RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário


I - Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.
II - Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.
III - Provando-se que o autor marido, se não lhe fosse assegurado pelo funcionário do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco e que era garantida a liquidez do capital, os autores nunca aceitariam investir em obrigações SLN 2006, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

1-Os Autores – AA e esposa BB – instauraram (.../.../2018) na Comarca ... ação declarativa, com forma de processo comum, contra o Réu – Banco BIC PORTUGUÊS SA.

Alegaram, em resumo:

Em Abril de 2006, adquiriam ao balcão (agência de ...) do Banco Português de Negócios, BPN (atual Banco BIC) a obrigação SLN Rendimento Mais 2006 no valor de € 50.000,00, tendo-lhes sido garantido pelos funcionários do banco que o capital era garantido 100%, tudo igual a um depósito a prazo, o que motivou a subscrição, tratando-se de pessoas com perfil conservador, e só procederam à subscrição porque estavam convencidos, em face da informação, de que estava assegurado o reembolso do capital e juros, ou seja, tinha a mesma garantia de depósito a prazo.

Nunca os funcionários do banco os informaram sequer em que consistiam obrigações subordinadas, nem lhes foi entregue qualquer contrato. Em consequência da atuação do Réu sofreram preocupação e ansiedade.

Pediram a condenação do Réu:

a) A pagar aos AA. o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 57.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento;

Ou assim não se entendendo:

b) Seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 50.000,00€ que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006;

c) Seja declarado ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;

d) Se condene o R. a restituir aos AA. 57.000,00€ que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento;

E, sempre,

e) Seja o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de €3.000,00, a título de dano não patrimonial.

2-O Réu contestou defendendo-se com a exceção da prescrição e por impugnação.

3- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar procedente a ação e condenar o Réu a restituir aos Autores a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) de capital acrescido dos juros contratuais vencidos desde 7/5/2015 até à data em que deveria ter ocorrido a restituição do capital contratualmente, bem como no pagamento dos juros vincendos sobre aquele capital, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento e a pagar aos autores a quantia de € 3000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

4- Inconformado, o Banco recorreu de apelação, que mereceu a seguinte deliberação do Tribunal da Relação:

Pelo exposto, decidem:

1)- Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença.

2)- Condenar o Apelante nas custas”.


*


5-Continuando inconformado, agora com o decidido pela Relação, o réu interpõe recurso de Revista para este STJ e formula as seguintes conclusões:

(As conclusões 1 a 8 respeitam à admissibilidade do recurso de revista excecional)

“9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

22) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

23) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

24) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

25) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

26) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

27)São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

28) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

29) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

30) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

31) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

32) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

33) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

34) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

35) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido”.

6-Foram apresentadas contra-alegações pelos autores, nas quais concluem:

(As conclusões 1 a 15 respeitam à inadmissibilidade do recurso de revista excecional)

“B) Do recurso da matéria de direito:

i. Da responsabilidade civil do Banco Réu:

16- A aplicação do direito aos factos, efetuada na douta sentença recorrida é intocável, não merecendo qualquer reparo, a qual corroboramos na íntegra.

17- O BPN, na sua relação com os Autores, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN, apesar de estes não o saberem.

18- Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

19- Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289º, nº1, al. a) e 290º, nº1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários) encontrava-se vinculado às normas que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros (cf. arts. 304º a 342º, do CVM).

20- O CVM (desde a sua redação originária conferida pelo DL 486/99, de 13.11), aplicável ao caso dos autos, continha (e contém) várias normas de proteção ao investidor, impondo ao intermediário financeiro uma multiplicidade de deveres visando permitir ao cliente formar um juízo esclarecido acerca da adequação do investimento.

21- Se o dever de informação era menos densificado na versão inicial do Código, isso não pode significar que nesse tempo não houvesse dever de informação, desde logo porque, mesmo na falta de previsão específica, se haveria de ponderar o dever civil de boa-fé nas negociações do contrato.

22- Também não podemos aceitar que na versão posterior se densificaram os deveres de informação e que isso significa que o artigo 7º e o artigo 312º foram remetidos a índice, não tendo autonomia própria nem servindo de outra coisa senão dum índice, dos deveres esses sim definidos na densificação, não o podemos aceitar enquanto daí se pretende retirar a consequência que o primitivo preceito nenhum valor vinculativo tinha.

23- A obrigação de informação está inscrita no artigo 312º do CVM e, o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

24- Sendo certo que, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação, contrariando assim de modo evidente, a decisão do pleito.

25- E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, conforme ressalta do guião diretivo imposto pelo artigo 7º do CVM.

26- De acordo com a disciplina consagrada no artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e nesse relacionamento devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

27- A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.

28- Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o art.º 314º do CVM, apresenta-se desde logo como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo art.º 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, e presume-se nos termos do artigo 799º do CC.

29- O Banco Réu tem um dever de diligência ativa, no sentido de se inteirar, atenta a experiência e conhecimentos do cliente, da razoabilidade e adequação da aplicação financeira.

30- Ora, do acervo dos factos dados como provado, resulta que, o A. marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, e ainda que tinha um perfil conservador, ou seja, estava habituado a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo, pelo que não tinha experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários.

31- Assim sendo, no caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, como é o caso dos autos, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente, em termos de informação.

32- Sendo certo que, essa informação deve cobrir os aspetos técnicos necessários, de forma clara e apreensível pelo cliente em causa, para produzir o efeito útil a que se destina.

33- Não obstante, o gerente do Banco Réu desconsiderando o perfil do A. marido, ainda assim, aconselhou-o, a investir e aplicar as suas poupanças em Obrigações SLN 2006, informando-o [erroneamente] e assegurando que a aplicação em causa era equivalente a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

34- Daí que, e em face das referidas informações [inexatas], tenha o A. marido, prima facie confiante, dado autorização para aplicação de fundos seus no valor de 50.000,00€ numa obrigação SLN 2006, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

35- É que, e em rigor, não sabendo sequer os Autores em concreto o que era a SLN, acabaram por seguir a sugestão do gerente do Banco, subscrevendo as obrigações SLN 2006, e aceitando como boa a informação do referido gerente no sentido de que o risco era mínimo, tratando-se de produto idêntico a um depósito a prazo.

36- Portanto, a informação prestada no sentido de que era uma aplicação equivalente a um depósito a prazo quando em verdade não o era, assume tanto maior gravidade quanto se sabe que o funcionário em causa sabia que os Autores não fariam aplicações que não tivessem capital garantido e que não pudessem ser resgatadas em qualquer altura – ou seja, no sentido de que a informação prestada foi afinal determinante da vontade contratual dos Autores.

37- Sendo certo que, esta referenciação ao DP não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido, e sobretudo, reconhecido pela sua segurança, sobre ele recaindo invariavelmente conforme o réu sabia, a preferência dos Autores.

38- Repare-se que, os depósitos a prazo, desde há muitos anos e pelo menos até ao início da crise de 2006, constituíram reduto de investimento de clientes não propensos ao risco ou iletrados, pelo que o depósito a prazo, o seu regime, a sua solidez são a pedra de toque da segurança e da ausência de risco: por isso, a apelativa comparação feita pelo Réu.

39- Acresce que, o facto de ter sido dito ao A. marido que o capital estava garantido pelo BPN (informação inverdadeira), veio dar ainda mais confiança e segurança para aplicar o seu dinheiro, pois o BPN é uma entidade bancária de todos conhecida no mercado financeiro e com credibilidade, na qual o A. marido confiavam plenamente.

40- Portanto, os Autores estavam convictos de estar a contratar com o Banco e a subscrever produto desse mesmo Banco.

41- Pelo que, a saliência exagerada da comparação a um depósito a prazo (quanto ao risco de investimento), e a garantia do capital pelo próprio BPN, ofuscou tudo o resto, não tendo os Autores a verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas na operação em causa, o que permite imputar ao Banco Réu a violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.

42- Resulta claramente da matéria de facto provada, que a comunicação contratual efetuada não foi completa nem é integralmente verídica, estando igualmente patenteado que foram subtraídos elementos informativos que não permitiram que o cliente compreendesse os riscos essenciais envolvidos na operação financeira realizada.

43- Sendo certo que, tal só ocorreu por força das instruções recebidas das chefias e da estrutura comercial, no desenvolvimento das operações de financiamento promovidas pela SLN, de tal forma que os funcionários bancários receberam instruções no sentido de que deveriam passar «por cima» das questões relativas ao negócio obrigacionista e foram instruídos para enfatizar e evidenciar as características atrativas.

44- Em suma, e sem margem para quaisquer dúvidas, porque a factualidade assente fala por si, é inquestionável que in casu o intermediário financeiro/Banco violou o dever de informação, não elucidando convenientemente [antes prestando informação incorreta, para não dizer enganadora e ardilosa] o A. marido sobre as características do produto financeiro que lhes era proposto/sugerido.

45- Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, sempre se dirá que a declaração de que o Banco Réu é o garante da aplicação financeira, sobretudo quando os Autores nem sequer sabiam o que era a SLN, só pode ser compreendido, pelo declaratário normal, como uma efetiva garantia de pagamento e que este lhes seria restituído a 100% pelo BPN (art.236º, nº1 do CC).

46- Temos, pois, que no caso dos autos, o banco Réu assumiu perante os Autores aquando da aquisição do produto financeiro (2006), o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.

47- Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante os Autores o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.

48- Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.

49- No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e os Autores pelo princípio da boa-fé (cfr. art. 762º nº2 do C. Civil).

50- A apelante incumpriu em toda a linha o dever de informação que sobre si recaia, omitindo informação relevante e prestando informação incorreta, determinando o A. marido à subscrição de um produto que não conhecia, não tendo sido esclarecido quanto às suas características, antes lhes tendo sido descrito enganadoramente como um produto com capital garantido, como equivalente a um depósito a prazo, mas com uma remuneração mais vantajosa, pelo que o A. marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com risco exclusivamente do Banco.

51- Também não podemos olvidar, que no caso dos autos o funcionário do Banco Réu não explicou aos Autores que se tratavam de «obrigações subordinadas», e consequentemente, que a este produto financeiro está associado um risco não comum mas sim anormal (ou especial), na medida em que o investimento subjacente, em caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas seria reembolsado após a satisfação dos créditos dos demais credores por dívida não subordinada (com exceção dos acionistas), como resulta do disposto na al. c) do art.48º do CIRE (DL nº53/2004), de 18 de Março).

52- Esta informação não é inócua, antes pelo contrário, é relevante e determinante, uma vez que coloca os investidores (neste caso os Autores), numa posição bem mais desvantajosa do que os simples depósitos a prazo, mas que lhes foi claramente ocultada.

53- Por outro lado, o facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido aos Autores o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais virem a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.

54- Outrossim, ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer insolvência da sociedade emitente (risco especial), a Ré tinha a obrigação de alertar os Autores para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas em tal situação.

55- Também, não se pode esquecer o prazo de 10 anos, prazo extremamente longo, pelo que, em tão dilatado período de tempo, nunca ninguém poderia afirmar que no final o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa).

56- E, não se pode dizer que não havia exemplo de insolvências de bancos (o que não é correto, pois já havia ocorrido com a C..., no ano de 1986), quando a SLN nem sequer era o banco, mas sim uma empresa ou uma holding de empresas de vários ramos de negócio, com todos os riscos que isso envolve, designadamente de contágio entre elas.

57- A própria Nota Informativa do produto (junta com a contestação), prevê expressamente no ponto 1 “Advertência aos investidores”, decorrendo de forma irrefutável que haviam duas características cruciais a serem advertidas aos clientes: a primeira prende-se com a possibilidade de insolvência da sociedade emitente, ou seja, que a SLN só lhes restituiria o capital no final do prazo de 10 anos se chegado esse tempo futuro ela tivesse disponibilidade financeira para proceder à restituição, e a segunda, diz respeito à subordinação dessas obrigações, pois nestas condições, o reembolso do capital, só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados.

58- Em face do referido, não se pode aceitar que se diga que a advertência aos investidores relativa ao risco de insolvência não era informação exigível ao banco Réu, uma vez que à data nada fazia prever o que se veio a concretizar, isto é, a insolvência da SLN.

59- Não foi isso que entendeu a própria SLN e o Banco de Portugal, aliás, ambos entenderam diferente, daí constar da Nota Informativa como advertência a ser dada e explicada aos investidores.

60- No caso dos autos, o Banco Réu não provou ter fornecido cópia da Nota Informativa aos Autores, e muito menos provou ter-lhes dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).

61- O facto de não ter provado que entregou aos Autores qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312º-C e 312º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação.

62- Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feita em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre os Autores e o Banco Réu e nessa perspetiva o banco réu tem de assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

63- Efetivamente, tendo o Banco Réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto dos Autores, a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio, torna-se responsável pelos prejuízos causados aos Autores, nos termos do art. 314 nº1 do CVM, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº2 do citado art. 314 que impendia sobre o banco Réu.

64- Dizer-se que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC).

65- O A. marido só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que tinham uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio BPN.

66- Ou seja, o A. marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente banco.

67- O réu sabia que prestava informação errada ao A. marido – dizendo-lhe que garantia o capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida.

68- Ora, por força do art. 800º do C.C. (ou, para quem considere que em causa não está responsabilidade contratual, mas sim extracontratual, por força do art. 500º do C.C.), o BPN responde pelos atos dos seus funcionários.

69- A situação dos autos pode ser igualmente enquadrada na modalidade de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o A. marido que estava garantido o retorno do capital.

70- A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.

71- Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

72- Que não é um produto de risco.

73- Relevante é que, ao dizer que o produto era produto seguro, do próprio do banco, os Autores não foram colocados perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do BPN.

74- Por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

75- Porque o dano sofrido pelos Autores, decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação, presume-se a culpa do Banco Réu, nos termos previstos no nº 2, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.

76- Assim, a omissão de tal informação foi causal da segurança dos Autores em subscrever as Obrigações SLN 2006, fazendo que as subscrevessem, e agora sofram os Autores um dano por não lhes ser reembolsado o dinheiro.

77- O comportamento do banco réu foi decisivo e causal na produção dos danos, pois o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse (cfr. facto 11º).

78- Tanto assim é que, o A. marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo (cfr. facto 12º).

79- Sendo certo que, como resultou provado, se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria (cfr. facto 13º).

80- Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está e os danos que o Autor reclama (confrontar artigo 563.º do Código Civil).

81- Ainda, a respeito do nexo de causalidade, atente-se na recente decisão singular, datada de 02/04/2019, no processo nº 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, da relatora Maria João Vaz Tomé, que entendeu que se deve admitir uma inversão do ónus da prova de comportamento conforme à informação – causalidade preenchedora, incumbindo assim ao intermediário financeiro (devedor da informação), provar que, mesmo perante um cumprimento pontual dos deveres de informação, o investidor da informação teria tomado a mesma decisão, correndo deste modo o primeiro. E, daí que, no seu entendimento, se presume o nexo causal – preenchedor, entre o incumprimento ou deficiente cumprimento dos deveres de informar e a decisão de investimento adotada pelo investidor presunção essa que pode ser retirada do art.304º, nº2 do CVM).

82- No mais, entende ainda que, atualmente tende a prevalecer um entendimento amplo de presunção de culpa, quer daquela prevista no art.799º, nº1 do CC, que abrange também a de ilicitude e a da causalidade fundamentante, quer daquela prevista no art.304º-A, nº2, do CVM, que inclui a de ilicitude, a da causalidade fundamentante e a da causalidade preenchedora.

83- Sendo certo que, no caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pela Autora, pois como resultou provado, os Autores agiram convictos de que estavam a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e em tudo semelhante a um depósito a prazo, e com risco exclusivamente do BPN.

84- Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar os Autores pelo valor do capital investido, acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo do prazo das obrigações subscritas (arts. 805º nº 3 e 806º do C.C.).

85- Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso no que toca à impugnação da matéria de direito.

ii. Da prescrição

86- No âmbito do contrato de intermediação financeira, quanto à invocada exceção de prescrição o apelante também não tem razão.

87- Importa referir que o art.324º, nº2, do CVM, consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos (salvo dolo ou culpa grave).

88- Como resulta da matéria dada como provada, o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse (cfr. facto 11º).

89- Tanto mais que, tal com resultou provado, o A. marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo (cfr. facto 12º).

90- Tendo ainda, ficado assente que, se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria (cfr. facto 13º).

91- E, daí a convicção plena com que os AA. ficaram da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu ainda mais segurança aos AA. e nunca os alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito ao A. marido, pelo referido gerente (cfr. facto 16º).

92- O ónus da prova do decurso do prazo prescricional impende sobre o réu, ao abrigo do disposto no art. 342º nº2 do CC.

93- Assim, incumbia ao Réu provar a data a partir da qual os Autores terão tido acesso aos elementos do contrato, a qual não foi feita, pelo que não se verifica a exceção de prescrição.

94- De todo o modo, sempre se dirá que o prazo prescricional não decorreu uma vez que, atenta a matéria de facto dada como provada, é de concluir que o Banco Réu atuou com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, uma vez que o Banco recorreu a informação enganosa e ocultando informação relevante, com o intuito de obter a anuência da cliente a determinados produtos de risco que esta nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.

95- Destarte, a conduta do Banco violou de forma grave o dever de informação, ficando pois excluída da aplicação do prazo curto de prescrição previsto no art.324º nº2 do CVM, e sujeita ao prazo ordinário de 20 anos, previsto no art.309º do CC.

96- Pelo que, como doutamente decidiu o Tribunal recorrido, improcede assim, a exceção de prescrição, suscitada pelo Réu/recorrente.

97- O douto Acórdão recorrido não merece, assim, qualquer censura, pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se aquele, na íntegra.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, o presente recurso não deve ser admitido ou, quando assim não se venha a entender, deve negar-se provimento, mantendo-se o douto acórdão apelado nos seus precisos termos, com as legais consequências.


*


O recurso foi admitido como revista excecional.

Cumpre apreciar e decidir.


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Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

“Os factos provados (descritos na sentença)

1º Os AA. eram clientes do R. (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças [art1PI].

2º Em 11 de abril de 2006 o gerente do Banco Réu da agência de ... disse ao A. marido, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada [art2PI].

3º O dito funcionário do Banco Réu sabia que o A. marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente [art3PI].

4º E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo [art4PI].

5º O seu dinheiro – 50.000,00€, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que os AA. soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa [art5PI].

6º As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A. [art21contestação].

7º Sociedade   titular  de 100% do capital social do Banco-R. [art.22 contestação].

8º Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008 [art. 23 contestação].

9º Altura em que foi nacionalizada [art24contestação].

10º Sempre que solicitado endosso de tais obrigações, era uma questão de minutos até obter um comprador [art43contestação].

11º O que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse [art6PI].

12º O A. marido, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo [art7PI].

13º Se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria [art8PI].

14º Nunca foi intenção dos AA. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o A. marido sempre esteve convencido que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse [art9PI].

15º O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo [art10PI].

16º Daí a convicção plena com que os AA. ficaram da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança aos AA. e nunca os alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito ao A. marido, pelo referido gerente da agência de ... [a...].

17º E que manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos [art12PI].

18º Agora, o Banco Réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que os AA. nem sabiam existir [art13PI].

19º Os AA. não sabiam o que era a SLN [art15PI].

20º Os AA. desconheciam que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido [art17PI].

21º Nem sequer foram informados sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006 [art18PI].

22º E nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou aos AA. o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006 [art19PI].

23º O R. colheu a assinatura do A. marido, num subscrito que terá sido preenchido pelo gerente de .... Quanto à A. mulher, esta nunca subscreveu nada e desconhece todo o processo de aquisição das obrigações SLN [art22PI].

24º Nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos AA; e nem nunca conheceram os AA. qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN, não lhes tendo sido entregue documento correspondente [art23PI].

25º Tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os AA. nunca aceitariam, se acaso o Réu lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu [art26PI].

26º Vendo-se agora os AA. confrontados com a subscrição de produtos de risco, sem que o montante de capital investido se encontre garantido no prazo de maturidade, que in casu ocorreria em abril de 2016 [art29PI].

27º Os AA. sabem hoje que na data de vencimento contratada, o R. não lhes vai restituir o montante que os AA. lhe confiaram, sendo que na agência de ... lhes diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações [art30PI];

28º Também não tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até maio de 2015 [art31PI].

29º Para além disso, o Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa [art32PI].

30º Aliás, como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Réu aos seus funcionários [art33PI].

31º Um dos argumentos invocados pela CC e que os funcionários da rede de balcões do banco R. repetiam junto dos seus clientes, como o fez com o A. marido, era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros [art34PI].

32º As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido [art35PI];

33º Daqui resulta que o Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos [art36PI].

34º Com a sua atuação, o Réu colocou os AA. num estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro [art40PI];

35º E tem provocado nos AA. ansiedade e tristeza [art41PI].

36º Os AA. foram desapossados das suas economias de uma vida [art42PI].

- Os factos não provados (descritos na sentença)

Da petição inicial:

6º … bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

15º … Pensavam que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava.

17º … e nem podiam conhecer, …

40º …permanente…

41º …e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

42º Pelo que os AA. andam em permanente estado de “stress”, doentes e sem alegria de viver… e sem perspetivas de futuro;

Da contestação:

14. Os AA. conheceram desde logo que haviam subscrito obrigações SLN.

15. Desde logo, pelos extratos mensais periódicos, onde todas as suas aplicações financeiras apareciam discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza,

16. O que lhe permitia destrinçar, na pior das hipóteses, que tinham produtos financeiros diferentes de Depósitos a Prazo, por um lado,

17. E produtos consubstanciados em títulos, em valores mobiliários, por outro.

31. Acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas.

34. … para oferta da possibilidade de subscrever o produto aqui em causa, 36. Tendo igualmente explicado de que se tratava da sociedade-mãe do

Banco, pelo que se tratava de um produto seguro, 37. Mais apresentou as condições do produto,

44. Os AA. foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto, aliás de forma acompanhada com a respetiva nota técnica.

46. Tendo o Banco-R. apresentado as características do produto, e depois cumprido as instruções dadas pelos AA..

48. A Ré sempre explicou todos os formulários dados a assinar aos AA..


*


Conhecendo:

São as questões suscitadas pelos recorrentes e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.     

Questiona-se:

-Se o Banco réu deu cumprimento ou não, em relação aos autores, aos deveres de informação que legalmente lhe eram impostos, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram em 2006.

-Consequências que advêm do cumprimento, ou incumprimento, desses deveres de informação.

-Do dever de informação:

A atividade de intermediação financeira (e há acordo nos autos de que de contrato de intermediação financeira se trata) desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por normas e princípios atinentes ao exercício e organização. Tendo em conta o tempo da celebração do contrato, 2006, é aplicável o preceituado nos artigos 73º e seg. do Dl 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, o disposto nos artigos 7º, 304º, 309º, 312º e 314º do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

Dessas normas releva o seguinte:

Artigo 7.º -Qualidade da informação

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º -Princípios

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)

Artigo 309.º -Conflito de interesses

(…)

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores. (…)

Artigo 312.º -Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; (…)

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; (…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

Artigo 314.º -Responsabilidade civil

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

É face ao normativo exposto e aos factos que em concreto resultarem apurados que se pode concluir se um intermediário financeiro “forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais” – cfr. Ac. deste STJ de 18-09-18, no Proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1. Por isso, das várias publicações doutrinais, nomeadamente dos pareceres juntos aos autos, subscrito um pelo Prof. Pinto Monteiro e outro pelo Prof. Menezes Cordeiro apenas servem para debate da matéria na generalidade.

Mas, mesmo em casos concretos idênticos e relativos à matéria em análise, não se verificava uniformidade jurisprudencial, quer a nível das Instâncias, quer neste Supremo Tribunal de Justiça, havendo necessidade de uniformização, o que veio a acontecer através de AUJ proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, in DR 1ª S, de 3 de novembro de 2022], com o seguinte segmento unificador: “1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras 3 de novembro de 2022 Pág. 44 Diário da República, 1.ª série N.º 212 explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM. 3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

A aplicação do Direito, que determina o resultado da ação, depende da fixação da matéria de facto.

No caso concreto e, tendo em conta os factos provados, nomeadamente:

- o gerente do Banco Réu da agência de ... disse ao A. marido, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

-O dito funcionário do Banco Réu sabia que o A. marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

- sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

- O seu dinheiro – 50.000,00€, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que os AA. soubessem em concreto o que era.

- O que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse.

- O A. marido, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo.

- Os AA. desconheciam que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido.

- nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou aos AA. o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006.

-O R. colheu a assinatura do A. marido, num subscrito que terá sido preenchido pelo gerente de ....

- Nunca lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos AA.

25º Tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os AA. nunca aceitariam, se acaso o Réu lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.

- o Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.

Desta matéria de facto se pode concluir que o réu, através do seu funcionário, procedeu à intermediação financeira e não preencheu os critérios ético-normativos impostos pelo CVM, normas supratranscritas.

Resulta de tais factos que, em concreto o autor não sabia o que estava a subscrever. Não sabia o que são obrigações e, em concreto não sabia o que eram Obrigações SLN 2006, apenas se tendo apercebido (pela informação fornecida) que o capital estava sempre garantido e o risco era pouco, como o que existe num depósito a prazo.

O autor subscreveu a Obrigação de forma deliberada e consciente, mas a consciência que tinha reportava-se apenas ao conteúdo da informação que lhe fora fornecida.

Não é de acolher o entendimento expresso pelo recorrente nas suas conclusões, de que o risco sobre o qual há dever de informação respeita ao contrato de intermediação financeira e não ao risco resultante da subscrição do instrumento financeiro. Os riscos em causa, e que devem ser informados, respeitam ao instrumento financeiro (resultantes da subscrição da Obrigação SLN), sejam riscos endógenos ou exógenos porque, do contrato de intermediação, em si, não se vislumbra que possam ocorrer riscos significativos.

Há quem entenda que o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Concordamos, no entanto, é de salientar que não foi o investidor que apareceu perante o intermediário a querer subscrever determinada Obrigação, mas foi o funcionário do intermediário financeiro quem propõe ao cliente bancário a subscrição da Obrigação e, a proposta deve ser acompanhada da informação que é obrigatório prestar, a qual deve ser completa, com verdade e com rigor. E por norma, os clientes confiam no funcionário do banco e é perante os mesmos que procuram obter informação de aplicação de produtos financeiros.

O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

Refere António Pedro Azevedo Ferreira e reportando-se à informação que deve ser fornecida pelo intermediário financeiro que, “Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” – in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.

O STJ proferiu acórdãos no sentido do que vimos expondo, em 07-02-2019, no proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e em 19-03-2019, no proc. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, referindo este:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco”.

E no Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, desta secção se refere: “I- Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.

II- Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

Ou, como refere o AUJ (que respeita a matéria idêntica à destes autos) proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “… à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos”.

“(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

Face aos factos provados resulta que houve violação do dever de informação que impendia sobre o Banco réu e, consequentemente, ilicitude da conduta.

E quanto ao dano não há dúvidas, porque o autor investidor perdeu os montantes que havia investido na aquisição das Obrigações.

Em relação à culpa, e não estando provado que o Banco agiu sem culpa, esta presume-se nos termos do disposto nos arts, 799º, nº 1, do C. Civil e 304º, nº 2, do CVM.

Da responsabilidade civil do réu:

Já supra se transcreveu o que sobre esta matéria estatui o art. 314º do CVM.

Norma que deve ser complementada com as normas gerais do CC, nomeadamente, o art. 798º- responsabilidade contratual e os arts. 563º e segs. referentes à obrigação de indemnizar.

Uma vez que demonstrada ficou a ilicitude da conduta do intermediário financeiro, por falta ou insuficiência do dever de informação imputado normativamente ao intermediário financeiro, há que averiguar se foi em consequência dessa violação do dever de informação que o autor sofreu o dano que invoca e cuja reparação peticiona.

Se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor teria, ou não, investido na aplicação financeira proposta?

Como é referido no AUJ citado (com orientação pertinente nos autos): “Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB)”.

(…) Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações”.

No caso concreto, a resposta é positiva face aos pontos, 13ºdos factos provados, “ Se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria”, 14º “Nunca foi intenção dos AA. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o A. marido sempre esteve convencido que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse”, 15º “O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo” e 25º “Tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os AA. nunca aceitariam, se acaso o Réu lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu”.

E existe o nexo de causalidade entre a atuação do banco e o dano sofrido pelos autores, ou seja, a conduta do faltoso (falta ao dever de informação nos termos sobreditos) funcionou como condição sine qua non da ocorrência do dano sofrido pelos autores.

É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano” – Ac. do STJ de 26-03-2019, 1ª secção, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1.

A prova do nexo de causalidade resultou da observância das regras gerais em matéria de prova, previstas no art. 342 do CC e aplicando o direito aos factos.

E da não observância do dever de informação legalmente imposto ao intermediário financeiro resulta que a sua atuação foi ilícita. Violou o dever de informação previsto no art. 312 do CVM o qual visa a proteção dos investidores financeiros, nomeadamente os não qualificados.

Como refere o Prof. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado” e referindo a pág. 894, “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

E, “Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento [do dever de informação], e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude” – Ac. do STJ de 18-09-2018- 6ª secção, no proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

E não tendo o autor recebido o valor da subscrição da Obrigação SLN 2006, na data em que deveria ter acontecido (dez anos após a subscrição), o mesmo teve um prejuízo correspondente.

Face ao exposto resta-nos concluir, como no Ac. deste STJ no proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1, já referido, “Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Reu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562º e 566º do CC”.

Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso, devendo ser negada a revista e mantido o acórdão da Relação.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.

II- Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

III- Provando-se que o autor marido, se não lhe fosse assegurado pelo funcionário do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco e que era garantida a liquidez do capital, os autores nunca aceitariam investir em obrigações SLN 2006, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.


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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 17-01-2023


Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Aguiar Pereira- Juiz Conselheiro 1º adjunto

Maria Clara Sottomayor - Juíza Conselheira 2ª adjunta