RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Sumário


I - Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.
II - Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.
III - Provando-se que 5 - Se o R. tivesse informado o A. de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro, (artigo quadragésimo terceiro -parte), fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

1- AA intentou a presente ação contra Banco BIC Português, S.A., pedindo que se declare que a aquisição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a cem por cento, que se declare que é da responsabilidade do R. o reembolso do capital no valor de € 100.000,00, a quem se transmitiu a totalidade das obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o R. tenha estabelecido com o Estado Português que só lhe concede o direito de regresso; e a condenação do R. pagar-lhe a quantia de € 100.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 12 de Outubro de 2015, até integral reembolso do capital, condenando ainda o Réu Banco BIC, S.A., a pagar-lhe uma quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, em valor não inferior a € 10.000,00, por danos morais sofridos.

Subsidiariamente, pede que seja declarado nulo o contrato de intermediação financeira e a condenação do R. a restituir-lhe a quantia de € 100.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 12 de outubro de 2015, até integral pagamento.

Alega para o efeito que, em Abril de 2006, quando se dirigiu à agência de ... do BPN para proceder a um depósito a prazo de € 100.000,00, foi contactado pelo gerente de conta para que aplicasse a quantia que dispunha numa aplicação que tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, com maior rentabilidade, adquirindo uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2006 a dez anos, com possibilidade de resgate antecipado, absolutamente segura, com capital garantido, com rentabilidade assegurada e liquidez semestral.

O A. aceitou porque confiou nas informações transmitidas pelo seu gerente de conta, que lhe exibiu um documento do BPN onde constava que o capital era garantido a 100%, e adquiriu duas Obrigações SLN 2006, no valor global de € 100.000,00.

Até ao dia 12 de outubro de 2015, foram-lhe sempre pagos os juros do capital investido, pelo BPN até 12 de outubro de 2012 e depois pelo BIC.

Após a nacionalização do BPN, foi informado que só ao fim de dez anos poderia proceder ao resgate. Porém, vencido o prazo de dez anos, foi-lhe transmitido que a aplicação financeira de obrigações da SLN não está coberta de qualquer garantia e que esta sociedade se encontrava insolvente, invocando o BPN que apenas actuou como intermediário financeiro.

O A. confiou nas informações prestadas pelo BPN, que se comprometeu a reembolsá-lo do capital investido no termo do prazo, o que não aconteceu.

Mais alega que não lhe foi fornecida a necessária informação sobre o produto, como era obrigação do BPN, violando os seus deveres de intermediário financeiro.

Conclui pela responsabilidade contratual e extracontratual do BPN, e que, por força da aquisição do BPN pelo R., assume este as responsabilidades emergentes da gestão do BPN, designadamente da atividade de mediação financeira.

Por último, com a atuação do R. o A. ficou preocupado e com ansiedade, passou noites sem dormir e dias sem conseguir exercer a sua atividade profissional, e provocando conflitos familiares, receando não recuperar o seu dinheiro, tendo necessidade de apoio médico especializado.

2- Citado, o R. apresentou contestação, arguindo a incompetência territorial do tribunal e a exceção de prescrição, impugnando desde logo os factos.

Alega que foram prestados ao A. todos os esclarecimentos da natureza do investimento, a forma de reembolso e a sua transmissão A subscrição da Obrigação SLN 2006, no montante de € 100.000,00, foi livremente realizada pelo A., e tinha uma remuneração superior à dos depósitos a prazo, bem sabendo o A. que o produto adquirido não era emitido pelo banco BPN e que o seu reembolso era da responsabilidade da sociedade emitente, a SLN, actuando o BPN como simples intermediário financeiro.

As informações transmitidas pelo BPN quanto à aplicação em causa correspondiam à realidade à data, pois a SLN era a detentora do Banco BPN, e seria imprevisível conhecer os factos que vieram a ocorrer. Conclui que o BPN não agiu com culpa

Invoca a prescrição como intermediário financeiro, por ter decorrido mais de dois anos desde a data que o A. teve conhecimento da conclusão do negócio e os respetivos termos.

3- O A. pronunciou-se quanto às exceções, pugnando pela sua improcedência.

4-Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que declarou improcedente a exceção de incompetência territorial do tribunal, relegando a apreciação da prescrição para momento ulterior.

5- Procedeu-se à realização da audiência final.

Proferida sentença foi a ação julgada parcialmente procedente, por parcialmente provada, e condenado o R. Banco BIC Português, S.A., a pagar ao A. a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 26.09.2018, até integral pagamento.

6- Inconformado, o Banco recorreu de apelação, que mereceu a seguinte deliberação do Tribunal da Relação:

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida”.


*

7-Continuando inconformado, agora com o decidido pela Relação, o réu interpõe recurso de Revista para este STJ e formula as seguintes conclusões:

“1. A sentença recorrida conclui erradamente que o Banco-R. prestou informação falsa e omissa ao A. a propósito da venda de Obrigações SLN 2006, por este instrumento financeiro não ser isento de risco – não ser tão seguro quanto um Depósito a Prazo - e por não ter capital garantido!

Todavia,

2. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso por não ser um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos, e por não ser previsível qualquer risco de liquidez porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2004) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por   muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão!

3. Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito correspondente à possibilidade de incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

4. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

5. E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial. Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.

Por outro lado,

6. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma!

7. A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006!

Pelo contrário,

8. Em 2006, a SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio!

9. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN, e sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco – risco de reembolso de um Depósito a Prazo!

10. Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

11. E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD)como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo.

12. É que se por um lado, à data, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta,

13. Por outro, nenhum cliente, e o A. certamente, efectuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD.

14. Ou seja, a segurança que o A., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!

15. Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações – razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

16. A afirmação de que a aplicação era isenta de risco, se levada literalmente, apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz! É que essa afirmação implicaria que alguém acreditasse– como se fosse possível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco.

17. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! Tanto assim que os pressupostos de nacionalização do Banco, no Dec. Lei 62-A/2008 d e11 de Novembro são exactamente os previstos para insolvência do Banco - a SLN insolveu, é certo... mas o Banco também! E antes, muito antes!

18. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017,

19. No caso, inclusivamente, reforçada pelo facto de a sociedade emitente ser a sociedade-mãe do Banco.

20. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido -veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses.

21. Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, afim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

Acresce que,

22. Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

23. A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

24. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

25. Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

26. Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

27. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

28. A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

29. Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

30. É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

31. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

32. O Banco-R. forneceu ao A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

33. O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

34. Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido o A.

35. A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Por outro lado,

36. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!

37. Todavia, além da demonstração da causalidade “mecânica” entre o imputado facto ilícito e o dano, importaria a demonstração de que aquele mesmo ilícito é, em geral, adequado à produção daquele dano - o que, neste caso ficou por demonstrar!

38. No caso, o Banco terá prestado um serviço de recepção e transmissão de ordens por conta de terceiros, pelo qual terá recebido ordem de subscrição de Obrigações e a terá encaminhado por forma a garantir a efectiva titularidade pretendida pelos seus clientes. O Banco Recorrido nada tem que ver com a emissão de títulos propriamente dita, mas apenas com a intermediação financeira que permitiu a respectiva subscrição! Já o dano dos Recorrentes corresponde à falta de reembolso, na respectiva data de vencimento, daquela emissão de obrigações, por parte da SLN.

39. Estamos, portanto, perante duas relações contratuais distintas – uma em que o Banco teria praticado o suposto ilícito, e outra onde o A. sofreu o seu dano!

40. A formulação negativa da teoria da causalidade adequada faz sentido apenas e só parao incumprimento da prestação principal de um contrato - em que a causalidade entre o ilícito e o dano resulta da identidade entre o dano e a prestação incumprida. Neste cenário percebe-se que se diga que apenas a verificação de uma circunstância excepcional afastaria a relação causal. Todavia, o mesmo não se diga no caso do incumprimento de uma prestação acessória, como é o dever de informação num serviço de intermediação financeira de recepção de ordens, e muito menos no âmbito de uma relação contratual complexa em que o incumprimento de uma obrigação acessória de um contrato (de intermediação financeira) pode implicar um dano no âmbito de outro contrato (da emissão obrigacionista).

41. A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação), no que diz respeito ao nexo causalidade, está umbilicalmente ligada ao regime do erro.

42. Na verdade, aquele nexo de causalidade parte dos mesmos exatos termos em que existe a essencialidade do erro.

43. Ou seja, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provarque esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão – nada disso foi aqui feito!

44. Não basta, portanto, que se diga que existia um risco acrescido na subscrição proposta... é, além do mais, preciso que se demonstre que se o investidor soubesse daquele concreto risco que existia e que ele desconhecia, ele nunca teria investido como fez!

45. No caso concreto, além de não demonstrar alegado ou provado aquele facto negativo, ainda nos atreveremos a dizer que o contrário é relativamente óbvio... ou seja, em 2006 (sim, porque o contexto é o de 2006), ninguém relevava a eventualidade de uma situação de insolvência de um Banco ou de uma sociedade dona de um Banco – e como esse cenário não era sequer concebível, nunca ninguém duvidaria em investir mesmo em dívida subordinada, só por ser subordinada!

Por fim, e em bom rigor,

46. A origem do dano do A reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrente é alheio!

47. Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.

48. Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e, em consequência, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido”.

6-Foram apresentadas contra-alegações pelo autor, nas quais conclui:

“A – Verificando-se a dupla conforme deverá ser rejeitado o recurso de Revista.

B – Por não se verificar os pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672 do CPC, deverá ser rejeitado o recurso de Revista.

C – E, na verdade o douto acórdão da Relação de Évora não violou; não fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º- D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

D - Quanto aos mais alegado nas conclusões, deverá rejeitar-se tais argumentações, devendo manter-se os fundamentos do acórdão da Relação ora recorrido.

TERMOS EM QUE;

Nos melhores de direito e com o muito douto e avisado saber de Vossa Excelências, na procedência da questão prévia, deve   ser liminarmente rejeitado o recurso de revista por manifesta ausência dos pressupostos que o tornariam admissível, não devendo tal recurso ser sequer admitido como sendo de revista excepcional, e caso assim se não entenda, deve o recurso ser julgado     improcedente, com a consequente manutenção do doutamente decidido, assim se fazendo inteira e merecida Justiça!


*

O recurso foi admitido como de revista excecional.

Cumpre apreciar e decidir.


*

Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

“1-Em Abril de 2006, o Autor, dirigiu-se ao BPN- agência de ..., onde foi recebido por um funcionário que lhe propôs aplicar a quantia de € 100.000,00, adquirindo uma Obrigação Rendimento Mais 2006, que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital tal como o depósito a prazo, cujo reembolso era garantido pelo BPN. (artigos, primeiro, segundo, terceiro, oitavo, nono da petição inicial)

2 – O referido gerente de conta, na agência de ... disse ainda ao aqui Autor, que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado. (artigo décimo segundo – parte -, da petição inicial)

3 - Perante o que lhe estava a ser proposto (maior rendimento na aplicação do seu dinheiro) e dadas as garantias que lhe estavam a ser dadas (segurança do produto como se fosse um depósito a prazo), em Abril de 2006, o A. anuiu a tal proposta, e aceitou adquirir tal produto. (artigos quarto, quinto, sexto, décimo terceiro, décimo quarto, da petição inicial)

4 - Foi com base na informação de capital garantido que o A. deu o seu acordo na aquisição da Obrigação Rendimento Mais 2006, no valor de € 50.000,00. (artigo quadragésimo terceiro – parte)

5 - Se o R. tivesse informado o A. de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro. (artigo quadragésimo terceiro – parte)

6 – O A. apenas sabia que estava a comprar e que comprou um produto que lhe havia sido e foi apresentado como sendo tão seguro como um depósito a prazo e que lhe dava mais juros, tendo a garantia do reembolso integral do capital que estava a investir. (artigo sexto, da petição inicial)

7 - Foram creditados na conta do A. os juros do capital investido na aplicação financeira. (artigo décimo quinto, da petição inicial e artº 67º da contestação)

8-Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo BPN até 12 de Outubro de 2012, e pelo R. Banco BIC Português, S.A., a partir dessa data. (artigo décimo sexto, da petição inicial)

9 - Vencido o prazo de dez anos contratualmente estabelecido, foi o A. informado que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de insolvência. (artigo vigésimo sétimo e vigésimo oitavo, da petição inicial)

B - Factos não provados

DÉCIMO- Para o efeito, e como prova disso mesmo o identificada gerente de conta na data da venda de tal obrigação, exibiu um documento onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento). Cfr. Doc. 3.

DÉCIMO PRIMEIRO- Bem como a garantia de elevada taxa de remuneração. Doc. 4.

DÉCIMO SEGUNDO- (…) resgate antecipado ao fim de cinco anos.

DÉCIMO SÉTIMO- Sucede que, perante as garantias dadas pelo BPN ao aqui Autor, e, considerando que pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro, o Estado Português, procedeu á Nacionalização do BANCO BPN, com todas as obrigações de tal acto decorrentes, maxime as constantes da citada Lei, o aqui Autor em Outubro de 2011, mais precisamente cinco anos decorridos após as aplicações financeiras, e, confiante naquilo que o referido gerente de conta do BPN lhe havia afirmado e garantido, deslocou-se ao Banco BPN, (nessa data já nacionalizado e da responsabilidade do Estado que o detinha a 100%) com vista a proceder ao resgate do capital investido.

DÉCIMO OITAVO- E, nessa data é informado que ao contrário do que lhe havia sido dito e garantido, só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes como lhe havia sido garantido.

NONAGÉSIMO QUARTO- O Autor confrontado com a ideia de perder todo o dinheiro que convictamente tinha investido na aplicação financeira cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, passou noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir exercer a sua actividade profissional, dias e dias de conflitualidade familiar, factos estes que criaram uma tal desestabilização no seio do seu agregado familiar, que ainda hoje, o aqui Autor, sofre de depressão e angústia decorrente dos factos expostos e imputáveis ao Réu.

NONAGÉSIMO QUINTO- A que acresce o facto de o Autor ver agravada a sua situação de saúde tendo uma situação de incapacidade permanente de 62%, como melhor prova por Atestado Médico de Incapacidade que junta como Doc. 7.

NONAGÉSIMO QUINTO- Acresce o facto do Autor ver agravada a sua situação de saúde tendo uma constante necessidade de apoio médico especializado.


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Conhecendo:

São as questões suscitadas pelos recorrentes e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C.        

Questiona-se:

-Se o Banco réu deu cabal cumprimento, em relação ao autor, dos deveres de informação que legalmente lhe eram impostos, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram em 20-04-2006.

Entendendo o Banco recorrente que “forneceu ao A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

-Consequências que advêm do cumprimento ou, incumprimento, desses deveres de informação (verificação, ou não, de nexo de causalidade entre a atuação do réu, através dos seus funcionários, e o dano sofrido pelo autor).

Entendendo o Banco recorrente que não ficou demonstrado que a eventual violação do dever de informação foi adequada à produção do dano.

-Do dever de informação:

A atividade de intermediação financeira (e há acordo nos autos de que de contrato de intermediação financeira se trata) desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por normas e princípios atinentes ao exercício e organização. Tendo em conta o tempo da celebração do contrato, 2006, é aplicável o preceituado nos artigos 73 e seg. do Dl 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, o disposto nos artigos 7, 304, 309, 312 e 314 do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

Dessas normas releva o seguinte:

Artigo 7.º -Qualidade da informação

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º -Princípios

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)

Artigo 309.º -Conflito de interesses

(…)

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores. (…)

Artigo 312.º -Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; (…)

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; (…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

Artigo 314.º -Responsabilidade civil

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

É face ao normativo exposto e aos factos que em concreto resultarem apurados que se pode concluir se um intermediário financeiro “forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais” – cfr. Ac. deste STJ de 18-09-18, no Proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

Mas, mesmo em casos concretos idênticos e relativos à matéria em análise, não se verificava uniformidade jurisprudencial, quer a nível das Instâncias, quer neste Supremo Tribunal de Justiça, havendo necessidade de uniformização, o que veio a acontecer através de AUJ proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, in DR 1ª S, de 3 de novembro de 2022], com o seguinte segmento unificador: “1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras 3 de novembro de 2022 Pág. 44 Diário da República, 1.ª série N.º 212 explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM. 3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

A aplicação do Direito, que determina o resultado da ação, depende da fixação da matéria de facto.

No caso concreto e, tendo em conta os factos provados, nomeadamente:

- Ao autor foi proposta a subscrição de Obrigação Rendimento Mais 2006, que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital tal como o depósito a prazo, cujo reembolso era garantido pelo BPN;

- Que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia proceder ao seu resgate antecipado;

- Foi com base na informação de capital garantido que o A. deu o seu acordo na aquisição da Obrigação Rendimento Mais 2006;

- Se o R. tivesse informado o A. de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro;

- Vencido o prazo de dez anos contratualmente estabelecido, foi o A. informado que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de insolvência.

Desta matéria de facto pode concluir-se que o reu, através do seu funcionário, procedeu à intermediação financeira, mas não prestou informação de modo a preencher os critérios ético-normativos impostos pelo CVM, normas supratranscritas.

Resulta de tais factos que, em concreto o autor não sabia o que estava a subscrever. O autor apenas se apercebeu (pela informação fornecida) que o capital estava sempre garantido e o risco era pouco, como o que existe num depósito a prazo. Só por tal motivação informativa subscreveu as referidas Obrigações.

O dever de informação respeita ao risco que pode advir da subscrição do instrumento financeiro e não a qualquer risco relativo ao contrato de intermediação financeira em si. Os riscos em causa, e que devem ser informados, respeitam ao instrumento financeiro (resultantes da subscrição da Obrigação SLN), sejam riscos endógenos ou exógenos porque, do contrato de intermediação, em si, não se vislumbra que possam ocorrer riscos significativos.

Há quem entenda que o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Concordamos, no entanto, é de salientar que não foi o investidor que apareceu perante o intermediário financeiro a querer subscrever determinada Obrigação (produto financeiro cujos riscos de rentabilidade conhecia), mas foi o funcionário do intermediário financeiro quem propõe ao cliente bancário a subscrição da Obrigação SLN 2006 e, a proposta deve ser acompanhada da informação que é obrigatório prestar, a qual deve ser completa, com verdade e com rigor.

O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

Refere António Pedro Azevedo Ferreira e reportando-se à informação que deve ser fornecida pelo intermediário financeiro que, “Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” – in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.

O STJ proferiu acórdãos no sentido do que vimos expondo, em 07-02-2019, no proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e em 19-03-2019, no proc. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, referindo este:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco”.

E no Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, desta secção se refere: “I- Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.

II- Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

Ou, como refere o AUJ (que respeita a matéria idêntica à destes autos) proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “… à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos”.

“(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

Face aos factos provados resulta que houve violação do dever de informação que impendia sobre o Banco réu e, consequentemente, ilicitude da conduta.

E quanto ao dano não há dúvidas, porque o autor investidor perdeu os montantes que havia investido na aquisição das Obrigações.

Em relação à culpa, e não estando provado que o Banco agiu sem culpa, esta presume-se nos termos do disposto nos arts, 799º, nº 1, do C. Civil e 304º, nº 2, do CVM.

Da responsabilidade civil do réu:

Resta analisar se há responsabilidade civil do réu, ou seja, se se verifica o nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo réu, e o dano sofrido pelos autores.

Já supra se transcreveu o que sobre esta matéria estatui o art. 314º do CVM.

Norma que deve ser complementada com as normas gerais do Código Civil, nomeadamente, o art. 798º- responsabilidade contratual e os arts. 563º e segs. referentes à obrigação de indemnizar.

Uma vez que demonstrada ficou a falta ou insuficiência relevante, do dever de informação imputado normativamente ao intermediário financeiro, há que averiguar se foi em consequência dessa violação do dever de informação que o autor sofreu o dano que invoca e cuja reparação peticiona.

Se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta?

No caso concreto, a resposta é positiva face ao ponto 5 dos factos provados: “5 - Se o R. tivesse informado o A. de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro. (artigo quadragésimo terceiro – parte)”.

E existe o nexo de causalidade entre a atuação do banco e o dano sofrido pelo autor, ou seja, a conduta do faltoso (falta ao dever de informação nos termos sobreditos) funcionou como condição sine qua non da ocorrência do dano sofrido pelo autor.

O Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, já referido, concluiu: “II- Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”. E acrescenta: “É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano”.

A prova do nexo de causalidade resultou da observância das regras gerais em matéria de prova, previstas no art. 342 do CC e aplicando o direito aos factos.

E da não observância do dever de informação legalmente imposto ao intermediário financeiro resulta que a sua atuação foi ilícita. Violou o dever de informação previsto no art. 312 do CVM o qual visa a proteção dos investidores financeiros, nomeadamente os não qualificados.

O acórdão recorrido entendeu que se verificava o pressuposto da responsabilidade civil do réu, que havia nexo de causalidade entre o facto ilícito (não cumprimento do dever de informação) e o dano ocorrido (perda verificada – não reembolso), com os seguintes fundamentos:

“Não cumpre tais deveres de informação o banco que, naquela qualidade, fez crer ao investidor que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco como um depósito a prazo.

Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – lesão verificada -, independentemente de este ter ido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado.

(…)

Provando-se que, no âmbito do contrato de intermediação financeira o funcionário do Banco propôs ao Autor uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto (Obrigações SLN) com garantia de capital investido e que o Autor deu a sua anuência à concretização, por se tratar de um produto comercializado pelo Banco com capital garantido, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente, designadamente o reembolso do capital investido. 3- Pois, face ao disposto no art. 563° do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir  que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, e não tivesse havido omissão de informação por um lado e informação enganosa por outro, o autor não teria investido naquele produto financeiro. (Ac  STJ, de 28-22019, disponível em www.dgsi.pt e Ac  RE, de 16-5-2019, proc.º 3129/16.0T8TR.E1)”.

E como é referido no AUJ citado (com orientação pertinente nos autos): “Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB)”.

(…) Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações”.

No caso concreto, à questão de se saber se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta, a resposta é positiva face aos pontos 4 e 5, dos factos provados: 4 - Foi com base na informação de capital garantido que o A. deu o seu acordo na aquisição da Obrigação Rendimento Mais 2006, no valor de € 50.000,00. (artigo quadragésimo terceiro – parte)

5 - Se o R. tivesse informado o A. de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro. (artigo quadragésimo terceiro – parte)”.

Existe, pois, o nexo de causalidade entre a atuação do banco e o dano sofrido pelo autor, ou seja, a conduta do faltoso (falta ao dever de informação nos termos sobreditos) funcionou como condição sine qua non da ocorrência do dano sofrido pelo autor.

“É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano” – Ac. do STJ de 26-03-2019, 1ª secção, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1.

A prova do nexo de causalidade resultou da observância das regras gerais em matéria de prova, previstas no art. 342 do CC e aplicando o direito aos factos.

E da não observância do dever de informação legalmente imposto ao intermediário financeiro resulta que a sua atuação foi ilícita. Violou o dever de informação previsto no art. 312 do CVM o qual visa a proteção dos investidores financeiros, nomeadamente os não qualificados.

Como refere o Prof. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado” e referindo a pág. 894, “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

E, “Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento [do dever de informação], e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude” – Ac. do STJ de 18-09-2018- 6ª secção, no proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

E não tendo o autor recebido o valor da subscrição da Obrigação SLN 2006, na data em que deveria ter acontecido (dez anos após a subscrição), o mesmo teve um prejuízo correspondente.

Face ao exposto resta-nos concluir, como no Ac. deste STJ no proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1, já referido, “Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Reu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562º e 566º do CC”.

Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso, devendo ser negada a revista e mantido o acórdão da Relação.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.

II- Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

III- Provando-se que “5 - Se o R. tivesse informado o A. de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro. (artigo quadragésimo terceiro – parte)”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.


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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 06-12-2022

Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo- Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto