RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Sumário


I - Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.
II - Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.
III - Provando-se que “A autora, quando adquiriu as obrigações, ficou convencida que estava a adquirir algo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido, rentabilidade assegurada e com possibilidade de mobilizar o capital.
De outro modo, a autora não teria subscrito as obrigações “SLN 2006”, se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade Lusa de Negócios, que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo “BPN - Banco Português de Negócios, SA”, e que não podia mobilizar antecipada e livremente o capital”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

Congregação... intentou ação declarativa de condenação contra Banco BIC Português, SA, que corre termos Tribunal Judicial da Comarca ... (Juízo Central Cível ... – Juiz ...) alegando, essencialmente, o seguinte:

- Em 13 de Abril de 2006, apôs a sua assinatura no boletim de subscrição de uma obrigação subordinada, no valor de € 50.000,00, a 10 anos, que foi sugerida pelos funcionários da agência do BPN de ..., com os quais mantinha uma relação de grande confiança;

- Não investe em produtos de risco e pretendia aplicar os seus fundos com segurança e rentabilidade, o que era conhecido dos funcionários do réu;

- Investiu na obrigação porque os funcionários do réu lhe indicaram não existir risco nenhum, risco esse que seria assumido pelo banco;

- Caso tivesse sido informada que estava a adquirir dívida da SLN e que seria esta entidade e não o banco que assumiria o risco e que não podia mobilizar antecipadamente o capital, não teria subscrito a obrigação;

- A Superiora Provincial (Prioresa) deslocou-se ao balcão do réu de ... para requerer o pagamento do valor do título, tendo sido informada que o valor não seria restituído;

- À data da subscrição, a autora não possuía conhecimentos financeiros que lhe permitissem aperceber-se das características da aplicação, fazendo-o apenas por sugestão dos funcionários do réu.

Concluindo, pede que o réu seja condenado a pagar-lhes a quantia de € 50.000,00, de capital e € 863,00 de juros vencidos, acrescida de juros vincendos.

Citado, o réu veio contestar a ação declinando responsabilidade, excecionando a prescrição da responsabilidade do intermediário financeiro e impugnando parcialmente os factos, salientando designadamente, que à data da subscrição, o produto vendido era seguro, e que a autora foi suficientemente elucidada acerca do produto financeiro subscrito.

A autora respondeu à exceção salientando não estar prescrito o seu direito, por ter ocorrido a violação do dever de informação por parte do réu.

Realizada audiência final veio a ser proferida sentença pela qual se decidiu:

Nestes termos, julgo a ação procedente, por provada, e condeno o R. Banco BIC Português, S.A., a pagar à A. a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 05.09.2019, até integral pagamento.”


*

Inconformado com a sentença veio o réu dela interpor recurso de apelação sendo, após deliberação, decidido:

“Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas de parte pelo apelante (cfr. disposições combinadas dos artºs 663º n.º 2, 607º n.º 6, 527º n.º 1 e 2, 529º n.º 4 e 533º n.º 1 e 2 do CPC)”.


*

Novamente inconformado com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ o réu Banco BIC Português, S.A., e formula as seguintes conclusões:

“1. O douto acórdão da Relação de Évora violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da DirecHva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido pelo banco, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao Autor, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigaçção assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304° do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

33. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312° n° 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar".

34. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

35.Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

36. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312°-E n° 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

37. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do n° 2 do art. 312°-E.

38. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

39. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

40. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

41. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de "capital garantido"), acrescido da respectiva rentabilidade.

42. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

43. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

44. E m lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

45. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

46. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312°-E n° 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

47. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

48. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

49. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

50. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

51. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

52. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

53. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

54. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo cpico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

55. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

56. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

57. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

58. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

59. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

60. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

61. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

62. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

63. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

64. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

65. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

66. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

67. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

68. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

69. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

70. E nada disto foi feito!

71. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

72. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

73. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

74. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido”.


*

O recurso foi admitido como revista excecional.

Cumpre apreciar e decidir.


*

Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

“1 - No dia 13 de Abril de 2006, a Autora apôs a sua assinatura num documento denominado "SLN 2006 - Boletim de Subscrição", datado de 13 de Abril de 2006, contendo no canto superior esquerdo o logotipo do BPN e constando, designadamente, o seguinte: "Emissão de obrigações subordinadas. Natureza da emissão: Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma (…)», (artº 1º da petição inicial)

2 - O Prazo e reembolso das obrigações "SLN 2006”, identificado no documento refere «(…) O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016.

O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da "SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA", a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração: (cupões) 1º Semestre; 9 cupões seguintes; restantes semestres; (taxa anual nominal bruta) 4,5%; Euribor 6 meses + 1,15%; Euribor 6 meses + 1,50% (…).» (artº 2º da petição inicial)

3 - A Autora, a 13 de Abril de 2006, já era titular, junto do "BPN - Banco Português de Negócios, S.A.", da conta de depósitos à ordem com o número ...01, (artº 3º da petição inicial)

4 - A aqui Autora subscreveu uma obrigação, no montante total de € 50.000,00. (artº 4º da petição inicial)

5- Tendo na conta de depósitos à ordem da aqui Autora, com o número ...01, sido debitada da importância de € 50.000,00, no dia 8 de Maio de 2006. (artº 5º da petição inicial)

6- As aplicações nas obrigações “SLN 2006”, foram sugeridas pelos funcionários da agência de ... do BPN. (artº 6º da petição inicial e 34 da contestação)

7 - Entre a Autora e os funcionários bancários do balcão da ... do aqui Réu, existia uma relação de grande confiança. (artº 7º da petição inicial)

8 - A Autora tinha confiança nos funcionários da agência, designadamente no gestor AA. (artº 8º da petição inicial)

9 - A Autora não possuía aplicações em valores mobiliários. (artº 9º da petição inicial)

10 - A Autora aplicou o seu dinheiro por sugestão dos funcionários da agência de ... do BPN. (artºs 8ºA e 10º da petição inicial)

11- A Autora à data da subscrição, não possuía conhecimentos financeiros que lhe permitissem aperceber-se das características das aplicações que realizava. (artº 11º da petição inicial)

12 – A Autora não investia em produtos com risco. (artº 12º da petição inicial)

13 - A Autora investiu nas obrigações “SLN 2006”, porque os funcionários do Réu, indicaram que não havia risco nenhum. (artº 13º da petição inicial)

14 - A Autora, como cliente do Réu, tinha como principal preocupação na aplicação dos seus fundos a segurança e a rentabilidade. (artº 14º da petição inicial)

15 - Tal facto é conhecido dos funcionários da agência de ..., onde tem a sua conta aberta. (artº 15º da petição inicial)

16 - A Autora desconhecia a natureza subordinada das obrigações que adquiriu e queo risco, afinal, não seria assumido pelo "BPN - Banco Português de Negócios, SA". (artº 16º da petição inicial)

17 - A Autora, quando adquiriu as obrigações, ficou convencida que estava a adquirir algo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido, rentabilidade assegurada e com possibilidade de mobilizar o capital. (artº 17º da petição inicial)

18 - De outro modo, a Autora não teria subscrito as obrigações “SLN 2006”, se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade L..., que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo "BPN - Banco Português de Negócios, SA", e que não podia mobilizar antecipada e livremente o capital. (artº 18º da petição inicial)

19 - A Autora é uma congregação de irmãs religiosas. (artº 19º da petição inicial - parte)

20 - A Autora dedica-se a atividades com fins religiosos e a ajudar o próximo. (artº 20º da petição inicial)

21 - A Autora durante todos estes anos recebeu do aqui Réu extratos de títulos, em como era proprietário de títulos “SLN 2006”, no valor de € 50.000,00. (artº 21º da petição inicial)

22 - Em Março de 2019, a Autora recebeu o extrato de títulos, enviado pelo aqui Réu, referente ao período de 2019/02/01 a 2019/02/28, onde constava o valor de € 50.000,00 na sua carteira de títulos de obrigações “SLN 2006”. (artº 22º da petição inicial)

23 - A Autora, à data da subscrição, não possuía conhecimentos financeiros que lhe permitissem aperceber-se das características das aplicações que realizava, subscrevendo-as por sugestão dos funcionários do aqui Réu. (artº 28º da petição inicial)

24 - A Autora foi induzida em erro pelos funcionários do Banco, aqui Réu, para subscrição de um produto financeiro, que não subescreveria se não fosse essa atuação, o que lhe causou danos patrimoniais, no valor de € 50.000,00. (artº 33º da petição inicial)


*

Com interesse para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:

Da petição inicial:

19º (parte) já com certa idade e sem conhecimentos bancários.

24º A ... (...) BB, deslocou-se ao balcão em ..., do aqui Réu, em Maio de 2019, a requerer o pagamento do valor dos títulos, quando foi informada pelos funcionários do aqui Réu, que não o podiam fazer, só recorrendo à via judicial.

Da contestação:

36. O certo é que o gestor da A. apresentou o produto como se tratando de subscrição de obrigações,

38. Tendo igualmente explicado de que tal sociedade-emitente se tratava da sociedade mãe do Banco, pelo que se tratava naturalmente de um produto seguro,

39. Com um nível de risco semelhante ao de um Depósito a Prazo.

40. Mais apresentou as condições do produto,

41. E concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente aos DP’s,

42. O seu prazo, de 10 anos,

43. E as condições de reembolso,

44. E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso,

45. O que, de resto, era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta,

46. Sendo que sempre que solicitado endosso de tais obrigações, era uma questão de minutos até obter um comprador.

47. Tudo o que a A. compreendeu de forma exaustiva!

48. A A. foi total e exaustivamente esclarecida sobre as condições do produto, aliás de forma acompanhada com a respetiva nota técnica,

49. Tendo então dado ordem expressa para subscrição dos ditos instrumentos financeiros.

50. E sabia perfeitamente que não tinha um DP, ou sequer algo parecido com um DP,

51. Tendo o Banco-R. apresentado as características do produto, e depois cumprido as instruções dadas pela A.

52. Nunca a Ré disse à A. que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da SLN,

53. Como nunca disse que o Banco pagaria ele próprio o produto.

54. Como nunca o faria, diga-se, se acaso anunciasse um DP!

55. E como já alegado, a A. soube exatamente o produto que subscreveu,

56. Como, ainda que o não soubesse, não podia desconhecer imediatamente após a sua subscrição,

57. Fosse por via de aviso de débito em conta do valor da aplicação,

58. Ou pelos extratos periódicos em que a titularidade de obrigações vinha perfeitamente discriminada e identificada,

59. de forma separada em relação aos depósitos a prazo”.


*

Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.        

No caso em análise questiona-se:

-Se o Banco réu deu cumprimento, em relação à autora, dos deveres de informação que legalmente lhe eram impostos, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram em 13-04-2006 (entendendo o réu recorrente que não violou esse dever de informação).

-Consequências que advêm do cumprimento ou, incumprimento, desses deveres de informação (entendendo o réu recorrente que não se verifica nexo de causalidade entre a sua atuação e o dano que a autora diz ter sofrido).

-Do dever de informação:

A atividade de intermediação financeira (e há acordo nos autos de que de contrato de intermediação financeira se trata) desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por normas e princípios atinentes ao exercício e organização. Tendo em conta o tempo da celebração do contrato, 2006, é aplicável o preceituado nos artigos 73 e seg. do Dl 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, o disposto nos artigos 7, 304, 309, 312 e 314 do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

Dessas normas releva o seguinte:

Artigo 7.º -Qualidade da informação

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º -Princípios

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)

Artigo 309.º -Conflito de interesses

(…)

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores. (…)

Artigo 312.º -Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; (…)

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; (…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

Artigo 314.º -Responsabilidade civil

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

É face ao normativo exposto e aos factos que em concreto resultarem apurados que se pode concluir se um intermediário financeiro “forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais” – cfr. Ac. deste STJ de 18-09-18, no Proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1. Por isso, das várias publicações doutrinais, nomeadamente dos pareceres juntos aos autos, subscrito um pelo Prof. Pinto Monteiro e outro pelo Prof. Menezes Cordeiro apenas servem para debate da matéria na generalidade.

A aplicação do Direito, que determina o resultado da ação, depende da fixação da matéria de facto.

E mesmo em casos concretos idênticos, relativos à matéria em análise, não se verifica uniformidade jurisprudencial, quer a nível das Instâncias, quer neste Supremo Tribunal de Justiça.

No caso concreto e, tendo em conta os factos provados, nomeadamente:

6 - As aplicações nas obrigações “SLN 2006”, foram sugeridas pelos funcionários da agência de ... do BPN.

7 - Entre a Autora e os funcionários bancários do balcão da ... do aqui Réu, existia uma relação de grande confiança.

8 - A Autora tinha confiança nos funcionários da agência, designadamente no gestor AA.

9 - A Autora não possuía aplicações em valores mobiliários.

10 - A Autora aplicou o seu dinheiro por sugestão dos funcionários da agência de ... do BPN.

11- A Autora à data da subscrição, não possuía conhecimentos financeiros que lhe permitissem aperceber-se das características das aplicações que realizava.

12 – A Autora não investia em produtos com risco.

13 - A Autora investiu nas obrigações “SLN 2006”, porque os funcionários do Réu, indicaram que não havia risco nenhum.

14 - A Autora, como cliente do Réu, tinha como principal preocupação na aplicação dos seus fundos a segurança e a rentabilidade.

15 - Tal facto é conhecido dos funcionários da agência de ..., onde tem a sua conta aberta.

16 - A Autora desconhecia a natureza subordinada das obrigações que adquiriu e que o risco, afinal, não seria assumido pelo "BPN - Banco Português de Negócios, SA".

17 - A Autora, quando adquiriu as obrigações, ficou convencida que estava a adquirir algo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido, rentabilidade assegurada e com possibilidade de mobilizar o capital. (artº 17º da petição inicial)

18 - De outro modo, a Autora não teria subscrito as obrigações “SLN 2006”, se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade L..., que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo "BPN - Banco Português de Negócios, SA", e que não podia mobilizar antecipada e livremente o capital.

23 - A Autora, à data da subscrição, não possuía conhecimentos financeiros que lhe permitissem aperceber-se das características das aplicações que realizava, subscrevendo-as por sugestão dos funcionários do aqui Réu.

24 - A Autora foi induzida em erro pelos funcionários do Banco, aqui Réu, para subscrição de um produto financeiro, que não subescreveria se não fosse essa atuação, o que lhe causou danos patrimoniais, no valor de € 50.000,00.

Desta matéria de facto se pode concluir que o réu, através do seu funcionário, procedeu à intermediação financeira e não preencheu os critérios ético-normativos impostos pelo CVM, normas supratranscritas.

Resulta de tais factos que, em concreto, a autora não sabia o que estava a subscrever. Não sabia o que são obrigações e, em concreto não sabia o que eram Obrigações SLN 2006, apenas se tendo apercebido (pela informação fornecida) que o capital estava sempre garantido e o risco era pouco, como o que existe num depósito a prazo. Só por tal motivação informativa subscreveu as referidas Obrigações.

A consciência que a autora tinha reportava-se apenas ao conteúdo da informação que lhe fora fornecida, até porque era total a confiança da autora na informação fornecida pelos funcionários do réu.

O dever de informação respeita ao risco que pode advir da subscrição do instrumento financeiro e não a qualquer risco relativo ao contrato de intermediação financeira em si. Os riscos em causa, e que devem ser informados, respeitam ao instrumento financeiro (resultantes da subscrição da Obrigação SLN), sejam riscos endógenos ou exógenos porque, do contrato de intermediação, em si, não se vislumbra que possam ocorrer riscos significativos.

Há quem entenda que o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Concordamos, no entanto, é de salientar que não foi o investidor que apareceu perante o intermediário a querer subscrever determinada Obrigação, mas foi o funcionário do intermediário financeiro quem propõe à cliente bancária a subscrição da Obrigação SLN 2006 e, a proposta deve ser acompanhada da informação que é obrigatório prestar, a qual deve ser completa, com verdade e com rigor, tanto mais que a iliteracia financeira das representantes da autora levavam a confiar nas informações dos funcionários do banco réu, tendo-as como corretas e credíveis.

O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

Refere António Pedro Azevedo Ferreira e reportando-se à informação que deve ser fornecida pelo intermediário financeiro que, “Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” – in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.

O STJ proferiu acórdãos no sentido do que vimos expondo, em 07-02-2019, no proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e em 19-03-2019, no proc. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, referindo este:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco”.

E no Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, desta secção se refere: “I- Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo”.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

Ou, como refere o AUJ (que respeita a matéria idêntica à destes autos) proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “… à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos”.

“(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

Face aos factos provados resulta que houve violação do dever de informação que impendia sobre o Banco réu e, consequentemente, ilicitude da conduta.

E quanto ao dano não há dúvidas, porque a autora investidora perdeu o montante que havia investido na aquisição da Obrigação.

Em relação à culpa, e não estando provado que o Banco agiu sem culpa, esta presume-se nos termos do disposto nos arts, 799º, nº 1, do C. Civil e 304º, nº 2, do CVM.

Da responsabilidade civil do réu:

Já supra se transcreveu o que sobre esta matéria estatui o art. 314º do CVM.

Norma que deve ser complementada com as normas gerais do CC, nomeadamente, o art. 798º- responsabilidade contratual e os arts. 563º e segs. referentes à obrigação de indemnizar.

Uma vez que demonstrada ficou a falta ou insuficiência do dever de informação imputado normativamente ao intermediário financeiro há que averiguar se foi em consequência dessa violação do dever de informação que a autora sofreu o dano que invoca e cuja reparação peticiona.

Se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta?

Como é referido no AUJ citado, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, in DR 1ª S, de 3 de novembro de 2022, (com orientação pertinente nos autos): “Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB)”.

(…) Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações”.

No caso concreto, a resposta é positiva face aos pontos 17º e 18º dos factos provados: “17 - A Autora, quando adquiriu as obrigações, ficou convencida que estava a adquirir algo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido, rentabilidade assegurada e com possibilidade de mobilizar o capital.

18 - De outro modo, a Autora não teria subscrito as obrigações “SLN 2006”, se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade L..., que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo "BPN - Banco Português de Negócios, SA", e que não podia mobilizar antecipada e livremente o capital.

E existe o nexo de causalidade entre a atuação do banco e o dano sofrido pela autora, ou seja, a conduta do faltoso (falta ao dever de informação nos termos sobreditos) funcionou como condição sine qua non da ocorrência do dano sofrido pelo autor.

É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano” – Ac. do STJ de 26-03-2019, 1ª secção, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1.

A prova do nexo de causalidade resultou da observância das regras gerais em matéria de prova, previstas no art. 342º do CC e aplicando o direito aos factos.

E da não observância do dever de informação legalmente imposto ao intermediário financeiro resulta que a sua atuação foi ilícita. Violou o dever de informação previsto no art. 312º do CVM o qual visa a proteção dos investidores financeiros, nomeadamente os não qualificados.

Como refere o Prof. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado” e referindo a pág. 894, “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

E, “Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento [do dever de informação], e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude” – Ac. do STJ de 18-09-2018- 6ª secção, no proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

E não tendo a autora recebido o valor da subscrição da Obrigação SLN 2006, na data em que deveria ter acontecido (dez anos após a subscrição), a mesma teve um prejuízo correspondente.

Face ao exposto resta-nos concluir, como no Ac. deste STJ no proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1, já referido, “Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Reu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562º e 566º do CC”.

Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso, devendo ser negada a revista e mantido o acórdão da Relação.


*

Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.

II- Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

III- Provando-se que “A Autora, quando adquiriu as obrigações, ficou convencida que estava a adquirir algo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido, rentabilidade assegurada e com possibilidade de mobilizar o capital.

De outro modo, a Autora não teria subscrito as obrigações “SLN 2006”, se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade L..., que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo "BPN - Banco Português de Negócios, SA", e que não podia mobilizar antecipada e livremente o capital”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.


*

Decisão:

Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 06-12-2022

Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo- Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto