisão.

Termos em que se acorda conceder provimento à apelação, revogar o despacho recorrido e determinar que os autos prossigam seus termos, no que será tido em conta que a apelante juntou aos autos comprovativo de que entretanto o Instituto da Segurança Social, I. P. a notificou de despacho de deferimento do pedido de apoio jurídico, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Sem custas, pois que nenhuma das partes lhes deu causa (art.os 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 01-02-2023


(António José Alves Duarte)
(Manuela Bento Fialho)

(Maria José Costa Pinto)

Divirjo da fundamentação do acórdão quanto o mesmo decide aplicar o art. 570.º do CPC por analogia, pois a tanto me parece obstar, além do mais, o disposto no art. 145.º, n.º 3 do CPC; acompanho todavia a decisão final por considerar que, havendo erro da secretaria que, indevidamente, não recusa a petição inicial, o autor deve ter a oportunidade de colmatar a falta, tendo em consideração que a Secretaria devia logo ter dado conta da situação e o disposto no art. 157.º, n.º 6 do CPC; ao que acresce que, no caso vertente, a falta se mostra colmatada com a comprovação da concessão do apoio judiciário, devendo os autos prosseguir os seus termos, como decidido).