NULIDADE DE ACÓRDÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE EMPREITADA
CARÁTER SINALAGMÁTICO
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DONO DA OBRA
PREÇO
CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU PERIÓDICA
ABUSO DE DIREITO
TU QUOQUE
Sumário


I - Para a apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, por tribunal superior, terá a impugnação de observar os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC.
II - Não faz, de todo, qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença (ou acórdão) um qualquer erro de julgamento (de facto e/ou de direito), sendo que, em rigor, integra igualmente um erro de julgamento a desconsideração e não apreciação pelo tribunal de recurso do mérito de impugnação de decisão relativa à matéria de facto com fundamento [errado] em incumprimento pelo apelante dos ónus plasmados no n.º 1, do art. 640.º, do CPC.
III - Os erros consubstanciados numa má e/ou errada avaliação das provas obtidas que conduzem a uma deficiente apreciação da matéria de facto, não são integráveis no vício da nulidade da sentença aludido na al. c) do n.º 1 do art. 615.º, sendo este um vício de forma e não uma iniquidade da decisão de facto a se, cujo julgamento está arredado ao Supremo Tribunal de Justiça.
IV - Princípio basilar das relações contratuais é o da estabilidade e, por isso, a lei determina que o contrato deve ser pontualmente cumprido, art. 406.º do CC, sendo que o devedor só cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou, art. 762.º, do mesmo diploma.
V - Normalmente a resolução do contrato ocorre quando uma das partes não cumpre a prestação a que se vinculou, total ou parcialmente, ou seja, a resolução do contrato dá ao contraente cumpridor (adimplente) a faculdade de reagir contra o contraente incumpridor (inadimplente).
VI - Os réus não podem pretender obra feita sem a contrapartida do pagamento do preço, só porque não ficou definido quais as fases da obra ou quando cada uma dessas fases se concluía, porque tal atuação dos réus corresponde a um agir em abuso de direito e, sendo o abuso do direito de conhecimento oficioso, deve o mesmo ser objeto de apreciação e decisão, ainda que não haja sido invocado.
VII - Num contrato bilateral sinalagmático e de execução continuada ou duradoura, tem de haver uma certa correspondência nas prestações que se vão efetuando entre cada um dos contraentes, de modo a haver alguma proporcionalidade entre o que cada um presta.
VIII - Havendo incumprimento de ambas as partes, temos que, em relação a ambas se verifica e podem exercer o direito de resolução do contrato.
IX - Uma parte que não cumpre o contrato, e que posteriormente pretende prevalecer-se da resolução contratual, cessando o vínculo e pedindo compensação, poderá estar a incorrer em abuso na modalidade do tu quoque.
X - Havendo incumprimento bilateral, ambas as partes podem acionar o procedimento da resolução do contrato, mas apenas com a consequência de ser restituído tudo o que houver sido prestado (no caso tendo em conta o estatuído no n.º 2 do art. 434.º, do CC), ou seja, restituição ao statuo quo ante.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

“Baseaff, L.da” instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação dos RR. AA e mulher BB, a pagar-lhe a quantia em dívida no montante de 65.053,17 €, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em súmula, ter celebrado com os RR. um contrato de empreitada para construção de uma habitação familiar térrea, pelo preço total de 168 559,09 Euros, cujo preço deveria ser pago no prazo de 3 [três] dias após os pedidos de vistoria e consequente libertação de tranche de dinheiro por parte da entidade bancária, realizou ainda um conjunto de trabalhos a mais a solicitação dos RR no valor de 13 165,69 Euros.

Sustenta que no dia 03 de março de 2020, e antes de terminada a obra, por carta registada com aviso de receção, a autora resolveu o “contrato de construção” celebrado com os réus, com justa causa e efeitos imediatos, já que até essa data os RR. apenas haviam pago o quantitativo global de 75 000,00 Euros, não obstante estar realizada obra correspondente a 74,83% no valor de 126 140,47 Euros, a que acresce o valor dos trabalhos a mais.

Os RR. contestaram e deduziram pedido reconvencional. Impugnaram os factos alegados pela A., sustentaram que o preço acordado foi no montante de 116.508,00 (+IVA), não tendo sido solicitadas ou executadas quaisquer obras a mais; que a A. resolveu o contrato no período concedido pelos RR à autora, por interpelação expressa, para que a obra fosse cumprida, sob pena do mesmo ser resolvido por incumprimento definitivo, já que a A. havia-se comprometido contratualmente a edificar a dita moradia familiar no prazo máximo de 12 meses e volvidos quase 36 meses a mesma encontrava-se longe do seu termino.

A Autora, agiu da forma descrita consumando de forma clara, expressa e inequívoca a sua manifesta intenção em não cumprir, e antecipando o incumprimento definitivo do contrato de empreitada, abandonou a obra, deixando-a por concluir, e em face do seu incumprimento definitivo, tiveram os reconvintes que adjudicar a outra empresa de construção a sua conclusão por um preço superior.

O incumprimento da autora causou danos, patrimoniais e não patrimoniais.

Concluem pedindo a improcedência da ação e procedência do pedido reconvencional, pedindo que seja declarado o incumprimento definitivo do contrato de empreitada por culpa única e exclusivamente imputável à autora/reconvinda e consequentemente seja esta condenada a pagar aos reconvintes, a quantia de 40.950,32 euros, a que acrescem juros legais de mora contabilizados desde a citação/notificação até integral e efetivo pagamento.

Mais requererem a condenação da A. e sua mandatária como litigantes de má-fé em multa e em indemnização aos RR., nunca inferior a 20.000,00.

Replicou a A., solicitando a retificação de alguns erros de escrita da PI; mais impugnando os factos alegados pelos RR. e sustentando que a autora resolveu o contrato de empreitada nos termos gerais de direito com base nos fundamentos aí invocados, após prévia interpelação; que a obra só foi interrompida, após o dono de obra, ter exigido alterações à execução da mesma e a realização de uma serie de trabalhos extra.

Invoca abuso de direito por parte dos RR e pede a condenação destes como litigantes de má fé em multa e indemnização no valor de 5.000,00 €.

Concluindo como na p.i. [o que, como refere, inclui o reconhecimento judicial da resolução pela autora do contrato de empreitada celebrado com os réus, com justa causa e efeitos imediatos].

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, onde se decidiu:

«- julgar parcialmente procedente a presente acção, e em consequência, condenar os RR. A pagar à A. a quantia de € 12.331,87 (doze mil, trezentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos), mais IVA, acrescida de juros de mora, à taxa devida para os juros comerciais, até integral pagamento, a contar da citação;

- Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenar a A. a pagar aos RR. a quantia de 13.416,69 € (treze mil, quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, até integral pagamento, a contar da notificação da reconvenção.

Custas da acção e da reconvenção por A. e RR., na proporção do respectivo decaimento, e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos RR


*


Inconformados com a sentença final, dela recorreram a autora e os réus sendo, após deliberação, decidido pelo Tribunal da Relação:

“Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela autora e, em consequência, altera-se a decisão recorrida, a qual passa a ter o seguinte teor:

- Condena-se os RR. a pagar à A. a quantia de 32.905,43€ (com IVA já incluído), acrescida de juros de mora, à taxa devida para os juros comerciais, até integral pagamento, a contar da citação;

Mais acordam, em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelos RR e, em consequência, condenam ainda a autora/reconvinda a pagar aos réus/reconvintes o montante a apurar em sede de liquidação de sentença, com o limite de 15.341,31€, que resultar do diferencial entre o valor da obra em falta à data da resolução do contrato (já determinado nos termos expostos -35.399,41€-) e o custo que os AA. tiveram que pagar ao novo empreiteiro para finalizar a conclusão da obra, considerando apenas o valor que os RR. terão que despender pela conclusão dos trabalhos que já se mostravam contidos no contrato celebrado com a A. (e no qual não deverá ser considerada a eliminação das patologias a que alude a alínea HH) dos factos provados, em cujo valor a autora já se mostra condenada), a apurar nos termos do disposto pelo artigo art. 609.º, n.2 do CPC.

Custas das apelações pela A. e pelos RR, na proporção de metade para cada um e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário dos RR.

Custas da acção e da reconvenção na proporção do respectivo decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário dos RR".


*


Novamente inconformada com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ autora/reconvinda e, formula as seguintes conclusões:

“I. Constituem objeto do presente recurso nulidades processuais, erro material e erro do julgamento em matéria de direito.

II. A matéria da realização de obras na cave pela recorrente na moradia objeto do contrato de empreitada em crise nos autos, é facto suscetível de ter relevância jurídica; complementa factos alegados pelas partes; sobre eles foi exercido o contraditório; dos autos resulta que a recorrente realizou essas obras, mas a matéria de facto provada, é omissa quanto à mesma.

III. Pelo que, salvo melhor opinião, o STJ, com os seus poderes de substituição, pode e deve afastar as deficiências, que encontre na decisão proferida pela Relação, reformado o Ac. em recurso dele fazendo constar da matéria de facto provada que: “KK) Durante a execução da empreitada, a autora realizou obras na cave da moradia objeto do contrato de empreitada em crise nos autos.”, sob pena de se deixar de pronunciar sobre questões que devesse apreciar [cfr. 1º parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC] e/ou violar o poder-dever previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC, cfr. n.º 3 do art.º 682º do CPC, o que se requer.

IV. O teor do caderno de encargos e dos projetos de execução, bem como o plano de pagamentos em anexo ao contrato de construção em crise nos autos. é facto suscetível de ter relevância jurídica; complementa factos alegados pelas partes; sobre eles foi exercido o contraditório; dos autos resulta que a recorrente realizou essas obras, mas a matéria de facto provada, é omissa quanto à mesma.

V. Pelo que, salvo melhor opinião, o STJ, com os seus poderes de substituição, pode e deve afastar as deficiências, que encontre na decisão proferida pela Relação, reformado o Ac. em recurso dele fazendo constar da matéria de facto provada que: “LL) Resulta do caderno de encargos junto aos autos a fls. que “Paramentos e revestimentos interiores – Paredes – […] os acabamentos das paredes da garagem e arrumos da garagem serão em Reboco de Argamassa com acabamento areado uniforme e posteriormente pintados com tinta aquosa para paredes interiores tipo CIN®, ou similar, com primário e tinta de acabamentos mate.[…]

Tetos […] Tetos na zona da garagem e arrumos de garagem será em reboco areado com acabamento uniforme e posteriormente pistados com tinta aquosa para paredes interiores tipo CIN®, com primário e tinta e acabamento mate.[…]

Pavimento […] Pavimento da garagem e arrumos de garagem será em betáo C25/30, sem revestimento, afagado e devidamente impermeabilizada com Weber.dry Iastic.[…]

Serralharias – Portões: O portão de acesso à garagem será portão automático seccionado do tipo Eletrocelos, ou similar, com motor Rosso Evo da Motorline Professional, ou similar.”

E ainda que:

“MM) O Plano de Pagamentos dos Trabalhos corresponde a um valor de construção de:

a) Execução de estrutura em betão armado, alvenarias exteriores em bloco térmico e pavimento térreo em habitação unifamiliar (Cave + Piso + Cobertura), pelo Valor Global de 34.713,00€ (Trinta e Quatro mil, Setecentos e Treze Euros).

b) Execução de acabamentos de fachadas e Cobertura, Vãos em Alumínio e Vidro, Carpintarias, Mobiliários de Cozinha, WC e Roupeiros, Louças Sanitárias, Instalações técnicas, conforme caderno de encargos em anexo. Piso + Cobertura (Exclui-se neste preço arranjos de exteriores, mobiliários de cozinha, estores brisa-solares e muros de vedação). Pelo Valor Global de 91.795,00€ (Oitenta e Um Mil, Setenta e Sete Euros e Cinquenta Cêntimos).

c) Execução de acabamentos de fachadas e Cobertura, Vãos em Alumínio e Vidro, Serralharias, Mobiliários de Cozinha, WC e Roupeiros, Louças Sanitárias, Instalações técnicas, conforme caderno de encargos em anexo. Cave + Piso + Cobertura (Exclui-se neste preço arranjos exteriores, mobiliários de cozinha, estores brisa-solares e muros de vedação). Pelo Valor Global de 95.077,50€ (Noventa e Cinco Mil, Setenta e Sete Euros e Cinquenta Cêntimos)

Perfazendo para a execução da Opção a) somada à opção b) o valor global final de 116.508,00€ (Cento e Dezasseis Mil, Quinhentos e Oito Euros), aos quais acresce o valor do IVA à taxa Legal em vigor.

Em caso, de mudança da opção b) para c) acresce o diferencial entre as duas opções ao valor final.”, sob pena de se deixar de pronunciar sobre questões que devesse apreciar [cfr. 1ºparte daal. c)do n.º1 do art.º615ºdo CPC] e/ouviolar opoder-dever previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC, cfr. n.º 3 do art.º 682º do CPC, o que se requer.

VI. Consultados os documentos que o Ac. em crise se refere sobre a matéria do arrendamento de habitação, bem como do pagamento da respetiva renda, verifica-se existe apenas 1 recibo, datado de 17/04/2020, e que do mesmo consta ser “referente à renda de abril de 2020, valor da renda de 3,94 €, e referente à renda de maio de 2020, valor da renda de 381,69 €”!?.

VII. O Instituto de Segurança Social, IP cancelou o apoio judiciário que inicialmente havia concedido aos RR., porquanto no requerimento inicial “se descrevem elementos factuais não constantes dos documentos anexos suscetíveis de colocar em causa a decisão final de deferimento”.

VIII. O Ac. em é omisso [porque efetivamente inexiste!] quanto à explicitação da prova testemunhal que confirme a factualidade a que alude os pontos T) e U) da matéria de facto provada.

IX. Pelo que, e salvo melhor opinião, justifica-se que o STJ altere a decisão proferida pela Relação, e, em consequência, anule a decisão da matéria dos pontos T) e U) dos factos provados e a altere para matéria de FACTO NÃO PROVADA, porquanto a mesma é nula à luz do preceituado na 1º parte da al. b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, al. a a) e b) do n.º 2 do art.º 616º e/ou viola o previsto no n.º 1 do art.º 342º do Código Civil, o que se requer.

X. Se assim não se entender, a decisão proferida viola a regra sobre o ónus da prova prevista no art.º 342º, n.º 1 do Código Civil e o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, o que é suscetível de revista nos termos da al. a) e b) do art.º 674º do CPC.

XI. E isto porque parte do pressuposto que os recorridos procederam ao pagamento das rendas com base nas regras da experiência comum e assenta a sua decisão num facto inscrito no requerimento de apoio judiciário que veio posteriormente a ser cancelado, o que, por si só e desde logo inquina a credibilidade sobre toda e qualquer factualidade ínsita no mesmo.

XII. Os recorridos não fizeram prova de que viveram em casa arrendada, nem fizeram prova de que efetivamente viveram na habitação objeto do contrato de arrendamento junto aos autos; mais não fizeram prova bastante que procederam mensalmente ao pagamento de um quantitativo a título de renda.

XIII. Tal factualidade, para ser inequivocamente demonstrada, teria igualmente de vir acompanhada de outra prova, designadamente testemunhal, que a confirmasse, e não, como refere o Ac. em recurso, por se depreender das regras da experiência comum, e bem fácil seria demonstrar os factos que os recorridos se propunham provar, bastava para o efeito juntar todas as faturas e todos os recibos de renda ou comprovativos de pagamento e apresentar prova testemunhal que confirmasse que, durante o período em crise, os recorridos residiram na habitação a que o contrato de arrendamento junto aos autos alude; por último, nunca os recorridos alegaram, e muito menos demonstraram, dificuldades inultrapassáveis de apresentação de prova inequívoca dos factos em presença.

XIV. A fundamentação segundo a qual “é pressuposto, segundo as regras da experiência comum, o respetivo pagamento das rendas” eleva o facto em questão ao patamar do facto notório, o que no nosso modesto entendimento, revela alguma temeridade do acórdão proferido e viola o n.º 1 do art.º 342º do CC e o art.º 607º do CPC., pelo que o acórdão proferido é suscetível de revista nos termos da al. a) e b) do art.º674ºdo CPC, vide Ac. deste Venerando Tribunal de 26/02/2019, proferido no âmbito do processo 1316/14.4TBVNG-A.P1; e Ac. de 03/11/2021, proferido no âmbito do processo 4096/18.0T8VFR.P1.S1; o Ac. do TRL de 07/06/2018, proferido no âmbito do processo 29369/15.0T8LSB.L1-6; e o Ac. do TRC de 11/02/2020, proferido no âmbito do processo 37/08.1TBSCD.C1.

XV. Assim, face a inexistência de prova bastante que o demonstre, deve materialidade constante dos pontos T) e V) da matéria de facto provada ser alterado para matéria de FACTO NÃO PROVADA, o que se requer.

XVI. O Ac. em análise decidiu condenar a “autora/reconvinda a pagar aos réus/reconvintes o montante a apurar em sede de liquidação de sentença, com o limite de 15.341,31€, que resultar do diferencial entre o valor da obra em falta à data da resolução do contrato (já determinado nos termos expostos -35.399,41€-) e o custo que os AA. tiveram que pagar ao novo empreiteiro para finalizar a conclusão da obra, considerando apenas o valor que os RR. terão que despender pela conclusão dos trabalhos que já se mostravam contidos no contrato celebrado com a A. (e no qual não deverá ser considerada a eliminação das patologias a que alude a alínea HH) dos factos provados, em cujo valor a autora já se mostra condenada), a apurar nos termos do disposto pelo artigo art. 609.º, n.2 do CPC, por danos decorrentes do interesse contratual positivo.

XVII. Constituiu motivação da decisão o seguinte trecho: “Reportando à situação dos autos, teremos que face à resolução operada, terão os RR. direito a ser indemnizados pela A., no pagamento do diferencial entre o valor de obra em falta à data da resolução do contrato, e o preço que os AA. tiveram de pagar ao novo empreiteiro para finalizar a mesma (com o limite do pedido deduzido na acção 15.341,31€ - considerando o princípio do dispositivo - 3º n.1 do CPC - e o princípio do nº 1, do art. 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido).”

XVIII.  Assim, ficaram por indicar as circunstâncias [leia-se factos!] que, em homenagem ao princípio da equidade previsto no arts. 8.º, n.º 3, do Código Civil, e no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, determinaram a condenação da autora [para além de tudo em quanto foi condenada em matéria de interesse contratual negativo] no diferencial entre o valor de obra em falta à data da resolução do contrato, e o preço que os RR tiveram de pagar ao novo empreiteiro para finalizar a mesma, o que consubstancia a falta de fundamentação de facto que justifica a decisão, e, por conseguinte, a nulidade da sentença prevista na primeira parte da al. b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.

XIX. Ou, se assim não se entender, verifica-se oposição entre os fundamentos [que ditam a verificação de factos que imponham a reposição da equidade] e a decisão proferida [de condenação da autora sem a verificação dos factos que determinam a mesma], o que consubstancia nulidade da sentença prevista na primeira parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.

XX. Por outro lado, e como se disse, inexiste matéria que justifique a condenação da recorrente nos termos expostos, na senda aliás da decisão proferida na primeira instância, sendo certo que o tribunal julgou não provado, factualidade entretanto transitada em julgado, que:“5-A adjudicação da conclusão da obra a outra empresa fez com que a obra passe a ter um custo final, quando terminada nos termos que a Ré se havia comprometido e contratualizado edificar, pela quantia de 158.646,15 euros (75.000,00 já pagos à aqui AA. e 83.646,15 euros pelo que pagará à empresa a quem adjudicada a conclusão da obra), ou seja, por um preço superior em pelo menos 15.341,31 euros (158.646,15 – 143.304,84).”

XXI. Em matéria de consequências da resolução do contrato e de calculo dos valores das indemnizações a pagar é maioritária a posição doutrinária e jurisprudencial que defende ser só de admitir, na resolução do contrato, inclusive nos casos de incumprimento definitivo, a indemnização dos danos provenientes da não realização do contrato, ou seja, em sede de violação do interesse contratual negativo.

XXII. E diga-se, que no caso dos autos, a recorrente assentou a sua atuação tendo por base tal entendimento. E fê-lo, não porque este sempre seria economicamente mais favorável, mas porque é essa a interpretação do que para si resulta do preceituado no art.º 227º do CC em conjugação com os arts. 8.º, n.º 3, do Código Civil, e no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

XXIII.  No modesto entendimento da recorrente, conforme brilhantemente resume o AC. deste Venerando Tribunal de 28/09/2021, proferido no âmbito do processo 344/18.5T8AVR.P1.S1., “a resolução tem uma função puramente repristinatória do satus quo ante, dado o seu efeito ex tunc equiparado ao da invalidade, por via de regra, retroativo, conforme o estatuído, respetivamente, nos artigos 433.º, com referência aos artigos 289.º e 290.º, e 434.º, n.º 1, do CC. E, como tal, seria contraditório que o contraente fiel optasse pela resolução e, ao mesmo tempo, pretendesse a indemnização de um prejuízo que o colocasse, afora o efeito resolutivo, numa posição equivalente àquela em que estaria se o contrato tivesse sido celebrado – dano in contractu, correspondente ao interesse contratual positivo. Daí que, em caso de resolução, só lhe restasse optar pela indemnização dos prejuízos, a título de danos emergentes ou de lucros cessantes, mas referentes à violação do interesse contratual negativo (dano in contrahendo ou dano de confiança); ou seja, os prejuízos que não teria se não tivesse celebrado o contrato frustrado, nomeadamente os lucros, mas apenas os lucros que deixara de obter pela não celebração de outros negócios alternativos. Seria neste sentido, segundo esta orientação que deveria ser interpretada a ressalva do direito a indemnização feita no n.º 2 do artigo 801.º do CC.

XXIV. Tal orientação é sustentada, entre outros, por Francisco Pereira Coelho -In Obrigações – Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, p. 230 -; Pires de Lima e Antunes Varela - in Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 58, nota 3. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7.ª Edição, 1997, pp. 109-112 -; Inocêncio Galvão Telles - In Manual de Direito das Obrigações, tomo 1, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1965, pp. 248 e segs., sendo que na na 7.ª Edição desta última obra, de 1997, o Autor, em nota de rodapé (1) a pag. 463, admite que “o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equilibrada segundo as circunstâncias. -; Carlos Mota Pinto - In Cessão da Posição Contratual, Almedina, 1982, p. 412, nota 1-; Almeida Costa - In Direito das Obrigações, Almedina, 12.ª Edição, 2009, pp. 1044-104 -; Pinto Monteiro - In Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, pp. 694, embora ressalvando, na nota 1568, que tal entendimento não é inteiramente pacífico -; Calvão da Silva - In Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, 1990, p. 248, perfilhando a tese de Pereira Coelho.

XXV. Pelo que, ao decidiu como decidiu, o Ac. da Relação violou o preceituado no art.º 227º, 562º a 564º do CC, em conjugação com os arts. 8.º, n.º 3, do Código Civil, e no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, de modo que deve ser revogado, e substituído por outro que absolva a recorrente do pagamento de danos resultantes de alegado interesse contratual positivo, por inadmissibilidade legal, o que se requer, cfr al. a) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

XXVI.  Ainda que assim não se entenda, os factos em presença não justificam que excecional e complementarmente se determine a condenação da recorrente [para além de tudo em quanto foi condenada em matéria de interesse contratual negativo] no diferencial entre o valor de obra em falta à data da resolução do contrato, e o preço que os recorridos tiveram de pagar ao novo empreiteiro para finalizar a mesma, vide entre o mais, ac. de 08/09/2016 - processo n.º 21769/10.9T2SNT.L1.S1 (rel. Lopes do Rego) - deixou-se expresso que “Embora se venha admitindo que, em determinadas circunstâncias específicas, a indemnização, no caso de resolução de contrato, possa não se circunscrever absolutamente ao perímetro dos danos ligados à violação do interesse contratual negativo, podendo abarcar justificadamente outros danos, como forma de obter uma plena tutela do interesse do credor, não é aceitável que, por sistema, a parte que resolve o contrato pretenda obter automaticamente todas as prestações a que teria direito se o contrato resolvido subsistisse intocado na sua eficácia inter partes – cabendo-lhe, neste caso, pedir em primeira linha indemnização pelo interesse contratual negativo e só excepcionalmente e em situações materialmente fundadas lhe sendo possível peticionar uma indemnização complementar.” E ac. de 7461/11.0TBCSC.L1.S1 Tomé Gomes que exaustivamente faz o histórico da evolução doutrinaria e jurisprudencial e no mesmo sentido conclui) é a de que, com abertura jurisprudencial à indemnização pelo interesse contratual positivo no caso da resolução do contrato as decisões que a têm vindo a defender respaldam sempre a remissão para o crivo fixado no ac. de 12/2/2009 referente ao equilíbrio e/ou benefício justificado, por contraposição aquele que levaria a um desequilíbrio manifesto e ostensivo. Assim, sendo de considerar admissível a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo impõe-se sempre uma ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado” [sublinhado nosso].

XXVII. Pelo que, motivando a sua decisão unicamente na resolução operada, a decisão da Relação viola o preceituado nos art.º 227º, n.º 1, 562 a 564º do CC e o princípio constitucional da igualdade relativa, previsto no art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil, e no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, de modo que deve ser revogada, e substituída por outra que absolva a recorrente do pagamento de danos resultantes de alegado interesse contratual positivo, por inadmissibilidade legal, o que se requer, cfr al. a) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

XXVIII. Atento o escrito nas páginas 90 e 95 do Ac. em crise, em face do sentido da decisão, o valor da empreitada já paga [por referência ao valor de 107.905,53€] é de 30.672,98€ [e não 32.905,43€] e o valor em falta, se a obra tivesse sido concluída pela recorrente, era de 32.905.53€ [e não de 35.399,41€].

XXIX.  Enforma assim o Ac. em crise de erro material – erro de cálculo, motivo pelo qual deve o mesmo ser retificado, o que, nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 614º do CPC se requer.

XXX. Quanto ao recurso da decisão que recaiu sobre o contrato celebrado entre as partes, concluíram as decisões proferidas que “quanto ao preço da obra, na falta de prova segura que permita afirmar as alterações aos termos do contrato junto aos autos, provou-se a versão que é objetivamente suportada pelo mesmo”, todavia, as mesmas violam o princípio do dispositivo previsto no n.º 1 do art.º 5º e n.º 1 do art.º 609º ambos do CPC, pelo que, deve ser alterada.

XXXI.  No artigo 4º da p.i., a recorrente alegou “que o “contrato de construção” foi celebrado pelo preço total de 159 642,32 Euros [sendo que todas as referências a quantitativos monetários da presente peça processual têm valor de IVA incluído] visto que, antes da execução da obra, os réus optaram pela execução a que correspondem cumulativamente as opções a) e c) do plano de pagamento anexo ao referido contrato” e peticionou serem os recorridos condenados a pagar o remanescente do preço devido tendo em conta o preço acordado de 159 642,32, a percentagem de obra executada e o valor entretanto pago.

XXXII. Do contrato de construção de fls. 8º v.º a 10 v.º, assinado pela recorrente e recorrido marido, consta do plano de pagamentos de fls. 11, assinado pelo recorrido marido, consta que: “O Plano de Pagamentos dos Trabalhos corresponde a um valor de construção de: A) Execução de estrutura em betão armado, alvenarias exteriores em bloco térmico e pavimento térreo em habitação unifamiliar (Cave + Piso + Cobertura), pelo Valor Global de 34.713,00€ (Trinta e Quatro mil, Setecentos e Treze Euros). B) Execução de acabamentos de fachadas e Cobertura, Vãos em Alumínio e Vidro, Carpintarias, Mobiliários de Cozinha, WC e Roupeiros, Louças Sanitárias, Instalações técnicas, conforme caderno de encargos em anexo. Piso + Cobertura (Exclui-se neste preço arranjos de exteriores, mobiliários de cozinha, estores brisa-solares e muros de vedação). Pelo Valor Global de 91.795,00€ (Oitenta e Um Mil, Setenta e Sete Euros e Cinquenta Cêntimos). C) Execução de acabamentos de fachadas e Cobertura, Vãos em Alumínio e Vidro, Serralharias, Mobiliários de Cozinha, WC e Roupeiros, Louças Sanitárias, Instalações técnicas, conforme caderno de encargos em anexo. Cave + Piso + Cobertura (Exclui-se neste preço arranjos exteriores, mobiliários de cozinha, estores brisa-solares e muros de vedação). Pelo Valor Global de 95.077,50€ (Noventa e Cinco Mil, Setenta e Sete Euros e Cinquenta Cêntimos). Perfazendo para a execução da Opção a) somada à opção b) o valor global final de 116.508,00€ (Cento e Dezasseis Mil, Quinhentos e Oito Euros), aos quais acresce o valor do IVA à taxa Legal em vigor. Em caso, de mudança da opção b) para c) acresce o diferencial entre as duas opções ao valor final. 1ª Prestação: LEVANTAMENTO DO ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO E INICIO DE OBRAS: 5.000,00€ (Cinco Mil Euros) 2ª Prestação e Seguintes: Serão conforme pedidos de vistoria e consequente libertação de tranches de dinheiro por parte da entidade bancária correspondente a cada processo.”

XXXIII. Os dizeres riscados não foram alegados/invocados nem por recorrente, nem pelos recorridos, em qualquer peça processual, nem a rasura dos ditos dizeres foi impugnada pelos recorridos; da matéria de facto provada [pontos G), I) e P)] resulta que os recorridos pretenderam a execução de trabalhos de acabamentos na cave da moradia; a recorrente remeteu aos recorridos, que não as devolveram, faturas que imputam ao contrato de empreitada em crise nos autos o preço de 159.642,32 Euros; Da assentada ditada em ata de audiência de julgamento de 12 de abril de 2021, consta que a depoente [recorrida mulher] “confessou que a A. colocou o tubo de distribuição de águas na cave e que as paredes e o teto estavam rebocados, esclarecendo que essas obras estavam inicialmente contratadas”; A matéria do contrato celebrado entre as partes foi objeto de contestação pelos recorridos nos seguintes termos: “art.º 6º Aliás, tal valor, de 116.508,00 (+IVA] resulta expressamente do contrato que da própria autora junta, sendo que, só em caso de mudança para a opção A) + C) é que existiria o pagamento do diferencial”. art.º 7º Essa mudança, opcional [opção A) + C)] NUNCA EXISTIU, nunca foi expressa ou tacitamente solicitada, e muito menos foram encetadas obras nesse sentido por parte da empreiteira. art.º 51ºFazendo com que a obra passe a ter um custo final, quando terminada nos termos que a ré se havia comprometido e contratualizado edificar, pela quantia de 158.646,15 euros […]”.

XXXIV. Conforme resume MARIANA FRANÇA GOUVEIA, in “O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, texto escrito para os estudos em homenagem aos Professores Palma Carlos e Castro Mendes, o princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exato limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a ação (e de se defender), como delimitam o seu objeto.

XXXV. In casu, verifica-se que nem a recorrente nem os recorridos defenderam a versão que o Tribunal entendeu ser suportada pelo contrato[?], pois, a recorrente defendeu que, atento o facto de terem sido realizadas obras na cave da moradia e o plano de pagamentos anexo ao contrato, o preço de referência a cobrar seria o que resulta da opção A + C, no quantitativo de 159 642,32 Euros; por sua vez, os recorridos defenderam que havia efetivamente a hipótese de mudança da opção A + B para a opção A + C; e ainda que havia um preço diferencial resultante da mudança de opção; mas que a opção de execução de trabalhos de acabamentos na cave nunca foi contratada pelos recorridos.

XXXVI. Sem prescindir, o dito trecho da decisão em crise sempre seria nulo por violação das alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que a Relação condena em objeto diverso do pedido, o que se invoca para todos os efeitos legais.

XXXVII. Sem prescindir, ainda, o trecho da decisão posto em crise viola o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, n.º 5 do CPC, bem como a aplicação da lei do processo a que alude o art.º 640º do CPC, cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

XXXVIII. Para fundamentar a não alteração da matéria de facto peticionada nas alegações de recurso, a Relação apenas se limitou a aderir globalmente à decisão proferida pela primeira instância, deixando, por conseguinte, de analisar criteriosamente a matéria de facto impugnada e de fazer refletir na decisão que tomou o raciocínio que esteve na base da mesma.

XXXIX. Do relatório de avaliação de fls. 18 v.º e ss., consta na página 2 de 6, na descrição sumária do ponto IV – Características do bem que: “a moradia a construir irá ter: Piso -1 composto por garagem, Piso 0 […] e na página 5 de 6, sob a epígrafe “custo de Construção com encargos” do ponto IX – Conclusão, o valor de 155 095,86 Euros; Do relatório de vistoria de fls. 24, consta que se trata de uma moradia unifamiliar com 2 pisos [1º piso para anexos e 2º piso para habitação], sendo que as alvenarias interiores, alvenarias exteriores, vãos exteriores, vãos interiores (aduelas e guarnecimentos), rede de águas (canalizações), instalação de esgotos e ventilação, instalação elétrica (tubagens e caixas), rebocos exteriores, revestimentos iniciais de pisos e instalação de gás se encontram executados a 100%; à data de 07/10/2017 a obra se encontrava executada a 47% e que à data de 01/03/2019 a obra se encontrava executada em 73,74%, relatórios esses que, os recorridos não impugnaram quanto à sua genuinidade, e, na fundamentação da meteria de facto, o tribunal a quo entendeu ter sido “emitidos por “entidade independente em relação às partes e que não tem interesse em empolar a realidade existente no local, pelo contrário, o seu interesse é libertar o dinheiro consoante o avanço da obra”; Das fotografias juntas aos autos no articulado de réplica com os números 1.1, 1.2, 1.5, 1.6, 1.12, 1.13, resultam trabalhos de acabamentos na cave da moradia; Dos extratos bancários juntos aos autos pelos recorridos retira-se que, na sequência do contrato de construção em crise nos autos, o “Banco Santander Totta, SA.” libertou aos recorridos em 15/12/2017 o quantitativo de 60 733,40 Euros e em 06/03/2019 o quantitativo de 29 548,40 Euros, num total de 90 281,80 Euros [lembre-se para uma taxa de execução de 73,94% e um crédito hipotecário de 130 000,00 Euros]; Do relatório técnico de avaliação junto aos autos pelos recorridos na contestação, donde consta “tarefas realizadas […] enchimento com massas de regularização em todos os pisos, bem como de parte das paredes onde vai ser aplicado material cerâmico”, e “tarefas que faltam realizar […] execução de escada de aceso da cave/garagem ao andar/habitação, em estrutura metálica, com degraus em tábuas de madeira maciça e guarda-corpos em barra inox com vidro incolor no seu interior”; Do orçamento de fls. Junto à contestação, donde se retira que, em 17/12/2019, contratada outra empreiteira para terminar os trabalhos, a obra contratada à recorrida orçou em 158 646,15 Euros [o que consubstancia um diferencial de preço de, pelo menos, 15 341,31 Euros (116.508,00 € + IVA = 143 304,84 €)].

XL. Impõe-se que, em matéria de apreciação da prova, a Relação procedesse à análise crítica de toda a prova, a consideração de factos provados por confissão, por prova documental e prova testemunhal a que se alude supra, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as ilações impostas pela lei e pelas regras da experiência.

XLI. A manutenção da decisão da matéria de facto provada, por adesão global aos fundamentos da primeira instância, não analisa criticamente a questão de saber se, em 2017, seria possível contratar um contrato de empreitada destinado à construção de uma habitação familiar térrea com cave (ou garagem), de tipologia T3, com acabamentos, pelo preço de 116.508,00 €, acrescidos de IVA, o que, se sabe do conhecimento geral não ser possível; permite a aplicação dos conceitos de “execução de estrutura em betão armado” e “execução de acabamentos” de forma completamente aleatória e arbitrária; e deixou de ponderar que efetivamente se apurou que foram realizadas obras de acabamento na cave dos recorridos e que estes, confessadamente, não se opuseram à realização das mesmas.

XLII.    Aqui chegados, há manifesta violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto do art.º 607º, n.º 5 do CPC, o que integra violação de direito processual suscetível de constituir fundamento do recurso de revista, cfr art.º 674º, nº 1, al. b), do CPC.

XLIII.  O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”, é o que resulta do Ac. STJ de 25/09/2012, processo 1555/17.6T8LSB.L1.S, e ainda do Ac. STJ de 08-11-2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

XLIV.  Não obstante, o STJ, com os seus poderes de substituição, pode e deve afastar as deficiências, que encontre na decisão proferida pela Relação, sob pena de se deixar de pronunciar sobre questões que devesse apreciar [cfr. 1º parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC] e/ou violar o poder-dever previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC.

XLV. Termos em que, deve a decisão da Relação ser anulada e substituída por outra que julgue provada a matéria a que alude o ponto 1 e a segunda parte do ponto 11 da matéria de facto não provada, que, em face dos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja autenticidade não foi impugnada, da prova documental e por confissão supra referidas, viola flagrantemente as regras da experiência comum, pelo que deve ser alterada para MATÉRIA DE FACTO PROVADA.

XLVI.  Se assim não se entender, deve a decisão da Relação ser anulada e substituída por outra que julgue ampliada a matéria de facto provada com o aditamento do seguinte ponto: II)- O “contrato de construção” foi celebrado pelo preço total de 159.642,32 Euros [sendo que todas as referências a quantitativos monetários da presente peça processual têm valor de IVA incluído] visto que, durante a execução da obra, os réus optaram pela execução a que correspondem cumulativamente as opções a) e c) do plano de pagamento anexo ao referido contrato.

XLVII. A decisão que condenou a recorrente a pagar o custo da eliminação de patologias a que alude o ponto HH) da matéria de facto provada, para além de não ter resultado demonstrada por meio de prova bastante, extrapola largamente os poderes de cognição do Tribunal, não resulta da instrução da causa, nem sobre ela foi exercido o contraditório e constituiu uma decisão surpresa, pelo que é nula por inobservância do princípio do contraditório, cfr. n.º 3 do art.º 3º e n.º 1 do art.º 195º, ambos do Código de Processo Civil, nulidade que subsidiariamente se invoca para todos os efeitos legais, cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 674º do CPC, vide Ac. do TRP de 02/12/2019, proferido no âmbito dos autos n.º 14227/19.8T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.

XLVIII. Sem prescindir, os recorridos não peticionaram fosse a recorrente condenada a pagar qualquer quantia a título de patologias decorrente da resolução do contrato, aliás, inexistentes; pelo que, ao decidir como decidiu, o tribunal ad quem extravasou os poderes de cognição, porquanto conheceu questões de que não podia tomar conhecimento, ou se assim não se entender, porquanto condenou em objeto diverso do pedido, o que constituiu causa de nulidade da sentença, cfr. n.º 1 al. d) ou al. e) do art.º 615º do CPC, nulidade que subsidiariamente se invoca para todos os efeitos legais, cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 674º do CPC, vide Ac. do STJ de 08-02-2018 proferido nos autos n.º 633/15.0T8VCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

XLIX.  Tendo o tribunal ad quem, na fundamentação da matéria de direito, chagado à conclusão de que estamos perante uma situação de incumprimento parcial, e que por via disso, ter-se-á de aplicar os preceitos relativos ao não cumprimento das obrigações, a condenação da recorrente em quantia devida pela pretensa eliminação de patologias - o que no nosso modesto entendimento, já se trata de uma situação de cumprimento defeituoso - torna a decisão proferida nula uma vez que os fundamentos estão em oposição com a decisão proferida, cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, nulidade que subsidiariamente se invoca, para todos os efeitos legais, cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

L. Se assim não se entender, ao decidir como decidiu, o tribunal ad quem extravasou os poderes de cognição, porquanto conheceu questões de que não podia tomar conhecimento, ou, se assim não se entender, porquanto condenou em objeto diverso do pedido, o Tribunal da Relação violou o preceituado no n.º 1 do art.º 5 e n.º 1 do art.º 609º, ambos do CPC, cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

LI. Mais, não demonstraram os recorridos o preenchimento dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil, motivo pelo qual, nunca poderiam ser condenados a esse título, pelo que, ao decidir como decidiu a Relação violou o preceituado no artigo cfr. n.º 3 do art.º 3º e 798º, 799º, 801º, n.º 2 e 808º todos do CC, pelo que deve ser revogada, cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

LII. Assim, deve a decisão que o tribunal ad quem extraiu da matéria de facto provada no ponto HH) e condenou a recorrente no pagamento da quantia de 4 660,00 Euros aos recorridos, ser revogada, por ilegal, para o que se pede revisão.

LIII. Quanto ao recurso da decisão sobre a resolução do contrato as decisões proferias, embora por recurso a fundamentação diferente, violaram o previsto no art.º 436º, n.º 1 do CC, mediante o qual a resolução se dá “mediante declaração à contraparte”; que o principal efeito da resolução do contrato passa, precisamente, pela extinção do vínculo contratual que existia entre as partes, e que esse efeito extintivo se verifica logo que a declaração de vontade chega ao poder do destinatário, cfr. art.º 224º, n.º 1 do CC.

LIV. Foi a recorrente quem primeiramente resolveu o contrato de construção em crise nos autos; Contrato resolvido, não se resolve mais; pelo que, ao apreciar a resolução de contrato pelos recorridos, o Ac. de que se recorre é nulo por falta de pronúncia, cfr. al. d) do n.º 1º do art.º 615º do Código de Processo Civil, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.

LV. Sem prescindir, não tendo apreciado a resolução do contrato operada pela recorrente, o Ac. de que se recorre violou ainda o preceituado nos artigos 224º, n.º 1 e 436º, n.º 1 do Código Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que aprecie e considere válida e eficaz a resolução de contrato com justa causa e efeitos imediatos operada pela recorrente, o que se requer.

LVI. Na verdade, atentos os factos em presença, concluiu o Tribunal da Relação ter a recorrente operado uma resolução infundada, injustificada e por isso ilícita, e que, por conseguinte, não teve a virtualidade de pôr termo ao contrato de construção aderindo à a posição doutrinal minoritária segundo a qual sendo a resolução infundada o contrato não se extingue.

LVII. Ora ao conformarem a sua atuação, as partes, sempre tem em consideração as implicações jurídicas decorrentes da mesma, sopesando, no caso de diferente posição doutrinária, aquela que vai sendo a posição maioritária, e, como é sabido, é maioritária a posição doutrinária e jurisprudencial que defende que em caso de resolução ilícita o contrato efetivamente se extingue, cfr. art.º 280º, 295º e 432º do CC.

LVIII.  Como introdução explicativa, lembramos, a partir do disposto no art. 432 do CCivil, que a resolução se apresenta como um acto jurídico unilateral que opera através de uma decisão de um dos contraentes e que não carece do (nem fica sujeita ao) consentimento da contraparte - Vaz Serra: «Resolução do Contrato» Trabalhos Preparatórios do Código Civil, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, 1957, página 236. É um meio de extinção unilateral (com base na lei ou no contrato), através de uma normal declaração extrajudicial e com uma eficácia ex tunc ou ex nunc, de uma relação contratual, total ou parcialmente alterada ou perturbada - Brandão Proença , in a Resolução do Contrato no Direito Civil, cit, pp. 39e AlmeidaCosta - Direito das Obrigações, Almedina, 2009, pp. 281 – assumindo-se como um direito potestativo que um dos contraentes pode impor à sua contraparte – vd. Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, página 144, e Brandão Proença, op. cit. p. 152).

LIX. De acordo com a formulação da maior parte da doutrina, podendo consultar-se Rui de Alarcão - A Confirmação dos Negócios Anuláveis, 1971, pp. 40-48- e Manuel de Andrade - Teoria Geral da Relação Jurídica II, 4ª reimpressão, 1974, pp. 411 – a resolução cabe nas modalidades de ineficácia em sentido estrito, ou também apelidada de mera ineficácia, coexistindo com a denúncia e a revogação - vd. também Brandão Proença, op. cit. pp. 18 -, em contraposição com outra figura, a invalidade, que se insere numa categoria de ineficácia em sentido amplo. … Este entendimento radica no que já havia sido expresso por Baptista Machado – in R.L.J. 118, pag. 280 - no sentido de alertar que o mecanismo do art. 808 do C.C. referente à perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento não se ajusta directamente às relações contratuais duradouras, não sendo necessário o recurso a ele quando existe justa causa de resolução … Em sentido afirmativo pode consultar-se o ac. RL de Lisboa de 10 de Dezembro de 2009 - processo n.º 6240.05.9TVLSB.L1-7, in www. dgsi.pt. - e também Romano Martinez - in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, página 221 - embora este autor defenda que apesar de a resolução ser ilícita - i.e. contrária à lei - a mesma não é passível de ser declarada nula, já que se enquadra na «estrutura complexa do contrato», pelo que, mesmo enquanto acto jurídico, a figura da resolução carece de autonomia para ser submetida ao regime da nulidade, maxime ao artigo 280.º do Código Civil (ex vi artigo 295.º do mesmo diploma). Ressalva ainda que sendo a resolução ilícita, e originar a extinção do contrato, é possível que o vínculo subsista caso estejam cumulativamente reunidos três pressupostos: (i) o cumprimento das prestações ainda seja possível; (ii) a parte lesada mantenha interesse no contrato; (iii) a execução do contrato não seja excessivamente onerosa para o declarante da resolução ilícita – op. cit. pgs. 222-223. Coincidente com este entendimento pode ler-se na jurisprudência o ac. STJ de 8/6/2017 - no proc. 7461/14.9T 8SNT.L1.S1, in dgsi.pt.

LX. Com o mesmo sufrágio doutrinal, embora por declaradas razões de ordem prática (a prática não se compadece com as delongas da intervenção do tribunal em declarar a resolução ilícita, já que aquando da decisão judicial, as relações de facto já terão cessado) também Pinto Monteiro defende como mais razoável que a resolução ilícita extinga o contrato, até porque a solução contrária não se compadeceria com o carácter extrajudicial da resolução - in Contrato de Agência – Anotação, 5.ª Edição, (Almedina), Coimbra, 2004, página128. Em igual traçado, Menezes Cordeiro sustenta que, permitindo “o art. 436.º/1, a resolução por simples declaração à contraparte, o Código dá uma mensagem normativa que não pode ser passada em claro, a lei deixa à apreciação do resolvente a ponderação dos requisitos em jogo. Este pode enganar-se. Quando isso suceda, haverá que demonstrá-lo em tribunal: um ónus que cabe ao devedor, sob pena de deitar por terra a resolução extrajudicial. Até que haja uma sentença com trânsito em julgado, a resolução deve produzir os seus efeitos: ou seria inútil. Nenhum contrato pode ficar muito tempo na incerteza: seja pelos interesses do credor, seja pelos do devedor, seja pelos da comunidade jurídica.

LXI. Nestas condições, em nome de uma interpretação integrada do ordenamento, devemos considerar a resolução formalmente declarada como eficaz.” - Da resolução do contrato, in https://portal. oa.pt/media/132086/antonio-menezes-cordeiro.pdf pg, 473.

LXII. Na jurisprudência, e na defesa de que a ilicitude da resolução não determina automaticamente o incumprimento definitivo da parte que procedeu a tal resolução, deixamos nota dos acs. do STJ de 30 de Novembro de 2004, no proc. n.º 05B1494, e de 15/1/2015, no proc. 2365/08.7 TBABF.E1.S1 in dgsi.pt.”

LXIII.  Pelo que, ao decidir como decidiu, o Ac. da Relação violou o preceituado no art.º 280º, 295º, 432º e 808º do CC, de modo que deve ser revogado, e substituído por outro que reconheça que a recorrente resolveu o contrato de construção em crise nos autos, o que se requer, cfr al. a) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

LXIV.  Por carta registada com aviso de receção enviada aos recorridos em 03 de março de 2020, a recorrente procedeu ao exercício do direito de resposta às comunicações que lhe foram dirigidas; à resolução de contrato de empreitada com justa causa e efeitos imediatos, e à interpelação para pagamento, nos seguintes termos, vide documento n.º 6 junto à p.i.

LXV. As causas apontadas pela recorrente como justificativas da resolução do contrato de empreitada com justa causa e efeitos imediatos são de vária ordem e foram invocadas, ainda que subsidiariamente, de forma cumulativa.

LXVI.  À data em que a recorrente operou a sua resolução de contrato – 3 de março de 2020, os recorridos deviam à recorrente o quantitativo de [pelo menos] 32, 905,43 euros, sendo que já desde 06 de março de 2019 [há1 ano] deviam ter pago o quantitativo 15 281,80 euros, porque a entidade mutuária já o tinha libertado.

LXVII. Porém, interpelados para proceder ao pagamento dos valores em falta, os recorridos nada fizeram e nada pagaram.

LXVIII. Nos presentes autos foram os recorridos condenados, por decisão já transitada em julgado a pagar à recorrente a quantia de 32, 905,43 Euros, valor com Iva incluído, a título de obra executada e não paga.

LXIX.  Em face do estatuído no art.º 808º, nº1 do Código Civil, a mora dos recorridos transformou-se em incumprimento definitivo destes, o que é causa de resolução do contrato com justa causa e efeitos imediatos pela recorrente, o que se requer seja reconhecida para todos os efeitos legais.

LXX. O pagamento do preço é, nos termos do art.º 1207º do Código Civil, obrigação essencial do dono de obra e o valor em falta de 32 905,43 euros é manifestamente elevado e correspondente a cerca de 30% do preço contratado.

LXXI.  A recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à indústria de construção civil, com intuito lucrativo, de modo que, o pagamento do preço é um interesse da recorrente digno de tutela, e o seu não pagamento implica, como implicou, a perda objetiva de interesse da recorrente na contraprestação, cfr. n.º 1 e 2 do art.º 808º do CC.

LXXII. Pelo que, a conduta dos recorridos constituiu, no entendimento da recorrente, violação grave da obrigação de pagamento pontual do preço acordado e é, por si só, causa de resolução de contrato de empreitada com justa causa e efeitos imediatos, o que se requer seja reconhecido para todos os efeitos legais.

LXXIII. Ademais, os recorridos solicitaram à recorrente a realização de um conjunto de trabalhos extra, o que necessariamente ditou a suspensão dos trabalhos em curso e o consequente deferimento da execução dos trabalhos subsequentes aos mesmos, o que tem de ser considerado para efeitos de deferimento de prazo de execução da empreitada, cfr. n.º 2 do art.º 1216º do Código Civil.

LXXIV. Mais, ainda, por facto imputável aos recorridos [que não diligenciaram, como lhes incumbia, de proceder às ligações de água e luz necessárias à execução da empreitada] a obra iniciou-se apenas em setembro de 2017.

LXXV. Finalmente, o alvará de licenciamento de obras dos recorridos iniciou-se em 23/06/2008, mas estes apenas subscreveram contrato de empreitada com a recorrente em 12 de abril de 2017; por sua vez, os recorridos apenas interpelaram a recorrente decorridos cerca de 3 anos depois da obra se ter iniciado.

LXXVI. A doutrina portuguesa ensina que há várias variações de comportamento abusivas, sendo que a suppressio (supressão) abrange manifestações típicas de “abuso do direito” nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé, cfr art.º 334º do CC.

LXXVII. Atento ocaso dos autos, verifica-se que a atuação dos recorridos sempre foi no intuito de desvalorizar o prazo de execução do contrato, motivo pelo qual não podem exigir à recorrente a responsabilização dos alegados danos que o seu comportamento originou, sob pena de abuso de direito, exceção que se invocou para todos os efeitos legais.

LXXVIII. Instados para pagamento do preço que se encontrava em falta, os recorridos responderam, entre o mais, que “confiaram em má hora” a construção da sua habitação, “após dezenas de meses de paciência com a vossa incompreensível mora …, dada a perda de interesse e mesmo de confiança…, eis que, desavergonhadamente e sem qualquer tipo de escrúpulos ousam vir solicitar pagamentos… do teor de tal surreal missiva … por se tratar de uma afronta, totalmente descabida, desde logo porque todo e qualquer pagamento se encontra em dia, NUNCA TENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS SOLICITADO QUALQUER VALOR, já que não devido, nem nos dignamos sequer a tecer considerações sobre o teor da dita carta”; “reitera-se o teor do mail anterior… a vossa postura é pois de nítida má fé… pura e simples má fé…no mais, continuam V/Exas com delírio que nos abstemos sequer de rebater…e não querem acabar a obra, sejam íntegros e digam já!”

LXXIX. As comunicações endereçadas à recorrente são injuriosas e ofensivas à honra e consideração pessoal e profissional desta, e comprometeram irremediável e irreversivelmente o diálogo necessário à execução da obra e inerente fiscalização, bem como a relação de confiança que deve estar ínsita no agir com lisura, que é um dever acessório de conduta na execução dos contratos; mais inviabilizou qualquer outra solução para o litígio surgido, traduzido num comportamento próprio de quem não quer, ou não pode, cumprir, cfr. o princípio da boa fé, ínsito nos artigos 406º, n.º 1 e 762º, n.º 2, ambos do Código Civil, o que constitui justa causa de resolução do contrato celebrado com efeitos imediatos.

LXXX. Pelo que, ao decidiu como decidiu, o Ac. da Relação violou o preceituado no art.º 8º, 224º, 227º, 280º, 295º, 334º, 342º, 406º, 432º, 436º, 562º a 564º, 762º, 798º, 799º, 801º, 808º, 1207º e 1216º do CC, e art.º 3º, 5º, 195º, 607, 609,m 615º 640º, e 662 do CPC e art.º 13º da CRP, de modo que deve ser revogado, e substituído por outro que reconheça que a recorrente resolveu o contrato de construção em crise nos autos, com todas as implicações legais, o que se requer, cfr al. a) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.

TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de V/Excelências, deve o presente recurso merecer total provimento e, em consequência, ser revoga a decisão proferida e, por conseguinte, ser substituída por outra que julgue a ação procedente, por provada, e a reconvenção improcedente, por não provada, com todas as legais consequências, assim se fazendo sã e costumada JUSTIÇA!”.

Não foi apresentada resposta.


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O recurso foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


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Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos (colocando-se a itálico as alterações efetuadas à matéria de facto, pelo Tribunal da Relação):

Factos provados:

A) A autora é uma sociedade comercial que se dedica, com intuito lucrativo, entre o mais, à indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas.

«B) No exercício da sua atividade comercial, em 12 de abril de 2017, a autora celebrou com os réus um “contrato de construção” destinado à construção de uma habitação familiar térrea, de tipologia T3, tendo sido acordado entre as partes outorgantes a sua execução de acordo com os termos fixados nas cláusulas do designado «Contrato de Construção», e nomeadamente, quanto ao preço:

Cláusula Quinta:

5.1 Pelo presente contrato o Segundo Outorgante compromete-se a edificar uma habitação unifamiliar, de tipologia T3, constituída por um piso térreo, pelo preço de 116.508,00€ (Cento e Dezasseis Mil Quinhentos e Oito Euros) ao qual acresce o IVA à taxa legal em vigor, devidamente acabada de acordo com o caderno de encargos da construção referida em documento anexo ao presente contrato e do projectos de execução (arquitectura e especialidades de engenharia), que depois de lido e rubricado fica a fazer parte integrante do mesmo (…)

5.2 O preço estabelecido no número anterior é fixo, renunciando as partes à sua revisão, caso se mantenha o pré-estabelecido no presente contrato e respectivos anexos;

Cláusula Sexta:

6.1 O preço devido pelo Primeiro Outorgante, mencionado na cláusula anterior, será pago conforme plano de pagamentos em anexo, que depois de lido e rubricado passa a fazer parte integrantes deste contrato;

6.2 Os pagamentos acordados devem ser realizados por cheque, transferência bancária e ou numerário, no prazo de 3 dias após conclusão de cada fase correspondente, ou libertação da tranche de dinheiro por parte da entidade bancária;

6.3 Ultrapassado o período de pagamento mencionado no ponto anterior, sem que haja regularização do mesmo, o segundo outorgante pode, se entender, debitar juros de ora e suspender de imediato os trabalhos em curso. (cfr. documento 2, junto com a P.I., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»

C) A construção teria lugar no prédio misto, inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...66, e matriz predial rústica com o art.º ...19, ambos da união de freguesia ... (... e ...) e ..., do concelho ..., descrito na conservatória do registo predial ... sob o n.º ...8/... (...), e sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., de que os réus são proprietários.

D) Durante a execução da obra, os réus solicitaram ainda trabalhos a mais à autora, que os realizou.

E) Autora e réus acordaram, ainda, que o preço deveria ser pago no prazo de 3 dias após a conclusão de cada fase correspondente ou libertação da tranche de dinheiro por parte da entidade bancária.

F) No dia 03 de março de 2020, e antes de terminada a obra, por carta registada com aviso de receção, a autora resolveu o “contrato de construção” celebrado com os réus, com fundamento em justa causa e com efeitos imediatos (cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

G) Até ao dia 1 de março de 2020, a autora executou o correspondente a 73,94% da obra contratada pelos réus.

H) Os réus pagaram à autora o quantitativo global de 75.000,00 euros.

I) Aquando da comunicação de resolução do contrato, a autora remeteu aos réus, que não devolveram, as seguintes faturas: a) FT 2020A/7, de 28/02/2020, no valor de 49 295,47 Euros, referente à execução da obra contratada, realizada e não paga até final de março de 2019; b) FT 2020A/9, de 28/02/2020, no valor de 13 165,69 Euros, referente aos trabalhos a mais solicitados pelos réus; c) FT 2020A/10, de 28/02/2020, no valor de 1845,00 Euros, referente à execução da obra contratada, realizada e não paga até à suspensão dos trabalhos/resolução do contrato.

J) As facturas têm vencimento imediato.

K) Os pagamentos feitos pelos RR. à A. efectuados numa fase inicial em 18 de Dezembro de 2017, em duas transferências de 22.500,00 euros cada, num total de 45.000,00, e em 20 de Março de 2019, novamente em duas transferências de 15.000,00 cada, num total de 30.000,00.

L) Os RR. no dia 3 de Fevereiro de 2020, através do seu mandatário constituído, procederam via email à interpelação admonitória da Autora, notificando-a que deveria concluir a obra no prazo de 80 dias, findo o qual, sem novo aviso ou interpelação, ficaria o contrato de empreitada resolvido por incumprimento definitivo a ela exclusivamente imputável.

M) No dia 4 de Fevereiro, a Autora procedeu ao envio de carta registada com aviso de recepção, solicitando o pagamento de trabalhos realizados até 01 de Março de 2019, no montante de 27.719,71 €.

N) A A. comprometeu-se a edificar a habitação unifamiliar num prazo máximo previsto de 12 meses.

O) No final de 2019 a A. não realizava trabalhos na obra há mais de 6 meses.

P) Aquando da cessação do contrato, a nível interior faltavam realizar os seguintes trabalhos/equipamentos: a) fornecimento e colocação de material cerâmico nas paredes e pisos, do hall de entrada, cozinha, casas de banho, lavandaria e garagem; b) execução de pavimento flutuante de madeira, assente sobre tela poliéster, com rodapé lacado, no hall, quartos e sala; c) conclusão dos revestimentos em pladur das paredes interiores; d) conclusão dos tectos falsos, muito em especial a colocação das placas em pladur; e) fornecimento e colocação de louças sanitárias em todas as instalações sanitárias; f) fornecimento e execução de todos os elementos necessários à conclusão das redes de eletricidade e comunicações, como sendo, quadro elétrico, tomadas, interruptores, focos de teto e fitas led em sancas, extratores, intercomunicadores, alimentação para portões, outros acessórios julgados convenientes ao completo bom funcionamento; g) aplicação de portas interiores em madeira, de abrir e de correr, com acabamento lacado; h) fornecimento e montagem de roupeiros nos quartos, completos; i) pinturas de todas as paredes e tetos interiores, com primário e as demãos de tinta necessárias ao seu completo acabamento; j) execução de escada de aceso da cave/garagem ao andar/habitação, em estrutura metálica, com degraus em tábuas de madeira maciça e guarda-corpos em barra inox com vidro incolor no seu interior.

Q) A nível exterior faltavam realizar os seguintes trabalhos/equipamentos: a) a nível de cobertura faltam, a colocação dos materiais de isolamento térmico no espaço de cobertura sobre o hall de entrada, a totalidade de rufos perimetrais em chapa lacada e os capacetes das chaminés e ventiladores; b) execução do acabamento final das paredes exteriores com raiado, sobre o revestimento já existente em “capoto”; c) fornecimento e montagem de sistema de painéis solares para aquecimento de água, incluindo bomba de calor e todos os acessórios necessários; d) conclusão da rede exterior de drenagem de aguas residuais, muito em especial o acabamento final das caixas de vista com tampa de vedação hidráulica; e) aplicação de tubos de queda desde a cobertura até às caixas de receção no terreno, bem como toda a rede exterior de drenagem de águas pluviais, incluindo caixas de visita, até ao seu destino final, que será a valeta existente no arruamento público; f) fornecimento e colocação de soleiras em falta, na garagem e envolventes de todas as varandas e entradas do edifício; g) execução de revestimento exterior junto às janelas, espaços de entrada e cozinha, em betonilha de cimento com acabamento final em material cerâmico; h) execução de pavimento no acesso à garagem, em betonilha de cimento e cubo de granito, incluindo o acabamento final da caleira de receção de águas pluviais com grelha metálica; i) execução de escada no acesso à entrada principal, abertura de vão no muro existente para implementação de pilares de apoio aos portões de acesso automóvel e pedonal; j) fornecimento e colocação de portões em chapa metálica, metalizados e pintados, com 1,60mts de altura, sendo o de automóvel de correr, com mecanismo automático elétrico e o de peões de abrir de uma folha.

R) Em comparação entre o projecto de licenciamento e o executado em obra, o mesmo acha-se genericamente traduzido em obra, salvo no seguinte: O tipo de paredes exteriores previsto era “…em alvenaria dupla de tijolo vazado de 15 e 11 cm, com caixa de ar de 4/5cm e isolamento térmico em poliestireno, com acabamentos em argamassa hidrófuga, reboco areado e pintura”, sendo que, o que se acha executado é parede simples em bloco térmico, com isolamento pelo exterior, “sistema ETIC`S – EPS”, vulgo, capoto; Interiormente era previsto “….reboco estranhado e cerâmicos”, sendo que, o que se verifica são a execução de placas de gesso cartonado, vulgo pladur, aplicadas sobre o tijolo de barro e/ou bloco térmico, ou sobre estrutura metálica apropriada ao efeito, em vez do reboco estanhado; A projeção exterior de vãos é prevista em “…lâminas de ensombramento em alumínio”, quendo aquilo que foi executado e se acha executado foi um sistema de caixas de estore, com a aplicação de estores, para serem comandados eletricamente.

S) Os RR. adjudicaram a conclusão da obra à empresa M... Unipessoal, Lda, com sede no lugar ..., ..., ..., nos termos e condições que constam de orçamento junto com a contestação/reconvenção, pelo valor de 83.646,15 euros (IVA incluído à taxa legal em vigor).

T) A moradia familiar cuja construção os RR. haviam adjudicado à A. destinava-se à sua residência e respetivo agregado, vivendo aqueles em apartamento arrendado, tipologia T3, no ... andar, de um prédio em propriedade horizontal sito na freguesia ....

U) Apartamento esse que aquando da celebração do respetivo contrato importava o pagamento de uma renda mensal de 375,00 euros, renda essa que foi sendo actualizada anualmente, sendo hoje de 381,69 euros.

V) A B..., Unipessoal, L.da comprometeu-se a concluir as obras no prazo de 6 meses, com início na data de iniciação das mesmas, ou seja, a 18 de Maio.

W) Durante a gravidez viveu a Ré mulher momentos de extrema ansiedade e angústia por ver a obra “votada ao abandono”, sentindo-se impotente nas sucessivas interpelações que foi sistematicamente fazendo junto da A., com vista à retoma e conclusão da obra.

X) Angústia, frustração e impotência agravada pelo facto de ter o marido ausente, emigrado no estrangeiro.

Y) Em 07 de dezembro de 2017 tinha sido realizada vistoria da qual resultou que, àquela data, a taxa de execução de obra era de 47%.

Z) Em 01 de março de 2019, a taxa de execução da obra era de 73,74%.

AA) Por carta registada com aviso de receção enviada em 24 de janeiro de 2020, a autora solicitou aos réus vistoria para efeitos de pagamento de custos de construção de moradia unifamiliar na Rua ... – ..., conforme documento n.º 2 junto com a réplica e cujo teor se dá por reproduzido.

BB) Por email do mandatário dos réus, à mandatária da autora, enviado às 11H00, do dia 3 de fevereiro de 2020, os réus deram à autora conhecimento do relatório de avaliação junto à p.i. como documento n.º 7, bem como da vistoria junta à p.i. como documento n.º 8.

CC) Por carta registada com aviso de receção enviada em 3 de fevereiro de 2020, às 17h27, a autora solicitou aos réus o pagamento em falta, nos termos do documento n.º 3 junto com a réplica e cujo teor se dá por reproduzido.

DD) Por carta registada com aviso de receção, enviada em 11 de fevereiro de 2020, a autora dirigiu aos réus interpelação admonitória para pagamento do preço devido pela execução parcial de contrato de empreitada celebrado em 12 de abril de 2017 para execução de moradia unifamiliar térrea, tipo T3, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., nos do documento n.º 4 junto com a réplica e cujo teor se dá por reproduzido.

EE) A missiva enviada pela autora em 11 de fevereiro de 2020 obteve a resposta constante do email do mandatário dos réus datado de 13 de fevereiro e junto à contestação.

FF) Por carta registada com aviso de receção enviada aos réus em 03 de março de2020, a autora procedeu ao exercício do direito de resposta às comunicações que lhe foram dirigidas; à resolução de contrato de empreitada com justa causa e efeitos imediatos, e à interpelação para pagamento, nos termos constantes do documento n.º 6 junto à p.i. e cujo teor se dá por reproduzido.

GG) A A. realizou com o acordo dos RR. trabalhos não inicialmente contratados e que consistiram na abertura de vão em parede, incluindo caixa de estores; adaptação de infraestruturas de abastecimento de águas quente e fria, rede de drenagem de águas residuais, rede de aquecimento, rede de infraestruturas eléctricas e ITED, rede de gás, adaptando-as ao layout da cozinha, tudo com o preço de 1.815,00 €, mais IVA.

HH) Por falta de acabamento da cobertura da obra e com a entrada da água da chuva, o pladur da parede do quarto/suite e do corredor dos quartos, bem como parte do isolamento em lã de rocha do tecto de cada uma das casas de banho ficaram danificadas, sendo que a eliminação dessas patologias ascende a cerca de 4% o valor total da obra, ou seja, a quantia de 4.660,00 €.

«II) Em 14/12/2017 o “Banco Santander Totta, SA.” libertou aos réus o quantitativo de 60 33,40Euros; e em .../.../2019, a mesma entidade bancária libertou aos réus o quantitativo de 29548,40 Euros»

«JJ) A obra iniciou-se em Setembro de 2017.»


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Factos Não Provados, com relevância para a decisão:

1-O “contrato de construção” foi celebrado pelo preço total de 159.642,32 Euros [sendo que todas as referências a quantitativos monetários da presente peça processual têm valor de IVA incluído] visto que, antes da execução da obra, os réus optaram pela execução a que correspondem cumulativamente as opções a) e c) do plano de pagamento anexo ao referido contrato.

2- Autora e réus acordaram, ainda, que o preço deveria ser pago no prazo de 3 dias após os pedidos de vistoria e consequente libertação de tranche de dinheiro por parte da entidade bancária.

3- O referido em G) corresponde ao preço de 117.720,25 euros.

4- Executou a autora a solicitação dos réus, ainda, trabalhos a mais que se computam em 13.165,69 euros.

5- A adjudicação da conclusão da obra a outra empresa fez com que a obra passe a ter um custo final, quando terminada nos termos que a Ré se havia comprometido e contratualizado edificar, pela quantia de 158.646,15 euros (75.000,00 já pagos à aqui AA. e 83.646,15 euros pelo que pagará à empresa a quem adjudicada a conclusão da obra), ou seja, por um preço superior em pelo menos 15.341,31 euros (158.646,15 – 143.304,84).

6- Dadas as circunstâncias de pandemia mundial, por covid19, a Ré apenas logrou efetuar tal contrato com a empresa M... Unipessoal, Lda em 23 de Abril de 2020.

7- Em virtude da moradia que haviam adjudicado à ora reconvinda, os RR. decidiram ter mais um filho, no pressuposto de que, quando este nascesse estariam já na “nova” moradia.

8- Quando a Alice nasceu, em .../.../2018, os RR. não dispunham de um quarto para esta, porque são também pais do CC e DD, respetivamente nascidos em .../.../2008 e .../.../2010, ou seja, de 12 e 10 anos respetivamente.

9- A angústia, frustração e impotência sentidas pela R.-mulher agudizaram-se com a ameaça de cobrança das quantias facturadas pela A.

10- Ambos os RR., por causa da ameaça de cobrança das facturas, viveram momentos de angústia, ansiedade, temor e tristeza.

11- As partes entenderam derrogar tacitamente a cláusula segundo a qual a contratação de trabalhos a mais deve revestir a forma escrita, e a mudança da opção b) para c) já constava do plano de pagamentos constante do contrato de empreitada.

12- Em dezembro de 2017, os réus deveriam pagar à autora o quantitativo de 75031,84 Euros.

13- Em março de 2019, os réus deviam pagar à autora o quantitativo global de 117.720,25 Euros.

14- A partir da data de 20 de março de 2019, os réus retiveram à autora, sem qualquer justificação, e sem lhe dar conhecimento, o quantitativo de 42 720,25 Euros.

15- Já em 07 de dezembro de 2017 a entidade bancária teria libertado aos réus o correspondente a 47% do preço total da obra, isto é, o correspondente a 75.031,84 Euros.

16- Em março de 2019 a entidade bancária teria libertado aos réus o correspondente a 73,74% do preço total da obra, isto é 117.720,25 Euros.

17- O incumprimento contratual de pagamento [parcial] do preço dos réus apenas chegou ao conhecimento da autora a 03 de fevereiro de 2020, por informação do mandatário daqueles, entretanto mandatado para o efeito, e na sequência dessa informação a autora suspendeu imediatamente os trabalhos.

18- Desde a realização da vistoria bancária realizada a 1 de março de 2019, os trabalhos de execução de obra continuaram tendo ainda a autora realizado trabalhos mais que ascendem a 13 165,69 Euros.

19- O deliberado e reiterado incumprimento contratual dos réus provocou prejuízos de vária ordem à autora, que teve de adiantar verbas necessárias ao pagamento de materiais e mão de obra dos seus operários,

20- Teve de cancelar encomendas, cancelar contratos de subempreitada, entre outros,

21- Para além dos prejuízos financeiros inerentes à falta de disponibilidade financeira decorrente da falta de pagamento pontual do preço acordado.

22- Ao longo da execução do contrato, mormente a partir do início da fase de acabamentos, iniciada em janeiro de 2018, a autora do projeto, a Arq. EE, em representação dos réus, solicitou à autora um conjunto de pormenores de execução mormente ao nível das paredes, sistema de portas, deck, cantarias e caixilharia.

23- Sucede que, tais pormenores de execução contendiam com primordial caderno de encargos anexo ao “contrato de construção” celebrado.

24- Para compatibilizar os ditos pormenores de execução tendo em vista a satisfação dos réus enquanto donos de obra, foram promovidas diversas reuniões entre os representantes da autora e a autora do projeto, e em consequência, solicitados a esta os respetivos projetos de pormenor.

25- Não obstante, as ditas alterações de pormenor de execução foram repetidas e sucessivas e nunca vieram acompanhadas do respetivo projeto de pormenor.

26- O que necessariamente conduziu à suspensão dos trabalhos pela autora e implicou o correspondente prolongamento do prazo necessário para a projeção e execução da empreitada.

27- As solicitadas alterações de pormenor de execução não puderam ser aceites pela autora, pois não cumpriam a legis artis, como sucedeu com a caixilharia, pois os donos de obra, por sugestão da autora do projeto, não pretendiam colocar soleiras, antes pretendiam colocar os vãos de alumínio diretamente sobre tela asfáltica,

28- Ou implicavam a violação de direito de autor devidamente patenteados [como sucedeu com as portas interiores], pois os donos de obra, por sugestão da autora do projeto, pretendiam reproduzir um sistema de portas interiores de aro oculto e porta pivotante criado pela empresa B..., com sede em ...,

29- Ou não eram conformes as especificações técnicas do respetivo fabricante, como sucedeu com o deck, pois os donos de obra, por sugestão da autora do projeto, pretendiam colocar material cerâmico sem assentamento completo.

30- Acresce que, durante a execução da fase de acabamentos, os réus solicitaram à autora a execução de um conjunto de trabalhos a mais que melhor se descrevem na fatura junta à p.i. como documento n.º 9, também eles decorrentes dos pormenores peticionados pela autora do projeto,

31- Tal circunstancialismo ditou o deferimento da projeção e execução dos pormenores solicitados, bem como dos trabalhos subsequentes aos mesmos.

32- Mais ditou o deferimento da execução global da obra pela autora e o consequente cancelamento dos compromissos entretanto assumidos quer em matéria de aquisição de materiais, quer em matéria de serviços entretanto contratados.

33- O Mandatário dos RR. não demonstrou possuir perante a autora habilitações técnicas a nível de engenharia civil [nem de representação legal para esse efeito] para o exercício do cargo de fiscal de obra, não podendo, assim, a autora aceitar que aquele exercesse tais funções.

34- Dos emails endereçados pelo Mandatário dos RR. à A. resultam imputações injuriosas e ofensivas à honra e consideração pessoal e profissional desta, e que comprometeram irremediavelmente o diálogo necessário à execução da obra e inerente fiscalização.

35- Os réus não diligenciaram pelas necessárias ligações de ramal de água e baixada elétrica da obra, de maneira que a obra em crise apenas se iniciou em setembro de 2017.

36- Depois de iniciada, a obra só foi interrompida, como se disse, após o dono de obra, por si ou através da autora do projeto, ter exigido alterações à execução da mesma, altura em que o dono da obra, por si ou através da autora do projeto, também solicitou a realização de uma serie de trabalhos extra.»


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Conhecendo:

São as questões suscitadas pela recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.        

A recorrente alega:

1- Nulidades processuais e erro material, cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 674º do CPC;

2- Erro de julgamento em matéria de direito, cfr. al. a) e b) do n.º 1 do art.º 674º do CPC.


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Nulidades:

A)-Por omissão de pronúncia, por a recorrente considerar factos relevantes que não levou à matéria de facto:

1-A matéria da realização de obras na cave pela recorrente na moradia objeto do contrato de empreitada em crise nos autos, é facto suscetível de ter relevância jurídica;

2- O teor do caderno de encargos e dos projetos de execução, bem como o plano de pagamentos em anexo ao contrato de construção em crise nos autos, é facto suscetível de ter relevância jurídica;

B)-Por falta de especificação dos fundamentos que justifiquem a decisão:

1- O Ac. recorrido é omisso quanto à explicitação da prova testemunhal que confirme a factualidade a que alude os pontos T) e U) da matéria de facto provada, devendo, por isso, passar para os não provados.

2-Ou devem passar para os factos não provados por violação do ónus da prova, pois os recorridos não fizeram prova de que viveram em casa arrendada, ou de que pagaram rendas.

3-Ficaram por indicar as circunstâncias [leia-se factos!] que, em homenagem ao princípio da equidade previsto no arts. 8.º, n.º 3, do Código Civil, e no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, determinaram a condenação da autora no diferencial entre o valor de obra em falta à data da resolução do contrato, e o preço que os RR tiveram de pagar ao novo empreiteiro para finalizar a mesma, o que consubstancia a falta de fundamentação de facto que justifica a decisão. E inexiste matéria que justifique a condenação da recorrente nos termos expostos.

C-Condenação em objeto diverso do pedido:

1-Violação das alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que a Relação condena em objeto diverso do pedido, o que se invoca para todos os efeitos legais. Os dizeres riscados no contrato “1ª Prestação: LEVANTAMENTO DO ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO E INICIO DE OBRAS: 5.000,00€ (Cinco Mil Euros) 2ª Prestação e Seguintes:”, não foram alegados/invocados nem por recorrente, nem pelos recorridos.

2- Manifesta violação do princípio da livre apreciação da prova.

-A decisão que condenou a recorrente a pagar o custo da eliminação de patologias a que alude o ponto HH) da matéria de facto provada, para além de não ter resultado demonstrada por meio de prova bastante, extrapola largamente os poderes de cognição do Tribunal, não resulta da instrução da causa, nem sobre ela foi exercido o contraditório e constituiu uma decisão surpresa, pelo que é nula por inobservância do princípio do contraditório. Extravasou os poderes de cognição, porquanto conheceu questões de que não podia tomar conhecimento, ou se assim não se entender, porquanto condenou em objeto diverso do pedido.

-Que a decisão da Relação deve ser anulada e substituída por outra que julgue provada a matéria a que alude o ponto 1 e a segunda parte do ponto 11 da matéria de facto não provada, que, em face dos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja autenticidade não foi impugnada, da prova documental e por confissão supra referidas, viola flagrantemente as regras da experiência comum, pelo que deve ser alterada para MATÉRIA DE FACTO PROVADA.

-Ou ampliada a matéria de facto provada com o aditamento do seguinte ponto: II)- O “contrato de construção” foi celebrado pelo preço total de 159.642,32 Euros [sendo que todas as referências a quantitativos monetários da presente peça processual têm valor de IVA incluído] visto que, durante a execução da obra, os réus optaram pela execução a que correspondem cumulativamente as opções a) e c) do plano de pagamento anexo ao referido contrato.

D- Matéria de direito:

1- Relacionada com a alegada resolução do contrato

- O Ac. da Relação violou o preceituado no art.º 227º, 562º a 564º do CC, em conjugação com os arts. 8.º, n.º 3, do Código Civil, e no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, em matéria de consequências da resolução do contrato e de calculo dos valores das indemnizações a pagar.

- Os factos provados não justificam que se determine a condenação da recorrente no diferencial entre o valor de obra em falta à data da resolução do contrato, e o preço que os recorridos tiveram de pagar ao novo empreiteiro para finalizar a mesma.

- Motivando a decisão unicamente na resolução do contrato, o acórdão recorrido viola o preceituado nos art.º 227º, n.º 1, 562 a 564º do CC e o princípio constitucional da igualdade relativa, previsto no art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil, e no art.º 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

- O acórdão recorrido violou o preceituado no n.º 3 do art.º 3º e 798º, 799º, 801º, n.º 2 e 808º todos do CC, porque não demonstraram os recorridos o preenchimento dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil, motivo pelo qual, nunca poderiam ser condenados a esse título.

- O acórdão recorrido não apreciou a resolução do contrato operada pela recorrente (mas logo acrescenta que “Na verdade, atentos os factos em presença, concluiu o Tribunal da Relação ter a recorrente operado uma resolução infundada, injustificada e por isso ilícita, e que, por conseguinte, não teve a virtualidade de por termo ao contrato de construção”).

E- Erro material:

- O valor da empreitada já paga [por referência ao valor de 107.905,53€] é de 30.672,98€ [e não 32.905,43€] e o valor em falta, se a obra tivesse sido concluída pela recorrente, era de 32.905.53€ [e não de 35.399,41€].


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Do exposto resulta uma amalgama de questões e razões invocadas pela recorrente tornando de difícil perceção a pretensão recursória da recorrente. Concordamos com o referido pelo Tribunal recorrido no acórdão em que apreciou as nulidades invocadas, nos termos do nº 1, do art. 617º, do CPC: trata-se de “invocação de uma espiral de nulidades sobre nulidades, mormente do acórdão deste tribunal que apreciou ( indeferindo-as) as nulidades já invocadas da sentença proferida pelo tribunal a quo (!) quando o que claramente está, e sempre esteve em causa, é a sua discordância relativamente à matéria de facto que foi dada como provada e não provada na decisão e o juízo probatório em que assentou”. E “o que a recorrente pretende através da dita arguição (nulidade), na qual se enreda, novamente, numa alegação confusa e prolixa é, mais uma vez, a impugnação da matéria de facto provada e não provada, de modo a obter vencimento a tese que defende, quanto aos termos do contrato celebrado e respectivo valor acordado”.

Nulidades:

Verifica-se que, no essencial, as nulidades invocadas incidem sobre a matéria de facto, sendo que a recorrente confunde nulidades com erro de julgamento, ou seja, a recorrente alega a verificação de nulidades quando o que pretende é a alteração da matéria de facto por, em seu entender, se encontrar mal julgada.

Refere o art. 5º do CPC que “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” e termina referindo que, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

No caso vertente, a recorrente, questionando a matéria de facto apurada nas instâncias, não impugnou, de forma conveniente, essa mesma matéria de facto, não fez impugnação da matéria de facto como o devia fazer nos termos preceituados no art. 640º do CPC que refere o modo como a impugnação deve ser feita no recurso de apelação interposto e, tem a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”.

Em conclusão alguma do recurso de revista a recorrente indica que interpõe recurso de impugnação da matéria de facto, mas pretende que se adite aos factos provados as als. KK), MM), LL), ou que sejam retirados dos provados os factos constantes das als. T) e U), além de outros, nomeadamente os pontos 1 e 11, parte final dos não provados e, ampliação de factos ou aditamentos sem a necessária concretização e fundamentação.

Donde, como já dissemos, resulta que a recorrente mistura erro de julgamento da matéria de facto com nulidade por omissão de pronuncia, sendo que para a apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, por tribunal superior, terá a impugnação de observar os ónus impostos pelo art. 640º do CPC. Não faz, de todo, qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença (ou acórdão) um qualquer erro de julgamento (de facto e/ou de direito), sendo que, em rigor, integra igualmente um erro de julgamento a desconsideração e não apreciação pelo tribunal de recurso do mérito de impugnação de decisão relativa á matéria de facto com fundamento [errado] em incumprimento pelo apelante dos ónus plasmados no nº1, do artº 640º, do CPC.

O que a recorrente alega é erro de julgamento da matéria de facto, sem observação dos ónus que lhe eram legalmente impostos, o que impede este Tribunal de apreciar se houve erro na apreciação das provas, dentro dos estreitos limites estabelecidos no nº 3 do art. 674º, do CPC.

Constitui um erro no julgamento de facto quando, na tese da recorrente, a prova obtida sobre a materialidade impugnada conduziria, no seu entendimento, à obtenção de diferentes respostas – Cfr. Ac. deste STJ de 22-02-2022, no Processo nº 3282/17.5T8STB.E2.S1.

Neste aresto se concluiu: “IV - Estes erros consubstanciados numa má e/ou errada avaliação das provas obtidas que conduzem a uma deficiente apreciação da matéria de facto, não são integráveis no vício da nulidade da sentença aludido na al. c) do n.º 1 do art. 615.º, sendo este um vício de forma e não uma iniquidade da decisão de facto a se, cujo julgamento está arredado do perímetro apreciativo do STJ.

V - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Se o Tribunal, perante o qual foi interposto recurso, diz que não pode apreciar, ou aprecia a questão de modo não satisfatório para quem recorre, é obvio que nunca é cometida a nulidade invocada de omissão de pronuncia, pois que, sobre a questão houve pronuncia, pronuncia no sentido de que não podia pronunciar-se ou, pronuncia em sentido não satisfatório para quem recorre.

Por outro lado, entre a fundamentação da sentença e a decisão não pode haver contradição lógica, isto é, a fundamentação fáctico-jurídica tem de ser coerente, não se poderá partir de uma premissa e concluir pelo seu contrário, cfr Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto in Código De Processo Civil Anotado, Volume II, 670.

Esta situação é diversa daquela que poderá resultar do erro na subsunção jurídica, ou do erro na interpretação, que conduzem ao erro de julgamento, que é o que a recorrente alega, porque, da alegação da recorrente resulta que a prova obtida nos autos em relação à matéria que impugna, porque em seu entender deveria passar dos factos provados para os não provados ou ao contrário, isto é, conduziria, no seu entendimento, à obtenção de diferentes respostas.

Ora, estes erros consubstanciados numa má e/ou errada avaliação das provas obtidas que conduzem a uma deficiente apreciação da matéria de facto, não são integráveis no vício da nulidade da sentença aludido na alínea c) do nº1 do artigo 615º, sendo este um vício de forma e não uma iniquidade da decisão de facto a se, cujo julgamento está arredado ao Supremo Tribunal de Justiça.

O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas Instâncias, nº1 do art. 674º do CPC, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Supremo Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro ou pretenso erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº 3 do artigo 674º do CPC, ou seja, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova. Neste sentido é uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência.

O recurso de revista, no que respeita à decisão da matéria de facto, só pode ter por objeto, em termos genéricos situações excecionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; ou ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no art. 782º, nº 3 do CPC.

E resulta do disposto no art. 607º do CPC que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, vigorando o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, ressalvando-se as situações em que a lei exige formalidade especial, caso em que essa formalidade não pode ser dispensada.

O princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, enquanto o princípio da prova legal impõe ao julgador, na apreciação das provas, as regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a força probatória. E os poderes corretivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram ou não, no caso concreto, violados.

Só nos casos de imposição de prova legal, situações vulgarmente denominadas de “prova taxada”, designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, nomeadamente arts. 358º, 364º e 393º, do Cód. Civil é que as provas deixam de ser valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

Daí que, e como refere o acórdão do STJ de 22-02-2022, no Processo nº 3282/17.5T8STB.E2.S1, “a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso de revista.”

No caso concreto:

Pretendendo a recorrente que integrasse a matéria de facto o ter realizado obras na cave ou, o teor do caderno de encargos e dos projetos de execução, bem como o plano de pagamentos em anexo ao contrato de construção, por entender que eram suscetíveis de ter relevância jurídica, deveria impugnar a matéria de facto, nos termos impostos no art. 640º, do CPC, que impõe ónus a quem recorre, nomeadamente a indicação dos concretos meios probatórios que importam a alteração da matéria de facto.

Porém, no recurso de revista não indica a recorrente onde impugnava a matéria de facto no recurso de apelação, que entendia ter sido feita prova e que, no seu entender, o Tribunal recorrido se tinha “esquecido” de apreciar.

Relativamente aos pontos T) e U) da matéria de facto provada, também a recorrente não impugna nos termos do disposto no art. 640º do CPC, indicando que nenhuma prova foi feita nos autos em relação a essa matéria.

E o Tribunal recorrido pronuncia-se sobre a manutenção do conteúdo destes dois pontos, nos seguintes termos: “Compulsados os autos, verifica-se que a fls. 60 a 61, os RR. juntaram um contrato de arrendamento habitacional de uma fracção, aí identificada, mediante o qual foi concedido a estes o gozo temporário da mesma para sua habitação (cláusula 2ª) mediante o pagamento da renda mensal aí fixada (cl. 4ª), pelo prazo de dois anos (cl.ª 3ª), tendo início em 2015 e sendo sucessivamente renovável. A fls. 62 a 63 dos autos, foram juntos recibos e facturas de rendas respeitantes a meses de 2017/2018/2020 (recibos abril/maio).

Acresce que dos pedidos de apoio judiciários formulados na acção pelos réus, com requerimentos juntos a fls. 64 e segs., era essa a morada indicada pelos RR. em julho de 2020. Extraindo-se, outrossim, da audição do depoimento da testemunha EE, arquitecta, (acta de 4.05.2021) que os RR. viviam em casa arrendada.

É inquestionável estarmos perante documentos particulares. Ora, nos termos do artº 374º, nº1, do Código Civil, a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.

Da leitura da contestação, verifica-se que os RR. não procedem à impugnação da genuinidade de documento, nos termos e para os efeitos do art. 444º do CPC, mas sim à impugnação do valor probatório de tais documentos e seu conteúdo (arts. 161º e 176º da réplica) no sentido de que como alega na réplica, não provarem os documentos juntos o efectivo pagamento das rendas.

Ora, os documentos particulares que tenham sido impugnados deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no art. 376º do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo tribunal.

De facto, ao contrário do que a Apelante parece querer defender, era lícito ao julgador valorar, no caso, livremente (artigo 366º), os documentos em questão, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente a testemunhal, sem qualquer hierarquização, decidindo segundo a sua prudente convicção (artigo 607º, n.5, do Código de Processo Civil).

Acresce, que, junto o contrato de arrendamento e mantendo-se ele pelo menos até julho de 2020 (doc. a fls. 64 e segs), é pressuposto, segundo as regras da experiência comum, o respectivo pagamento das rendas respectivas algumas das quais mostram respaldo no teor dos documentos juntos (vide fls.62).

Pelo que, não se vislumbra fundamento para infirmar a valoração efectuada pelo tribunal a quo, o que leva à improcedência da alteração requerida.

A recorrente não impugnou estes factos nos termos processualmente admissíveis, ou seja, como preceitua o art. 640º, do CPC, não indicando qual a prova carreada aos autos e que pudesse contrariar aquela em que o tribunal recorrido se baseou.

Os recorridos fizeram prova de que viveram em casa arrendada e de que pagaram rendas, sendo convincente (no âmbito da liberdade de apreciação da prova) para as instâncias a existência de contrato de arrendamento, não impugnado.

Face ao exposto temos que, eventualmente, pode ter ocorrido erro de julgamento, mas não as alegadas nulidades.


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Erro material:

Alega a recorrente a verificação de erro de calculo porque, o valor da empreitada já paga [por referência ao valor de 107.905,53€] é de 30.672,98€ [e não 32.905,43€] e o valor em falta, se a obra tivesse sido concluída pela recorrente, era de 32.905.53€ [e não de 35.399,41€].

Ou seja, alega que os réus em contraprestação dos serviços prestados pela autora, pagaram menos que o indicado no acórdão recorrido como se verifica de fls. 95 deste aresto.

Consta do acórdão: “De facto, e se atentarmos a que o preço acordado entre a A. e os RR. para a execução da moradia era de 143.304,84€ (IVA incluído); tendo sido executada pela autora a obra correspondente a 73,74%, que nos termos acima apreciados corresponde a um valor de 107.905,53€ (os 75.000€ já pagos e os 32.905,43€ que falta pagar nos termos acima referidos), verifica-se que o valor em falta, se a obra tivesse sido concluída pela autora, era de 35.399,41€.”

Abstraindo do alegado pela recorrente e da fundamentação do acórdão recorrido, temos que:

Resulta dos factos provados que:

O valor da empreitada era de 116.508,00€ a que acresce IVA de 26796,84€, sendo o valor total de 143304,84 €.

A autora efetuou 73,74% da obra.

A autora fez trabalhos a mais no montante de 1815,00€, acrescido de IVA, o que monta a 2.232,45€.

Os réus pagaram 75000€.

Fazendo as contas faltaria pagar por conta da obra feita pela autora, 105 672,99 - 75000 = 30672,99€, quantia a que haverá que juntar a importância dos trabalhos a mais, no montante de 2.232,45€. O que soma 32905,44€.

Pelo que não se verifica qualquer erro de calculo, dado que consta do dispositivo do acórdão recorrido que: “Condena-se os RR. a pagar à A. a quantia de 32.905,43€ (com IVA já incluído), acrescida de juros de mora, à taxa devida para os juros comerciais, até integral pagamento, a contar da citação;

E para já, não tem qualquer relevância apurar as contas, ficcionando que a autora tinha terminado a obra. No entanto era só fazer uma operação aritmética.


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Resolução do contrato:

As relações contratuais estabelecidas entre contraentes produzem efeitos na esfera jurídica de cada um. E a melhor maneira de se produzirem esses efeitos é através do cumprimento das obrigações que cada um assume.

Por isso que os contraentes, quer na fase preliminar quer na vigência do contrato, devem agir de boa-fé.

 Princípio basilar das relações contratuais é o da estabilidade e, por isso, a lei determina que o contrato deve ser pontualmente cumprido, art. 406º do Cód. Civil, sendo que o devedor só cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou, art. 762º, do mesmo diploma.

Mas situações podem ocorrer que comprometam essa estabilidade contratual e, por isso, a lei prevê a possibilidade de colocar um termo à relação contratual, quando tal ocorre.

Normalmente tal desvinculação resulta de ato unilateral do contraente que se sente lesado porque a contraparte não cumpriu, podendo até ocorrer a impossibilidade de cumprimento, como prefigura o art. 801º, do Cód. Civil.

Com a resolução do contrato pretende-se a extinção de todos os efeitos que esse contrato pretendia produzir e, a restituição do que foi prestado, resultante do efeito retroativo da resolução. Mas tendo em conta a natureza dos contratos, nomeadamente os de execução continuada em que, por regra, a resolução não abrange as prestações já efetuadas.

Desde há muito que se abandonou a tese de que a resolução contratual só seria um direito suscetível de ser exercido, se existisse um fundamento que o justificasse.

E em regra é o que acontece. Normalmente a resolução do contrato ocorre quando uma das partes não cumpre a prestação a que se vinculou, total ou parcialmente, ou seja, a resolução do contrato dá ao contraente cumpridor (adimplente) a faculdade de reagir contra o contraente incumpridor (inadimplente).

O art. 436º, nº 1 do Cód. Civil preceitua que “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte”, donde alguma doutrina parte para defender que pode desencadear-se o procedimento atinente à resolução do contrato, mesmo sem causa, bastando a vontade do contraente que formula a declaração de resolução. É o entendimento de Menezes Cordeiro in “Da Resolução do Contrato” in https://portal. oa.pt, onde refere que, “ao permitir, no seu art. 436º/1, a resolução por simples declaração à contraparte, o Código dá uma mensagem normativa que não pode ser passada em claro”, acrescentando que, “nestas condições, em nome da uma interpretação integrada do ordenamento, devemos considerar a resolução formalmente declarada como eficaz” e que, “se a resolução for indevida, há consequências que transcendem a cessação do contrato”, competindo à parte interessada alegar e demonstrar a ilicitude da resolução.

No entanto, a tese defensora da necessidade de justificação ou fundamento, para ocorrer a declaração de resolução, ainda é maioritária, quer na doutrina quer na jurisprudência.

Temos como correta a tese de que o art. 436º, nº 1, do Cód. Civil se reporta não ao direito de resolução em si, mas à forma como, existindo o direito de resolução, este pode ser exercido.

Referem Adriano Squilacce e Alexandre Mota Pinto in “A Resolução Ilícita: Uma Contradição Nos Termos?” in Foro de Actualidad – Actualidad Juridica Uría Menendez / 28-2011 que, “a forma de exercício de um direito não pode ser confundida com a sua eventual (in)existência” e que, “se assim não fosse, estaria aberta a porta para o declarante da resolução ilícita impor à contraparte o terminus do contrato, sem que esta tivesse incorrido em qualquer comportamento passível de censura”.

Sem descurar, como acima referido, a relevância que o Cód. Civil concede, em matéria de contratos, ao princípio da boa-fé e, referindo igualmente que é basilar nas relações contratuais a estabilidade e que, por isso, a lei determina que o contrato deve ser pontualmente cumprido, art. 406º do Cód. Civil, que no seu nº 1 estipula, “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”, temos que a declaração resolutiva à outra parte se encontra dependente da existência do direito de resolução. Por isso, o art. 801º, nº 2 do Cód. Civil refere que, num contrato bilateral, o credor pode resolver o contrato, porque há um devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, como refere o art. 798º, do Cód. Civil.

No caso concreto resulta dos factos provados:

- Autora e réus acordaram que o preço deveria ser pago no prazo de 3 dias após a conclusão de cada fase correspondente ou libertação da tranche de dinheiro por parte da entidade bancária.

- No dia 03 de março de 2020, e antes de terminada a obra, por carta registada com aviso de receção, a autora resolveu o “contrato de construção” celebrado com os réus, com fundamento em justa causa e com efeitos imediatos.

- Até ao dia 1 de março de 2020, a autora executou o correspondente a 73,94% da obra contratada pelos réus.

- Os réus pagaram à autora o quantitativo global de 75.000,00 euros.

- Aquando da comunicação de resolução do contrato, a autora remeteu aos réus, que não devolveram, as seguintes faturas: a) FT 2020A/7, de 28/02/2020, no valor de 49 295,47 Euros, referente à execução da obra contratada, realizada e não paga até final de março de 2019; b) FT 2020A/9, de 28/02/2020, no valor de 13 165,69 Euros, referente aos trabalhos a mais solicitados pelos réus; c) FT 2020A/10, de 28/02/2020, no valor de 1845,00 Euros, referente à execução da obra contratada, realizada e não paga até à suspensão dos trabalhos/resolução do contrato.

- As faturas têm vencimento imediato.

- Os pagamentos feitos pelos RR. à A. efetuados numa fase inicial em 18 de Dezembro de 2017, em duas transferências de 22.500,00 euros cada, num total de 45.000,00, e em 20 de Março de 2019, novamente em duas transferências de 15.000,00 cada, num total de 30.000,00.

- Os RR. no dia 3 de Fevereiro de 2020, através do seu mandatário constituído, procederam via email à interpelação admonitória da Autora, notificando-a que deveria concluir a obra no prazo de 80 dias, findo o qual, sem novo aviso ou interpelação, ficaria o contrato de empreitada resolvido por incumprimento definitivo a ela exclusivamente imputável.

- No dia 4 de Fevereiro, a Autora procedeu ao envio de carta registada com aviso de receção, solicitando o pagamento de trabalhos realizados até 01 de Março de 2019, no montante de 27.719,71 €.

- A A. comprometeu-se a edificar a habitação unifamiliar num prazo máximo previsto de 12 meses.

- No final de 2019 a A. não realizava trabalhos na obra há mais de 6 meses.

- Em 07 de dezembro de 2017 foi realizada vistoria da qual resultou que, àquela data, a taxa de execução de obra era de 47%.

- Em 01 de março de 2019, a taxa de execução da obra era de 73,74%.

(resulta haver uma discrepância entre os factos da al. G) e da al. Z), relativos à execução feita de 0,20%, mas não contradição porque a al. G) respeita à data de 1 de março de 2020 e a al. Z) respeita à data de 01 de março de 2019)

Destes factos resulta que em 1 de março de 2020, a autora tinha executados trabalhos correspondentes a 73,94% da obra contratada pelos réus, que correspondia em dinheiro ao valor de 105672.99€, relativamente ao custo total acordado.

E os réus tinham efetuado o pagamento total de 75000,00€ até 20 de março de 2019 (data do último pagamento) tendo pago anteriormente 45000,00€, em 18-12-2017.

Havendo uma diferença entre o valor da obra feita e o valor pago, de 30959,60€.

Esta quantia era significativa em termos de constituir fundamento para a autora enviar carta aos réus contendo declaração unilateral de resolução do contrato por incumprimento dos réus?

Ou, porque a autora se comprometeu a edificar a habitação unifamiliar num prazo máximo de 12 meses, tendo a obra sido iniciada em setembro de 2017, eram os réus quem tinha fundamento para a resolução do contrato?

É certo que todos estão de acordo quanto à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, contrato de empreitada, com definição no art. 1207º do CC “a empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

A autora comprometeu-se a efetuar a construção de uma moradia aos réus e, estes comprometeram-se a pagar o preço acordado.

O acórdão recorrido apreciou a questão “Da resolução do contrato de empreitada e sua licitude; consequências da mesma”, referindo:

“A primeira questão suscitada pela apelante reconduz-se aos efeitos da declaração de resolução do contrato por uma das partes, no caso, aos efeitos da resolução do contrato por si operada mediante comunicação aos RR no dia 03 de março de 2020, por carta registada com aviso de receção, com fundamento em justa causa e efeitos imediatos nos termos aí descritos.

De acordo com o disposto no art. 406º do CC, o contrato deve ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.

(…)

Compulsada a referida factualidade julgamos clara a constatação da improcedência da alegação da apelante quanto à validade da resolução do contrato por si operada.

Importa referir que estamos perante um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes: por um lado, a obrigação de realizar uma obra, por outro e em contrapartida, a obrigação de pagar o preço respectivo.

Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual, no contrato de empreitada – tradução do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – art. 1208º, do C.C.- e para o dono de obra a obrigação de pagar o preço contratualmente fixado, o qual, senão houver cláusula em contrário, é devido com a aceitação da obra – art. 1211º,n.º 2, do C.C.

A execução da obra tem de observar as regras ou condições convencionadas entre as partes interessadas (dono da obra e empreiteiro), mas em um contexto geral de boa fé, lealdade e segundo as regras cabidas na “arte” em causa (arts. 1208º e 762º/n.º 2 C.C.).

Resulta claro da factualidade apurada que à data em que a apelante/empreiteira interpela os RR, donos de obra, para efectuarem o pagamento do que alegava estar em falta sob pena de suspensão dos trabalhos (carta registada de 3 de fevereiro) a autora/empreiteira estava em incumprimento dos seus deveres quanto ao prazo de execução da obra, contratualmente fixado em 12 meses, ainda que considerando a data assumida pelos réus(artigo 128º da réplica) de setembro de 2017, como data de início dos trabalhos, sendo certo que no final de 2019 a A. não realizava trabalhos na obra há mais de 6 meses (facto O) que a autora nem sequer impugnou).

E, considerando o seu teor, o que estava em causa nesta notificação feita pela autora aos réus era a invocação da excepção de não cumprimento do contrato (exceptio nom adimpleti contractus) por parte da autora empreiteira (“sob pena de suspensão dos trabalhos”) a que alude o disposto no artigo 428º do C.C., que, para além de não ter eficácia extintiva do contrato- já que a mesma pressupõe um contrato em vigor e visa compelir a contraparte a cumprir a sua prestação-, não se pode ter por legitimada face ao incumprimento/mora na execução do seu próprio dever de realizar a obra no prazo acordado (com a não realização de trabalhos em obra desde há vários meses) e sem que se mostre provado, como se explana na decisão e com a qual concordamos, que os RR. tenham desrespeitado o acordado quanto aos pagamentos a efectuar à autora.

De facto, o que resulta ou origina a exceptio é a possibilidade de recusa da prestação por uma das partes enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório, o de realização da prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação. E sendo também preciso que as obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra, não logrou a autora a prova desse sinalagma, e desde logo que os RR. estivessem em incumprimento quanto aos montantes que lhe cabia efectuar do pagamento da obra no momento em que aquela é invocada.

Na verdade, da factualidade provada resulta que os RR. se comprometeram a que o preço deveria ser pago no prazo de 3 dias após a conclusão de cada fase correspondente ou libertação da tranche de dinheiro por parte da entidade bancária (al. E) dos factos), mas em momento algum se define qual a fase a que corresponderia cada prestação do preço e qual a percentagem do preço relativamente a cada uma delas ou sequer como se salienta na decisão recorrida, que o valor libertado pelo Banco deve coincidir com o valor a entregar à A., sendo certo que nas duas vezes que o Banco libertou tranches aos RR., estes efectuaram pagamentos à A., tendo já pago 75.000,00 do valor final acordado. Acresce, que também não resulta da factualidade provada (e também não alegada) qualquer acordo quanto ao momento temporal em que deveria ser pedida a vistoria ao banco, qual a fase da obra em que tal se impunha ou sequer o número de vistorias a realizar até ao final da obra, sendo certo que elucidam os factos que a última vistoria realizada apontava uma percentagem de execução da obra de 73,74% em 1 março de 2019- tendo nesse mês sido efectuado por parte dos RR. o pagamento de 30.000,00€- sem que a mesma se alterasse significativamente até março de 2020 (em 1.3.2020 era de 73,94%)!!

A interpelação admonitória (Como se salienta no Ac. do STJ de 6.09.2016, processo 6514/12.2TCLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt «Aquela interpelação desdobra-se, analiticamente, em três elementos: a intimação para o cumprimento; a fixação de um terminus ad quem peremptório para esse cumprimento; a cominação – declaração admonitória – de que a obrigação se considera definitivamente não cumprida se a realização da prestação devida se não verificar dentro do prazo assinado.»), com fixação de um prazo peremptório para o cumprimento, consubstanciada na intimação formal dirigida ao devedor incurso em mora, para que cumpra, dentro do prazo assinado, sob pena de se considerar definitivo o seu não cumprimento é apenas aquela que surge em notificação efectuada pelos réus (donos de obra) à autora, nesse mesmo dia de 3 de fevereiro de 2020 e na qual intimam a autora para concluir a obra fixando-lhe um prazo de 80 dias para o efeito, com a cominação de que não o cumprindo nesse prazo a obrigação, se considerava definitivamente como não cumprida e o contrato resolvido.

Ora, é no decurso do prazo concedido por esta interpelação que a autora vem, por seu turno, notificar os RR. através de uma interpelação admonitória enviada em 11.02.2020, para pagamento do preço que invoca estar em dívida – 49.295,47€-, para o qual concedem aos RR o prazo de 5 dias, sob pena de se ter a obrigação destes como definitivamente não cumprida.

(…)

E, na sequência daquela interpelação feita pela A., por carta enviada aos RR em 3 de março de 2020, veio aquela a resolver o contrato de empreitada, conforme doc. 6 junto à PI.

(…)

Aliás, das percentagens de execução da obra facilmente se percebe que desde o pagamento efectuado pelos RR. à autora em Março de 2019 e até à resolução do contrato, cerca de um ano depois, a obra praticamente esteve parada (em 1 março de 2019 a taxa de execução era de 73,74% e em 1de março de 2020 73,94%).

(…)

Assiste por isso aos RR. o direito de verem o aludido contrato resolvido e de exigirem a restituição por inteiro da sua contraprestação (na medida do possível) e de serem indemnizados, ao abrigo do artº 801° n°2 do Cód. Civil.

(…)

Ora, como já acima referido, quando as partes colocam ao tribunal determinada questão e se socorrem, para o efeito, de várias razões ou fundamentos, o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. In casu, a decisão é clara no afastamento do abuso de direito invocado, pelo que resta votada ao insucesso a arguição efectuada.

Desta fundamentação resulta ter entendido o Tribunal recorrido haver fundamento para a resolução do contrato por parte dos réus, mas não por parte da autora.

No entanto, entendemos que da matéria de facto provada resulta haver fundamento para a resolução do contrato quer por parte da autora quer por parte dos réus.

É certo que a autora tinha prazo para a efetivação da obra e não o cumpriu e, esteve meses sem avançar com a obra, isto é, esta obra encontrava-se parada.

No entanto também não se pode exigir que a autora faça a obra e não receba a correspondente contrapartida do preço.

Em 7-07-2017 a execução da obra era de 47% e, e o primeiro pagamento pelos réus ocorreu em 18 de dezembro de 2017, no montante de 45.000,00€.

A 47% da obra correspondia o custo de 67353,27€.

Havendo um diferencial de 22353,27€ em falta é razoável que a autora vá deixando atrasar os trabalhos e tivesse parado a obra durante mais de seis meses, mas, mesmo assim, foi avançando na obra e, em 1 de março de 2019 tinha feito 73,74% da obra, correspondente a 105672,99€, face ao total de 143304,84€.

E os réus só em 20-03-2019 entregaram mais 30.000,00€, perfazendo o total de 75000,00€, continuando a autora credora de 30672,99€.

E a autora ainda avançou até 73,94% da obra.

E não se pode entender que os pagamentos ficavam na disponibilidade dos réus porque do contrato constava que “Os pagamentos acordados devem ser realizados por cheque, transferência bancária e ou numerário, no prazo de 3 dias após conclusão de cada fase correspondente, ou libertação da tranche de dinheiro por parte da entidade bancária;

6.3 Ultrapassado o período de pagamento mencionado no ponto anterior, sem que haja regularização do mesmo, o segundo outorgante pode, se entender, debitar juros de mora e suspender de imediato os trabalhos em curso. (cfr. documento 2, junto com a P.I., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).”

Não ficando estipulado quais as fases da obra ou quando cada uma se concluía ou quando devia ser libertada a tranche pela entidade bancária também não pode ficar ao livre-arbítrio dos réus fazerem o pagamento.

Os réus não podem pretender obra feita sem a contrapartida do pagamento do preço, só porque não ficou definido quais as fases da obra ou quando cada uma dessas fases se concluía, porque tal atuação dos réus corresponde a um agir em abuso de direito e, sendo o abuso do direito de conhecimento oficioso, deve o mesmo ser objeto de apreciação e decisão, ainda que não haja sido invocado.

No caso, a declaração de resolução formulada pela autora aos réus, verifica-se que foi com intenção, pela autora declarante, da resolução do contrato.

Ficou provado:

- Por carta registada com aviso de receção enviada em 24 de janeiro de 2020, a autora solicitou aos réus vistoria para efeitos de pagamento de custos de construção de moradia unifamiliar.

- Por carta registada com aviso de receção enviada em 3 de fevereiro de 2020 a autora solicitou aos réus o pagamento em falta;

- Por carta registada com aviso de receção, enviada em 11 de fevereiro de 2020, a autora dirigiu aos réus interpelação admonitória para pagamento do preço devido pela execução parcial de contrato de empreitada celebrado em 12 de abril de 2017 para execução de moradia unifamiliar térrea, tipo T3.

- Por carta registada com aviso de receção enviada aos réus em 03 de março de 2020, a autora procedeu ao exercício do direito de resposta às comunicações que lhe foram dirigidas; à resolução de contrato de empreitada com justa causa e efeitos imediatos, e à interpelação para pagamento.

Temos que a autora demonstrou o processo causal que levou à resolução do contrato, pois que apesar de haver obra feita em valor bastante superior ao preço pago, os réus não pagaram qualquer quantia mais.

Num contrato bilateral sinalagmático e de execução continuada ou duradoura, tem de haver uma certa correspondência nas prestações que se vão efetuando entre cada um dos contraentes, de modo a haver alguma proporcionalidade entre o que cada um presta.

No caso verifica-se que a autora prestou serviços, estando obra feita em 73,74% do total e, o pagamento só correspondia a 52,34% da prestação total dos réus, sendo notória a desproporcionalidade pois, para equivalerem as prestações, a obra feita em 73,74% deveria corresponder idêntica percentagem no que respeita ao pagamento.

Este é o nosso entendimento, embora haja doutrina que entende que o contrato de empreitada é um contrato de execução instantânea, porque o elemento tempo não é essencial, mas sim a efetivação da obra.

E a Jurisprudência vai no sentido de considerar os contratos de prestação de serviços, como é o de empreitada, um contrato duradouro, ou contrato com “…características próximas das relações contratuais duradouras”, como considerou o Ac. deste STJ de 17-05-2018, proferido no Proc. nº 567/11.8TVLSB.L1.S2. E tem relevância nomeadamente para os efeitos previstos no nº 2 do art. 434º, do Cód. Civil porque, tendo a resolução efeitos retroativos, torna-se impossível devolver em espécie os materiais já incorporados pela empreiteira na obra executada no prédio do dono da obra.

Da matéria de facto provada resulta que a autora e os réus perderam a confiança que deve existir entre os contraentes e deve manter-se na execução do contrato que leva alguma duração (no mínimo um ano se toda a execução corresse conforme acordado).

A factualidade provada revela que houve incumprimentos de ambos os contraentes e que abalaram a confiança quer da autora, quer dos réus no cumprimento do contrato pela outra parte quanto à capacidade da autora para levar a execução da obra até ao fim, e quanto à capacidade dos réus para efetuarem o pagamento da obra feita e, ficando irremediavelmente afetada a confiança entre os contraentes, conclui-se (como eles concluíram) que se tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual, o que consubstancia justa causa resolutiva, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória exigida pelo regime do art. 808.º do CC.

Mas no caso e face aos factos provados, ambos os contraentes efetuaram essa interpelação, como consta das als. AA) a FF), em relação à autora/recorrente.

Entende-se, pois, que foi lícita a resolução do contrato pela autora.

Quem contrata, em contrato de empreitada, como dono da obra sabe que tem de pagar o preço correspetivo.

Assim que se entenda ter a autora e os réus razões de queixa quanto a incumprimento da parte contrária e, no caso, a autora tinha legitimidade para alegar o incumprimento dos réus, pois não pode acolher ao direito e proteger os réus, o quererem obra feita e adiar os pagamentos.

O Código Civil não refere, clara e expressamente, uma figura geral de resolução por incumprimento, como refere Menezes Cordeiro in “Da Resolução Do Contrato”, pág. 456, in https://portal.oa.pt/media/132086/antonio-menezes-cordeiro.pdf.

Em regra, a resolução legal só pode ser exercida por quem, tendo cumprido o contrato, pretende ver destruído o vínculo em virtude de uma quebra do sinalagma gerada pela contraparte, sendo que o art. 432º, do Cód. Civil nada refere sobre a culpa.

Mas, a autora e réus pretenderam exercer e, temos que exerceram, o direito de resolução do contrato, face à perda objetiva de interesse na manutenção do mesmo, porque houve perda mútua da confiança no cumprimento pela contraparte.

E, também se prova o incumprimento bilateral, incumpriu a autora e incumpriram os réus.

Havendo incumprimento de ambas as partes, temos que, em relação a ambas se verifica e podem exercer o direito de resolução do contrato.

Ensinava Calvão da Silva in “Sinal e Contrato Promessa” – 12ª ed. – 146/48 que, “O facto de o não cumprimento ser imputável, em igual medida, a ambas as partes, não deve precludir o direito de resolução de uma delas nos contratos com prestações correspectivas”, visto que basta verificar-se o incumprimento para surgir o direito de resolução.

E também a jurisprudência aceita o exercício do direito de resolução do contrato por incumprimento bilateral – Ac. deste STJ de 02-12-2008, no Proc. nº 08A2653.

E o Ac. deste STJ de 11-09-2012, no Proc. nº 3026/05.4TBSTS.P1.S1, que decidiu, “6. Sendo de imputar, em igual medida de censura e responsabilidade, a não celebração dos contratos prometidos a ambas as partes, devem elas ser restituídas ao statuo quo ante, não funcionando as regras do incumprimento ligadas ao mecanismo do sinal que tenha sido passado – art. 442º, nº2, do Código Civil.”

No caso, não é possível a restituição ao statuo quo ante porque, conforme disposto no nº 2 do art. 434º, do Cód. Civil, sendo as prestações continuadas, a resolução não abrange as prestações já efetuadas.

Assim, deve ter-se em conta, apenas, o fazer equivaler as prestações da autora e dos réus, ou seja, pagar o equivalente à obra realizada.

O conteúdo do princípio da proibição do tu quoque é o de que quem atua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma atuação ilícita da contraparte- Ac. deste STJ de 14-03-2019, no Proc. nº 1189/15.0T8PVZ.P1.S1.

Questiona-se se uma parte que não cumpre o contrato, e que posteriormente pretende prevalecer-se da resolução contratual, cessando o vínculo e pedindo compensação, poderá estar a incorrer em abuso na modalidade do tu quoque.

Temos que a resposta é positiva.

Considerando-se que também houve incumprimento por parte dos réus, a decisão do acórdão recorrido, ao condenar a autora a pagar aos réus/reconvintes o montante a apurar em sede de liquidação de sentença, com o limite de 15.341,31€, que resultar do diferencial entre o valor da obra em falta à data da resolução do contrato e o custo que os réus tiveram que pagar ao novo empreiteiro para finalizar a conclusão da obra, viola o princípio da proibição do tu quoque.

“A fórmula tu quoque traduz, com generalidade, o aflorar de uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído” - Menezes Cordeiro in “Boa Fé”, Vol. II, Pág. 837.

Assim, havendo incumprimento bilateral, ambas as partes podem acionar o procedimento da resolução do contrato, mas apenas com a consequência de ser restituído tudo o que houver sido prestado (no caso tendo em conta o estatuído no nº 2 do art. 434º, do Cód. Civil), ou seja, restituíção ao statuo quo ante.

Como referiu o Ac. deste STJ de 27-09-1994, no Proc. nº 084991, “A missão do julgador consiste na descoberta de uma decisão justa e justificada pela lei, segundo o direito em vigor.”

Efeitos da resolução do contrato pela autora:

Conforme art. 434º, do Cód. Civil, a resolução do contrato tem efeito retroativo e, nos casos de contrato de execução continuada a resolução não abrange as prestações já efetuadas. Assim, que os réus foram condenados a pagarem o correspondente à obra feita pela autora, pois só assim haverá “harmonia com a finalidade da resolução”, como referem P. Lima e A. Varela em anotação ao art. 434º, do seu Código Civil anotado, anotação ao art. 434º.

Para situações idênticas de efeitos de nulidade e da anulação, art. 289º, do Cód. Civil, no nº 2 se prevê que quando não possa tornar-se efetiva a restituição da prestação, restitui-se o valor correspondente.

No processo em causa está questionada a diferença entre o custo da obra acordado com a autora e o custo do acabamento da obra por terceiro estando em causa o montante de até 15.341,31€, valor que os réus “alegam terem que pagar a mais pela execução integral da obra a outro empreiteiro (diferencial entre o valor acordado e o valor já pago acrescido do valor que terá que pagar para a conclusão da obra)”.

Diz o acórdão recorrido:

“Reportando à situação dos autos, teremos que face à resolução operada, terão os RR. direito a ser indemnizados pela A., no pagamento do diferencial entre o valor de obra em falta à data da resolução do contrato, e o preço que os AA. tiveram de pagar ao novo empreiteiro para finalizar a mesma (com o limite do pedido deduzido na acção -15.341,31€ - considerando o princípio do dispositivo - 3º n.1 do CPC - e o princípio do nº 1, do art. 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido).

Na sentença não se condenou a autora em qualquer valor indemnizatório a esse título aos réus. Do que se intui, dada a falta de apreciação expressa de tal pedido na subsunção jurídica dos factos, mas apenas daquilo que ficou referido na motivação de facto, a absolvição da autora quanto ao mesmo terá resultado da circunstância de ter sido dado como não provada a factualidade inserta no ponto 5. dos factos não provados e designadamente por, como aí se refere, «o orçamento apresentado pela empresa que terminou a obra contempla trabalhos que não tinham sido adjudicados à autora, nomeadamente no exterior (por exemplo, pontos 1.3,1.4 e 1. (terá querido dizer 1.5) do item exterior, do orçamento de fls. 58), pelo que se deu como não provado que são os mesmo termos que a A. se havia comprometido e contratualizado a edificar e, consequentemente, a diferença de preços que deve ser imputada à A.»

Todavia, em nosso entender o facto de se ter dado como não provada a factualidade referida em 5. (mormente de não ter ficada apurada a exacta coincidência de todos os items do orçamento com o contrato celebrado com a autora -mormente os do exterior da moradia -o que aliás não pressupõe o facto contrário) não infirma o direito de os RR. serem indemnizados a tal título, face, desde logo, ao que resulta da contraposição das obras de conclusão da moradia a que se reporta a alínea S) dadas como provadas e cujo custo ascende a 83.646,15€ que os RR. terão que suportar e que se mostram discriminadas no orçamento junto a fls. 58 vs. e 59 dos autos, com o elenco de factos que se mostram provados nas alíneas P) a R), que nos dizem quais as obras que faltavam executar pela autora à data da cessação do contrato e que apontam de forma clara e segura, para que o custo total da obra a suportar pelos RR, seja, superior àquele que haviam acordado com a autora, considerando que a maior fatia do orçamento junto a fls. 58 vs. e 59, é respeitante às obras de estrutura casa/acabamentos e especialidades, ainda que algum desses pontos tenha nuances face ao contrato inicial, o que caberá apurar dado o empobrecimento dos réus/reconvintes (com o limite assinalado no pedido por estes formulado) no valor correspondente.

De facto, e se atentarmos a que o preço acordado entre a A. e os RR. para a execução da moradia era de 143.304,84€ (IVA incluído); tendo sido executada pela autora a obra correspondente a 73, 74%, que nos termos acima apreciados corresponde a um valor de 107.905,53€ (os 75.000€ já pagos e os 32.905,43€ que falta pagar nos termos acima referidos), verifica-se que o valor em falta, se a obra tivesse sido concluída pela autora, era de 35.399,41€. Todavia, face à resolução do contrato por incumprimento da autora, os RR. tiveram que contratar outra empresa para concluir a obra no qual despenderam mais a quantia de 83.646,15€, ou seja, em consequência do incumprimento da autora, vão gastar, à partida, mais 48.246,74€ para concluir a moradia.

Sucede, que como decorre do que é referido na decisão, o contrato celebrado com a outra empreiteira, conterá alguns items (mormente no exterior) não contidos no contrato celebrado com a autora e cujo custo não deverá ser atendido no cálculo do diferencial a efectuar, pelo que, nos termos expostos, apurado o dano, importará relegar para ulterior liquidação o apuramento do valor decorrente do cálculo do diferencial entre o valor da obra em falta à data da resolução do contrato (já determinado nos termos expostos - 35.399,41€-) e o custo que os AA. tiveram que pagar ao novo empreiteiro para finalizar a conclusão da obra, considerando apenas o valor que os RR. terão que despender pela conclusão dos trabalhos que já se mostravam contidos no contrato celebrado com a A. (e no qual não deverá ser considerada a eliminação das patologias a que alude a alínea HH) dos factos provados, em cujo valor a autora já se mostra condenada), e que haverá que apurar nos termos do disposto pelo artigo art. 609.º do CPC.

Mas o Tribunal da Relação assim decidiu face ao entendimento de que a declaração de resolução do contrato por parte da autora/empreiteira era ilícita e como se verifica desta fundamentação havia obra feita pela autora e ainda não paga, no montante de 32.905,43€, assim como se verifica do dispositivo do acórdão e condenação dos réus nesta quantia. Donde resulta que estando obra feita em 73,74%, o pagamento correspondia a 52,34% do total devido.

Sendo lícita a resolução do contrato pela autora não há lugar a indemnização por esta, aos réus, relativa ao aumento dos custos de acabamento da obra com novo empreiteiro, porque tal constituiria violação do princípio tu quoque, e por conseguinte, abusiva de direito nessa modalidade.

Não há lugar a indemnização pelo interesse contratual positivo porque os réus não eram credores lesados e a resolução do contrato foi lícita e, sendo lícita a resolução não tem de se agir como se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, sob pena de gerar-se um desequilíbrio grave na relação traduzido em benefício injustificado para os réus, ponderado à luz do princípio da boa-fé, situação em que se indemnizará apenas pelo interesse contratual negativo

Por outro lado, mesmo que a declaração de resolução do contrato pela autora desse causa a uma resolução indevida ou ilícita, temos que sobre esta questão e na matéria de facto apenas temos o constante da al. S), “S) Os RR. adjudicaram a conclusão da obra à empresa M... Unipessoal, Lda, com sede no lugar ..., ..., ..., nos termos e condições que constam de orçamento junto com a contestação/reconvenção, pelo valor de 83.646,15 euros (IVA incluído à taxa legal em vigor).”

E é necessário ter-se presente que o juízo sobre o nexo causal (ou a sua ausência) é um juízo tanto de facto como de direito.

Decidiu o AUJ nº 8/2022, in DR. 1ª S, de 3 de novembro de 2022 que:

“Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua -se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano [...], sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa -efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo n.º 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07 -7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT. P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo n.º 3379/05.4TBVCT.G1.S1). Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica. Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo n.º 409/09.4YFLSB).

Assim, considera-se que, face à matéria de facto apurada, só se pode concluir pela ausência de nexo causal entre o cumprimento defeituoso/mora da autora, se devedora fosse e os sobrecustos suportados pelos réus, à luz da teoria da causalidade adequada, que se entende comumente consagrada no nosso direito - art. 563º do Cód. Civil.

Assim, temos que o recurso há-de ser julgado procedente neste segmento e, ser a autora absolvida do pagamento aos réus/reconvintes do montante a apurar em sede de liquidação de sentença, e resultante do diferencial entre o valor da obra em falta à data da resolução do contrato e o custo que os AA. tiveram que pagar ao novo empreiteiro para finalizar a conclusão da obra, com o limite de 15.341,31€.

Terá, no entanto, de indemnizar os réus pela quantia correspondente aos defeitos na obra feita e discriminados na al. HH), dos factos provados, no montante de 4.660,00€, como resulta dos arts. 1218º e seguintes do Cód. Civil, sendo que, como se refere no dispositivo do acórdão recorrido, “(e no qual não deverá ser considerada a eliminação das patologias a que alude a alínea HH) dos factos provados, em cujo valor a autora já se mostra condenada).”

Tendo em conta o exposto, deve ser concedida parcialmente a revista.


*


Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Para a apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, por tribunal superior, terá a impugnação de observar os ónus impostos pelo art. 640º do CPC.

II- Não faz, de todo, qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença (ou acórdão) um qualquer erro de julgamento (de facto e/ou de direito), sendo que, em rigor, integra igualmente um erro de julgamento a desconsideração e não apreciação pelo tribunal de recurso do mérito de impugnação de decisão relativa á matéria de facto com fundamento [errado] em incumprimento pelo apelante dos ónus plasmados no nº1, do artº 640º, do CPC.

III- Os erros consubstanciados numa má e/ou errada avaliação das provas obtidas que conduzem a uma deficiente apreciação da matéria de facto, não são integráveis no vício da nulidade da sentença aludido na alínea c) do nº1 do artigo 615º, sendo este um vício de forma e não uma iniquidade da decisão de facto a se, cujo julgamento está arredado ao Supremo Tribunal de Justiça.

IV- Princípio basilar das relações contratuais é o da estabilidade e, por isso, a lei determina que o contrato deve ser pontualmente cumprido, art. 406º do Cód. Civil, sendo que o devedor só cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou, art. 762º, do mesmo diploma.

V- Normalmente a resolução do contrato ocorre quando uma das partes não cumpre a prestação a que se vinculou, total ou parcialmente, ou seja, a resolução do contrato dá ao contraente cumpridor (adimplente) a faculdade de reagir contra o contraente incumpridor (inadimplente).

VI- Os réus não podem pretender obra feita sem a contrapartida do pagamento do preço, só porque não ficou definido quais as fases da obra ou quando cada uma dessas fases se concluía, porque tal atuação dos réus corresponde a um agir em abuso de direito e, sendo o abuso do direito de conhecimento oficioso, deve o mesmo ser objeto de apreciação e decisão, ainda que não haja sido invocado.

VII- Num contrato bilateral sinalagmático e de execução continuada ou duradoura, tem de haver uma certa correspondência nas prestações que se vão efetuando entre cada um dos contraentes, de modo a haver alguma proporcionalidade entre o que cada um presta.

VIII- Havendo incumprimento de ambas as partes, temos que, em relação a ambas se verifica e podem exercer o direito de resolução do contrato.

IX- Uma parte que não cumpre o contrato, e que posteriormente pretende prevalecer-se da resolução contratual, cessando o vínculo e pedindo compensação, poderá estar a incorrer em abuso na modalidade do tu quoque.

X- Havendo incumprimento bilateral, ambas as partes podem acionar o procedimento da resolução do contrato, mas apenas com a consequência de ser restituído tudo o que houver sido prestado (no caso tendo em conta o estatuído no nº 2 do art. 434º, do Cód. Civil), ou seja, restituição ao statuo quo ante.


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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam no STJ e 1ª Secção em julgar parcialmente procedente a revista e, consequentemente:

1-Revoga-se o acórdão recorrido no segmento dispositivo em que condenou a autora/reconvinda a pagar aos réus/reconvintes o montante a apurar em sede de liquidação de sentença, com o limite de 15.341,31€, que resultar do diferencial entre o valor da obra em falta à data da resolução do contrato e o custo que os réus tiveram que pagar ao novo empreiteiro para finalizar a conclusão da obra, considerando apenas o valor que os réus terão que despender pela conclusão dos trabalhos que já se mostravam contidos no contrato celebrado com a autora.

2- No mais, mantem-se o acórdão recorrido

Custas da Revista pela recorrente e recorridos em partes iguais, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário pelos réus.

Lisboa, 17-01-2023


Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo- Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto