RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
FACTOS ESSENCIAIS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário


I - Resultando dos factos apurados que, em concreto, o autor não sabia que tipo de produto financeiro estava a subscrever e, sendo informado pelo intermediário que haveria o reembolso garantido de 100% do capital, é informação incompleta, que ilude o investidor, e não preenche os critérios ético-normativos impostos pelo CVM.
II - O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.
III - Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.
IV - O STJ pode, ao abrigo dos n.os 2 e 3 do art. 682.º do CPC, ordenar ex officio a ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
V - Sendo alegado pelo autor que, se não fosse a informação do banco de que o capital estava garantido, jamais daria o seu acordo na aquisição daquele produto financeiro, trata-se de facto essencial a ser averiguado pelas instâncias, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.

Texto Integral

Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ....


***


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

AA, residente na rua ..., ..., intentou ação sob a forma de processo comum contra Banco BIC Português, S.A., com sede na Av. ..., ...-020 ..., pedindo que se:

a) – Declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2006, por parte do Autor ao Réu, BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO), foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento).

b) – Declare que é da Responsabilidade do BANCO BIC S.A, o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do Autor das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2006, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A, transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu BANCO BIC S.A, tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (Estado Português e BANCO BIC S.A), sendo tal acordo marginal ao aqui Autor.

c) – Condene o Réu, BANCO BIC S.A., a proceder ao imediato reembolso do capital de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde 07 de Maio de 2015, até integral reembolso do capital, condenando ainda o Réu BANCO BIC S.A., a pagar ao Autor quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros), por danos morais sofridos pelo Autor com o comportamento imputável ao Réu BANCO BIC S.A.

Contestou o réu por exceção - competência do tribunal, em razão do território - e por impugnação.

Realizada a audiência prévia sem acordo das partes, foi proferido despacho saneador, julgando o tribunal competente, e foi fixado o objeto do litígio e os temas de prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Pelo exposto, considero parcialmente a pretensão deduzida pelo autor e condeno o réu a pagar-lhe a quantia de cem mil euros, acrescida de juros à taxa supletiva legal contados desde 7 de maio de 2015 até efetivo pagamento.

Custas por réu e autor, na proporção do decaimento.”

Inconformado veio o R. interpor recurso de apelação, sendo deliberado e a final proferido acórdão do seguinte teor:

Acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida”.


*


Inconformado com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ o réu Banco BIC Português, S.A., e formula as seguintes conclusões:

1.A decisão recorrida vem condenar o Banco R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por violação do dever de informação aquando da colocação de instrumento financeiro junto do Autor.

2.Para tanto, o douto aresto verifica o cumprimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude - que identifica com a dita falsidade/omissão de informação -, a culpa - que se presume nos termos gerais do art. 799 do Código Civil e art. 314 do Código dos Valores Mobiliários -, e o dano - correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente.

3.Já no respeitante ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a apreciar sumariamente toda a questão em tomo do procedimento informativo,

4.Posteriormente, sem qualquer alicerce na prova e apenas com base num mero raciocínio judiciário, determinou o Tribunal da Relação que não fosse a suposta violação do dever de informação, quer quanto à omissão de informação, quer quanto à prestação de informação falsa, e o Autor nunca teria subscrito tais obrigações.

5.Ao percorrer tal caminho, optou o mui douto Tribunal da Relação por não considerar determinados elementos, tanto factuais como jurídicos - e que são merecedores de maior atenção -, proferindo uma decisão que, do ponto de vista jurídico, não pode ser tida como aceitável.

6.No que concerne ao nexo de causalidade, incorreu o douto Tribunal da Relação por um caminho que tanto tem de simplista como de temerário, pois que, ao considerar a verificação do elemento do nexo causal nos termos em que o fez, decidiu sem que qualquer prova sobre o mesmo tivesse sido apresentada e produzida pelo Autor.

Ora,

7.Do texto do art799, n.1 do Código Civil não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no art.344 do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei.

8.Além do mais, sempre importa recordar que nunca tal solução seria adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar de cumprida a prestação principal- como se crê ser o caso.

9.Para o efeito, prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.

10.No âmbito do contrato de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser reconduzida, só e apenas, à boa receção da ordem e consequente transmissão, a fim de ser executada perante o terceiro nos termos ordenados.

Assim,

11 . A prestação de informação exaustiva, suficiente e clara sobre o produto em causa, prestada no âmbito da atividade intermediação financeira, sempre constituirá já uma prestação secundária daquela atividade, destinada a complementar ou tomar perfeito o cumprimento da prestação principal -mas que nunca se pode confundir com esta!

12.De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem - in casu, não foi sequer devidamente sustentado o elemento do nexo causal.

Acresce que,

13.Estando perante uma situação em que se configura existir dois contratos distintos e autónomos entre si: (i) contrato de intermediação financeira, e (ii) contrato de empréstimo obrigacionista entre o Autor e entidade terceira.

14.Quando deparados com a invocação de um incumprimento contratual por parte do Autor, entende-se, nesta sede, que o resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efetuado.

1 5. Porém, neste caso, estamos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição obrigacionista, e não no âmbito do contrato de intermediação financeira - aliás, há muito cumprido.

16.Pelo que, nunca pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear a responsabilização contratual no âmbito de um outro contrato, ainda para mais no caso de este ter sido cumprido.

17.Quer isto dizer que, não bastará a mera invocação do incumprimento no seio do contrato de empréstimo obrigacionista para se apurar a responsabilidade do intermediário financeiro.

Deste modo,

18.Em sede de responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, sempre caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, o que de todo não se verificou no caso concreto.

De facto,

19.A prestação de informação falsa (ou a omissão de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que ao nexo de causalidade diz respeito.

Assim,

20.Num primeiro momento, é indispensável que o investidor prove que, sem violação do dever de informação, não teria celebrado qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente daquele que celebrou. Num segundo momento, é necessário lograr fazer prova de que aquele concreto negócio produziu um dano. Por fim, e num terceiro momento, é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose póstuma objetiva ao tempo dos factos.

21. E nada disto foi, no nosso mais humilde entender, feito!

22.Nestes termos, ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que suportar as consequências de um investimento que se veio a tomar ruinoso, pois não há forma de, pela responsabilidade, corrigir a titularidade do risco.

23.O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 563 e 799 do Código Civil.

Em todo o caso,

24.Deverá concluir estarmos perante um caso que será admissível a interposição de Recurso de Revista Excecional, nos termos do disposto no artigo 672, número 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, com fundamento na violação da lei substantiva, com base em erro de julgamento na aplicação de direito, nos termos do artigo 674, número 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE SE CONCLUI PELA PROCEDÊNCIA DO RECURSO E POR VIA DELE PELA REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, E SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE ABSOLVA O RÉU.

Foram apresentadas contra-alegações pelo autor AA, nas quais conclui:

1. A decisão recorrida vem condenar o Banco R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por violação do dever de informação aquando da colocação de instrumento financeiro junto do Autor.

NÓS RESPONDEMOS;

Não se trata de dever de violação puro e simples, trata-se de falsa informação e assunção de divida por parte do Réu.

2. Para tanto, o douto aresto verifica o cumprimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude - que identifica com a dita falsidade/omissão de informação -, a culpa - que se presume nos termos gerais do art. 799 do Código Civil e art. 314 do Código dos Valores Mobiliários -, e o dano - correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente.

NÓS RESPONDEMOS:

O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual - artigo 483, n.º 1, do Código Civil -, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do artigo 799. n.º 1, do Código Civil. sendo claro o nº.2 do artigo 304-A do Código dos Valores Mobiliários, quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação”.

3. Já no respeitante ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a apreciar sumariamente toda a questão em torno do procedimento informativo,

NÓS RESPONDEMOS:

Em oposição à teoria instalada, da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non), formulou-se, na Alemanha oitocentista, a teoria subjetiva da causalidade adequada, segundo a qual não basta que um facto seja condição de um dano para se considerar causa, dele, sendo necessário que se trate de uma condição tal que provoque o mesmo resultado, como consequência normal e adequada.

Ao contrário da teoria da equivalência das condições, na causalidade adequada a "causa" é estabelecida em abstrato e não em concreto, sendo necessário que o julgador retroaja mentalmente até ao momento da ação ou da omissão para verificar se esta era ou não adequada a produzir o dano (Juizo de "prognose póstuma").

Ora bem, é para a teoria da causalidade adequada que parece apontar a formulação do art. 563 do Código Civil38. Todavia, o estabelecimento do nexo causal não tem de cingir-se aos parâmetros estreitos desta teoria e, não obstante ser essa a solução que parece decorrer da letra da lei ("provavelmente não teria sofrido"), a verdade é que não estão afastadas outras formulações.

Após criticar a teoria da causalidade adequada, Menezes Cordeiro, refere-se à teoria do escopo da norma violada (também conhecida por teoria da relatividade aquiliana) como sendo o meio idóneo de resolução de casos de fronteira.

Esta teoria funda-se no pressuposto de que não é possível individualizar um critério único e válido para aferir o nexo causal em todas as hipóteses de responsabilidade civil, propondo que o intérprete atenda à função da norma violada, para verificar se o evento danoso recai no seu âmbito de proteção. De modo que, quando o ilícito consiste na violação de regra imposta com o escopo de evitar a criação de um risco irrazoável, a responsabilidade estende- se somente aos eventos danosos que sejam resultado do risco em consideração do qual a conduta é proibida.

Assim, para Menezes Cordeiro, no campo da responsabilidade civil, "tudo quanto tenha a ver com omissões, com normas de proteção e com deveres do tráfego tem um enquadramento causal fácil, à luz do escopo das normas em presença. Também Menezes Leitão44 defende a teoria do escopo da norma violada, referindo, por exemplo: "Já a teoria do escopo da norma violada defende, pelo contrário, que para o estabelecimento do nexo de causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultaram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjetivo ou da norma de proteção. Assim, a questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos ( ... ). Efetivamente a obrigação de reparar os danos causados constitui uma consequência jurídica de uma norma relativa à imputação de danos, o que implica que a averiguação do nexo de causalidade apenas se possa fazer a partir da determinação do fim específico e do âmbito de proteção da norma que determina essa consequência jurídica".

Por outro lado, mesmo a causalidade adequada não afasta a causalidade mediata ou indireta, ocorrendo esta quando o facto não produz o dano, mas desencadeia ou proporciona outro facto que leva à verificação daquele.

Modernamente, em sede de responsabilidade civil médica, por exemplo, fala-se em dano injusto, no sentido proposto pelo art. 24. o da Convenção de Oviedo: A pessoa que tenha sofrido um dano injustificado resultante de uma intervenção tem direito a uma reparação equitativa nas condições e de acordo com as modalidades previstas na lei.

Colocado o nexo causal deste jeito, logo se verifica que existe um nexo causal entre a perda verificada - não reembolso - e o não cumprimento do dever de informação.

Mesmo que se considere que o lesado terá de fazer prova de que não teria efetuado a operação, caso tivesse tido cabal conhecimento da natureza do produto em causa - o que se não aceita, posto que o que está em causa é a livre formação da vontade de negociar e essa foi definitivamente afetada - no caso vertente provou-se que em face das informações assim dadas, pois de outra forma não o teria aceitado" (ponto 5.° da factualidade provada).

Do quadro exposto, resulta in casu demonstrada a responsabilidade civil contratual por ato do funcionário, gerente do balcão onde o autor era cliente (art. 800 do Código Civil Português), posto que a subscrição de obrigações SLN pelo autor foi feita sem informação cabal e objetiva sobre a natureza e características do produto financeiro em causa. Sequer o rendimento anunciado se não demonstrou, nem era mesmo exorbitante a tal ponto que fizesse criar no Autor a ideia de que só poderia estar perante algo distinto de um depósito bancário.

4. Posteriormente, sem qualquer alicerce na prova e apenas com base num mero raciocínio judiciário, determinou o Tribunal da Relação que não fosse a suposta violação do dever de informação, quer quanto à omissão de informação, quer quanto à prestação de informação falsa, e o Autor nunca teria subscrito tais obrigações.

NÓS RESPONDEMOS:

A informação falsa mostra-se perfeitamente provada pelo depoimento da testemunha do Réu que vendeu o produto ao Autor.

5. Ao percorrer tal caminho, optou o mui douto Tribunal da Relação por não considerar determinados elementos, tanto factuais como jurídicos - e que são merecedores de maior atenção -, proferindo uma decisão que, do ponto de vista jurídico, não pode ser tida como aceitável.

6. No que concerne ao nexo de causalidade, incorreu o douto Tribunal da Relação por um caminho que tanto tem de simplista como de temerário, pois que, ao considerar a verificação do elemento do nexo causal nos termos em que o fez, decidiu sem que qualquer prova sobre o mesmo tivesse sido apresentada e produzida pelo Autor.

NÓS RESPONDEMOS:

E a própria testemunha do Réu Recorrente a admitir que o Autor não teria subscrito o produto se lhe fosse dada a informação verdadeira, pelo conhecimento que tem do perfil do Autor que aliás sempre investiu em depósito a prazo e tem formação básica.

7. O texto do art.799, n.º 1 do Código Civil não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no art.344 do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei.

NÓS RESPONDEMOS:

O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual - artigo 483, n.º 1, do Código Civil -, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do artigo 799, n.º 1, do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do artigo 304-A do Código dos Valores Mobiliários, quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais a, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação, sendo que a inversão do ónus da prova resulta desde logo da presunção de culpa plasmada no citado artigo 304-A do Código dos Valores Mobiliários."

8. Além do mais, sempre importa recordar que nunca tal solução seria adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar de cumprida a prestação principal - como se crê ser o caso.

NÓS RESPONDEMOS:

Não se mostra cumprida a prestação decorrente da assunção de garantia de reembolso de capital por parte do Banco.

9. Para o efeito, prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.

10. No âmbito do contrato de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser reconduzida, só e apenas, à boa receção da ordem e consequente transmissão, a fim de ser executada perante o terceiro nos termos ordenados.

A receção da ordem teve como requisito a garantia de reembolso dada pelo próprio Banco Réu.

11. A prestação de informação exaustiva, suficiente e clara sobre o produto em causa, prestada no âmbito da atividade intermediação financeira, sempre constituirá já uma prestação secundária daquela atividade, destinada a complementar ou tornar perfeito o cumprimento da prestação principal - mas que nunca se pode confundir com esta!

NÓS RESPONDEMOS;

A prestação de informação exaustiva, suficiente e clara sobre o produto em causa, prestada no âmbito da atividade intermediação financeira, sempre constituirá já uma prestação secundária daquela atividade, destinada a complementar ou tornar perfeito o cumprimento da prestação principal - mas que nunca se pode confundir com INFORMACÃO FALSA!

12. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem - in casu, não foi sequer devidamente sustentado o elemento do nexo causal.

NÓS RESPONDEMOS;

Como demonstrado e provado se mostra.

13. Estando perante uma situação em que se configura existir dois contratos distintos e autónomos entre si: (i) contrato de intermediação financeira, e (ii) contrato de empréstimo obrigacionista entre o Autor e entidade terceira.

NÓS RESPONDEMOS;

Ambos tendo na sua génese a prestação de falsa informação!

14. Quando deparados com a invocação de um incumprimento contratual por parte do Autor, entende-se, nesta sede, que o resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efetuado.

NÓS RESPONDEMOS;

Tal como negociado foi e garantido pelo Banco Réu.

15. Porém, neste caso, estamos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição obrigacionista, e não no âmbito do contrato de intermediação financeira - aliás, há muito cumprido.

NÓS RESPONDEMOS;

Porém, neste caso, estamos perante uma falta de resultado no âmbito do contrato de intermediação financeira - aliás, há muito incumprido por força do não reembolso do capital investido, reembolso esse garantido pelo Réu.

16. Pelo que, nunca pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear a responsabilização contratual no âmbito de um outro contrato, ainda para mais no caso de este ter sido cumprido.

NÓS RESPONDEMOS;

Pelo que, a falta do resultado normativamente negociado de um contrato desencadeia desde logo a responsabilização contratual e extracontratual no caso de este ter sido incumprido.

17. Quer isto dizer que, não bastará a mera invocação do incumprimento no seio do contrato de empréstimo obrigacionista para se apurar a responsabilidade do intermediário financeiro.

NÓS RESPONDEMOS;

Quer isto dizer que, bastará a mera invocação do incumprimento no seio do contrato de intermediação financeira pela prestação de falsa informação e assunção de garantia de reembolso por parte do intermediário financeiro, para se apurar a responsabilidade do intermediário financeiro

18. Em sede de responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, sempre caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, o que de todo não se verificou no caso concreto.

NÓS RESPONDEMOS;

Remetemos para tudo quanto supra expusemos em resposta á conclusão 7.

19. A prestação de informação falsa (ou a omissão de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que ao nexo de causalidade diz respeito.

Assim,

20. Num primeiro momento, é indispensável que o investidor prove que, sem celebraria um negócio diferente daquele que celebrou. Num segundo momento, é necessário lograr fazer prova de que aquele concreto negócio produziu um dano. Por fim, e num terceiro momento, é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose póstuma objetiva ao tempo dos factos.

21. E nada disto foi, no nosso mais humilde entender, feito!

22. Nestes termos, ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que suportar as consequências de um investimento que se veio a tornar ruinoso, pois não há forma de, pela responsabilidade, corrigir a titularidade do risco.

23. O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 563 e 799 do Código Civil.

24. Deverá concluir estarmos perante um caso que será admissível a interposição de Recurso de Revista Excecional, nos termos do disposto no artigo 672, número 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, com fundamento na violação da lei substantiva, com base em erro de julgamento na aplicação de direito, nos termos do artigo 674, número 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE;

Nos melhores de direito e com o muito douto e avisado saber de Vossa Excelências, na procedência da questão prévia, deve ser liminarmente rejeitado o recurso de revista por manifesta ausência dos pressupostos que o tornariam admissível, ipso jure ipso facto o mesmo se diga quanto ao recurso de revista excecional que de igual modo deve ser não admitido, e caso assim se não entenda, deve o recurso ser julgado improcedente, com a consequente manutenção do doutamente decidido.


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Distribuído como recurso de revista excecional, pela Formação foi deliberada a admissão.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.


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Nas Instâncias foram julgados como provados os seguintes factos (dada a improcedência da apelação neste segmento):

“A) O autor, em abril de 2006, dirigiu-se à agência do então BPN, atual Banco BIC, S.A., sita no ..., no ..., onde pretendia fazer um depósito a prazo no montante de €100.000,00.

B) O referido depósito era constituído pelas poupanças do autor e resultado do produto do seu trabalho.

C) A deslocação referida em A) derivou de um contacto telefónico prévio efetuado pela gestora de cliente do BPN que pediu ao autor que ali se deslocasse, pois, queria falar com ele porquanto tinha uma proposta interessante para lhe fazer.

D) Na sequência da referida deslocação, a gestora de cliente referiu ao autor que ao invés de aplicar o montante em causa num depósito a prazo o poderia fazer numa outra aplicação financeira que lhe traria maior rentabilidade e que detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital a 100%.

E) Para o efeito, e com o intuito de convencer o autor, a referida gestora disse-lhe que tal aplicação poderia ser resgatada em 5 anos.

F) A gestora de cliente BB referiu ao autor que a aplicação financeira que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco pois o reembolso do capital era garantido a 100% e que lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que o autor se propunha aplicar num depósito a prazo.

G) Para melhor convencer o autor, a referida funcionária do BPN exibiu e facultou ao autor um documento onde constava a menção à garantia de 100% do capital, bem como a garantia de elevada taxa de remuneração.

H) Assim, em 20 de abril de 2006, o autor subscreveu a aplicação financeira que lhe foi proposta, no montante de €100.000,00, correspondentes ao montante que se propunha aplicar em depósito a prazo.

I) Até 7 de maio de 2015, altura em que cessou o pagamento, sempre foram pagos ao autor os juros do capital investido na aludida aplicação financeira…

J) …Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo BPN até 8 de novembro de 2012 e pelo Banco BIC a partir dessa data.

K) Em maio de 2011, decorridos 5 anos sobre a aplicação financeira, deslocou-se ao Banco com vista a proceder ao resgate do capital investido.

L) Nessa data, o autor foi informado que, ao contrário do que lhe havia sido garantido anteriormente, só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate.

M) O autor continuou a insistir junto do Banco para o resgate dos títulos pelo valor nominal, obtendo como resposta que o Banco iria proceder ao resgate dos títulos pelo valor nominal aquando da data de vencimento em maio de 2016.

N) O autor sofreu angústia e tristeza com a perspetiva de não mais reaver o seu dinheiro.

Factos não provados, dos alegados com relevância para a decisão da causa: os demais alegados, designadamente que estejam em contradição com os dados como provados”.


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Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C.

No caso em análise questiona-se:

-Se o Banco réu deu cabal cumprimento, em relação ao autor, dos deveres de informação que legalmente lhe eram impostos, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram em 20-04-2006.

-Consequências que advêm do cumprimento ou, incumprimento, desses deveres de informação (verificação, ou não, de nexo de causalidade entre a atuação do réu, através dos seus funcionários, e o dano sofrido pelo autor).

-Do dever de informação:

A atividade de intermediação financeira (e há acordo nos autos de que de contrato de intermediação financeira se trata) desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por normas e princípios atinentes ao exercício e organização. Tendo em conta o tempo da celebração do contrato, 2006, é aplicável o preceituado nos artigos 73 e seg. do Dl 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, o disposto nos artigos 7, 304, 309, 312 e 314 do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

Dessas normas releva o seguinte:

Artigo 7.º -Qualidade da informação

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º -Princípios

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)

Artigo 309.º -Conflito de interesses

(…)

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores. (…)

Artigo 312.º -Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; (…)

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; (…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

Artigo 314.º -Responsabilidade civil

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

É face ao normativo exposto e aos factos que em concreto resultarem apurados que se pode concluir se um intermediário financeiro “forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais” – cfr. Ac. deste STJ de 18-09-18, no Proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1. Por isso, das várias publicações doutrinais, nomeadamente dos pareceres juntos aos autos, subscrito um pelo Prof. Pinto Monteiro e outro pelo Prof. Menezes Cordeiro apenas servem para debate da matéria na generalidade.

A aplicação do Direito, que determina o resultado da ação, depende da fixação da matéria de facto.

No caso concreto e, tendo em conta os factos provados, nomeadamente:

- ponto A- o A pretendia efetuar um depósito a prazo;

- ponto C - A deslocação referida em A) derivou de um contacto telefónico prévio efetuado pela gestora de cliente do BPN que pediu ao autor que ali se deslocasse pois queria falar com ele porquanto tinha uma proposta interessante para lhe fazer;

- ponto D – A gestora referiu que não fizesse o depósito a prazo porque havia uma aplicação financeira que lhe traria maior rentabilidade e que detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital a 100%.;

- ponto E- Com o intuito de convencer o autor, foi-lhe dito que a aplicação podia ser resgatada em 5 anos;

- ponto G – A gestora facultou ao autor um documento onde constava a menção da garantia de 100% do capital, bem como a garantia de elevada taxa de remuneração.;

- pontos K e L – Ao fim dos 5 anos o A pretendeu efetuar o resgate, mas disseram-lhe que só o poderia fazer ao fim de 10 anos;

Desta matéria de facto se pode concluir que o reu, através do seu funcionário, procedeu à intermediação financeira, mas não prestou informação de modo a preencher os critérios ético-normativos impostos pelo CVM, normas supratranscritas.

Resulta de tais factos que, em concreto o autor não sabia o que estava a subscrever. Não sabia o que são obrigações e, em concreto não sabia o que eram Obrigações SLN 2006, apenas se tendo apercebido (pela informação fornecida) que o capital estava sempre garantido e o risco era pouco, como o que existe num depósito a prazo. Só por tal motivação informativa subscreveu as referidas Obrigações.

A consciência que o A. tinha reportava-se apenas ao conteúdo da informação que lhe fora fornecida.

O dever de informação respeita ao risco que pode advir da subscrição do instrumento financeiro e não a qualquer risco relativo ao contrato de intermediação financeira em si. Os riscos em causa, e que devem ser informados, respeitam ao instrumento financeiro (resultantes da subscrição da Obrigação SLN), sejam riscos endógenos ou exógenos porque, do contrato de intermediação, em si, não se vislumbra que possam ocorrer riscos significativos.

Há quem entenda que o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Concordamos, no entanto, é de salientar que não foi o investidor que apareceu perante o intermediário financeiro a querer subscrever determinada Obrigação (produto financeiro cujos riscos de rentabilidade conhecia), mas foi o funcionário do intermediário financeiro quem propõe ao cliente bancário a subscrição da Obrigação SLN 2006 e, a proposta deve ser acompanhada da informação que é obrigatório prestar, a qual deve ser completa, com verdade e com rigor.

O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

Refere CC e reportando-se à informação que deve ser fornecida pelo intermediário financeiro que, “Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” – in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.

O STJ proferiu acórdãos no sentido do que vimos expondo, em 07-02-2019, no proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e em 19-03-2019, no proc. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, referindo este:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco”.

E no Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, desta secção se refere: “I- Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo”.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

Ou, como refere o AUJ (que respeita a matéria idêntica à destes autos) proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “… à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos”.

“(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

AUJ com o seguinte segmento unificador: “1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras 3 de novembro de 2022 Pág. 44 Diário da República, 1.ª série N.º 212 explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM. 3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, in DR. 1ª S de 03-11-2022.

Face aos factos provados resulta que houve violação do dever de informação que impendia sobre o Banco réu e, consequentemente, ilicitude da conduta.

E quanto ao dano não há dúvidas, porque os autores investidores perderam os montantes que haviam investido na aquisição das Obrigações.

Em relação à culpa, e não estando provado que o Banco agiu sem culpa, esta presume-se nos termos do disposto nos arts, 799º, nº 1, do C. Civil e 304º, nº 2, do CVM.

Da responsabilidade civil do réu:

Resta analisar se há responsabilidade civil do réu, ou seja, se se verifica o nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo réu, e o dano sofrido pelos autores.

Já supra se transcreveu o que sobre esta matéria estatui o art. 314º do CVM.

Norma que deve ser complementada com as normas gerais do Código Civil, nomeadamente, o art. 798º- responsabilidade contratual e os arts. 563º e segs. referentes à obrigação de indemnizar.

Uma vez que demonstrada ficou a falta ou insuficiência relevante, do dever de informação imputado normativamente ao intermediário financeiro, há que averiguar se foi em consequência dessa violação do dever de informação que os autores sofreram o dano que invocam e cuja reparação peticionam.

Se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta?

O Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, já referido, concluiu: “II- Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.

O acórdão recorrido entendeu que se verificava o pressuposto da responsabilidade civil do réu, que havia nexo de causalidade entre o facto ilícito (não cumprimento do dever de informação) e o dano ocorrido (perda verificada – não reembolso), com os seguintes fundamentos:

“(…)

Mesmo que se considere que o lesado terá de fazer prova de que não teria efectuado a operação, caso tivesse tido cabal conhecimento da natureza do produto em causa – o que se não aceita, posto que o que está em causa é a livre formação da vontade de negociar e essa foi definitivamente afetada (Isso mesmo tem sido defendido na jurisprudência de outros países, como por exemplo no chamado arrêt Buon, de 1991 (Com., 5 novembre 1991, Bull. 1991, IV, n° 327, pourvoi n° 89-18.005.), onde se lê: O intermediário está obrigado a permitir ao investidor avaliar os riscos e tomar uma decisão informada. Os investidores, mesmo vulneráveis, devem estar livres para assumir riscos, se assim o desejarem e cientes de que podem sofrer perdas. É por isso que o intermediário não tem outra obrigação senão entregar a informação ao cliente, que deve não só ser sincera e completa, mas também adaptada ao cliente (tradução livre)) - no caso vertente provou-se que em face das informações assim dadas, pois de outra forma não o teria aceitado” (ponto 5.º da factualidade provada).

Do quadro exposto, resulta in casu demonstrada a responsabilidade civil contratual por ato do funcionário, gerente do balcão onde o autor era cliente (art. 800.º CC), posto que a subscrição de obrigações SLN pelo autor foi feita sem informação cabal e objectiva sobre a natureza e características do produto financeiro em causa. Sequer o rendimento anunciado se não demonstrou, nem era mesmo exorbitante a tal ponto que fizesse criar no cliente a ideia de que só poderia estar perante algo distinto de um depósito bancário (Mesmo os 4, 5% de taxa ilíquida, em 2004, não eram sinónimo de uma pretensa intenção de ganhar réditos mais favoráveis do que o comum. Lembremos que a Euribor, em janeiro de 2004, era de 2, 085%, e essa taxa, somada ao spread (por ex. de 0, 5%) constituía a taxa de juro líquida a que estavam indexados os mútuos bancários, não sendo assim tão longínqua dos 4, 5% ilíquidos invocados pelo A.).

Nessa base, e tendo em conta a teoria da diferença prevista no art. 566.º CC, é de manter a sentença quando alija sobre o R. a responsabilidade pelos danos verificados no património do autor.

Desde logo não foi entregue ao A. qualquer documentação, mormente o prospecto que a lei dos valores mobiliários postula para salvaguarda dos interesses dos consumidores deste tipo de produtos financeiros, o que é suficiente para vislumbrar o incumprimento de normas (todas as relativas à informação) que visam aquela salvaguarda (cfr. 2.ª parte do n.º 1 do art. 483.º CC).

Depois, mesmo sem documentação escrita – impensável no caso de investimento em valores mobiliários – ainda se lançou mão de uma comunicação supostamente informativa de teor e alcance altamente discutível. Afirmar-se que o investimento que se faz tem garantia de capital e juros, associado à ideia também transmitida, de se tratar de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, não é uma simples referência à mecânica de funcionamento do investimento.

E isto, tanto de um ponto de vista objectivo, como subjectivo.

Objetivamente, porque investir em obrigações, bonds, não é uma operação financeira tão habitual que qualquer cliente bancário esteja em posição de, a priori, decifrar o que está envolvido na expressão obrigações. Mesmo um jurista não versado em direito comercial terá nítida dificuldade em vislumbrar de imediato todo o regime complexo das Obrigações e as diversas cambiantes que envolve. Será demasiado redutor e alheio à realidade da vida pensar que uma Obrigação é um produto financeiro simples.

Subjetivamente, porque o autor não faz da actividade de investimento mobiliário a sua prática profissional, sendo, por isso, um consumidor financeiro. Qualquer consumidor ou investidor não profissional, colocado na mesma situação do autor – sobretudo quando se sabe que o grau de diligência informativa que cabe ao operador bancário e ao intermediário financeiro assume graus elevadíssimos -, associaria a alusão a capital garantido à ausência de risco de perda que sempre existe quando se lida com produtos mobiliários. Explicar que o cliente emprestava dinheiro para que uma terceira empresa, por si desconhecida, o utilizasse para seu financiamento, não é o mesmo que asseverar que “era um produto em tudo igual a um depósito”. Uma coisa é aforrar em depósito e outra, diferente, é financiar terceira pessoa cuja identidade e saúde financeira se ignora. Certo que também os bancos correm risco de insolvência, mas, ainda assim, não se trata do mesmo risco envolvido na aquisição de valores mobiliários. O risco é distinto: num caso aforra-se, noutro, empresta-se dinheiro.

Sequer foi dito ao A. que o empréstimo obrigacionista só poderia ser reembolsado 10 anos depois, tendo-se ainda demonstrado que capital e juros seriam desmobilizados, i.é, estariam disponíveis “quando este o entendesse, bastando solicitar à agência com uma antecedência de três dias”, não lhe sendo dito que a maturidade ocorreria apenas em 10 anos.

Não se vê como afirmar ser indefensável que os clientes acreditassem que o risco seria exactamente o mesmo de um depósito a prazo (p. 29 do segundo Parecer junto com as alegações de recurso.)

Como qualquer outro valor mobiliário, este produto está sujeito a risco o que é incompatível com a argumentação de que é um produto de “capital garantido”, mesmo que daí não se extraia estar o banco a prestar caução.

A omissão da informação quanto à natureza e característica do produto financeiro enquanto fundamento do ilícito a que se liga causalmente o dano, como vimos, dispensa a alegação de que o banco garantiu ou assumiu qualquer responsabilidade em vez do emitente ou na falta deste, de modo que é despiciendo aludir a questões de igualdade ou desigualdade de credores.

Sendo verdade que o intermediário financeiro não está obrigado a informar o consumidor sobre a insolvência do emitente das obrigações, também é um facto que está obrigado a explicar qual o produto que o cliente está a adquirir. Se o risco de incumprimento é um risco geral de todas as obrigações, há obrigações que comportam risco maior do que outras. É o caso das que se ligam a valores mobiliários e, por isso, as rodeou o legislador de garantias especiais de acesso e direito a informação cabal, objetiva e clara, onerando os intermediários financeiros com um elevadíssimo dever de diligência (culpa profissional ou do diligentissimus pater familias).

Mais uma vez, o que se censura ao intermediário financeiro não é não informar o consumidor de uma eventual (então não cogitável) e remota hipótese de insolvência do emitente, mas sim não explicitar o que estava em causa quando se subscreviam obrigações. Isto, mesmo que o cliente recebesse em casa um extracto periódico onde apareciam escritas as obrigações em causa. A obrigação de informação que foi obnubilada é anterior a isso. Não foi explicado ao cliente que receberia periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido. Não foi explicado o período de maturidade do produto. Não lhe foi dito que só poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, apenas mediante a cedência da Obrigação a terceiros.

 Ademais, o recebimento do extracto não torna o consumidor não profissional num consumidor profissional que não necessitasse de ser elucidado da natureza do produto em causa, sendo que nada resulta quanto ao cumprimento pelo banco da regra da proporcionalidade inversa: o dever de adequar o serviço ao know-how do cliente. Cabia ao banco o ónus de alegar e demonstrar a suitability, ou seja, a adequação da conduta do funcionário ao perfil deste cliente concreto.

Temos, assim, verificados os requisitos da responsabilidade civil contratual do banco”.

Entendeu o tribunal recorrido que não incumbia ao lesado fazer prova de que não teria efetuado a operação, caso tivesse tido cabal conhecimento da natureza do produto em causa.

E, também entendeu que o que está em causa é a livre formação da vontade de negociar e essa foi definitivamente afetada e que os investidores, mesmo vulneráveis, devem estar livres para assumir riscos, se assim o desejarem e cientes de que podem sofrer perdas e, por isso, o intermediário não tem outra obrigação senão entregar a informação ao cliente, que deve não só ser sincera e completa, mas também adaptada ao cliente.

Mas face a este entendimento, estamos no plano da ilicitude tendo em conta a insuficiente informação prestada pelo intermediário, sendo que, como refere o acórdão recorrido, os investidores, mesmo vulneráveis, devem estar livres para assumir riscos, se assim o desejarem e cientes de que podem sofrer perdas.

Para haver responsabilidade civil do intermediário financeiro necessário se torna saber, apesar das dificuldades inerentes à prova a fazer com recurso a juízos de prognose póstuma, se o autor teria, ou não, efetuado a operação, caso tivesse tido cabal conhecimento da natureza do produto em causa.

Só em face da resposta dada a esse facto se verificará, ou não, o nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo réu e o dano sofrido pelo investidor.

Como é referido no AUJ citado (com orientação pertinente nos autos): “Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB)”.

(…) Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações”.


*


Nos termos do disposto no art. 662º, nº 2 al. c), do CPC, a Relação, mesmo oficiosamente, deve anular a decisão da 1ª Instância e mandar ampliar a matéria de facto.

Podendo A Relação substituir-se à 1ª Instância se dispuser dos elementos necessários, conforme preceitua o art. 665º, do mesmo CPC.

Verifica-se que os autores alegaram na petição (fls. 30): “No que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o BPN-(ACTUAL BANCO BIC RÉU NA PRESENTE ACÇÃO) está obrigado pelo relacionamento de cliente existente entre o Autor e o Banco réu e os danos que o Autor reclama, parece não haver dúvidas quanto à conexão, porquanto uma coisa parece ser certa, se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente o Autor não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro ( cfr. Art. 563.º do Código Civil)” (sublinhado nosso).

E também referiram a fls. 22 da mesma peça processual: “No caso dos autos, foi com base na “informação de capital garantido” que o Autor deu o seu acordo na aquisição do mencionado título, sendo certo, como também diz Sinde Monteiro, in Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina, 1999 a pag. 49, “sem essa informação o Autor não daria o seu acordo na aquisição do identificado activo financeiro(sublinhados nossos).

Este facto não consta dos factos provados, nem dos não provados.

Mas se provado fosse, do mesmo resultaria que outra teria sido a atuação do autor se lhe tivesse sido prestada pelo intermediário financeiro, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, ele autor não investiria naquele produto.

Se o autor tivesse sido informado que a aplicação financeira que lhe era proposta poderia colocar em risco o capital que investia, mesmo assim investia, ou não?

A resposta do Tribunal àquele facto permitirá concluir pela existência, ou inexistência, do nexo de causalidade entre a atuação do banco (violação do dever de informar de forma correta) e o dano sofrido pelo autor.

Como consta dos segmentos 3 e 4 do AUJ referido, “3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

E “É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano” – Ac. do STJ de 26-03-2019, 1ª secção, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1.

Como refere o Prof. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado” e referindo a pág. 894, “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

Há que apurar se foi a atuação ilícita do intermediário financeiro que criou a condição do dano.

Concluiu o Ac. deste STJ de 07-10-2010, no Proc. nº 1364/05.5TBBCL.G1 que, “O Supremo pode, ao abrigo do n.ºs 2 e 3 do art.º 729.º do CPC [682º do CPC vigente], ordenar ex officio a ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito”.

Pode ler-se nesse aresto: “Em princípio, o Supremo Tribunal de Justiça limita-se a aplicar «definitivamente o regime jurídico que julgue adequado» aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido» (art.º 729.º, n.º 1, do CPC). Isto porque «a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo em sede de recurso de revista (seja «por erro na apreciação das provas», seja na fixação dos factos materiais da causa), salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do art.º 722.º (violação de qualquer norma de direito probatório material) - art.º 729.º, n.º 2, do CPC.

O processo só volta ao tribunal recorrido em duas situações: a)- quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito»; b)- quando o Supremo entenda que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito» (art.º 729.º, n.º 3, do CPC).

Na hipótese vertente – adianta-se desde já - verifica-se a situação contemplada na alínea a) citada: a decisão de facto pode/deve ser ampliada, já que existem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta «relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito»; daí que - sem pôr em causa os poderes soberanos das instâncias em sede factual, designadamente o não uso (pela Relação) dos seus poderes de modificação/alteração da matéria de facto nas diversas hipóteses contempladas no art.º 712.º do CPC –, este Supremo deva oficiosamente ordenar essa baixa para os fins propostos”.

Assim que, com diferentes fundamentos, deve ser revogado o acórdão recorrido, por necessidade de ampliação da matéria de facto.

Só depois da proposta indagação, do facto suprarreferido (e outros correlacionados que eventualmente tenham sido alegados e não objeto de pronuncia) poderá vir a constituir-se base suficiente para uma criteriosa decisão de direito, pelo que, deve o mesmo ser submetido a julgamento em harmonia com o regime jurídico supra-enunciado, se possível pelos mesmos juízes que intervieram no primeiro julgamento, conforme o nº 1 do art. 683º, do CPC.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I-Resultando dos factos apurados que, em concreto, o autor não sabia que tipo de produto financeiro estava a subscrever e, sendo informado pelo intermediário que haveria o reembolso garantido de 100% do capital, é informação incompleta, que ilude o investidor, e não preenche os critérios ético-normativos impostos pelo CVM.

II- O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

III- Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

IV- O STJ pode, ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do art. 682º do CPC, ordenar ex officio a ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.

V- Sendo alegado pelo autor que, se não fosse a informação do banco de que o capital estava garantido, jamais daria o seu acordo na aquisição daquele produto financeiro, trata-se de facto essencial a ser averiguado pelas Instâncias, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.


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Decisão:

Em face do exposto, acordam em:

- Revogar (ainda que por diferentes fundamentos) o acórdão recorrido;

- Ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que seja providenciado pela ampliação da matéria de facto nos termos e dentro dos parâmetros sobreditos.

Custas nos termos a fixar a final.

Lisboa, 29-11-2022


Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto