RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Sumário


I - Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.
II - Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.
III - Provando-se que o autor subscreveu a obrigação, “6. Motivado pela informação prestada pelo funcionário do banco de que o capital era garantido pelo banco e que poderia levantar o capital quando assim o entendesse desde que avisasse com antecedência. 7.Se o Autor se tivesse apercebido que estava a dar uma ordem de compra de um produto de risco e que o seu capital não estava garantido jamais autorizaria tal operação. 8. Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do funcionário do Réu”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

AA intentou contra “BANCO BIC PORTUGUÊS, SA” a presente ação declarativa com processo comum na qual pede a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 57.000,00, correspondente ao valor do capital em dívida acrescido dos juros de mora vencidos até à data da propositura da ação, bem como do montante respeitante aos juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento, e, complementarmente, pede que essa Ré seja também condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 3.000,00 pelos danos não patrimoniais por ele sofridos direta e necessariamente por causa da atuação dos serviços da Ré descrita na petição inicial.

Para além disso, e subsidiariamente, isto é, para o caso de ser entendido que esse pedido principal não pode proceder, pede esse demandante que se declare nulo - e ineficaz em relação a ele (o Autor) - o contrato de adesão em que o mesmo, tendo em vista a subscrição de obrigações subordinadas SLN 2006, aplicou € 50.000,00 e, consequentemente, se condene a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 57.000,00 que ainda não recebeu, bem como, tal como fez relativamente ao pedido principal, pede que, complementarmente, seja essa demandada igualmente condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 3.000,00 pelos danos não patrimoniais por ele sofridos direta e necessariamente por causa da atuação dos serviços da Ré descrita na petição inicial.

Na 1ª Instância foi proferida sentença com o seguinte teor:

“Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:

-Condeno o Réu. Banco BIC a pagar ao Autor AA a quantia de € 50.000, acrescida de juros de mora à taxa legal desde -05- até efetivo e integral pagamento;

-Absolvo o Reu Banco BIC do demais peticionado.

Inconformada com essa decisão, a Ré apresentou recurso de apelação, no qual pede que "... (seja) dado integral provimento ao recurso, procedendo-se à revogação da decisão recorrida".

A apelação foi julgada improcedente, nos seguintes termos: “com os fundamentos enunciados no ponto 2.4. do presente acórdão, julga-se totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença recorrida”.


*

De novo inconformada, vem a ré apresentar recurso de revista, concluindo as alegações de recurso, nos seguintes termos:

1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7, 290 nº 1 alínea a), 304-A e 312 a 314-D e 323 a 323-D e 327 do CdVM e 4, 12, 17 e 19 do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e  364, 483 e ss., 563, 628 e 798 e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10.O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11.E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12.A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13.O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!

14.A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido. 

15.A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.

16.A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17.A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do titulo e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18.A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt, descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.

19.Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20.O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21.A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no art. 236 do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22.A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23.O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco. 

24.O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa. 

25.No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26.Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente. 

27.Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28.Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29.Dispunha sobre esta matéria o artigo 304 do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30.E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312 nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. 

31.Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32.Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33.A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34.O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312-E.

35.São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na catual redação do CdVM.

36.A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37.Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

38.O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do titulo (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.

39.Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40.A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41.Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.

42.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43.Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivação do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjetivação em função do emitente!

44.O artigo 312, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da atividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45.Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o ato de subscrição.

46.A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47.No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48.Do texto do art. 799 nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. 

49.E, de resto, nos termos do disposto no art. 344 do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50.Se em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51.Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da atividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar. 

52.Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53.A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente.

54.Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55.Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56.Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57.O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58.É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59.O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipoteca tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60.A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61.No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

 62.O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63.Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64.Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. 

65.Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66.E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.

67.E nada disto foi feito!

68.A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Pede a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido.

Contra-alegam os autores, concluindo a motivação do recurso, como se segue:
A) Questão prévia: não admissão do recurso

(Conclusões 1 a 20 respeitava à não admissão do recurso de revista, entendendo não se verificarem fundamentos da revista excecional).
B) Do recurso da matéria de direito:  i. Da responsabilidade civil do Banco Réu:

21- A aplicação do direito aos factos, efetuada na douta sentença recorrida é intocável, não merecendo qualquer reparo, a qual corroboramos na íntegra.

22- Com efeito, o BPN, na sua relação com o Autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN, apesar de este não o saber.

23- Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

24- Outrossim, o Banco Réu enquanto intermediário financeiro estava sujeito a princípios norteadores da atividade dos intermediários financeiros, que constituem verdadeiros deveres gerais de conduta, neles incluindo obviamente os deveres de informação.

25- Como ponto prévio, há que salientar que o DL 357-A/2007, de 31.10, aditou ao CVM várias disposições legais que densificaram entre outros deveres de conduta já anteriormente previstos e que relevam no presente caso.

26- De tal forma que, o CVM (desde a sua redação originária conferida pelo DL 486/99, de 13.11), aplicável ao caso dos autos, continha (e contém) várias normas de proteção ao investidor, impondo ao intermediário financeiro uma multiplicidade de deveres visando permitir ao cliente formar um juízo esclarecido acerca da adequação do investimento. 

27- A obrigação de informação está inscrita no artigo 312º do CVM e o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

28- Daí que a lei estabeleça que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente” (cfr. nº 2 do art. 312º).

29- E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, conforme ressalta do guião diretivo imposto pelo artigo 7º do CVM.

30- De acordo com a disciplina consagrada no artigo 304 do Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e nesse relacionamento devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 

31- A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.

32- Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o art.º 314º do CVM, apresenta-se desde logo como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo art.º 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, e presume-se nos termos do artigo 799º do CC.

33- A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.

34- Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o art.º 314º do CVM, apresenta-se desde logo (embora não exclusivamente, como veremos) como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo art.º 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, e presume-se nos termos do artigo 799º do CC.

35- Do acervo dos factos dados como provados, resulta de forma evidente que o Banco Réu transmitiu informação errónea/falsa/incorreta ao Autor, designadamente que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido BPN e com rentabilidade assegurada. 

36- Na verdade, o Banco Réu, aproveitando-se da ingenuidade e boa-fé do Autor, e da sua iliteracia financeira, propôs-lhe um produto que em nada se adequava ao seu perfil, que tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

37- O busílis da questão está precisamente na forma como o produto foi apresentado ao Autor, nomeadamente, equiparado a um depósito a prazo, em termos de risco, mas com uma remuneração superior.

38- Ora, esta referenciação ao DP não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido, e sobretudo, reconhecido pela sua segurança, sobre ele recaindo invariavelmente conforme o réu sabia e resultou provado, a preferência do Autor. 

39- Repare-se que, os depósitos a prazo, desde há muitos anos e pelo menos até ao início da crise de 2006, constituíram reduto de investimento de clientes não propensos ao risco ou iletrados, pelo que o depósito a prazo, o seu regime, a sua solidez são a pedra de toque da segurança e da ausência de risco: por isso, a apelativa comparação feita pelo Réu.

40- De tal forma que, a informação deformadora da realidade, criava a ideia de que não havia qualquer risco no aludido investimento, e se fosse necessário o dinheiro era imediatamente resgatado.

41- Por outro lado, o facto de ter sido dito ao Autor que o capital estava garantido pelo BPN, veio dar ainda mais confiança e segurança para aplicar o seu dinheiro, pois o BPN é uma entidade bancária de todos conhecida e com credibilidade bancária, com a qual o Autor estava habituado a lidar, confiando plenamente nos funcionários do Banco Réu. 

42- Efetivamente, a saliência exagerada da comparação a um depósito a prazo (quanto ao risco de investimento) e a garantia dada pelo próprio Banco, a um investidor não qualificado, ofuscou tudo o resto, não tendo o Autor, a verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas na operação em causa.

43- Ora, para um declaratário normal, colocado na posição do Autor – que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, apresentar o Banco Réu como o garante da aplicação financeira, significa que o capital lhe seria restituído a 100% pelo BPN e, que estava a colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente Banco (art. 236º, nº1 do CC). 

44- No caso em apreço, a responsabilidade do Banco Réu pelo reembolso do capital investido existe, pois, porque o Banco Réu prestou informação falsa, mas sobretudo, porque ao fazê-lo, assumiu um compromisso que implica clara e necessariamente uma assunção de responsabilidade. 

45- Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante a autora o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil. 

46- Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.

47- No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e o Autor pelo princípio da boa-fé (cfr. art. 762º nº2 do C. Civil). 

48- O Banco Réu incumpriu em toda a linha o dever de informação que sobre si recaia, omitindo informação relevante e prestando informação incorreta, determinando o Autor à subscrição de um produto que não conhecia, não tendo sido esclarecido quanto às suas características, antes lhe tendo sido descrito enganadoramente como um produto com capital garantido pelo BPN, como equivalente a um depósito a prazo, mas com uma remuneração mais vantajosa, pelo que o Autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com risco exclusivamente do Banco. 

49- Acresce que, no caso dos autos, estávamos perante obrigações «subordinadas», pelo que incumbia ao funcionário do BPN, informar o Autor sobre o significado de «subordinadas», o que passava por lhe dizer que em caso de insolvência da sociedade SLN, o Autor só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados, como resultava do disposto na al. c) do art.48º do CIRE (DL nº53/2004), de 18 de Março).

50- Ora, a informação prestada pelo funcionário do Banco de que os riscos eram os mesmos de um depósito a prazo, colide de forma vertiginosa, com o caráter subordinado de tais obrigações, pois coloca os investidores (neste caso o Autor), numa posição bem mais desvantajosa do que os simples depósitos a prazo, informação esse que lhe foi claramente ocultada. 

51- Por outro lado, o facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido ao Autor o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais virem a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.

52- Outrossim, ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer insolvência da sociedade emitente (risco especial), a Ré tinha a obrigação de alertar o Autor para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas em tal situação.  

53- Também, não se pode esquecer o prazo de 10 anos, prazo extremamente longo, pelo que, em tão dilatado período de tempo, nunca ninguém poderia afirmar que no final o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa). 

54- E, não se pode dizer que não havia exemplo de insolvências de bancos (o que não é correto, pois já havia ocorrido com a ..., no ano de 1986), quando a SLN nem sequer era o banco, mas sim uma empresa ou uma holding de empresas de vários ramos de negócio, com todos os riscos que isso envolve, designadamente de contágio entre elas.

55- Mas se é certo que a hipótese da insolvência da sociedade emitente não era tão remota ou imprevisível, quanto o recorrente pretende fazer transparecer, a verdade é que a própria Nota Informativa (junta com a contestação), evidencia precisamente o contrário, ou seja, da mesma decorre de forma expressa, a necessidade de os investidores serem alertados para a possibilidade da insolvência da sociedade emitente, quando no ponto 1, inicia logo, com a “advertência aos investidores”.

56- Da Nota Informativa, decorre de forma irrefutável que haviam duas características cruciais a serem advertidas aos clientes: a primeira prende-se com a possibilidade de insolvência da sociedade emitente, ou seja, que a SLN só lhes restituiria o capital no final do prazo de 10 anos se chegado esse tempo futuro ela tivesse disponibilidade financeira para proceder à restituição, e a segunda, diz respeito à subordinação dessas obrigações, pois nestas condições, o reembolso do capital, só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados.

57- Em face do referido, não se pode aceitar que se diga que a advertência aos investidores relativa ao risco de insolvência não era informação exigível ao banco Réu, uma vez que à data nada fazia prever o que se veio a concretizar, isto é, a insolvência da SLN.

58- Não foi isso que entendeu a própria SLN e o Banco de Portugal, aliás, ambos entenderam diferente, daí constar da Nota Informativa como advertência a ser dada e explicada aos investidores.

59- No caso dos autos, o Banco Réu não provou ter fornecido cópia da Nota Informativa ao Autor, e muito menos provou ter-lhe dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).

60- O facto de não ter provado que entregou ao Autor qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312º-C e 312º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação.

61- Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feita em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre o Autor e o Banco Réu e nessa perspetiva o banco réu tem de assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

62- Efetivamente, tendo o Banco Réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto do Autor, a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio, torna-se responsável pelos prejuízos causado ao Autor, nos termos do art. 314 nº1 do CVM, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº2 do citado art. 314 que impendia sobre o banco Réu.

63- Dizer-se que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC). 

64- O Autor só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que tinham uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio BPN e com rentabilidade assegurada.

65- Ou seja, o Autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente banco. 

66- O réu sabia que prestava informação errada ao Autor – dizendo-lhe que garantia o capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida.

67- Ora, por força do art. 800º do C.C. (ou, para quem considere que em causa não está responsabilidade contratual, mas sim extracontratual, por força do art. 500º do C.C.), o BPN responde pelos atos dos seus funcionários.

68- A situação dos autos pode ser igualmente enquadrada na modalidade de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o Autor que estava garantido o retorno do capital. 

69- A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.

70- Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

71- Que não é um produto de risco. 

72- Por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

73- Relevante é que, ao dizer que o produto era produto seguro, do próprio do banco, o Autor não foi colocado perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do BPN. 

74- O comportamento do banco réu foi decisivo e causal na produção dos danos, pois o que motivou a autorização por parte do Autor, foi o facto de lhe ter sido dito pelo funcionário do banco que o capital era garantido pelo banco e que poderia levantar o capital quando assim o entendesse desde que avisasse com antecedência (cfr. ponto 6). 

75-  Tanto assim é que, resultou provado que se o Autor se tivesse apercebido que estava a dar uma ordem de compra de um produto de risco e que o seu capital não estava garantido jamais autorizaria tal operação (cfr. ponto 7). 

76- Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está e os danos que a Autora reclama (confrontar artigo 563.º do Código Civil).

77- Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar o Autor pelo valor do capital investido, acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo do prazo das obrigações subscritas (arts. 805º nº 3 e 806º do C.C.).

Contudo e sem prescindir,
C) Dos pareceres

78- Os pareceres juntos representam, apenas, a opinião dos jurisconsultos que os subscrevem, sobre a solução de determinado problema e têm a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, são meros documentos particulares para efeitos probatórios.

79- Com efeito, os pareceres de natureza jurídica relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes mas nada têm a ver com a fixação da matéria de facto e com a prova.

80- Por isso, os pareceres, não constituem prova documental com força probatória plena.

81- Com o devido respeito, o recorrente não concorda com o teor de tais pareceres e reitera o já alegado.

82- No nosso modesto entendimento, é dispensada qualquer análise mais aprofundada dos mesmos, porquanto, o primeiro, da autoria de António Pinto Monteiro, chega a referir “que não há qualquer dever geral por parte do banqueiro de prestar informações”, negando de forma insofismável a violação dos deveres de informação por parte do BPN, e o segundo, da autoria de António Menezes Cordeiro, nem sequer se reporta à responsabilidade do intermediário financeiro.

83- Por outro lado, não podemos subscrever a afirmação constante do douto parecer junto aos autos, da responsabilidade do Sr. Prof. Pinto Monteiro, quando afirma que o conceito da obrigação ser “conhecida da generalidade do público” “ou, pelo menos, facilmente apreensível”.

84- Tal asserção assenta, cremos, o que com maior respeito se afirma, num equívoco quanto à natureza e extensão dos conhecimentos de grande parte da população portuguesa, sobretudo quando estão em causa pessoas sem formação, como é o caso dos autos.

85- Outrossim, ambos os pareceres, são emitidos à margem das especificidades do caso em apreço, tendo sido emitidos para serem juntos a todos os processos respeitantes à responsabilidade do Banco Réu e não ao de reembolso dos credores obrigacionistas da SLN. 

86- Aliás, parte do teor de tais pareceres contrariam o que vem sendo jurisprudência quase pacífica do STJ e aceite na generalidade da doutrina, mormente o teor do Ac. do STJ de 10/04/2018, proferido no proc. 753/16.4TBLIS.S1, versando sobre caso com semelhanças óbvias com o presente e que confirmou o acórdão TRL que revogou a sentença da ... secção cível da Instância Central da Comarca ..., de 10 de Dezembro de 2016, várias vezes citada pelo Prof. Pinto Monteiro no parecer, sempre com menção de concordância.

87- Pelo que, os pareceres técnicos, não constituindo prova documental com força probatória plena, não permitem, por si só, alterar a decisão de facto do tribunal recorrido, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

88- O douto Acórdão recorrido não merece, assim, qualquer censura, pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se aquele, na íntegra.

 O recurso não deve ser admitido ou, quando assim não se venha a entender, deve negar-se provimento, mantendo-se o douto acórdão apelado nos seus precisos termos, com as legais consequências.


*

Distribuído como recurso de revista excecional, pela Formação foi deliberada a admissão.

Cumpre apreciar e decidir.


*

Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados os seguintes factos:

A) Factos provados:

1. O Autor era cliente do Réu (BPN) na sua agência de ..., com a conta n. ...01... 

2.Em 2006 BB, funcionário da referida instituição bancária, disse ao Autor que linha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN c com rentabilidade assegurada, sugerindo-lhe a sua subscrição.

3.O funcionário do banco Réu sabia que o Autor não possuía qualificação jurídica ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles.

4.O Autor tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

5.Na sequência do referido em 2., o Autor veio a aplicar € 50,000, que viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que o Autor soubesse em concreto do que se tratava.

6.Motivado pela informação prestada pelo funcionário do banco de que o capital era garantido pelo banco e que poderia levantar o capital quando assim o entendesse desde que avisasse com antecedência.

7.Se o Autor se tivesse apercebido que estava a dar uma ordem de compra de um produto de risco e que o seu capital não estava garantido jamais autorizaria tal operação.

8.Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do funcionário do Réu.

9.Em Novembro de 2015 o Réu deixou de pagar os juros referentes à aplicação do Autor.

10.E atribuiu tal responsabilidade à SLN, o que deixou o Autor alarmado.

11.Nem o banco Réu, nem qualquer funcionário do mesmo leu ou explicou ao Autor o que eram em concreto as obrigações SLN 2006, nem lhe foi entregue cópia de qualquer contrato que contivesse as cláusulas do mesmo ou comprovativo da operação efetuada.

12.O Autor estava convicto que os seus 50 000 € estavam aplicados num depósito a prazo com juros a 6 meses.

13.Na data de vencimento contratada não foi restituído ao Autor o montante que o mesmo aplicou.

B) Factos não provados:

a) que em Maio de 2015 o Banco Réu tenha deixado de pagar os respetivos juros.

b)que o Réu tenha ficado num permanente estado de preocupação, com o receio de não reaver o dinheiro ou de não saber quando o iria reaver;

c)que tal lhe tenha provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras em gerir a sua vida.

dl) que viva em permanente estado de stress, doente e sem alegria de viver, por ter sido desapossado das suas economias de vida e sem perspectiva de futuro.

d2) que desde sempre o Autor tenha mostrado apetência por investimentos em aplicações financeiras;

e)que o Autor tivesse conhecimento e experiência suficientes para conhecer a natureza, risco e rentabilidade do investimento que estava a fazer.

f)que ao Autor tenha sido explicado que a SLN se tratava da sociedade mãe do banco, pelo que as obrigações SLN se tratavam de um produto seguro;

g)que o Autor Lenha sido exaustivamente esclarecido sobre as condições do produto, sabendo perfeitamente que não detinha um depósito a prazo.

h)que o banco nunca tenha garantido ao Autor fosse o que fosse quanto ao cumprimento das obrigações SLN.

i)que a Ré tenha explicado todos os formulários dados a assinar ao Autor.


*

Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C.

No caso em análise questiona-se:

-Se o Banco réu deu cabal cumprimento, em relação ao autor, dos deveres de informação que legalmente lhe eram impostos, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram em 2006.

-Consequências que advêm do cumprimento ou, incumprimento, desses deveres de informação.

-Do dever de informação:

A atividade de intermediação financeira (e há acordo nos autos que de contrato de intermediação financeira se trata) desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por normas e princípios atinentes ao exercício e organização. Tendo em conta o tempo da celebração do contrato, 2006, é aplicável o preceituado nos artigos 73 e seg. do Dl 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, o disposto nos artigos 7, 304, 309, 312 e 314 do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

Dessas normas releva o seguinte:

Artigo 7.º -Qualidade da informação

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º -Princípios

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)

Artigo 309.º -Conflito de interesses

(…)

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores. (…)

Artigo 312.º -Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; (…)

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; (…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

Artigo 314.º -Responsabilidade civil

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

É face ao normativo exposto e aos factos que em concreto resultarem apurados que se pode concluir se um intermediário financeiro “forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais” – cfr. Ac. deste STJ de 18-09-18, no Proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

A aplicação do Direito, que determina o resultado da ação, depende da fixação da matéria de facto.

E mesmo em casos concretos idênticos, relativos à matéria em análise, não se verificava uniformidade jurisprudencial, quer a nível das Instâncias, quer neste Supremo Tribunal de Justiça, havendo necessidade de uniformização, o que veio a acontecer através de AUJ proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, in DR 1ª S, de 3 de novembro de 2022], com o seguinte segmento unificador: “1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras 3 de novembro de 2022 Pág. 44 Diário da República, 1.ª série N.º 212 explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM. 3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

No caso concreto e, tendo em conta os factos provados, nomeadamente:

-Em 2006 o funcionário da instituição bancária, disse ao Autor que linha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN c com rentabilidade assegurada, sugerindo-lhe a sua subscrição.

-O funcionário do banco Réu sabia que o Autor não possuía qualificação jurídica ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles.

-O Autor tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

-O autor aplicou o dinheiro em obrigações SLN 2006, sem que soubesse em concreto do que se tratava.

-Motivado pela informação prestada pelo funcionário do banco de que o capital era garantido pelo banco e que poderia levantar o capital quando assim o entendesse desde que avisasse com antecedência.

-Se o Autor se tivesse apercebido que estava a dar uma ordem de compra de um produto de risco e que o seu capital não estava garantido jamais autorizaria tal operação.

-Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do funcionário do Réu.

-Nem o banco Réu, nem qualquer funcionário do mesmo leu ou explicou ao Autor o que eram em concreto as obrigações SLN 2006, nem lhe foi entregue cópia de qualquer contrato que contivesse as cláusulas do mesmo ou comprovativo da operação efetuada.

-O Autor estava convicto que os seus 50 000 € estavam aplicados num depósito a prazo com juros a 6 meses.


*

Desta matéria de facto pode concluir-se que o reu, através do seu funcionário, procedeu à intermediação financeira e não preencheu os critérios ético-normativos impostos pelo CMV, normas supratranscritas.

Resulta de tais factos que, em concreto o autor não sabia o que estava a subscrever. Não sabia o que são obrigações e, em concreto não sabia o que eram Obrigações SLN 2006, apenas se tendo apercebido (pela informação fornecida) que o capital estava sempre garantido e o risco era pouco, como o que existe num depósito a prazo (pensando até que se tratava de depósito a prazo de 6 meses). Só face a tal motivação informativa subscreveu o que lhe disseram que era para subscrever.

A consciência que o A. tinha reportava-se apenas ao conteúdo da informação que lhe fora fornecida.

O dever de informação respeita ao risco que pode advir da subscrição do instrumento financeiro e não a qualquer risco relativo ao contrato de intermediação financeira em si. Os riscos em causa, e que devem ser informados, respeitam ao instrumento financeiro (resultantes da subscrição da Obrigação SLN), sejam riscos endógenos ou exógenos porque, do contrato de intermediação, em si, não se vislumbra que possam ocorrer riscos significativos.

Há quem entenda que o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Concordamos, no entanto, é de salientar que não foi o investidor que apareceu perante o intermediário a querer subscrever determinada Obrigação, mas foi o funcionário do intermediário financeiro quem propõe ao cliente bancário a subscrição da Obrigação SLN 2006 (sem a identificar) e, a proposta deve ser acompanhada da informação que é obrigatório prestar, a qual deve ser completa, com verdade e com rigor.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

Refere CC e reportando-se à informação que deve ser fornecida pelo intermediário financeiro que, “Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” – in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.

O STJ proferiu acórdãos no sentido do que vimos expondo, em 07-02-2019, no proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e em 19-03-2019, no proc. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, referindo este:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco”.

E no Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, desta secção se refere: “I- Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo”.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

Ou, como refere o AUJ (que respeita a matéria idêntica à destes autos) proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “… à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos”.

“(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

Face aos factos provados resulta que houve violação do dever de informação que impendia sobre o Banco réu e, consequentemente, ilicitude da conduta.

E quanto ao dano não há dúvidas, porque o autor investidor perdeu o montante que havia investido na aquisição da Obrigação.

Em relação à culpa, e não estando provado que o Banco agiu sem culpa, esta presume-se nos termos do disposto nos arts, 799º, nº 1, do C. Civil e 304º, nº 2, do CVM.

Da responsabilidade civil do réu:

Resta analisar se há responsabilidade civil do réu, ou seja, se se verifica o nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo réu, e o dano sofrido pelos autores.

Já supra se transcreveu o que sobre esta matéria estatui o art. 314 do CVM.

Norma que deve ser complementada com as normas gerais do CC, nomeadamente, o art. 798- responsabilidade contratual e os arts. 563 e segs. referentes à obrigação de indemnizar.

Uma vez que demonstrada ficou a falta ou insuficiência relevante, do dever de informação imputado normativamente ao intermediário financeiro, há que averiguar se foi em consequência dessa violação do dever de informação que o autor sofreu o dano que invoca e cuja reparação peticiona.

Se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta?

O Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, já referido, concluiu: “II- Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.

E como é referido no AUJ citado (com orientação pertinente nos autos): “Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB)”.

(…) Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações”.

No caso concreto, à questão de se saber se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta, a resposta é positiva face aos pontos 6, 7 e 8, dos factos provados, de que o autor aplicou o dinheiro naquela Obrigação, “6.Motivado pela informação prestada pelo funcionário do banco de que o capital era garantido pelo banco e que poderia levantar o capital quando assim o entendesse desde que avisasse com antecedência.

7.Se o Autor se tivesse apercebido que estava a dar uma ordem de compra de um produto de risco e que o seu capital não estava garantido jamais autorizaria tal operação.

8.Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do funcionário do Réu.

A resposta é afirmativa face à matéria de facto apurada, ou seja, se a informação prestada, pelo funcionário do banco, fosse clara e precisa e não lhe fosse indicada a aplicação como semelhante a um depósito a prazo e os riscos inerentes iguais aos dos depósitos a prazo, o autor não subscreveria aquele produto financeiro.

E existe o nexo de causalidade entre a atuação do banco e o dano sofrido pelo autor, ou seja, a conduta do faltoso (falta ao dever de informação nos termos sobreditos) funcionou como conduta sine qua non da ocorrência do dano sofrido pelo autor.

É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano” – Ac. do STJ de 26-03-2019, ... secção, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1.

A prova do nexo de causalidade resultou da observância das regras gerais em matéria de prova, previstas no art. 342 do CC e aplicando o direito aos factos.

E da não observância do dever de informação legalmente imposto ao intermediário financeiro resulta que a sua atuação foi ilícita. Violou o dever de informação previsto no art. 312 do CVM e que visa a proteção dos investidores financeiros, nomeadamente os não qualificados.

Como refere o Prof. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado” e referindo a pág. 894, “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

E, “Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento [do dever de informação], e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude” – Ac. do STJ de 18-09-2018- 6ª secção, no proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

E não tendo o autor recebido o valor da subscrição das Obrigações SLN 2006, na data em que deveria ter acontecido (dez anos após a subscrição), o mesmo teve um prejuízo correspondente.

Face ao exposto resta-nos concluir, como no Ac. deste STJ no proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1, já referido, “Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Reu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562 e 566 do CC”.

Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso, devendo ser negada a revista e mantido o acórdão da Relação.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.

II- Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

III- Provando-se que o autor subscreveu a Obrigação, “6. Motivado pela informação prestada pelo funcionário do banco de que o capital era garantido pelo banco e que poderia levantar o capital quando assim o entendesse desde que avisasse com antecedência.7.Se o Autor se tivesse apercebido que estava a dar uma ordem de compra de um produto de risco e que o seu capital não estava garantido jamais autorizaria tal operação. 8.Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do funcionário do Réu”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.


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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 06-12-2022

Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto