IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
DIREITO LEGAL DE PREFERÊNCIA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário


- De acordo com o disposto na alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, exige-se que o recorrente ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

- Daí decorre que, essa concretização deve ser feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos, sob pena de rejeição da impugnação.

- A força probatória plena dos documentos autênticos, como seja a pública e certidão registral, não abrange as áreas dos prédios neles mencionados, as suas confrontações ou quaisquer outros elementos ínsitos no documento, isto é, não cobre a veracidade ou a sinceridade do declarado.

- Por isso, a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 7º do Código de Registo Predial, que não foi ilidida, cinge-se somente ao facto jurídico inscrito e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal do prédio.

- Nas acções de preferência sobre prédios rústicos, enquanto ao autor/preferente incumbe o ónus de prova da verificação dos pressupostos referidos no art. 1380º do CC, assim como do depósito do preço devido, ao vendedor e/ou comprador, por seu lado, cabe o ónus de provar que foi dado conhecimento àquele da venda ou da projectada venda e dos seus elementos essenciais, que caducou o direito do mesmo, seja por não ter sido exercido dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito no art. 1410º do CC, seja por não ter depositado o preço devido no prazo legal fixado para o efeito, ou que se verifica uma das situações de excepção previstas no artº. 1381º do CC.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Gumarães

I – RELATÓRIO

AA, casado, residente na Rua ..., ..., Bairro ..., em ..., instaurou ação de processo comum, contra BB e CC, casados, residentes na Rua ..., ..., ... ..., ..., e DD e EE, casados, residentes na Quinta ..., ..., ..., ... ..., formulando a seguinte pretensão:
A) Que se reconheça ao autor o direito de preferência sobre o prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial, substituindo-se aos segundos réus na escritura de compra e venda realizada no dia 12 de novembro de 2019 no Cartório Notarial ....
B) Que sejam os réus condenados a entregarem o referido prédio rústico ao autor, livre e desocupado de pessoas e bens.
C) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os segundos réus, compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do referido prédio, designadamente o constante da inscrição ...20 – apresentação 1283, de 2019/11/12 e outras que venham a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.
D) Se condenem os réus no pagamento das custas processuais e demais despesas devidas.
Alegou, o autor, em síntese, o seguinte:
- que teve conhecimento do negócio celebrado entre os réus, em 12 de fevereiro de 2020;
- que é dono e legítimo proprietário do prédio rústico que identifica e com as características que refere, que adquiriu por compra há mais de vinte anos e que se mostra registado a seu favor;
- que esse seu prédio confina a norte com o prédio objeto de escritura pública de compra e venda celebrada entre os réus;
- que o autor tinha já manifestado junto do primeiro réu, o seu interesse na aquisição de tal prédio, mas o réu sempre insistiu em pedir um preço que o autor não quis suportar;
- que sem lhe ter sido dada a opção de exercer a preferência, veio a ter conhecimento da venda aos segundos réus, por preço inferior ao que lhe havia sido pedido, pelo que logo comunicou ao primeiro réu que pretendia exercer o direito de preferência;
- que os réus adquirentes não eram, nem são, proprietários de qualquer outro prédio confinante com o que adquiriram.

*
Regularmente citados os réus apresentaram contestação, começando por arguir a exceção de caducidade da ação, alegando que o autor teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio em maio de 2019, para além de que o réu adquirente começou a ocupar o prédio em 15-10-2019.
No mais, impugnam a factualidade alegada pelo autor e referem que esta ação é uma represália da parte deste, que entende que o primeiro réu lhe deve determinada quantia, pelo aconselhamento que lhe deu quanto aos termos do contrato promessa com os segundos réus.
Por outro lado, alegando que o preço declarado na escritura não foi o preço efetivamente acordado e pago pela aquisição do prédio objeto da preferência, mas antes 125 000 euros, pelo que caso se venha a decidir que o autor tem direito de preferência deve o mesmo ser exercido por esse preço, com pagamento dos custos suportados com o negócio; bem como que o negócio incluiu duas construções que identificam e nas quais os segundos réus realizaram os trabalhos que discriminam, e que valorizaram o imóvel com essas benfeitorias, deduzem reconvenção, pedindo que:
- O autor seja condenado a exercer o direito de preferência pelo preço real de cento e vinte e cinco mil euros, o qual deverá ser depositado no prazo de 15 dias contados da data do trânsito em julgado da sentença, sob pena de caducar o direito de preferência;
- Mais deve o Autor ser condenado a pagar a quantia de 7.250,00€, a título de impostos pagos com a transmissão, bem como a quantia de 5.000,00€ pelas benfeitorias efetuadas no prédio, acrescidas dos juros que se vencerem desde a data da notificação da presente reconvenção até efetivo e integral pagamento.
Em qualquer um dos casos:
- Ser o Autor condenado como litigante de má fé, em multa nunca inferior a 10 UC’s e em indemnização a favor do Réu, de valor nunca inferior a 5.000€, bem como nos juros de mora desde a data da citação, custas e procuradoria.
*
O autor replicou, concluindo pela improcedência da exceção e da reconvenção e pedindo, por sua vez, a condenação dos réus como litigantes de má fé.

Dispensada a audiência prévia, foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio e os temas e prova.

O processo prosseguiu para julgamento, ao qual se procedeu com observância das formalidades que a respectiva acta documenta.

Foi proferida sentença, na qual se decidiu nos seguintes termos:
-“1- Julgo a presente ação procedente, pelo que:
a) Reconheço ao autor o direito de preferência sobre o prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial, substituindo-se aos segundos réus na escritura de compra e venda realizada no dia 12 de novembro de 2019 no Cartório Notarial ....
b) Condeno os réus a entregarem o referido prédio rústico ao autor, livre e desocupado de pessoas e bens.
c) Ordeno o cancelamento de todos e quaisquer registos que os segundos réus, compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do referido prédio, designadamente o constante da inscrição ...20 – apresentação 1283, de 2019/11/12 e outras que venham a fazer.
2- Julgo a reconvenção apenas parcialmente procedente, pelo que:
a) Condeno o Autor a pagar aos segundos réus, a quantia de 7.250,00€ (sete mil duzentos e cinquenta euros), a título de impostos pagos com a transmissão, bem como a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) pelas benfeitorias efetuadas no prédio, acrescidas dos juros que se vencerem desde a data do trânsito desta decisão até efetivo e integral pagamento.
b) Absolvo o autor reconvindo do demais peticionado.
3- Julgo improcedentes os pedidos de condenação por litigância de má fé.
4- Custas da ação a cargo dos réus e da reconvenção a cargo dos réus e do autor, na proporção do decaimento.”

Inconformados com a sentença dela vieram os Réus dela recorrer formulando as seguintes conclusões:

1. Conforme alegaram supra, pretendem os recorrentes que seja alterada a matéria de facto dada como provada e provada, nos termos que sumariarão nas conclusões que se seguem e que seguirão a diversas alíneas invocadas. Assim:

QUANTO AO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
F) Da data em que o recorrido teve conhecimento dos elementos essenciais da escritura.

2. Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos:
22. No dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor deslocou-se à Conservatória do Registo Predial ... para requerer uma cópia do documento através do qual o rústico foi transmitido aos segundos Réus.
29. Pelo menos, no dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da venda do rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial.
30. Nem os primeiros réus, nem qualquer outra pessoa, comunicaram ao autor, quer verbalmente, quer por carta, quer através de qualquer outro meio, o projeto da venda mencionada e as cláusulas desse contrato, nomeadamente, o preço do negócio, a forma de pagamento, a identificação do comprador, o local e prazo para celebrar o contrato e quaisquer outras condições de cuja observância dependesse a realização do negócio.
que terão de ser considerados como não provados.

3. É o que resulta:
i. Do confronto com a demais matéria de facto dada como provada e não provada, em particular ao não ter dado como provado que:
“a- O autor teve conhecimento do negócio celebrado entre os Réus, na data de 12 de fevereiro de 2020.”
“c- No dia 11 de fevereiro de 2020, enquanto almoçava no restaurante ... com a sua esposa, em ..., o autor foi abordado pelo 1º réu marido o qual lhe comunicou que já havia vendido o rústico.”;

E de ter dado como provado que:
37. Com o primeiro pagamento, em 15/10/2019, o segundo Réu passou a ocupar o prédio.
38. O qual limpou, começou a cultivar e no qual introduziu algumas benfeitorias.
42. Os segundos Réus realizaram benfeitorias no imóvel objeto da preferência.
45. Ao tomar posse das referidas construções, os segundos Réus resolveram levantar uma vedação para proteção dos seus filhos menores.
21. O autor veio a obter confirmação pelo próprio réu vendedor que já havia vendido o prédio.
ii. Do conteúdo da carta enviada no dia 12/02/2020 fazer menção a factos que ocorreram em data anterior, balizada pelos recorrentes em Novembro de 20219, designadamente onde refere “Ainda que venha a ser considerado como autor de um ato de má fé ou armadilha, ou aceitar aquilo que se poderá designar cunhas metidas a pessoas amigas de grande colaboração e amizade. Apenas lamento gorar as expetativas criadas pelo comprador, o qual deverá pensar nos resultados de qualquer investimento posterior a realizar no terreno em causa.”.
iii. Dos excertos das declarações identificadas supra e cujos depoimentos se mostram reproduzidos da seguinte forma:
a) Depoimento do Recorrido, AA - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 29/06/2022 pelas 10:03:42 e terminaram pelas 10:32:04 em particular os Minutos: 07’35’’ a 11’30’’.
b) Depoimento do Recorrente, BB - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 29/06/2020 pelas 10:32:51 e terminaram pelas 11:19:55 em especial os Minutos: 02’00’’ a 18’40’’.
Depoimento do Recorrente, DD - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 29/06/2020 pelas 11:20:48 e terminaram pelas 11:44:25 em especial os Minutos: 00’35’’ a 13’40’’.

4. Pelos mesmos motivos vertidos nas conclusões anteriores, deverão ainda considerar-se como provado que:
1- “E foi com esse objetivo que, de novembro de 2019 a julho de 2020, por mais de uma vez, enviou emissários a ambos os Réus, que os aconselhavam a pagar ao Autor o que ele lhes estava a exigir para não ficarem sem o terreno e sem dinheiro.”.
2- “O recorrido tem conhecimento dos elementos essenciais do negócio pelo menos desde finais Novembro de 2019”.

5. Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre a fundamentação e as declarações prestadas, tudo conjugado com os documentos juntos e a demais prova produzida;

G) Da falta de prova de que os prédios são confinantes entre si:

6. Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos:
1. O autor é dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito no lugar da ... ou ..., composto por cultura com 60 oliveiras, mato, vinha do ... e vinha em latada, com a área total de 2.642 m2, a confrontar de norte com FF, de sul com caminho e GG, de nascente com GG e de poente com caminho e HH e GG, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...60º e descrito na CRP ... sob a inscrição ...06 da referida freguesia ... e inscrita a favor do Autor pela apresentação número ... de 1990/11/20.
11. O prédio descrito confina a norte com o prédio rústico sito no lugar de ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ...24º, com proveniência nos artigos ... e ...56º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42 da freguesia ....
12. À data em que o autor comprou o imóvel com o artigo matricial ...60º, o rústico identificado e que confina com o adquirido pelo autor nos termos mencionados, (...)
33. O prédio do autor confina pelo seu lado norte com o lado sul do prédio vendido pelos primeiros réus aos segundos.
que terão de ser considerados como não provados.

7. Quanto à área do prédio inscrito a favor do recorrido, a alteração do julgamento da matéria de direito resulta da discrepância entre o facto provado e a efectiva área que o mesmo tem, visto que tem uma área registada de 26.420 m2 e não 2.642 m2;

8. Quanto às confrontações é o que resulta do confronto das certidões juntas aos autos, confirmadas pelo depoimento das testemunhas ouvidas, em particular nos trechos identificados e cujos depoimentos se mostram reproduzidos da seguinte forma:
a) Depoimento da testemunha, II - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 26/06/2022 pelas 11:46:19 e terminaram pelas 11:58:37 e que em especial os Minutos: 09’35’’ a 13’40’’.
b) Depoimento da testemunha, JJ - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 26/06/2022 pelas 11:59:10 e terminaram pelas 12:09:50 e que em especial os Minutos: 06’30’’ a 13’40’’.
c) Depoimento da testemunha, KK - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 26/06/2022 pelas 14:15:02 e terminaram pelas 14:26:00 e que em especial os Minutos: 01’00’’ a 05’00’’.

9. Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre os documentos juntos e as declarações prestadas, tudo conjugado com a demais prova produzida;

H) Outros factos dados como provados que terão de ser considerados como não provados:
10. Acresce ainda que o tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos, devendo dar-se como não provados as partes que se sublinham a negrito:
25. No dia 12 de fevereiro de 2020, o autor redigiu e enviou carta ao primeiro réu marido, com conhecimento do segundo réu marido, transmitindo-lhe o seu desagrado face à conduta por este assumida, uma vez que não lhe havia comunicado os termos do negócio para que este, querendo, como o primeiro réu marido bem sabia que queria, exercer o seu direito legal de preferência.
26. Mais lhe comunicou na missiva enviada, que era sua vontade exercer a preferência legal na aquisição do rústico, uma vez que o valor pago pelos segundos réus era inferior àquele que ele se propôs pagar e que não foi aceite, recorrendo, se necessário fosse, aos meios judiciais competentes.

11. Textos que não constam da citada carta e que, como tal, não pode ser considerados como factos provados, devendo ser eliminados dos factos dados como provados.

12. Deu ainda como provado que
“34. O prédio rústico, propriedade do autor, confinante com aquele que foi alienado, bem como este último, têm área inferior à unidade de cultura estabelecida para a região em que se situam.

13. Facto que também não poderá dar-se como provado considerando que a área mínima de cultura fixada pela Portaria 219/2016, de 09/08, para zona de regadio no ... é de 2,5 hectares e o prédio do recorrido tem 26.420 m2, ou seja, ultrapassa em 1.420 m2 a área mínima de cultura.

14. Devendo, por via disso, dar-se como não provado que:
25. No dia 12 de fevereiro de 2020, o autor redigiu e enviou carta ao primeiro réu marido, com conhecimento do segundo réu marido, transmitindo-lhe o seu desagrado face à conduta por este assumida, uma vez que não lhe havia comunicado os termos do negócio para que este, querendo, como o primeiro réu marido bem sabia que queria, exercer o seu direito legal de preferência.
26. Mais lhe comunicou na missiva enviada, que era sua vontade exercer a preferência legal na aquisição do rústico, uma vez que o valor pago pelos segundos réus era inferior àquele que ele se propôs pagar e que não foi aceite, recorrendo, se necessário fosse, aos meios judiciais competentes.
34. O prédio rústico, propriedade do autor, confinante com aquele que foi alienado, bem como este último, têm área inferior à unidade de cultura estabelecida para a região em que se situam.

15. Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre os documentos juntos e as declarações prestadas, tudo conjugado com a demais prova produzida.

I) Outros factos que foram dados como não provados e terão de ser considerados como provados:
16. Entendem ainda os recorrentes que face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, confrontada com os demais elementos de prova produzidos, há outros factos que, dados como não provados, deverão ser dado como provados, atenta a sua relevância. É o que sucede com os seguintes:
m- Este negócio concretizou-se verbalmente em finais de maio de 2019 e nessa mesma altura foi dado a conhecer ao Autor - preço; modo de pagamento; comprador.
n- Atenta a especificidade do negócio, foi o Autor quem sugeriu aos primeiros Réus, a celebração de um contrato promessa, nos exatos termos que acabaram por constar do documento celebrado.
o- O qual, antes de ser assinando, foi exibido pelo 1º Réu ao Autor, contando com os conhecimentos jurídicos que o Autor havia adquirido com a licenciatura de solicitador e a sua vasta experiência profissional.
p- Quando em maio de 2019, o primeiro Réu comunicou ao Autor o preço e a forma de pagamento, este, na qualidade de contabilista daquele, fez de imediato os cálculos e indicou ao primeiro Réu quanto este iria pagar a título de mais valias.
q- Razão pela qual insistiu que tivesse o cuidado de não fazer constar na escritura pública que iria celebrar ainda em 2019, a totalidade do preço, sob pena de pagar já em 2020 o imposto relativo a um ganho que deveria ser tributado no ano seguinte.
s- Com a outorga do contrato promessa foi retirada a placa que anunciava a venda daquele imóvel.
t- E nas semanas que se seguiram, por mais do que uma vez, o Autor viu o 2.º Réu naquela propriedade, a quem chegou a chamar “o meu novo vizinho rico” por, nas suas palavras, ter pago uma fortuna pelo terreno.
w- A presente ação mais não configura do que uma represália do Autor em relação ao 1.º Réu.
x- Isto porque o Autor considera que o 1.º Réu lhe deve a quantia de 7.500€, pelo trabalho que desenvolveu a aconselhar os termos do contrato promessa, e a poupança em impostos, caso tivesse escriturado a venda do rústico pelos 60.000€.
y- E como o 1.º Réu se recusou a pagar aquele valor, de imediato ameaçou, contínuas vezes, com o exercício da preferência pelo valor escriturado.
z- Afirmando e garantindo que, apesar de saber que o valor da venda tinha sido de 125.000€, iriam perder aquele montante.
aa- E foi com esse objetivo que, de novembro de 2019 a julho de 2020, por mais de uma vez, enviou emissários a ambos os Réus, que os aconselhavam a pagar ao Autor o que ele lhes estava a exigir para não ficarem sem o terreno e sem dinheiro.
bb- Também nesse período, o 1.º Réu recebeu uma carta, sem assinatura, de alguém que se dizia Advogado, a ameaçar com uma queixa no Serviço de Finanças se não pagasse ao Autor o que era devido àquele pelos serviços prestados e os impostos poupados.
cc- Ameaças que começaram logo após a realização da escritura e se prolongaram até ao envio das cartas juntas à P.I. e subscritas pela Ilustre Mandatária do Autor.
mm- Nunca houve intenção dos réus em declarar uma vontade diferente da vontade real.

17. É o que resulta do confronto das certidões juntas aos autos, confirmadas pelos depoimento dos recorrentes, em particular nos trechos identificados e cujos depoimentos se mostram reproduzidos da seguinte forma:
a) Depoimento do Recorrente, BB - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 29/06/2020 pelas 10:32:51 e terminaram pelas 11:19:55 em especial os Minutos: 02’00’’ a 18’40’’.
b) Depoimento do Recorrente, DD - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 29/06/2020 pelas 11:20:48 e terminaram pelas 11:44:25 em especial os Minutos: 00’35’’ a 13’40’’.

18. Pelo que deverão aqueles factos ser julgados como provados;

19. Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre os documentos juntos e as declarações prestadas, tudo conjugado com a demais prova produzida;

J) Do preço real da compra e venda
20. Por fim, e caso assim não se entenda e a acção não venha a ser julgada improcedente por não provada, entendem os recorrentes, terá de considerar-se como provado o pedido reconvencional o que também impõe uma alteração da matéria de facto dada como provada e não provada;

21. Assim, não deu o tribunal recorrido como provados os seguintes factos:
l- Que culminou com a proposta apresentada pelo 2º R marido - 125.000€, a pagar ao longo de 2019 e 2020.
dd- O preço constante da escritura de compra e venda outorgada em 12/11/2019, não corresponde ao preço que foi acordado e pago pelos segundos réus aos primeiros pela aquisição do prédio objeto de preferência.
ff- Ocorreu um lapso no conteúdo da dita escritura.
hh- Conforme constava do contrato promessa, foi o preço de aquisição de 125.000€, valor que os 2ºs Réus se obrigaram a pagar, 60.000€ até final de 2019 e 65.000€ até final de 2020.
ii- Facto que deveria ter constado da escritura realizada a 12/11/2019, mas cujo texto os Réus julgaram não ser admissível ou, a constatar, implicaria sempre o imediato pagamento de mais valias.
jj- Ao aperceberem-se do lapso, de imediato lavraram a escritura de retificação, assim sanando e corrigindo alguma dúvida que pudesse existir.
kk- Ainda assim, quanto ao preço, devido a dificuldades de tesouraria sentidas pelos segundos Réus, acabaram estes por prolongar, com o consentimento dos primeiros Réus, esse pagamento até inícios de 2021.
ll- O valor entretanto liquidado ascende já aos acordados 125.000€, realizado da seguinte forma:
A) No dia 15/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através do cheque n.º ...95 do Banco 1...;
B) No dia 12/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através dos cheques n.ºs ...96 e ...97 do Banco 1...;
C) No dia 02/12/2020 foi paga a quantia de 25.000€ através do cheque ...52 do Banco 1...;
D) No dia 07/01/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...53 do Banco 1...;
E) No dia 09/03/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...54 do Banco 1....
Que terão de considerar-se como provados.

22. É o que resulta:
i. Do confronto com a demais matéria de facto dada como provada e não provada, em particular ao ter dado como provado que:
15. Respondeu-lhe o primeiro réu marido que o rústico estava para venda pelo preço de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros).
18. Decorridos alguns dias, decidiu o autor apresentar nova proposta, desta feita, propondo-se pagar o preço de € 100.000,00 (cem mil euros).
19. Novamente recusou o 1º réu marido, afiançando apenas vender pelo valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
21. O autor veio a obter confirmação pelo próprio réu vendedor que já havia vendido o prédio.
37. Com o primeiro pagamento, em 15/10/2019, o segundo Réu passou a ocupar o prédio.
ii. Da condenação do recorrido a pagar impostos considerando impostos liquidados por uma aquisição de 125.000€;
iii. Dos documentos juntos aos autos pelos recorrentes e do seu valor probatório, designadamente: O contrato promessa de compra e venda; A escritura de rectificação celebrada no dia 17/11/2020; e, A cópia dos extractos, cheques e talões de depósito, comprovativos do preço efectivamente pago;
iv. Dos excertos das declarações identificadas supra e cujos depoimentos se mostram reproduzidos da seguinte forma:
a) Depoimento do Recorrente, BB - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 29/06/2020 pelas 10:32:51 e terminaram pelas 11:19:55 em especial os Minutos: 15’00’’ a 18’40’’.
b) Depoimento do Recorrente, DD - declarações essas que foram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal – CD1, que tiveram início no dia 29/06/2020 pelas 11:20:48 e terminaram pelas 11:44:25 em especial os Minutos: 13’40’’ a 15’40’’.

23. Pelos mesmos motivos vertidos nas conclusões anteriores, deverão ainda considerar-se como provado que:
Com data de 20 de Junho de 2019 celebraram os recorrentes um contrato promessa pelo qual estipularam as seguintes cláuslas:
“- 2.ª- Que, pelo presente contrato os promitentes compradores prometem vender ao segundo contraente, que o promete comprar, livre de qualquer ónus, encargos ou responsabilidades, o aludido prédio, pelo preço de 125.000€ (cento e vinte e cinco mil euros).
- 3.ª-
1. O preço de venda do prédio identificado na cláusula primeira é de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), pago da seguinte forma:
2. Até final de 2019, o promitente comprador obriga-se a pagar a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros).
3. O remanescente do preço, ou seja € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), será pago, até final de 2020, sem prejuízo do previsto na cláusula seguinte.
- 4.ª-
1. O promitente-comprador poderá ocupar os referidos prédios a partir da data da outorga do primeiro pagamento a efectuar no âmbito do presente contrato-promessa. A partir dessa data poderá ainda introduzir as benfeitorias que entenda no prédio objecto do contrato promessa, sendo-lhe proibido realizar obras que o desvalorizem, descaracterizem ou impliquem a destruição, total ou parcial, das suas edificações.
2. Caso os promitentes vendedores verifiquem que o número anterior não está a ser respeitado, comunicam ao promitente comprador que se opõe à obra por simples carta entregue em mão, obrigando-se aquele a parar, de imediato, qualquer obra ou trabalho que esteja a executar sob pena de ter de pagar aos promitentes compradores o custo da reposição do prédio no estado em que este se encontrava antes do inícios desses trabalhos.
- 5.ª-
1. Promitentes vendedores e promitente comprador acordam que o Promitente Comprador possa desistir do presente negócio antes do final de 2020, dessa forma não necessitando de efectuar o segundo pagamento previsto.
2. Para o poder fazer, terá de comunicar aos promitentes vendedores essa intenção com, pelo menos, 90 dias sobre a data limite da realização do segundo pagamento.
3. Neste caso não poderá reclamar o reembolso das despesas que eventualmente tenha efectuado com benfeitorias.
4. Mais acordam ambos os contratantes que, caso o promitente comprador desista do negócio, os promitentes vendedores devolverão ao promitente comprador o preço já recebido, deduzido do equivalente a 500€ por cada mês em que o prédio tenha sido ocupado pelo promitente comprador, considerando-se para tal o intervalo de tempo que medeie entre a ocupação do rústico e a produção de efeitos da declaração prevista no número 2.

24. Bem como que
No dia 17 de Novembro de 2020 os recorrentes celebraram uma escritura pública na qual declararam:
“Que, por escritura de compra e venda, outorgada, no cartório notarial ..., perante o notário LL, no dia 12/11/2019, lavrada a folhas dezassete e seguintes do competente Livro ...4..., os primeiros outorgantes, venderam ao segundo outorgante, pelo preço de SESSENTA MEIL EUROS um PRÉDIO RÚSTICO, composto de pinhal e vinha, sito em ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...24, melhor identificado na referida escritura, como única verba;
Que o referido imóvel já se encontra registado a favor do segundo outorgante, pela inscrição Ap. ... de ....
Que, pela presente escritura, rectificam aquela no sentido de ficar a constar que o preço efetivamente pago pelo segundo outorgante aos primeiros outorgantes foi de CENTO E VINTE E CINCO MEI EUROS e não sessenta mil euros, conforme foi indicado, por lapso dos outorgantes, na referida escritura de compra e venda, pois indicaram somente o valor entregue no dia, o valor entregue a título de sinal, esquecendo-se de referir os valores a pagar em prestações após a realização da escritura, que serão pagas através de três cheques entregues na data de hoje, para serem descontados em 19/11/2020, no valor de 25.000,00 que corresponde ao cheque número ...52; outro a descontar no dia 10/12/2020, no valor de 20.000,00, que corresponde ao cheque número ...53; outro a descontar no dia 30/12/2020, no valor de € 20.000,00, que corresponde ao cheque número ...55, todos sacados do Banco 1..., conferindo os primeiros outorgantes a respectiva quitação de todos os valores entregues.
Que, rectificam/esclarecem ainda aquela escritura de compra e venda, no sentido de ficar a constar que o preço indicado de cento e vinte e coinco mil euros, foi pago, através de sete cheques nas quantias, números e datas mencionados na presente escritura e na escritura ora rectificada, que os primeiros outorgantes declaram já ter recebido e das quais dão a respectiva quitação.
Que, em tudo o mais a referida escritura se mantém inalterada.”.

25. Ao assim não decidir, não fez o Tribunal “a quo” um correcto julgamento da matéria de facto porque há uma clara discrepância entre a fundamentação e as declarações prestadas, tudo conjugado com os documentos juntos e a demais prova produzida;

QUANTO AO JULGAMENTO DE DIREITO
26. O direito de preferência previsto no art.º 1.380.º, n.º 1, conjugado, por força do n.º 4, com o art.º 1.410, n.º 1 do Código Civil prevê a obrigatoriedade de serem preenchidos 5 requisitos, sem os quais inexiste o direito de preferência. A saber:
f) Que os prédios sejam confinantes;
g) Que a área seja inferior à unidade de cultura;
h) Que o vendedor não tenha dado a conhecer a venda ou a dação em cumprimento;
i) Que o preterido preferente requeira, no prazo de 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, o reconhecimento do seu direito;
j) Que deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

27. Na presente acção, ainda que viessem a ser julgadas totalmente improcedente as conclusões supra (da 2.ª à 25.ª), ainda assim teria a presente acção de ser julgada improcedente por não provada;

28. Isto porque mesmo considerando apenas a decisão proferida em sede de matéria de facto dada como provada e não provada, terá de concluir que não se verificam, ou não se provaram, os requisitos enumerados nas alíneas a), b) e d);

d) Os prédios não são confinantes:
29. Em primeiro lugar não se verifica que os prédios sejam, conforme alegado, confiantes.

30. Resulta dos autos que o recorrido alegou confrontar o prédio que identifica no art.º 5.º da douta P.I. com o prédio identificado no art.º 17.º a Norte e, para o efeito, dá como integralmente reproduzido os documentos que junta como documentos ... a ...;

31. Documentos que são qualificados como autênticos e que, por via disso, fazem prova plena dos factos que neles se mostram atestados - art.º 371.º do CC - sem que o recorrido tenha impugnado o seu conteúdo, pelo contrário, dá-o por reproduzido;

32. Porém, da leitura dos documentos em causa verifica-se que os prédios não são confinantes entre si, porquanto:
iii. O prédio descrito no art.º 5. da P.I. confronta de Norte com FF - que não é parte na presente acção;
iv. O prédio descrito no art.º 17.º da P.I. confronta de Sul com caminho

33. Assim, contrariando os documentos a existência de uma confrontação, não poderá a presente acção ser julgada procedente por provada.

e) A área do prédio do recorrido é superior à unidade de cultura:
34. Por outro lado, a área mínima de cultura fixada pela Portaria 219/2016, de 09/08 é, para zona de regadio no ..., como sucede com as propriedades em causa, é de 2,5 hectares.

35. Contudo, conforme resulta dos documentos juntos aos autos pelo recorrido como documentos n.º ... e ..., tem o prédio identificado no art.º 5.º da douta P.I. 26.420 m2, ou seja, ultrapassa em 1.420 m2 a área mínima de cultura;

36. pelo que, também pela inexistência deste requisito, deveria ter-se julgado improcedente a presente acção.

f) O recorrente não provou ter requerido, no prazo de 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, a preferência:

37. Por fim e sem prescindir, gravitando a eventual caducidade do direito do Autor à volta da pergunta: Em que data é que o A. teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio? Teria o recorrido de fazer prova da data concreta em teve conhecimento desses elementos.

38. A data do conhecimento é um facto essencial para aferir, não só a data da constituição do direito como a caducidade do seu exercício - o qual, ainda que invocado, é de conhecimento oficioso;

39. Recaindo sobre o A. o ónus de prova desse facto, não logrou o Tribunal de primeira instância dar como provada a data concreta em que esse facto ocorreu.

40. É o que resulta da matéria de facto provada e não provada porquanto, se por um lado se deu como provado que “Pelo menos, no dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da venda do rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial.”, por outro deu como não provado que “a- O autor teve conhecimento do negócio celebrado entre os Réus, na data de 12 de fevereiro de 2020.”.

41. Ao não se ter feito prova da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio, não logrou o recorrido fazer prova de preencher um dos requisitos essenciais à procedência da presente acção;

42. O que determina a improcedência da presente acção;

43. Ao assim não decidir violou o Tribunal “a quo” o preceituado nos art.s 414.º, 447.º, 607.º, n.º 4 e 5, 615.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Civ., bem como dos art.ºs 371.º, 376.º, 1.380.º e 1.410.º do Cód. Civil;

44. Se Vossas Excelências, em face das conclusões atrás enunciadas:
A) Alterarem a resposta dada aos factos provados e, em consequência disso:
a) Julgarem como não provados, na totalidade os seguintes factos dados como provados:
11. O prédio descrito confina a norte com o prédio rústico sito no lugar de ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ...24º, com proveniência nos artigos ... e ...56º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42 da freguesia ....
12. À data em que o autor comprou o imóvel com o artigo matricial ...60º, o rústico identificado e que confina com o adquirido pelo autor nos termos mencionados, (...)
22. No dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor deslocou-se à Conservatória do Registo Predial ... para requerer uma cópia do documento através do qual o rústico foi transmitido aos segundos Réus.
29. Pelo menos, no dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da venda do rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial.
30. Nem os primeiros réus, nem qualquer outra pessoa, comunicaram ao autor, quer verbalmente, quer por carta, quer através de qualquer outro meio, o projeto da venda mencionada e as cláusulas desse contrato, nomeadamente, o preço do negócio, a forma de pagamento, a identificação do comprador, o local e prazo para celebrar o contrato e quaisquer outras condições de cuja observância dependesse a realização do negócio.
33. O prédio do autor confina pelo seu lado norte com o lado sul do prédio vendido pelos primeiros réus aos segundos.
34. O prédio rústico, propriedade do autor, confinante com aquele que foi alienado, bem como este último, têm área inferior à unidade de cultura estabelecida para a região em que se situam.
b) Julgarem como não provados, as partes a negrito dos seguintes factos dados como provados:
1. O autor é dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito no lugar da ... ou ..., composto por cultura com 60 oliveiras, mato, vinha do ... e vinha em latada, com a área total de 2.642 m2, a confrontar de norte com FF, de sul com caminho e GG, de nascente com GG e de poente com caminho e HH e GG, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...60º e descrito na CRP ... sob a inscrição ...06 da referida freguesia ... e inscrita a favor do Autor pela apresentação número ... de 1990/11/20.
25. No dia 12 de fevereiro de 2020, o autor redigiu e enviou carta ao primeiro réu marido, com conhecimento do segundo réu marido, transmitindo-lhe o seu desagrado face à conduta por este assumida, uma vez que não lhe havia comunicado os termos do negócio para que este, querendo, como o primeiro réu marido bem sabia que queria, exercer o seu direito legal de preferência.
26. Mais lhe comunicou na missiva enviada, que era sua vontade exercer a preferência legal na aquisição do rústico, uma vez que o valor pago pelos segundos réus era inferior àquele que ele se propôs pagar e que não foi aceite, recorrendo, se necessário fosse, aos meios judiciais competentes.
34. O prédio rústico, propriedade do autor, confinante com aquele que foi alienado, bem como este último, têm área inferior à unidade de cultura estabelecida para a região em que se situam.

c) Darem como provados os seguintes factos:
1. Este negócio concretizou-se verbalmente em finais de maio de 2019 e nessa mesma altura foi dado a conhecer ao Autor - preço; modo de pagamento; comprador.
2. Atenta a especificidade do negócio, foi o Autor quem sugeriu aos primeiros Réus, a celebração de um contrato promessa, nos exatos termos que acabaram por constar do documento celebrado.
3. O qual, antes de ser assinando, foi exibido pelo 1º Réu ao Autor, contando com os conhecimentos jurídicos que o Autor havia adquirido com a licenciatura de solicitador e a sua vasta experiência profissional.
4. Quando em maio de 2019, o primeiro Réu comunicou ao Autor o preço e a forma de pagamento, este, na qualidade de contabilista daquele, fez de imediato os cálculos e indicou ao primeiro Réu quanto este iria pagar a título de mais valias.
5. Razão pela qual insistiu que tivesse o cuidado de não fazer constar na escritura pública que iria celebrar ainda em 2019, a totalidade do preço, sob pena de pagar já em 2020 o imposto relativo a um ganho que deveria ser tributado no ano seguinte.
6. Com a outorga do contrato promessa foi retirada a placa que anunciava a venda daquele imóvel.
7. E nas semanas que se seguiram, por mais do que uma vez, o Autor viu o 2.º Réu naquela propriedade, a quem chegou a chamar “o meu novo vizinho rico” por, nas suas palavras, ter pago uma fortuna pelo terreno.
8. A presente ação mais não configura do que uma represália do Autor em relação ao 1.º Réu.
9. Isto porque o Autor considera que o 1.º Réu lhe deve a quantia de 7.500€, pelo trabalho que desenvolveu a aconselhar os termos do contrato promessa, e a poupança em impostos, caso tivesse escriturado a venda do rústico pelos 60.000€.
10. E como o 1.º Réu se recusou a pagar aquele valor, de imediato ameaçou, contínuas vezes, com o exercício da preferência pelo valor escriturado.
11. Afirmando e garantindo que, apesar de saber que o valor da venda tinha sido de 125.000€, iriam perder aquele montante.
12. E foi com esse objetivo que, de novembro de 2019 a julho de 2020, por mais de uma vez, enviou emissários a ambos os Réus, que os aconselhavam a pagar ao Autor o que ele lhes estava a exigir para não ficarem sem o terreno e sem dinheiro.
13. Também nesse período, o 1.º Réu recebeu uma carta, sem assinatura, de alguém que se dizia Advogado, a ameaçar com uma queixa no Serviço de Finanças se não pagasse ao Autor o que era devido àquele pelos serviços prestados e os impostos poupados.
14. Ameaças que começaram logo após a realização da escritura e se prolongaram até ao envio das cartas juntas à P.I. e subscritas pela Ilustre Mandatária do Autor.
15. Nunca houve intenção dos réus em declarar uma vontade diferente da vontade real.
16. Que culminou com a proposta apresentada pelo 2º R marido - 125.000€, a pagar ao longo de 2019 e 2020.
17. O preço constante da escritura de compra e venda outorgada em 12/11/2019, não corresponde ao preço que foi acordado e pago pelos segundos réus aos primeiros pela aquisição do prédio objeto de preferência.
18. Ocorreu um lapso no conteúdo da dita escritura.
19. Conforme constava do contrato promessa, foi o preço de aquisição de 125.000€, valor que os 2ºs Réus se obrigaram a pagar, 60.000€ até final de 2019 e 65.000€ até final de 2020.
20. Facto que deveria ter constado da escritura realizada a 12/11/2019, mas cujo texto os Réus julgaram não ser admissível ou, a constatar, implicaria sempre o imediato pagamento de mais valias.
21. Ao aperceberem-se do lapso, de imediato lavraram a escritura de retificação, assim sanando e corrigindo alguma dúvida que pudesse existir.
22. Ainda assim, quanto ao preço, devido a dificuldades de tesouraria sentidas pelos segundos Réus, acabaram estes por prolongar, com o consentimento dos primeiros Réus, esse pagamento até inícios de 2021.
23. O valor entretanto liquidado ascende já aos acordados 125.000€, realizado da seguinte forma:
A) No dia 15/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através do cheque n.º ...95 do Banco 1...;
B) No dia 12/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através dos cheques n.ºs ...96 e ...97 do Banco 1...;
C) No dia 02/12/2020 foi paga a quantia de 25.000€ através do cheque ...52 do Banco 1...;
D) No dia 07/01/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...53 do Banco 1...;
E) No dia 09/03/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...54 do Banco 1....
24. Com data de 20 de Junho de 2019 celebraram os recorrentes um contrato promessa pelo qual estipularam as seguintes cláusulas:
“- 2.ª- Que, pelo presente contrato os promitentes compradores prometem vender ao segundo contraente, que o promete comprar, livre de qualquer ónus, encargos ou responsabilidades, o aludido prédio, pelo preço de 125.000€ (cento e vinte e cinco mil euros).
- 3.ª-
1. O preço de venda do prédio identificado na cláusula primeira é de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), pago da seguinte forma:
2. Até final de 2019, o promitente comprador obriga-se a pagar a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros).
3. O remanescente do preço, ou seja € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), será pago, até final de 2020, sem prejuízo do previsto na cláusula seguinte.
- 4.ª-
1. O promitente-comprador poderá ocupar os referidos prédios a partir da data da outorga do primeiro pagamento a efectuar no âmbito do presente contrato-promessa. A partir dessa data poderá ainda introduzir as benfeitorias que entenda no prédio objecto do contrato promessa, sendo-lhe proibido realizar obras que o desvalorizem, descaracterizem ou impliquem a destruição, total ou parcial, das suas edificações.
2. Caso os promitentes vendedores verifiquem que o número anterior não está a ser respeitado, comunicam ao promitente comprador que se opõe à obra por simples carta entregue em mão, obrigando-se aquele a parar, de imediato, qualquer obra ou trabalho que esteja a executar sob pena de ter de pagar aos promitentes compradores o custo da reposição do prédio no estado em que este se encontrava antes do inícios desses trabalhos.
- 5.ª-
1. Promitentes vendedores e promitente comprador acordam que o Promitente Comprador possa desistir do presente negócio antes do final de 2020, dessa forma não necessitando de efectuar o segundo pagamento previsto.
2. Para o poder fazer, terá de comunicar aos promitentes vendedores essa intenção com, pelo menos, 90 dias sobre a data limite da realização do segundo pagamento.
3. Neste caso não poderá reclamar o reembolso das despesas que eventualmente tenha efectuado com benfeitorias.
4. Mais acordam ambos os contratantes que, caso o promitente comprador desista do negócio, os promitentes vendedores devolverão ao promitente comprador o preço já recebido, deduzido do equivalente a 500€ por cada mês em que o prédio tenha sido ocupado pelo promitente comprador, considerando-se para tal o intervalo de tempo que medeie entre a ocupação do rústico e a produção de efeitos da declaração prevista no número 2.
25. No dia 17 de Novembro de 2020 os recorrentes celebraram uma escritura pública na qual declararam:
“Que, por escritura de compra e venda, outorgada, no cartório notarial ..., perante o notário LL, no dia 12/11/2019, lavrada a folhas dezassete e seguintes do competente Livro ...4..., os primeiros outorgantes, venderam ao segundo outorgante, pelo preço de SESSENTA MEIL EUROS um PRÉDIO RÚSTICO, composto de pinhal e vinha, sito em ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...24, melhor identificado na referida escritura, como única verba;
Que o referido imóvel já se encontra registado a favor do segundo outorgante, pela inscrição Ap. ... de ....
Que, pela presente escritura, rectificam aquela no sentido de ficar a constar que o preço efetivamente pago pelo segundo outorgante aos primeiros outorgantes foi de CENTO E VINTE E CINCO MEI EUROS e não sessenta mil euros, conforme foi indicado, por lapso dos outorgantes, na referida escritura de compra e venda, pois indicaram somente o valor entregue no dia, o valor entregue a título de sinal, esquecendo-se de referir os valores a pagar em prestações após a realização da escritura, que serão pagas através de três cheques entregues na data de hoje, para serem descontados em 19/11/2020, no valor de 25.000,00 que corresponde ao cheque número ...52; outro a descontar no dia 10/12/2020, no valor de 20.000,00, que corresponde ao cheque número ...53; outro a descontar no dia 30/12/2020, no valor de € 20.000,00, que corresponde ao cheque número ...55, todos sacados do Banco 1..., conferindo os primeiros outorgantes a respectiva quitação de todos os valores entregues.
Que, rectificam/esclarecem ainda aquela escritura de compra e venda, no sentido de ficar a constar que o preço indicado de cento e vinte e coinco mil euros, foi pago, através de sete cheques nas quantias, números e datas mencionados na presente escritura e na escritura ora rectificada, que os primeiros outorgantes declaram já ter recebido e das quais dão a respectiva quitação.
Que, em tudo o mais a referida escritura se mantém inalterada.”.
26. O prédio descrito no art.º 5.º da P.I. tem 26.420m2 de área.

Sem prescindir, assim decidindo ou não
B) Julgarem improcedente o pedido formulado pelo Recorrido;
Caso assim não se venha a entender,
C) Julgarem procedente por provado o pedido reconvencional formulado pelos recorrentes;
Farão uma vez mais serena, sã e objectiva JUSTIÇA.
*
Houve contra-alegações nelas se pugnando pela total improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo Recorrentes, cumpre apreciar:
- Da pretendida alteração da matéria de facto;
- Se, em consequência e em qualquer caso, deve ser revogada a sentença, julgando-se a ação improcedente ou, caso assim não se entenda, julgando procedente o pedido reconvencional.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Matéria de facto julgada provada na sentença:

1. O autor é dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito no lugar da ... ou ..., composto por cultura com 60 oliveiras, matos, vinha do ... e vinha em latada, com a área total de 2.642 m2, a confrontar de norte com FF, de sul com caminho e GG, de nascente com GG e de poente com caminho e HH e GG, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...60º e descrito na CRP ... sob a inscrição ...06 da referida freguesia ... e inscrita a favor do Autor pela apresentação número ... de 1990/11/20.

2. O referido rústico veio à posse do autor, no ano de 1990, por compra que fez a MM.

3. Tal aquisição encontra-se inscrita a favor do autor na Conservatória do Registo Predial pela AP ... de 1990/11/20.

4. Desde a sua aquisição até á presente data, sempre o autor por si e demais ante possuidores, amanharam, cultivaram e desmataram o prédio, colheram uvas, azeite e lenha, limparam margens, conservaram as estremas, pagaram atinentes impostos.

5. Tais atos vêm sendo praticados pelo autor e seus antecessores, ao longo de todos estes anos até aos dias de hoje.

6. Há mais de 20 e mais anos.

7. À vista de todas as pessoas.

8. Sem violência ou oposição de quem quer que seja.

9. De forma contínua, porque sem interrupção até aos dias de hoje.

10. Na convicção de atuar como dono e legítimo proprietário do dito prédio.

11. O prédio descrito confina a norte com o prédio rústico sito no lugar de ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ...24º, com proveniência nos artigos ... e ...56º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42 da freguesia ....

12. À data em que o autor comprou o imóvel com o artigo matricial ...60º, o rústico identificado e que confina com o adquirido pelo autor nos termos mencionados, pertencia a FF - artigo ...- e NN e esposa OO – artigo 3656º, que após unificação pelos 1ºs Réus deu origem ao atual artigo 4324º.

13. O autor desde há muito que pretendia adquirir esta parcela de terreno, com o intuito de a anexar à sua, de modo a tornar a sua propriedade mais rentável do ponto de vista agrícola.

14. Razão pela qual logo que no referido prédio viu afixada uma placa para venda, de imediato contactou o primeiro réu marido, dando-lhe conta do seu interesse na compra do rústico e assim iniciar a negociação do mesmo.

15. Respondeu-lhe o primeiro réu marido que o rústico estava para venda pelo preço de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros).

16. Como não dispunha de tal quantia, propôs o autor ao 1º réu marido a celebração de uma permuta entre aquele rústico - melhor identificado no artigo 17º da petição - e um urbano de que é proprietário na Cidade ....

17. Após verificação do urbano manifestaram os primeiros réus não lhes interessar a permuta proposta, afirmando manter interesse apenas na venda do rústico pelo valor indicado.

18. Decorridos alguns dias, decidiu o autor apresentar nova proposta, desta feita, propondo-se pagar o preço de € 100.000,00 (cem mil euros).

19. Novamente recusou o 1º réu marido, afiançando apenas vender pelo valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

20. Face à postura do 1º réu marido, nada mais disse ou procurou saber o autor.

21. O autor veio a obter confirmação pelo próprio réu vendedor que já havia vendido o prédio.

22. No dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor deslocou-se à Conservatória do Registo Predial ... para requerer uma cópia do documento através do qual o rústico foi transmitido aos segundos Réus.

23. Verificou tratar-se de uma escritura pública de Compra e Venda, celebrada no dia 12 de novembro de 2019, no Cartório Notarial ..., em ..., através da qual os primeiros Réus BB e CC declararam vender aos segundos, DD e EE, o prédio rústico sito no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ...24º, com proveniência nos artigos ... e ...56º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...42 da freguesia ..., pelo preço de € 60 000,00 (sessenta mil euros).

24. Com fundamento na referida escritura pública, a aquisição do prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial, vendido pelos primeiros réus, foi inscrito a favor dos segundos réus na Conservatória do Registo Predial ....

25. No dia 12 de fevereiro de 2020, o autor redigiu e enviou carta ao primeiro réu marido, com conhecimento do segundo réu marido, transmitindo-lhe o seu desagrado face à conduta por este assumida, uma vez que não lhe havia comunicado os termos do negócio para que este, querendo, como o primeiro réu marido bem sabia que queria, exercer o seu direito legal de preferência.

26. Mais lhe comunicou na missiva enviada, que era sua vontade exercer a preferência legal na aquisição do rústico, uma vez que o valor pago pelos segundos réus era inferior àquele que ele se propôs pagar e que não foi aceite, recorrendo, se necessário fosse, aos meios judiciais competentes.

27. Na data de 23 de julho de 2020, a mandatária subscritora endereçou aos réus comunicação escrita, dando-lhes conta, uma vez mais, da decisão do autor em exercer o direito de preferência, por forma a aferir da possibilidade da resolução extrajudicial do diferendo.

28. Todavia, tal não se mostrou possível.

29. Pelo menos, no dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da venda do rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial.

30. Nem os primeiros réus, nem qualquer outra pessoa, comunicaram ao autor, quer verbalmente, quer por carta, quer através de qualquer outro meio, o projeto da venda mencionada e as cláusulas desse contrato, nomeadamente, o preço do negócio, a forma de pagamento, a identificação do comprador, o local e prazo para celebrar o contrato e quaisquer outras condições de cuja observância dependesse a realização do negócio.

31. Quando bem sabiam ser vontade do autor adquirir o rústico em questão.

32. Quer o prédio rústico de que é proprietário o autor, quer o prédio objeto de preferência, são compostos, entre outros, por pinhal, oliveiras e vinha.

33. O prédio do autor confina pelo seu lado norte com o lado sul do prédio vendido pelos primeiros réus aos segundos.

34. O prédio rústico, propriedade do autor, confinante com aquele que foi alienado, bem como este último, têm área inferior à unidade de cultura estabelecida para a região em que se situam.

35. Os segundos réus compradores, à data da realização da transação supra, referida, não eram, nem são atualmente, proprietários de qualquer outro prédio confinante com o prédio adquirido aos primeiros réus, pois que, como atestam as confrontações daquele rústico, os proprietários dos prédios confinantes são PP, o autor, e QQ, sendo todas as outras confrontações com caminho público.

36. O autor e os primeiros réus conviviam, chegando a participar em festividades na casa um do outro.

37. Com o primeiro pagamento, em 15/10/2019, o segundo Réu passou a ocupar o prédio.

38. O qual limpou, começou a cultivar e no qual introduziu algumas benfeitorias.

39. Os réus lavraram escritura de retificação, em 17 de novembro de 2020.

40. Bem como liquidaram a totalidade dos impostos.

41. Os segundos Réus suportaram os custos com impostos, no valor total de 7 250 euros.

42. Os segundos Réus realizaram benfeitorias no imóvel objeto da preferência.

43. No prédio rústico objeto da presente ação existem duas construções compostas por um armazém agrícola e uma casa de apoio.

44. Imóveis que foram naturalmente incluídos no negócio.

45. Ao tomar posse das referidas construções, os segundos Réus resolveram levantar uma vedação para proteção dos seus filhos menores.

46. Mais executaram na casa de suporte os seguintes trabalhos:
a) Construção de mobiliário embutido;
b) Construção de teto falso;
c) Construção de divisória em pladur;
d) Remodelação da rede elétrica.

47. Trabalhos que valorizaram o imóvel em causa em, pelo menos, 5 000 € (cinco mil euros).
*
Factos julgados não provados:

a- O autor teve conhecimento do negócio celebrado entre os Réus, na data de 12 de fevereiro de 2020.

b- Acordaram autor e 1º réu marido agendar uma visita ao urbano oferecido pelo autor para troca, para que aquele e sua esposa o pudessem verificar e assim aferir do interesse no negócio proposto.

c- No dia 11 de fevereiro de 2020, enquanto almoçava no restaurante ... com a sua esposa, em ..., o autor foi abordado pelo 1º réu marido o qual lhe comunicou que já havia vendido o rústico.

d- Ao que o autor respondeu, completamente convencido de que o havia feito pelo preço de € 150.000,00, como sempre afiançou que faria: “sempre conseguiste”.

e- Ao comentário efetuado pelo autor nada respondeu o 1º réu marido, limitando-se a esboçar um sorriso.

f- Facto que levou o autor a desconfiar que, se calhar, assim não tinha sido.

g- Os elementos essenciais do negócio são do conhecimento pessoal do Autor desde finais de maio de 2019.

h- O Autor era, desde há vários anos e até estes factos terem ocorrido, o responsável pela contabilidade e entrega das declarações de rendimentos dos primeiros Réus.

i- Inclusivamente era portador das senhas de acesso ao portal das finanças, ao qual acedia até a pedido dos primeiros Réus, sempre que estes necessitavam que o fizesse por os próprios não o saberem fazer.

j- Além de contabilista era considerado pelos primeiros Réus um amigo de confiança com o qual partilhavam, não só os seus negócios, como muitos aspetos da sua vida pessoal.

k- Ainda que frustrado o negócio do terreno entre ambos, foi o 1º Réu marido dando conhecimento ao autor das diferentes propostas que ia recebendo.

l- Que culminou com a proposta apresentada pelo 2º R marido - 125.000€, a pagar ao longo de 2019 e 2020.

m- Este negócio concretizou-se verbalmente em finais de maio de 2019 e nessa mesma altura foi dado a conhecer ao Autor - preço; modo de pagamento; comprador.

n- Atenta a especificidade do negócio, foi o Autor quem sugeriu aos primeiros Réus, a celebração de um contrato promessa, nos exatos termos que acabaram por constar do documento celebrado.

o- O qual, antes de ser assinando, foi exibido pelo 1º Réu ao Autor, contando com os conhecimentos jurídicos que o Autor havia adquirido com a licenciatura de solicitador e a sua vasta experiência profissional.

p- Quando em maio de 2019, o primeiro Réu comunicou ao Autor o preço e a forma de pagamento, este, na qualidade de contabilista daquele, fez de imediato os cálculos e indicou ao primeiro Réu quanto este iria pagar a título de mais valias.

q- Razão pela qual insistiu que tivesse o cuidado de não fazer constar na escritura pública que iria celebrar ainda em 2019, a totalidade do preço, sob pena de pagar já em 2020 o imposto relativo a um ganho que deveria ser tributado no ano seguinte.

r- É o Autor conhecedor dos elementos essenciais do negócio desde maio de 2019.

s- Com a outorga do contrato promessa foi retirada a placa que anunciava a venda daquele imóvel.

t- E nas semanas que se seguiram, por mais do que uma vez, o Autor viu o 2.º Réu naquela propriedade, a quem chegou a chamar “o meu novo vizinho rico” por, nas suas palavras, ter pago uma fortuna pelo terreno.

u- Como era obrigação do 1.º Réu para com o seu contabilista, no dia seguinte ao da realização da escritura, foi entregue ao Autor uma cópia, em mão.

v- E nesse mesmo dia, o Autor, ao aperceber-se que os Réus não haviam referido na escritura a forma concreta de pagamento, tentou convencer o 1.º Réu a não declarar o remanescente do preço pago, demonstrando-lhe novamente o quanto iria pagar a título de mais valias, que assim poupava.

w- A presente ação mais não configura do que uma represália do Autor em relação ao 1.º Réu.

x- Isto porque o Autor considera que o 1.º Réu lhe deve a quantia de 7.500€, pelo trabalho que desenvolveu a aconselhar os termos do contrato promessa, e a poupança em impostos, caso tivesse escriturado a venda do rústico pelos 60.000€.

y- E como o 1.º Réu se recusou a pagar aquele valor, de imediato ameaçou, contínuas vezes, com o exercício da preferência pelo valor escriturado.

z- Afirmando e garantindo que, apesar de saber que o valor da venda tinha sido de 125.000€, iriam perder aquele montante.

aa- E foi com esse objetivo que, de novembro de 2019 a julho de 2020, por mais de uma vez, enviou emissários a ambos os Réus, que os aconselhavam a pagar ao Autor o que ele lhes estava a exigir para não ficarem sem o terreno e sem dinheiro.

bb- Também nesse período, o 1.º Réu recebeu uma carta, sem assinatura, de alguém que se dizia Advogado, a ameaçar com uma queixa no Serviço de Finanças se não pagasse ao Autor o que era devido àquele pelos serviços prestados e os impostos poupados.

cc- Ameaças que começaram logo após a realização da escritura e se prolongaram até ao envio das cartas juntas à P.I. e subscritas pela Ilustre Mandatária do Autor.

dd- O preço constante da escritura de compra e venda outorgada em 12/11/2019, não corresponde ao preço que foi acordado e pago pelos segundos réus aos primeiros pela aquisição do prédio objeto de preferência.

ee- O que o Autor muito bem sabe.

ff- Ocorreu um lapso no conteúdo da dita escritura.

gg- Lapso esse induzido pelo Autor e do qual agora pretende tirar proveito com a presente ação.

hh- Conforme constava do contrato promessa, foi o preço de aquisição de 125.000€, valor que os 2ºs Réus se obrigaram a pagar, 60.000€ até final de 2019 e 65.000€ até final de 2020.

ii- Facto que deveria ter constado da escritura realizada a 12/11/2019, mas cujo texto os Réus julgaram não ser admissível ou, a constatar, implicaria sempre o imediato pagamento de mais valias.

jj- Ao aperceberem-se do lapso, de imediato lavraram a escritura de retificação, assim sanando e corrigindo alguma dúvida que pudesse existir.

kk- Ainda assim, quanto ao preço, devido a dificuldades de tesouraria sentidas pelos segundos Réus, acabaram estes por prolongar, com o consentimento dos primeiros Réus, esse pagamento até inícios de 2021.

ll- O valor entretanto liquidado ascende já aos acordados 125.000€, realizado da seguinte forma:
A) No dia 15/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através do cheque n.º ...95 do Banco 1...;
B) No dia 12/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através dos cheques n.ºs ...96 e ...97 do Banco 1...;
C) No dia 02/12/2020 foi paga a quantia de 25.000€ através do cheque ...52 do Banco 1...;
D) No dia 07/01/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...53 do Banco 1...;
E) No dia 09/03/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...54 do Banco 1....

mm- Nunca houve intenção dos réus em declarar uma vontade diferente da vontade real.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO FDE DIREITO

Da impugnação da matéria de facto

Da pretendida alteração da matéria de facto, nos termos do art. 662º, do CPC

Cabe aqui apreciar se o tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova e assim na decisão sobre a matéria de facto.
A este propósito os recorrentes impugnaram a decisão da matéria de facto, relativamente a determinados pontos da matéria de facto provada e não provada.
Cumpre começar por analisar se os recorrentes cumpriram os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que fazem da matéria de facto, nomeadamente se indicam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especificam na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indicam na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressam na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.
A apreciação de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ª instância, previsto no art. 607º, nº5, do CPC, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (veja-se nestes sentido, Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol., pg. 201).
Diversamente do que acontece no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prévia e legalmente fixada, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O juiz, no seu livre exercício de convicção, tem de indicar os fundamentos que, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa sindicar da razoabilidade da decisão sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pg. 348).
Na verdade, o art. 607º, nº 4, do C.P.Civil, prevê expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Tal como se sustenta no Ac. da Relação do Porto, de 22.05.2019, (…)”na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]

Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Revertendo para o caso vertente, verifica-se que os Recorrentes, nas suas alegações e conclusões do recurso, consideram que foram incorrectamente julgados determinados factos.
Assim, os Recorrentes dividiram a factualidade que impugnaram em grupos:
Em primeiro lugar, impugnaram os pontos 22, 29 e 30 dos factos provados, pugnando que tal factualidade deve ser julgada não provada e, bem assim a al. aa) dos factos não provados que entendem que deve ser julgada provada.
Em segundo lugar, os Recorrentes impugnam os pontos 1, 11, 12 e 13 dos factos provados, pugnando que os mesmos devem ser julgados não provados.
Em terceiro lugar, impugnam os Recorrentes partes que indicam a negrito dos pontos 25, 26 e 34 dos factos provados, entendendo que nessa parte os mesmos devem ser julgados não provados.
Em quarto lugar, os Recorrentes impugnam os factos não provados das al. m, n, o, p, q, s, t, w, x, y, z, aa, bb, cc e mm, pugnando que devem ser considerados provados.
Em quinto lugar, os Recorrentes impugnam os factos não provados das al., l, dd, ff, hh, ii, jj, kk, e ll, pugnando que os mesmos devem ser julgados provados, e que deve ser acrescentada aos factos provados a factualidade indicada nas conclusões 23 e 24 da apelação.
Sucede que, relativamente a todos os factos impugnados, os Recorrentes não indicam os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre esses pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida conforme exige o art. 640º, nº 1, al. b) e 2, al. a) do CPC.
Esta forma de impugnação não cumpre as exigências formais das alíneas b) do nº 1, e 2 al. a) do art. 640º do CPC.
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, a propósito da previsão do art. 640º do CPC, disponível in www.dgsi.pt:
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”. (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual).
Diz-se também no acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015, acessível em www.dgsi.pt, que:
“(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto”.
“…Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC”.
“…É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”.
“…Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do art. 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que:
O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153).
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.155).
Deste modo, relativamente a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
Assim, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar.
Nesse sentido, veja-se o Ac. do S.T.J., de 20.12.2017, onde, no sumário, se escreveu o seguinte: “I- A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos (sublinhado nosso);II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”.
Em suma, a indicação dos concretos meios probatórios deve ser feita a cada facto impugnado, o que não se verifica no caso vertente.
Na verdade, os Recorrentes limitaram-se a criar vários grupos ou lotes de matéria de facto impugnada, indicando a cada grupo os concretos meios probatórios no seu entender adequados a lograr a procedência dessa impugnação, mas omitiram a indicação dos meios probatórios a cada um dos concretos factos impugnados, incluindo os indicados nas conclusões 23 e 24 do recurso.
Acresce que, a prova documental por si indicada, nada releva quanto à pretendida alteração, desacompanhada de qualquer outro meio de prova.
Deste modo, não tendo os Recorrentes observado o disposto no art. 640º, nº 1 e 2 do CPC, tal determina a rejeição do recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto.
*
Mantendo-se inalterada a sentença relativamente à matéria de facto provada e não provada, vejamos a subsunção jurídica dos factos.
Alegam os Recorrentes que na presente acção, ainda que viessem a ser julgadas totalmente improcedente as conclusões supra (da 2.ª à 25.ª), ainda assim teria a presente acção de ser julgada improcedente por não provada; isto porque mesmo considerando apenas a decisão proferida em sede de matéria de facto dada como provada e não provada, terá de concluir que não se verificam, ou não se provaram, os requisitos legais previstos para o exercício do direito de preferência, nomeadamente, a existência de prédios confinantes, a área inferior à unidade de cultura e a observância do prazo de caducidade previsto no art. 1419º do Cód. Civil.
Vejamos.
Na presente acção, o Autor assenta o invocado direito de preferência na sua qualidade de proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio que foi vendido, nos termos previstos no art. 1380º, nº 1 do Código Civil.
Nos termos do citado artigo, “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.
Assim, são pressupostos do direito legal de preferência previsto neste normativo:
a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;
b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado;
c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;
d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio rústico confinante.
Este direito de preferência está, porém, legalmente excluído quando ocorra alguma das situações previstas no artº. 1381º do CC.
Ora, analisada a materialidade fáctica apurada nos autos, não restam dúvidas que todos os apontados pressupostos legais se mostram verificados.
Com efeito, resulta provado que o primeiro dos elencados pressupostos legais se mostra preenchido, pois que o prédio rústico em relação ao qual o A. pretende exercer o direito de preferência, acima identificado, foi vendido - aos 2ºs. RR. (cfr. pontos 11 e 23).
O mesmo acontece relativamente ao segundo desses pressupostos legais, na medida em que resulta provado que o Autor é proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado (cfr pontos 11, 12 e 32).
Neste conspecto, os Recorrentes alegam que das confrontações referidas nos documentos juntos pelo Recorrido com a Petição Inicial (como documentos ... a ...) não resulta que o prédio do Autor confine com o dos RR; e que tais documentos, que não foram impugnados, são qualificados como autênticos e que, por via disso, fazem prova plena dos factos que neles se mostram atestados.
Na verdade, os documentos em causa dizem respeito certidões registrais e cadernetas prediais relativa aos prédios em causa nos autos.
Porém, a força probatória desses documentos autênticos não abrange as áreas dos prédios, as suas confrontações ou quaisquer outros elementos ínsitos nos documentos.
A força probatória plena não cobre a veracidade ou a sinceridade do declarado (assim, Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares, pg. 227, cit. in S.T.J. 15/5/07, www.dgsi.pt, pº 07A1273, relatado pelo Consº Sebastião Póvoas).
Desta forma pode usualmente concluir-se que as confrontações de um prédio referenciadas numa escritura pública, constituem meros elementos identificadores do prédio, para efeitos da escritura, e não integram, como tais, a força probatória plena do declarado, mais a mais se forem objecto de impugnação – cf. Ac.R.C., 27/10/87 Bol.370/624 ou Ac.S.T.J. 18/11/04, in www.dgsi.pt, pº 04B2972, relatado pelo Consº Lucas Coelho.
O que vem de ser dito quanto às confrontações vale, igualmente, para o que em tal documento vem declarado relativamente à área do prédio a que respeita e também perante o que consta das certidões registrais.
Com efeito, a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 7º do Código de Registo Predial, que não foi ilidida, reporta-se tão só ao facto jurídico inscrito e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal do prédio (v. Ac. STJ de 19-09-2017, proferido no processo nº 120/14.4T8EPS.G1.S1 (disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-11-2013, proferido no processo nº 1643/10.0TBCTB.C1).
Neste sentido se decidiu no Acórdão desta Relação, de 30-05-2018, proferido no processo nº 8250/15.9T8VNF.G1: “A inscrição no registo predial faz presumir a titularidade do direito de propriedade, mas a essa presunção não abrange a área ou a definição da delimitação física do prédio. A presunção registral cinge-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados e ainda de um núcleo mínimo essencial caracterizador da coisa. Não beneficiando a parte da presunção de propriedade relativamente a uma determinada área, para que possa ser declarada proprietária uma fracção autónoma com uma concreta área terá de fazer prova da sua aquisição por usucapião.”
Dito isto, tem de improceder esta alegação dos Recorrentes.
No que tange ao pressuposto da área inferior à unidade de cultura, resulta assente que ambos os prédios têm área inferior à unidade de cultura, conforme resulta dos pontos 1 e 12 dos factos provados.
É de salientar que quer o prédio rústico de que é proprietário o autor, quer o prédio objeto de preferência, são compostos, entre outros, por pinhal, oliveiras e vinha. Por isso, à luz da portaria 219/2016, de 09/08, a área mínima de cultura fixada para a ..., na qual os prédios em causa na presente ação se mostram inseridos, é de 4 hectares, considerando que estamos perante terrenos de sequeiro. De modo que, ainda que se entendesse, como pretendem os Recorrentes, que a área do prédio do Autor é de 26.420 m2, ainda assim continuaria a ser inferior à unidade de cultura legalmente prevista para a zona.
Finalmente, resulta também provado que o adquirente do prédio não é proprietário de prédio rústico confinante (cfr ponto 35).
Assim sendo, conclui-se que estão preenchidos todos os pressupostos gerais previstos no art. 1380º do CC para o direito de preferência do Autor.
Por outro lado, há ainda outros pressupostos legais a ter em conta para o exercício do direito de preferência em causa.
Para tal dispõe ainda o nº. 4 do citado artº. 1380º que “é aplicável neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º. e 1410º., com as necessárias adaptações”.
Na parte que aqui interessa, o artº. 416º do CC, prevê que “Querendo vender a coisa que é objeto de pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato” (nº. 1), e que “Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade...” (nº. 2). (sublinhado nosso)
Por sua vez, o artº. 1410º, nº. 1, do CC, dispõe que “o comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda...tem o direito de haver para si a quota alienada contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.”
Do exposto se conclui que o preferente, a quem não se deu conhecimento da venda (nos termos do disposto no artº. 416º ex vi artº. 1380º, nºs 1 e 4), têm o direito de haver para si o prédio vendido, desde que o requeira no prazo de seis meses, ”a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação” e depositem o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
Conforme se sustentou no Ac. da RC de 18.05.2021, proc. 178/19.0T8MBR.C1, (…) “Não há dúvidas de que o prazo de 6 meses estatuído no citado artº. 1410º, nº. 1, é um prazo de caducidade (cfr. artº. 298º, nº. 2, do CC e, por todos, ainda os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, Coimbra, Editora, 2ª ed., 3ª Vol., pág. 372”).
Como resulta do disposto das disposições conjugadas dos artºs. 342º, nº. 2, e 343º, nº. 2, e tal como, aliás, vem constituindo entendimento dominante, neste tipo de ações é sobre o réu-vendedor que impende o ónus de demonstrar que caducou o direito do autor e bem assim que comunicou ou deu conhecimento ao preferente da venda ou da projetada venda (vide ainda, por todos, Ac. da RC de 20/9/1988, in “BMJ nº. 379 – 647”; Ac. da RC de 16/2/1994, in “BMJ nº. 434 – 693”; Ac. do STJ de 14/3/1996, in “BMJ nº. 54 – 706”; Ac. do STJ de 2/7/10/82, in “CJ, 1981, T4 – 217” e Ac. da RE de 12/7/89, in “BMJ nº. 389 – 667”).
Constitui hoje entendimento praticamente pacífico que a comunicação da venda ou do seu projeto (bem assim como a resposta do preferente) tanto pode ser feita judicial como extrajudicialmente, ou seja, poderá sê-lo por qualquer forma ou meio legalmente admissíveis – o que significa que poderá sê-lo também verbalmente -, sendo essencial é que tal seja feito de forma clara e inequívoca (vide, por todos, Batista Lopes, in “Compra e Venda, pág. 324 e ss”; Vaz Serra, in “RLJ, 123 – 313”; Ac. do STJ de 8/11/1994, in “BMJ nº. 441 – 250”; Ac. do STJ de 27/7/79, in “BMJ nº. 289 - 331”; Ac. da RP de 26/6/1991, in “CJ, Ano XVI, T3 – 267” e Ac. da RP de 28/11/89, in “CJ, Ano XIV, T5 – 197”).
Constitui igualmente entendimento dominante que a comunicação do “projeto venda” e das “cláusulas do respetivo contrato” a que se alude no citado artº. 416º, n.º 1, deve reportar-se a um negócio concreto, abrangendo todos os elementos ou fatores que possam influir na formação da vontade e decisão de preferir ou não, designadamente, o preço, as condições do seu pagamento e o conhecimento da pessoa adquirente ou comprador (que são hoje pacificamente considerados como os elementos essenciais de um negócio e de que o preferente deve tomar conhecimento), não bastando, assim, a simples a comunicação da intenção de vender e nem uma comunicação genérica ou vaga dessa venda ou de alguns daqueles seus elementos considerados essenciais. Por outro lado, tal comunicação deve ser levada ao conhecimento de todos os proprietários ou comproprietários de terrenos confinantes com aquele que se quer vender. (Vide, entre muitos outros, os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, 2ª ed. revista, Coimbra Editora, págs. 372/373”; o prof. Almeida Costa, in ““Obrigações, 3ª. ed., pág. 298, nota 1”; Ac. do STJ de 11/3/92, in “BMJ nº. 15 - 569”; Ac. do STJ de 14/3/1996, in “BMJ nº. 54 – 706”; Ac. do STJ de 22/2/1984, in “BMJ nº. 334 - 473”; Ac. da RP de 21/1986, in “BMJ nº. 353 – 510”; Ac. da RC de 15/6/89, in “388 - 479”; Ac. da RC de 28/2/1990, in “BMJ nº. 394-542”; Ac. da RE de 26/9/1991, in «BMJ 409 – 889" ; Ac. da RLx de 13/10/94, in «CJ, Ano XIX, T4 – 110 »; Ac. do STJ de 15/6/1998, in “BMJ nº. 388 – 479”; Ac. da RP de 14/7/1988, in “CJ, Ano XIII, T4 – 171» e Ac. da RP de 15/11/83, in “BMJ nº. 331 – 603”).”
Podemos assim sintetizar que enquanto ao autor/preferente incumbe o ónus de prova da verificação dos pressupostos referidos no art. 1380º do CC, assim como do depósito do preço devido, ao vendedor e/ou comprador, por seu lado, cabe o ónus de provar que foi dado conhecimento àquele da venda ou da projectada venda e dos seus elementos essenciais, que caducou o direito do mesmo, seja por não ter sido exercido dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito, seja por não ter depositado o preço devido no prazo legal fixado para o efeito, ou que se verifica uma das situações de excepção previstas no artº. 1381º do CC.
Retomando o caso, analisando a materialidade fáctica provada, verifica-se que os RR. não lograram provar que tivessem comunicado ou dado conhecimento ao autor da venda do prédio em causa, isto é, dos elementos essenciais, acima referidos, que envolveram o respetivo negócio em causa.
Finalmente, resulta ainda demonstrado que o A. instaurou a ação e depositou o preço pago pelos 2ºs. RR. pela compra do prédio dentro do prazo legal estipulado para o efeito.
Em suma, mostram-se verificados todos os pressupostos legais que permitem ao Autor exercer o direito de preferência na compra do supra identificado prédio.
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Relativamente à decisão relativa pedido reconvencional, considerando que, como acima ficou dito, se mantêm inalterada a matéria de facto provada e não provada, nenhuma alteração se impõe aqui efectuar relativamente à aplicação do direito nessa parte da sentença.
Por todo o exposto, somos a concluir pela total improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.
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Sumário:

- De acordo com o disposto na alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, exige-se que o recorrente ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

- Daí decorre que, essa concretização deve ser feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos, sob pena de rejeição da impugnação.

- A força probatória plena dos documentos autênticos, como seja a pública e certidão registral, não abrange as áreas dos prédios neles mencionados, as suas confrontações ou quaisquer outros elementos ínsitos no documento, isto é, não cobre a veracidade ou a sinceridade do declarado.

- Por isso, a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 7º do Código de Registo Predial, que não foi ilidida, cinge-se somente ao facto jurídico inscrito e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal do prédio.

- Nas acções de preferência sobre prédios rústicos, enquanto ao autor/preferente incumbe o ónus de prova da verificação dos pressupostos referidos no art. 1380º do CC, assim como do depósito do preço devido, ao vendedor e/ou comprador, por seu lado, cabe o ónus de provar que foi dado conhecimento àquele da venda ou da projectada venda e dos seus elementos essenciais, que caducou o direito do mesmo, seja por não ter sido exercido dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito no art. 1410º do CC, seja por não ter depositado o preço devido no prazo legal fixado para o efeito, ou que se verifica uma das situações de excepção previstas no artº. 1381º do CC.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 19.01.2023

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Conceição Bucho