NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA
DANO BIOLÓGICO
VERTENTE NÃO PATRIMONIAL
DANOS FUTUROS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL –RMMG
Sumário


.1- A afetação da capacidade funcional de uma pessoa, em regra, exerça ou não esta qualquer atividade produtora de rendimentos, repercute-se também em toda a esfera da sua vida privada, nos seus direitos pessoais, cuja perda ou limitação também tem que ser compensada.
.2- Atento o princípio da igualdade, importa, além do mais, atentar nos valores apurados na jurisprudência, considerando, no entanto, que para efeito de determinação da indemnização do dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial, importam essencialmente as consequências das lesões na vida do lesado, em todas as suas dimensões, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física de que passou a padecer, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão.

Texto Integral


Autor e Apelante independente: AA
Ré e Apelante subordinadaL... Seguros, Companhia de Seguros e R... S.A.
 
Autos de:ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum

Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

.I- Relatório
O Autor, para pedir a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de:
-- 13.788,65 € a título de danos patrimoniais sofridos até à data da apresentação da petição inicial;
- 40.000,00 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;
- e indemnização a liquidar, pelos restantes danos patrimoniais decorrente de perdas de rendimentos desde a apresentação da petição inicial, de perda futura de capacidade de ganho, de despesas em consultas médicas, medicamentos, exames complementares de diagnóstico, tratamentos médicos e não patrimoniais decorrentes do dano biológico, corporal e estético, do sofrimento físico e moral,  sofridos mas não liquidados e/ou a sofrer pelo autor em consequência do descrito embate, que vierem a ser apurados em liquidação do pedido ou em execução de sentença,
Invocou em síntese que foi vítima de um acidente de viação em 16 de março de 2019, tendo a Ré assumido que o mesmo se deveu a culpa do seu segurado, sendo este o valor dos danos que sofreu, entre os quais se incluem os que incidiram sobre a sua integridade física e psicológica.
Junto aos autos o relatório da segunda perícia, o autor, em 16-9-2021, veio ampliar o pedido, pedindo a condenação da ré a pagar ao autor
-  a quantia de 288.948,65, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos ou futuros, mas calculados;
- uma indemnização por outros danos patrimoniais ou não patrimoniais de que o autor venha a padecer em consequência do embate dos autos e que são insuscetíveis de liquidação nesta data, por dependerem da evolução do quadro clínico.
Pedido final
Em síntese, distinguiu as seguintes parcelas:
  - 35.000,00 € euros a acrescer aos 40.000,00 € já peticionados para reparar os danos não patrimoniais;
- 18.000,00€ a acrescer aos 13.788,65 € já peticionados para reparação dos danos patrimoniais relativos aos rendimentos deixados de obter até à data da apresentação da ampliação do pedido
- para reparação dos danos patrimoniais relativos aos rendimentos deixados de obter desde a data da apresentação da petição inicial  até à data da apresentação da ampliação do pedido:
--  178.000,00€ para reparação do dano futuro da perda de rendimentos;
--  4.160,00€ para reparação de maiores custos com deslocações; a acrescer aos já peticionados 1.000,00€ para reparação da perda do motociclo e 788,65€  para reparação de despesas em sessões de fisioterapia e deslocações e ao pedido de outros danos patrimoniais e não patrimoniais que insuscetíveis de liquidação naquela data, por dependerem da evolução do quadro clínico.
Mais invocou que “Apesar do esforço de liquidação e ampliação agora feito, a verdade é que, como referem os peritos médicos, “na situação em apreço é de perspetivar a existência de um dano futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso
Conclui com o  pedido de condenação da Ré no pagamento:
.a) ao autor a quantia de 288.948,65 € , a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos ou futuros, mas calculados;
.b) A pagar ao autor uma indemnização por outros danos patrimoniais ou não patrimoniais de que o autor venha a padecer em consequência do embate dos autos e que são insuscetíveis de liquidação nesta data, por dependerem da evolução do quadro clínico.
Em 16-9-2021 o Recorrente Subordinado veio apresentar requerimento em que defende que é possível a realização de uma terceira perícia: “dada a disparidade entre ambas as perícias, entende a demandada que, não só o Tribunal poderá ordenar a realização de uma terceira perícia, como igualmente, dada a disparidade entre ambas as perícias, deverá essa mesma terceira perícia ser ordenada.”
Este requerimento foi indeferido, por despacho de 23-9-2021, que não foi objeto de recurso: “a lei não prevê a realização de uma 3ª perícia, sendo certo que o invocado principio da adequação formal previsto no artigo  547º do Código de Processo Civil, que permite ao Juiz adequar o conteúdo e forma dos atos processuais ao fim que se pretende alcançar na causa, não tem o alcance pretendido pela Ré, pois que, não permite viabilizar a realização de uma diligência probatória que, de iure constituto, não está legalmente prevista, razão pela qual vai a mesma indeferida.”
Sentença

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que veio a ser completada, por suprimento de nulidade ocorrida por omissão de conhecimento da ampliação do pedido, que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré no pagamento ao Autor:
a) da quantia correspondente a 650,00 € por cada mês ou proporcional decorridos entre 16 de março de 2019 e 16 de setembro de 2021, a que acrescem 500,00 € relativos ao valor do ciclomotor e ainda € 788,65 relativos a tratamentos e fisioterapia;
b) Numa indemnização equivalente a € 8.750,00 relativa a danos não patrimoniais sofridos pelo A. até à data da entrada em ação;
c) a quantia de € 7.500,00 como complemento da liquidação dos danos não patrimoniais já conhecidos;
d) numa indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de € 13.310,40;
e) remeteu-se para incidente de liquidação a indemnização por outros danos patrimoniais ou não patrimoniais de que o autor venha a padecer em consequência do embate dos autos e que são insuscetíveis de liquidação nesta data, por dependerem da evolução do quadro clínico, nos termos peticionados no requerimento de ampliação do pedido.
 
É desta decisão que o Autor apela, com as seguintes
 conclusões:
“1.ª Tendo as testemunhas declarado que o autor exercia a profissão de trolha por conta própria e que isso lhe ocupava o tempo todo; tendo o tribunal considerado esses depoimentos credíveis e com base neles considerado provado, em gggg), que, “em Março de 2019, o autor tinha sessenta e dois anos de idade, trabalhava por conta própria, na sua profissão de sempre, de trolha, fazendo pequenas obras (“biscates”), que lhe ocupavam todos os dias”; tendo aquelas testemunhas, sem vozes discordantes, declarado que o autor auferia, naquela sua actividade, cinquenta euros por dia, como disseram clientes dele – a testemunha BB, no depoimento prestado no dia 7 de Junho de 2022, pelas 15h18m54s, constante do ficheiro 2.., excerto de 6m21s a 6m44s; e a testemunha BB, no depoimento prestado no dia 7 de Junho de 2022, pelas 15h50m26s, constante do ficheiro 20220607155026_5791 390_2870527, excerto de 3m19s a 4m01s – ou que daquela actividade auferia cerca de mil euros por mês e cinquenta euros por dia, como disseram familiares dele – a testemunha CC, no depoimento prestado no dia 7 de Junho de 2022, pelas 15h59m45s, constante do ficheiro 2…, excerto de 2m00s a 3m00s; e a testemunha DD, no depoimento prestado no dia 7 de Junho de 2022, pelas 16h16m01s, constante do ficheiro 2…, excerto de 1m45s a 2m50s, e excerto de 18m23s a 18m56s  –; tendo em conta que os depoimentos se mostram coerentes; tendo em conta que a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a “AECOPS” e outras associações de empregadores, de um lado, e a “FETESE” e outros sindicatos, doutro lado – publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 28/2019, de 29 de Julho de 2019, página 2904 e seguintes –, reservava a retribuição mínima mensal garantida para os aprendizes, sendo certo que o autor há muito fora aprendiz, reservando a mesma Convenção, para o cargo de encarregado-geral, cargo que é razoável estimar que uma pessoa da idade do autor ocupasse, uma retribuição base mínima de EUR 820.00 (oitocentos e vinte euros), por mês, a que acrescem o subsidio de alimentação e retribuições por trabalho extraordinário; tendo em conta que de acordo com os dados estatísticos da Fundação ... (Pordata) – disponível no endereço– os trabalhadores por conta doutrem no sector da construção civil auferiam, em 2019 e em média, a quantia de EUR 843.90 (oitocentos e quarenta e três euros e noventa cêntimos), sendo de estimar que uma pessoa como o autor, com 62 (sessenta e dois) anos de idade, auferisse algo mais do que a média; tendo em conta que o autor abandonou, há cerca de vinte anos, a condição de trabalhador por conta de outrem para trabalhar por conta própria, o que faz mais sentido se dessa forma obtiver melhores rendimentos; tendo em conta que até nas funções domésticas não há já quem as preste por menos do que seis euros por hora; é de considerar provado que: vvvv) da atividade referida em gggg) o autor auferia por mês e em média, a quantia de EUR 1´000.00 (mil euros);
2.ª Tendo o autor alegado, no artigo 196.º, da petição inicial, que “em consequência do embate e das lesões e sequelas de que padece, o autor esteve e continuará impossibilitado de exercer aquela sua actividade ou qualquer outra semelhante, até à recuperação ou para sempre”; tendo o tribunal recorrido, perante as divergências entre as duas perícias médicas feitas nos autos, “dado maior relevo ao relatório de fls. 162 e ss. (2ª perícia), em face dos esclarecimentos prestados, o mesmo revela maior congruência, desde logo quanto aos graus de incapacidade, face às lesões observadas e ao tipo de atividade do A., bem como todo o longo período de recuperação constatado”, acrescentando mesmo que “em audiência o perito do primeiro relatório admitiu que pudessem ser fixados valores diferentes para os graus de incapacidade então estipulados”; constando do relatório da segunda perícia que “as sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional”; tendo o autor, à data do acidente, 62 anos de idade, tendo sido trolha toda a vida, e, assim, nenhumas possibilidades de reconversão; tendo o autor, na ampliação do pedido e nos artigos 23.º e 24.º, alegado que “em consequência do embate e das lesões e sequelas de que padece, o autor está, desde a data do embate e para sempre, impossibilitado de exercer a sua actividade profissional de pedreiro” e que “está impedido de exercer qualquer outra actividade profissional compatível com a sua preparação técnico-profissional”; é de considerar provado que: xxxx)  além da atividade referida em hhhh), o autor não pode realizar outra semelhante dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
3.ª De resto, tendo em conta o referido na conclusão anterior; tendo o tribunal recorrido condenado a ré a pagar ao autor todas as retribuições desde a data do acidente até à dedução da ampliação do pedido; é de considerar que estamos perante um lapso manifesto do tribunal recorrido ao considerar provado, em hhhh), que “em consequência do embate e das lesões e sequelas de que padece, o autor esteve e continuará impossibilitado de exercer aquela sua actividade”, e em rrrr), que “as sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual”, e não provado que além da atividade referida em hhhh), o autor não pode realizar outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; 
4.ª Sem prescindir e para o acaso se entender que não estamos perante um manifesto lapso e se acaso se entender que não pode apreciar-se a impugnação, nesta parte, da matéria de facto, sem se conhecer os fundamentos da decisão impugnada, então e por não se achar fundamentada a decisão de consideração, como não provado, que, além da atividade referida em hhhh), não possa realizar outra semelhante, deve declarar-se verificada a nulidade dessa decisão por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil;
5.ª Sempre sem prescindir do concluído na conclusão 2.ª, por outro lado e se acaso se entender que não estamos perante um manifesto lapso e que não pode apreciar-se esta parte da impugnação por falta de decisão do tribunal recorrido, quanto ao alegado pelo autor a respeito disso na ampliação do pedido, então e por não se achar decidido o alegado pelo autor no artigo 24.º, da ampliação do pedido, ou seja, que “[em consequência do embate e das lesões e sequelas de que padece, o autor] está impedido de exercer qualquer outra actividade profissional compatível com a sua preparação técnico-profissional”, deve declarar-se verificada a nulidade da sentença por omissão de pronuncia, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil;
6.ª À luz da jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2016 – disponível no portal [www.dgsi.pt], Processo 1021/11.3TBABT.E1.S1 –, é de considerar desproporcionada a quantia de EUR 16´250.00 (dezasseis mil duzentos e cinquenta euros), para indemnizar o autor de todos os danos não patrimoniais sofridos, tendo em conta:
− o pânico sofrido no momento do embate, quando pensou que a sua vida terminaria ali, como o pânico que sofreu quando recuperou a consciência na angústia de saber se seria socorrido a tempo de salvar a sua vida – facto provado s);
− as dores insuportáveis que sofria quando recuperou a consciência – facto provado t);
− a fratura do joelho, do fémur, da tíbia e do osso ilíaco, o internamento de doze dias com uma intervenção cirúrgica para encavilhamento da perna e dores então sofridas – factos provados u) a x);
− o período de um mês em casa, com a perna imobilizada, sem poder fazer nada, precisando da ajuda de terceiros para tudo, até para se vestir e tomar banho deitado – factos provados y) a bb);
− a preocupação causada pela incerteza acerca da autorização da ré para se iniciarem os tratamentos de recuperação a motivar o desesperado envio de uma comunicação à ré – factos provados cc) a gg);
− a submissão do autor, que reside na freguesia ..., no concelho ..., a ter que se deslocar ao ... para ali consultar os médicos que a ré designou, o que fez por sete vezes – factos provados ii), pp), zz), ddd), hhh), nnn), vvv); − a sujeição a cinco meses de tratamentos de fisioterapia, entre Maio e Setembro de 2019, as intensas dores sofridas nas deslocações para os tratamentos e nos próprios tratamentos – factos provados kk) a nn);
− a preocupação causada pela desastrada recusa do médico designado pela ré em prescrever mais tratamentos de fisioterapia, contrariando a indicação do médico fisiatra que remendava a sua continuação e a angústia então sofrida pelo autor acerca da evolução da recuperação, que motivou o envio de mais três desesperadas comunicações do filho do autor – factos provados oo) a tt);
− as preocupações passadas pela necessidade que o autor teve de suportar do seu bolso a continuação das sessões de fisioterapia no mês de Outubro de 2019, com as preocupações que isso causou e dores que sofreu – factos provados uu) a xx);
− a preocupação provocada pela incerteza acerca da condução da sua recuperação com o contraditório regresso, recomendado pelo médico da ré, às sessões de fisioterapia, entre Novembro de 2019 e Fevereiro de 2020, e as dores que sofreu e os esforços que fez nas sessões e deslocações – factos provados yy) a kkk);
− ficar com uma perna mais curta do que a outra 1 cm e o desgosto que isso causa – facto provado mmm);
− o atribulado diagnóstico de alta e a preocupação que isso causa num qualquer paciente – factos provados ooo) a zzz);
− a circunstância de o autor ter ficado com marcha claudicante, acentuada diminuição da rotação do joelho ao ponto de não conseguir cruzar a perna, com uma perna mais curta do que a outra, com dores e dificuldades em caminhar, a padecer de estados de irritação, alterações de humor, nervosismos, cicatrizes – factos provados cccc) a dddd);
− a circunstância de o autor nunca mais conseguir circular de motociclo, forçando-o a carecer de boleia, com a inerente tristeza e sentimentos de inferioridade – factos provados eeee);
− a circunstância de o autor temer pelos rendimentos do agregado familiar, pois que não mais conseguiu trabalhar e, até à celebração do acordo no apenso da reparação provisória, em Março de 2021, ter estado sem quaisquer rendimentos – facto provado ffff);
− a circunstância de o autor só ter tido alta em 10 de Março de 2020, o que significa que esteve quase um ano em tratamentos médicos, tratamentos nos quais sofreu dores, como dores sofreu nas deslocações para eles, para além dos incómodos – factos provados llll), mmmm) e nnnn);
− as dores que sofreu, que foram de grau 4 numa escala de 7 – facto provado pppp);
− a circunstância de o autor ter ficado a padecer de um défice funcional permanente de 16 pontos – facto provado qqqq);
− a circunstância de o autor ter ficado com um dano estético de grau 4 numa escala de 7 – facto provado ssss);
− a circunstância de o autor ter ficado impossibilitado de fazer actividades lúdicas e de lazer, num grau de 4 numa escala de 7 – facto provado tttt);
− a repercussão na actividade sexual, que é de grau 4 numa escala de 7 – facto provado uuuu);
7.ª Sempre à luz da jurisprudência dos tribunais superiores, tendo em conta que "a indemnização por danos não patrimoniais - que visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido - deve ser significativa, e não meramente simbólica” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 2003, disponível no portal [www.dgsi.pt], com a Referência Processo 03B3528 –, tendo em conta a crescente valorização destes danos, tendo em conta que se verifica, para o ano de 2022, uma inflação de cerca de 10% e que se antecipa que continuaremos com taxas de inflação acentuadas e tendo em conta os danos elencados na conclusão anterior, mostra-se equitativa, para os compensar, a quantia pedida pelo autor, de EUR 75´000.00 (setenta e cinco mil euros);
8.ª Independentemente da impugnação da decisão da matéria de facto, não resultando provados os rendimentos do autor, mas resultando provado, em gggg), que o lesado “trabalhava por conta própria, na sua profissão de sempre, de trolha, fazendo pequenas obras (“biscates”), que lhe ocupavam todos os dias”, a retribuição a usar para o cálculo da perda de rendimentos de um lesado em acidente de viação, deve ser a que de acordo com as regras do sector de actividade seja razoável estimar para aquele concreto lesado. 
9.ª Por isso, no caso de um lesado com 62 (sessenta e dois) anos de idade, que exerceu a profissão de trolha toda a vida, tendo presente que a convenção colectiva do trabalho do sector reserva a retribuição mínima mensal garantida para aprendizes, e que para um encarregado geral reserva a retribuição mínima de oitocentos e cinquenta euros, a que acresceriam as progressões e diuturnidades, para além do subsidio de alimentação e provável retribuição por trabalho extraordinário, tendo presente que a retribuição média no sector da construção civil era, em 2019, de cerca de oitocentos e cinquenta euros, e tendo presente que no caso o lesado exercia aquela actividade por conta própria, é de considerar, para aquele cálculo, um rendimento mensal de EUR 1´000.00 (mil euros), e, para obtenção do rendimento anual, multiplicado este valor por 12 (doze) meses ou, se assim se não entender, usar o montante de EUR 850.00 (oitocentos e cinquenta euros), mas multiplicado por 14 (catorze) meses, que é o montante que dali resulta para os trabalhadores por conta doutrem;
10.ª Da consideração daquele rendimento resulta que, no que respeita à perda de retribuições, entre 19 de Março de 2019 (data do acidente dos autos, como considerado na sentença) e 16 de Setembro de 2021 (data da apresentação da ampliação do pedido, como considerado na sentença), o que representa trinta meses, a mesma ascendeu a EUR 30´000.00 (trinta mil euros);
11.ª Como factores das fórmulas matemáticas que são um precioso auxiliar na quantificação do dano patrimonial futuro deve considerar-se o “tempo provável de vida” e não apenas o “tempo de vida activa”, bem como o “rendimento efetivo” e não apenas o “rendimento declarado”, e, ainda, uma taxa de juro de 3% – conclusão adaptada do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2021
12.ª Estando disponíveis os dados relativos à esperança média de vida do lesado ao celebrar sessenta e cinco anos de idade – disponível no endereço https://www.pordata.pt/Portugal/Esperança+de+vida+aos+65+anos+total+e+por+sexo+(base+trié nio+a+partir+de+2001)-419 –, é essa a referência a utilizar para o cálculo do tempo provável de vida, o que significa que, se o autor, ao celebrar sessenta e cinco anos de vida, como acontece, tem ainda uma esperança média de vida de 17,4 anos, é essa a referência que deve ser utilizada para o cálculo da perda de rendimentos futuros;
13.ª Assim, tendo o tribunal recorrido calculado a perda futura de rendimento com base na multiplicação do rendimento mensal pelo número de meses que medeiam entre a data da dedução da ampliação do pedido (16 de Setembro de 2021) e a data em que o lesado completa a idade correspondente à da esperança média de vida (o que será em 23 de Dezembro de 2038, como se referiu na conclusão anterior e não na data indicada na sentença), multiplicado pela taxa da incapacidade para o trabalho (que no caso é total, ou seja, 100%, e não a indicada na sentença), majorando isso em 8.5%, então o dano da perda futura de rendimento ascende a EUR 226´765.00 (duzentos e vinte e seis mil setecentos e sessenta e cinco euros);
14.ª Tendo presente o conteúdo da conclusão que antecede; tendo em conta que de acordo com a fórmula proposta pelo Conselheiro Joaquim José de Sousa Dinis – in “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, Colectânea de Jurisprudência, STJ I/2001, página 5 –, se aplicada ao nosso caso e considerando um rendimento anual de EUR 12´000.00 (doze mil euros), obteríamos o resultado de EUR 199´481.76 (cento e noventa e nove mil quatrocentos e oitenta e um euros e setenta e seis cêntimos), que é o capital necessário para, à taxa de 3%, proporcionar o rendimento de EUR 12´000.00 (doze mil euros) por ano; tendo em conta que de acordo com a tabela constante do Anexo III à Portaria 377/2008, de 26 de Maio, se aplicada ao nosso caso e considerando o rendimento anual de EUR 12´000.00 (doze mil euros) e que o autor completará a idade correspondente à esperança média de vida em 17 anos e 5 meses contados da data da dedução do pedido ampliado, se obtém o resultado de EUR 190´648.00 (cento e noventa mil seiscentos e quarenta e oito euros); tendo em conta que se usada a tabela financeira proposta por Manuel Ferreira de Sá Ribeiro  para a taxa de 3% – in “Tabelas Financeiras”, Universidade Católica Portuguesa, 1981, página 26 –, o capital necessário para proporcionar o rendimento semelhante ao rendimento mensal que se esgote em dezassete anos será de EUR 157'993.44 (cento e cinquenta e sete mil novecentos e noventa e três euros e quarenta e quatro cêntimos); tendo em conta que não é possível encontrar, há já muitos anos, depósitos a prazo que rendam a apontada taxa de 3%, sendo temerário, hoje, apontar para um depósito que proporcione uma taxa de juros de 1%, pois que, na verdade e desde 2017, as taxas de juros dos depósitos são inferiores a 0,3%; tendo em conta que se usada a tabela financeira proposta por Manuel Ferreira de Sá Ribeiro  para a taxa de 1% – ob cit, página 18 –, o capital necessário para proporcionar o rendimento semelhante ao rendimento mensal que se esgote em dezassete anos será de EUR 186´747.00 (cento e oitenta e seis mil setecentos e quarenta e sete euros); tendo em conta que se usada a tabela financeira proposta por Manuel Ferreira de Sá Ribeiro  para a taxa de 0.25% – ob cit, página 15 –, o capital necessário para proporcionar o rendimento semelhante ao rendimento mensal que se esgote em dezassete anos será de EUR 199´481.76 (cento e noventa e nove mil quatrocentos e oitenta e um euros e setenta e seis cêntimos); constituindo estas tabelas meros auxiliares porque, apesar de exactas, não há consenso acerca dos factores que devem servir de base para o cálculo; é equitativo fixar em EUR 220´000.00 (duzentos e vinte mil euros) os danos patrimoniais futuros sofridos pelo autor em consequência do acidente dos autos.
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por deliberação que julgue provados os factos acima indicados e que condene a ré a pagar ao autor a quantia global por nós pedida de EUR 288´948.65 (duzentos e oitenta e oito mil novecentos e quarenta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos).”

A Ré respondeu, com as seguintes
conclusões:
O recurso interposto pelo recorrente principal não merece provimento. 
A douta sentença errou, de facto, mas apenas na exata medida defendida no recurso principal interposto pela aqui recorrida, para o qual se remete e cujos fundamentos aqui se dão por inteiramente reproduzidos. 
Sem prescindir, na eventualidade de, contrariamente ao defendido pela aqui recorrida no seu recurso subordinado, se entender manter inalterada a decisão relativa à matéria de facto, sem repetição do julgamento, então é mister concluir que os montantes arbitrados pelo Mm.º Juiz a quo o foram mediante uma conscienciosa aplicação dos pertinentes preceitos legais, arbitrando indemnizações justas e equilibradas.”

A Ré apresentou recurso subordinado, com as seguintes
conclusões:
 “1. Nos termos do disposto nos arts. 662.º e 640.º do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.
2. Entende a recorrente subordinada que os relatórios periciais elaborados, de fls., respetivo esclarecimento escrito quanto ao primeiro relatório elaborado, e os esclarecimentos prestados pelos respetivos peritos médicos subscritores em sede de audiência de julgamento, são insuficientes para sustentar o excerto decisório da sentença apelada no que diz respeito à fixação definitiva das lesões e sequelas que afetam o autor como consequência do acidente dos autos, no que diz respeito aos supra transcritos pontos pontos hhhh), mmmm), nnnn), pppp), qqqq), rrrr), ssss), tttt) e uuuu).
3. Resulta evidente, dos relatórios em apreço e dos esclarecimentos que os respetivos subscritores prestaram, que existem significativas divergências entre o quadro sequelas que em cada momento foi observado, e na concreta avaliação das lesões e sequelas.
4. E resulta dos esclarecimentos prestados que os dois médicos especialistas não só mantiveram as conclusões divergentes que alcançaram, como indicaram que ambos os relatórios têm plena validade.
5. Deste modo, não se compreende a justificação do Mm.º Juiz quanto à fundamentação da matéria de facto dada como provada quanto aos sindicados pontos pontos hhhh), mmmm), nnnn), pppp), qqqq), rrrr), ssss), tttt) e uuuu), até porque, como vimos, a própria subscritora da 2.ª perícia afirmou que a situação que afeta o recorrido é suscetível de variação temporal e que ambos os relatórios periciais são válidos!
6. É firme entendimento da recorrente, na sequência do exposto, que nunca poderiam ter sido dados como provados os factos constantes pontos pontos hhhh), mmmm), nnnn), pppp), qqqq), rrrr), ssss), tttt) e uuuu) da matéria de facto dada como provada, sendo absolutamente imprescindível apurar, entre o mais, a concreta incapacidade que afeta o autor, se de 8%, 16% ou algum valor intermédio, bem como se essa concreta incapacidade é, ou não, impeditiva do desempenho da sua atividade profissional.
7. A concreta prova dos factos acima indicados sempre dependerá, no nosso modesto entendimento, da realização de uma terceira perícia, a ser efetuada por perito a indicar pelo Colégio da respetiva especialidade da Ordem dos Médicos.
 8. Uma tal diligência poderia e deveria ter sido ordenada, ao abrigo do princípio da adequação formal, e ainda do princípio do inquisitório.
9. Este opera no domínio da instrução do processo – art. 411 do C.P.C. – configurando um poder vinculado, que impunha ao juiz o dever jurídico de determinar, oficiosamente, as diligências necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, e aquele permite, e aquele novo princípio da adequação formal tendo vindo romper com o apertado regime da legalidade das formas, conferindo ao juiz a possibilidade de adaptar a sequência processual às especificidades da causa, determinando a prática de ato não previsto.
 10. Assim, pelo somatório das razões que ficaram aduzidas, ao deverá anular-se a sentença e ordenar-se a repetição do julgamento para cabal apuramento e prova dos aludidos factos, essenciais ao escoramento da solução de direito, mormente com a realização de nova perícia.
 11. A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artigos 411.º e 547.º, ambos do Código de Processo Civil.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, anulando a douta sentença e ordenando a repetição do julgamento, para cabal apuramento e prova dos aludidos factos, essenciais ao escoramento da solução de direito, mormente com a realização de nova perícia“

O Recorrido subordinado respondeu, com as seguintes
conclusões:
1.ª Tendo a parte requerido a realização de uma terceira perícia e tendo isso sido inferido, sem que a parte disso tenha apelado, por apelação autónoma a apresentar em quinze dias, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 644.º, n.º 2, do artigo 645.º e n.º 1, do artigo 638.º, todos do Código de Processo Civil, formouse caso julgado formal, nos termos do disposto no 628.º, do mesmo Código.
2.ª Tendo o autor trazido aos autos do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, um relatório de uma avaliação médica, feita por assistente graduado de ortopedia – cf no portal da Ordem dos Médicos [https://ordemdosmedicos.pt/medicos-registados-na-ordem-dos-medicos/] com a cédula n.º ...94 –, de acordo com o qual, para lá do mais, o autor está, em consequência do acidente dos autos, totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de trolha ou qualquer outra compatível com a sua preparação e experiência, por não conseguir carregar pesos, não conseguir subir a andaimes e não conseguir estar de pé por muito tempo; tendo a primeira perícia feita nos autos, por médico especialista em medicina geral e familiar – cf no portal da Ordem dos Médicos [https://ordemdosmedicos.pt/medicos-registados-na-ordem-dos-medicos/] com a cédula n.º ...48 –, concluído que o sinistrado tem “dificuldades acrescidas ao vergar-se e ao acocorar-se”, “não tolera permanecer na posição de pé durante períodos prolongados, subir/descer escadas e planos inclinados, sobretudo se tiver de transportar cargas ou pesos; fazer trabalhos em cima de andaimes ou outras estruturas em altitude (telhados, por exemplo); não se consegue vergar”, apesar do que conclui que “as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares”; sendo esta conclusão contraditória com aqueles verificados fenómenos, na medida em que não se consegue ser trolha sentado e sem subir a andaimes e escadotes, para lá do que  os pisos das obras são irregulares; tendo, por causa disso, sido ordenada a realização de uma segunda perícia; tendo a segunda perícia feita nos autos, por médico especialista em medicina legal – cf no portal da Ordem dos Médicos [https://ordemdosmedicos.pt/medicos-registados-na-ordem-dos-medicos/] com a cédula n.º ...61 –, concluído que o sinistrado tem “dificuldades acentuadas para se deslocar a pé e permanecer em pé durante mais de 15 minutos seguidos”, não consegue “adoptar ou permanecer em algumas posições como por exemplo em decúbito lateral esquerdo, de cócoras ou ajoelhado”, tem “dificuldade para fazer a transferência da posição de sentado para ortostática, dificuldade para permanecer sentado durante mais do que 15 a 20 minutos seguidos”; tem “dificuldade para se deslocar em planos irregulares e inclinados, nomeadamente subir e descer escadas e rampas, entre outros, utilizando sempre o membro inferior direito para apoiar o peso do corpo primeiro”, “não consegue subir e descer escadotes ou andaimes com cargas, não consegue ficar de cócoras ou joelhos, entre outras”, e que, por isso, está totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de trolha ou qualquer outra compatível com a sua formação e experiência; sendo esta conclusão coerente com aqueles verificados fenómenos; não é de censurar a decisão recorrida se a mesma, como nela se lê, valorizou mais a segunda perícia do que a primeira porque “revela maior congruência, desde logo quanto aos graus de incapacidade, face às lesões observadas e ao tipo de atividade do A., bem como todo o longo período de recuperação constatado”.
3.ª O referido na conclusão anterior mais se impõe se o autor do primeiro relatório pericial dos autos, depois de lhe ter sido pedido, em esclarecimentos escritos, que avaliasse a incapacidade para o trabalho, sem que a tenha feito, antes dando a entender que seria a mesma incapacidade para os actos da vida quotididana, de 8 pontos, vem, em esclarecimentos prestados em audiência final, dizer que, afinal, a incapacidade para o trabalho rondará os 20%, e isso depois de muitas hesitações na resposta à pergunta sobre as tarefas da construção civil que, afinal, o sinistrado conseguiria fazer, sem especificar nenhuma – cf as declarações do perito Sr Dr EE, prestadas no dia 7 de Junho de 2022, pelas 14h00m00s, como consta da acta de fls… e do suporte informático ali mencionado, com início no “CD n.º 1. Tempo – 00:00:00” e termo no “CD n.º 1. Tempo – 00:31:17” Ficheiro 20220607144548_5791390_2 870527, excerto de 23m40s a 28m11s e de 28m11s a 31m10s –; e se o mesmo perito vem admitir que, afinal, alteraria, no seu relatório, a resposta à incapacidade sexual; pois que, como se observa na fundamentação da decisão recorrida, é de concluir, neste caso, que “em audiência o perito do primeiro relatório admitiu que pudessem ser fixados valores diferentes para os graus de incapacidade então estipulados”, o que denota, claro, o pouco rigor que teve no relatório que elaborou;
4.ª O referido nas conclusões anteriores mais se impõe se perito da primeira perícia dos autos, ao contrário da perita da segunda perícia, não mediu sequer o ângulo da mobilidade activa do joelho, que vem a ser o que o sinistrado consegue espontaneamente fazer, limitando-se a medir o ângulo passivo da mesma mobilidade, que depende da força empreendida pelo perito, a qual, admitindo que não vai ao ponto de partir o joelho do sinistrado (só essa faltava) faz, é certo, forças maiores do que o sinistrado consegue espontaneamente fazer, tudo como o próprio perito declarou – cf as declarações do perito Sr Dr EE, prestadas no dia 7 de Junho de 2022, pelas 14h00m00s, como consta da acta de fls… e do suporte informático ali mencionado, com início no “CD n.º 1. Tempo – 00:00:00” e termo no “CD n.º 1. Tempo – 00:31:17” Ficheiro 20220607144548_5791390_2870527, excerto de 20m55s a 23m35s –, pois que, concordando que o paciente pode fingir ter dor antes de atingir os limites, também é certo que há examinadores mais violentos do que outros, para assim concluir que o exame depende do paciente, mas também depende do examinador;
5.ª As conclusões acabadas de tirar não saem minimamente abaladas se a autora do segundo relatório pericial, procurando uma explicação para as diferenças entre as suas conclusões e as conclusões do perito da primeira perícia, diz que isso pode acontecer se, por exemplo, a primeira perícia foi feita após um conjunto de três meses de fisioterapia, pois que isso mais não é do que colocar uma hipótese, como se podiam colocar outras, como por exemplo a de uma força excessiva na medição do ângulo do arco de mobilidade do joelho, ainda que sem o partir (outra vez, depois da primeira, no acidente de viação).
6.ª Em face do exposto, não é de alterar a resposta à matéria de facto nos pontos indicados pela recorrente subordinada.”

II- Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem ou influenciam as demais questões:

1- Se a sentença é nula por falta de fundamentação da resposta ao ponto 2 da matéria de facto não provada (caso se não considere ter ocorrido lapso de escrita) e falta de pronúncia quanto ao alegado no artigo 24º da ampliação do pedido;
2- Se se deve apreciar a impugnação de facto apresentada no recurso subordinado e se se deve ordenar a repetição do julgamento para apuramento e prova dos factos vertidos nos pontos hhhh), mmmm), nnnn), pppp), qqqq), rrrr), ssss), tttt) e uuuu).
3- Se deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto efetuada pelo autor (no toca à prova do vertido nos dois pontos da matéria de facto não provada)
4- Se devem ser aumentados e para quanto os valores encontrados pelo tribunal recorrido  para compensar e reparar os danos não patrimoniais e a perda de rendimentos presente e futura.

III- Fundamentação de Facto
Na sentença a matéria de facto foi fixada como se segue, desde já se aditando as alterações que sobre a mesma se efetuou, no âmbito da análise da sua impugnação:

Factos Provados.
a) O autor é dono do ciclomotor, de marca ..., modelo ...0, de matrícula ..-OR-...
b) Tal ciclomotor está matriculado na Conservatória do Registo Automóvel sob aquela combinação de números e letras, e aí inscrito a favor do autor.
c) No dia 16 de março de 2019, pelas 8h40m, ao km 7.8 da Estrada ..., na freguesia ..., do concelho ..., ocorreu um embate entre o referido motociclo e o veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., matrícula ..-FL-...
d) Naquele dia e hora, este veículo ligeiro, de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-FL-.., pertencia a FF e marido GG, estava matriculado na Conservatória do Registo Automóvel sob aquela combinação de números e letras, e aí inscrito a favor dos referidos FF e marido GG.
e) Naqueles dia, hora e local era de dia, estava sol, não chovia e não havia nuvens.
 f) Naqueles dia e hora e local, o piso da Estrada ..., era betuminoso e encontrava-se seco e limpo, tendo a faixa de rodagem 6 (seis) metros de largura, com duas vias de trânsito, uma em casa sentido, separadas por linha contínua, e o traçado descreve ali uma curva.
g) No referido dia 16 de março de 2019, pelas 8h40m, o autor conduzia o referido ciclomotor ..-OR-.., na Estrada ..., da freguesia ..., para a freguesia ..., ambas do concelho d Guimarães, nessa parte designada por Rua ..., no sentido ... (...).
h) A uma velocidade nunca superior a 50 kms/hora, dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
i) Ao Km 7.9 da referida Estrada ..., ao descrever uma curva à direita atento o seu sentido de marcha, o autor foi surpreendido pelo súbito aparecimento na metade direita da faixa de rodagem afeta ao sentido d trânsito do autor, do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-FL-.., que circulava no sentido oposto, ... (ou HH), conduzido por GG, sob as ordens e instruções do seus pais FF e marido GG.
j). De imediato, o autor travou, tendo reduzido consideravelmente a velocidade do motociclo ..-OR-...
k). Mas não tendo conseguido evitar ser embatido, na frente do motociclo ..-OR-.., com a frente do veículo ligeiro ..-FL-.., na semifixa afeta ao sentido de trânsito do autor.
l) O condutor do veículo ligeiro ..-FL-.. não travou, por não ter avistado o ciclomotor.
m) O veículo automóvel ..-FL-.. ficou imobilizado na metade da faixa de rodagem afeta ao sentido ... (ou ...) – que é o sentido oposto ao do seu sentido de trânsito que, recorde-se, era ....
n) O motociclo ..-OR-.. foi projetado para o campo, à direita da faixa de rodagem no sentido ... (ou ...), com exceção do guiador que, separado do resto do motociclo, ficou encostado ao rail no lado direito da faixa de rodagem atento o mesmo sentido.
o) O embate aconteceu devido à circulação do veículo ligeiro ..-FL-.. no sentido ..., mas na metade da faixa de rodagem afeta ao sentido contrário ....
 p) De resto e ainda nesse dia, o condutor do ..-FL-.., preencheu e assinou “Declaração amigável de acidente de viação”, onde, para lá do mais relativo à identificação dos veículos, condutores e segurados, indicou que o embate aconteceu porque “circulava na parte da faixa de rodagem reservada à circulação em sentido contrário”.
q)  Os referidos FF e marido GG, celebraram com a ré um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...10, para cobertura de todos os danos causados pela circulação do veículo ligeiro ..-FL-...
r) Em carta enviada ao autor com data de 28 de março de 2019, para além do mais, a ré concluiu assim: “A L... Seguros assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do acidente”.
s) O A. na iminência do acidente e logo após o mesmo temeu pela sua vida.
t). Tendo desmaiado e quando acordou sentia dores insuportáveis nas costas e perna esquerda.
u) Dada a gravidade do estado de saúde do autor, foi chamada ao local uma equipa do Instituto Nacional de Emergência Médica, que lhe imobilizou a coluna e a perna esquerda, lhe administrou medicação para as dores intensas, e o transportou para o Hospital ..., em Guimarães, onde entrou no serviço de urgência pelas 9h30m.
v) E onde foi observado e realizou os exames auxiliares de diagnóstico, como Raio-X e TAC, à cabeça, tórax abdómen e membros.
w) Realizados os referidos exames, constatou-se que, em consequência direta, necessária e adequada do referido embate, o autor sofreu as seguintes lesões:
− fratura no joelho esquerdo;
− fratura do fémur esquerdo;
− fratura no osso ilíaco;
− fratura na tíbia esquerda;
− ferida no joelho esquerdo;
− ferida na perna esquerda;
x) No mesmo dia, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica de três horas para reparação do fémur, com colocação de “encavilhamento” (“ferro”) de 360mm de comprimento e 11mm de espessura, após o que, já pelas 12h00m, foi internado no serviço de ortopedia, onde esteve até ao dia 28 de março de 2019.
 y) Nesse período, o autor esteve com dores, apesar de medicado, e com a perna esquerda completamente imobilizada, impedido até de tomar banho sozinho.
z) No dia 28 de Março de 2019, o autor teve alta hospital, donde saiu:
− com o joelho esquerdo imobilizado (com tala de Depuy)
− com ferramenta auxiliar de marcha (andarilho)
− com recomendações para tratamento da ferida cirúrgica (na zona da anca do lado esquerdo) e traumática (na perna e no joelho esquerdos).
− com medicação para as dores,
− com convocatória para voltar ao serviço, para reavaliação, no dia 8 de Abril de 2019.
 aa) Desde que teve alta hospitalar até ao final do mês de Abril de 2019 e com exceção das deslocações ao hospitais, para consultas, e centro de saúde, para tratamento das feridas, o autor esteve em casa, sempre com dores fortes, apesar de medicado, e movimentando-se com um andarilho.
bb) Com a ajuda de familiares para todas as tarefas quotidianas, incluindo vestir e tomar banho.
cc) Após diversos contactos do autor e seus familiares, a ré lá comunicou ao autor que os tratamentos seriam seguidos no Hospital ..., em Guimarães, com consultas e exames marcados pela ré.
dd) O autor consultou ortopedista no Hospital ... no dia 3 de Abril de 2019, que informou o autor que não podia fazer exames porque ainda não tinha autorização da ré para eles.
ee) No dia 8 de Abril de 2019, o autor foi consultar médico no Hospital ..., em Guimarães, que lhe disse que uma vez que a ré assumira a responsabilidade, seria seguido por esta.
ff) O autor consultou ortopedista no Hospital ... no dia 16 de abril de 2019, que informou o autor que não podia fazer exames porque continuava sem autorização da companhia para eles.
gg) No dia 17 de Abril de 2019, o filho do autor escreveu à ré uma mensagem de correio eletrónico, em que disse:
“Serve o presente para solicitar informação sobre processo de tratamento do sinistrado acima referido. 
Desde a data do acidente, o sinistrado foi consultado no Hospital ..., SA em 03/04/2019 e em 16/04/2019.
Aquando da primeira consulta foi indicado pelo médico que seria requisitado raio X para verificação do estado das lesões, tendo em conta que no momento da consulta não tinha autorização da companhia para o fazer.
Apesar da solicitação do médico, do nosso contacto para verificação da situação do exame via telefone, passado todos estes dias, no dia de hoje, o médico continuava sem autorização para a realização do dito exame, encontrando-se assim impossibilitado de fazer qualquer análise à situação da lesão.
Decorridos trinta dias após o acidente, a companhia não deu autorização para que se fizesse qualquer exame, e as consultas efetuadas, não resultam em mais nada além de constatação visual do sinistrado.
Como será de perceber do relatório de alta hospitalar, o sinistrado encontra-se com lesão grave, com pouca mobilidade e sem que se verifique a evolução da lesão.
Solicita-se por isso o apuramento das situações indicadas e o acompanhamento do sinistrado de forma a evitar danos maiores.”. hh) No dia 26 de Abril de 2019, a ré respondeu ao filho do autor, em mensagem de correio eletrónico em que disse:
 “Acusamos a receção da sua correspondência, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Cumpre-nos informar que já questionámos a clínica acerca da não realização do RX. Para que seja feito o devido acompanhamento médico, já alterámos o prestador Clínico, encontrando-se agendada uma consulta para dia 30/04/2019 - 09:40, nos nossos Serviços Centrais, Rua ..., ... ....
Na referida consulta, serão prescritos todos os exames necessários à recuperação do Sr. AA.
Permanecemos ao dispor para qualquer esclarecimento adicional.”
ii). No dia 30 de abril de 2019, o autor foi ao ..., à Clinica escolhida pela ré, onde consultou médico ortopedista.
jj) O médico que o autor consultou nesta clínica prescreveu-lhe um tratamento de fisioterapia na Casa de Saúde ..., até à próxima consulta, que agendou para o dia 11 de junho de 2019, e recomendou que o autor passasse a caminhar com canadianas, que o autor comprou no mesmo dia, do que o autor já foi reembolsado pela ré.
 kk) Entre maio de 2019 e Setembro do mesmo ano, o autor fez tratamentos de fisioterapia na Casa de Saúde ..., sempre sob recomendação e prescrição médica.
ll) A ré pagou os tratamentos de fisioterapia até esta ocasião, assim como as deslocações do autor de táxi, de casa para as consultas, no ..., e para os tratamentos de fisioterapia, em Guimarães.
mm). Naquele período de maio a setembro, o autor caminhava com claudicação e sempre com andarilho e posteriormente com canadianas, duas para grandes distâncias, uma para pequenas distâncias.
nn) Naquele período, o autor sofreu dores fez esforços para recuperação da marcha, na Clínica e em casa, e sofreu incómodos graves com deslocações para a Clínica de Fisioterapia, em Guimarães, e para a Clínica da ré, no ....
oo) No dia 25 de Setembro de 2019, o médico fisiatra que ali segue o autor recomendou que o autor continuasse a fisioterapia.
pp)  Ora, no dia 1 de Outubro de 2019, o autor foi ao ..., à Clinica escolhida pela ré, onde consultou médico ortopedista.
qq) Ali, o autor comunicou a este médico ortopedista a recomendação do médico fisiatra, o que aquele declinou, e disse que terminavam ali os tratamentos de fisioterapia, bem como o pagamento das viagens para o ....
rr) No mesmo dia 1 de Outubro de 2019, o filho do autor escreveu à ré uma mensagem de correio eletrónico, em que disse:
No seguimento da consulta de ortopedia na clínica ..., o Sr. AA, foi informado pelo médico que não beneficiaria mais de fisioterapia bem como de transporte para consultas.
Para além do médico não ter informado o ponto de situação da informação médica disponível, informou de que não beneficiaria de fisioterapia até próxima consulta de ortopedia (daqui a 4 semanas) sem abrir a carta que a clinica de fisioterapia lhe dirigiu. Ignorou por completo a informação da Clínica que se encontra responsável pela reabilitação.
Diga-se que segundo a informação médica da carta desta clínica, o doente beneficia em manter o programa de reabilitação funcional, com treino de marcha para desmame das canadianas e reforço muscular.
Tendo em conta esta informação e tendo em conta que são estes que fazem o acompanhamento para reabilitação do doente, é absolutamente inadmissível o comportamento do médico ortopedista.
Pede-se a substituição imediata do ortopedista e a continuação das consultas de reabilitação. Mais se informa que tendo em conta a informação da clínica de reabilitação, que é imprescindível a manutenção do tratamento para reabilitação total do doente e minoração da dor, e de forma a não retroceder no tratamento, este doente continuará a reabilitação na clínica em questão, fazendo o reporte de todas as despesas inerentes a esta situação.
Serão reportados todos os custos à vossa companhia.
Solicita-se a informação urgente sobre a situação médica, processo de sinistro e retoma imediata da responsabilidade dos tratamentos.” 
ss) No dia 4 de Outubro de 2019, sem resposta à mensagem (com excepção da automática a dar por recebida a comunicação), o filho do autor, enviou nova mensagem de correio eletrónico à ré, em que disse o que se transcreve assim:
“Continuamos sem resposta ao email anteriormente enviado. Tendo em conta a gravidade da situação, solicitamos resposta urgente.
Mais informamos que no caso de retrocesso no processo de tratamento do Sr. AA, serão imputadas todas as consequências à seguradora.”.
tt) No dia 8 de Outubro de 2019, a ré respondeu ao filho do autor, em mensagem de correio eletrónico em que disse:
 “Conforme acordado telefonicamente e, em face da sua contestação, pedimos a reapreciação do caso ao nosso Diretor Clínico.
O mesmo valida a decisão do médico assistente de que não iremos considerar a continuação da realização da fisioterapia, bem como da utilização de transportes públicos coletivos.
Sendo esta uma decisão estritamente clínica, estamos impossibilitados de dar seguimento à sua pretensão.
Não obstante, porque sensíveis à sua exposição, já solicitamos a mudança de médico já para a próxima consulta.
Ressalvamos que reembolsamos as despesas de deslocação às consultas, mediante o envio do comprovativo das despesas de transporte público ou a uma razão diária de 0,15 ao Km.
 Permanecemos ao dispor para qualquer esclarecimento adicional que entenda conveniente e em que possamos ajudar.” 
uu) O autor continuou a fazer tratamentos de fisioterapia, o que passou a pagar do seu bolso, tendo pago, por dezoito sessões de fisioterapia a fazer no mês de outubro, a quantia de EUR 170.00 (cento e setenta euros).
vv) O autor continuou a caminhar com canadianas, e não tem transportes públicos à porta de casa, nem até à porta dos serviços médicos da clínica de fisioterapia, pelo menos sem mudanças de tipo de transporte, por isso, o autor continuou a deslocar-se à clinica de fisioterapia de táxi, no que gastou, em dezoito deslocações no mês de outubro de 2019, sempre para tratamentos de fisioterapia, a quantia de EUR 380.70 (trezentos e oitenta euros e setenta cêntimos).
ww). Naquele período de outubro, o autor caminhava com claudicação e sempre com canadianas, duas para grandes distâncias, uma para pequenas distâncias.
xx) Naquele período, o autor sofreu dores, fez esforços para recuperação da marcha, na Clínica e em casa, e sofreu incómodos com deslocações para a Clínica de Fisioterapia. yy) O autor continuou a caminhar com canadianas, não se orienta no ... e não tem transportes públicos à porta de casa, nem até à porta dos serviços médicos da ré, pelo menos sem mudanças de tipo de transporte, por isso, o autor foi à consulta ao ..., no dia 6 de novembro de 2019, de táxi, para o que pagou a quantia de EUR 79.90 (setenta e nove euros e noventa cêntimos).
zz) No dia 6 de Novembro de 2019 o autor consultou médico ortopedista indicado pela ré que lhe prescreveu tratamentos de fisioterapia e recomendou que as deslocações fossem de táxi, tudo até à próxima consulta, que agendou para o dia 19 de Dezembro de 2019.
aaa) A ré voltou a pagar a fisioterapia e deslocações de táxi, embora só dali para a frente.
bbb) No mês de Novembro de 2019, o autor continuou os tratamentos de fisioterapia na Casa de Saúde ....
ccc) No dia 11 de Dezembro de 2019, o médico fisiatra que ali segue o autor recomendou que o autor continuasse a fisioterapia.
ddd) No dia 19 de Dezembro de 2019, o autor foi ao ..., à Clinica escolhida pela ré, onde consultou médico ortopedista.
eee) O médico que o autor consultou nesta clínica recomendou a continuação do tratamento de fisioterapia na Casa de Saúde ..., até à próxima consulta, que agendou para o dia 30 de janeiro de 2020.
fff) Nos meses de Dezembro de 2019 e Janeiro de 2020, o autor continuou tratamentos de fisioterapia na Casa de Saúde ....
ggg) No dia 29 de janeiro de 2020, o médico fisiatra que ali segue o autor recomendou que o autor continuasse a fisioterapia.
hhh) No dia 30 de janeiro de 2020, o autor foi ao ..., à Clinica escolhida pela ré, onde consultou médico ortopedista.
iii) O médico que o autor consultou nesta clínica recomendou a continuação do tratamento de fisioterapia na Casa de Saúde ..., até à próxima consulta, que agendou para o dia 19 de Fevereiro de 2020.
jjj) Na primeira metade do mês de fevereiro de 2020, o autor fez tratamentos de fisioterapia na Casa de Saúde ....
kkk) Neste período, de novembro de 2019 a Fevereiro de 2020, o autor sofreu dores fez esforços para recuperação da marcha, na Clínica e em casa, e sofreu incómodos graves com deslocações para a Clínica de Fisioterapia e para a Clínica da ré, no ....
lll) No dia 12 de fevereiro de 2020, o médico fisiatra que ali segue o autor recomendou que o autor continuasse a fisioterapia.
mmm) Em consequência do acidente dos autos e da cirurgia com encavilhamento, o autor ficou com a perna esquerda mais comprida do que a perna direita cerca de 1 cm, motivo por que comprou uma palmilha para equilibrar a marcha, no que gastou EUR 17.00 (dezassete euros).
nnn) No dia 19 de fevereiro de 2020, o autor foi a mais uma consulta na Clínica da ré, no ..., consultar médico ortopedista.
ooo) Nesta consulta, o autor foi visto por outra médica ortopedista, que lhe disse que o autor estava apto para trabalhar, após o que autor lhe disse que não conseguia e que tem a perna esquerda mais comprida 1cm (um centímetro) do que a perna direita, o que provocou a perplexidade da médica que ordenou fosse feito um Raio-X “geométrico”, o que foi marcado para o dia 10 de março de 2020, na ..., seguido de consulta, no mesmo dia, no ....
ppp) No dia 5 de Março de 2020 e como habitualmente, o autor telefonou para os serviços da ré para lhes pedir um táxi para a deslocação, ocasião em que os serviços da ré o informaram que não pagavam o táxi porque, segundo a indicação médica, o autor já estava em condições de ir pelos próprios meios, dispondo-se, assim e apenas, a suportar o custo do transporte em transportes públicos.
qqq) No dia 5 de março de 2020, o filho do autor escreveu à ré uma mensagem de correio eletrónico, em que
 “Está marcado para o próximo dia 10/03 uma consulta de avaliação de dano na vossa clínica do ... e um exame RX métrico numa clínica da ....
No dia de hoje solicitamos, para que fosse marcado transporte para a referida consulta e exame, ao qual obtivemos resposta de que não seria possível esse agendamento, tendo o sinistrado de se deslocar em transportes colectivos ou pelos próprios meios.
Referimos que o sinistrado não se encontra em condições de se deslocar pelos próprios meios, visto que o único meio que tinha ficou imobilizado no acidente cujo responsável é o vosso segurado. Para além deste facto, não recebeu ainda qualquer compensação do dano ocorrido encontrando-se por isso sem meios financeiros para tal.
Mesmo que o contrário acontecesse, a pessoa em questão não consegue orientar-se dentro de meios urbanos da natureza da cidade ... e da ..., desconhecendo os meios de transporte existentes e as rotas tomadas e a forma de se deslocar nestas cidades.
Posto isto solicita-se a marcação de transporte de forma a comparecer à consulta e exame marcado.” 
rrr) Ainda no dia 5 de Março de 2020, o filho do autor escreveu à ré uma mensagem de correio eletrónico, em que disse:
“Na última consulta efetuada na vossa clinica do ..., foi solicitado a entrega de cópia de todos os exames efetuados ao sinistrado acima referido, tendo a funcionária recusado a entrega de tais documentos.
Sendo que todos os exames efetuados são pessoais e necessários para o acompanhamento de médico de família e situações futuras, dada a gravidade dos danos corporais sofridos, solicita-se a entrega de cópia de todos estes mesmo documentos.
Caso a posição da clínica prevaleça, solicitaremos a intervenção dos meios necessários para que a entrega destes mesmo documentos aconteça.
Solicitamos a entrega destes documentos via correio postal ou entrega pessoal.”.
 sss) No dia 10 de Março de 2020, a ré respondeu ao filho do autor com uma mensagem de correio eletrónico, em que disse:
 “Acusamos a receção da sua comunicação, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Cumpre-nos informar que a decisão em causa é uma decisão médica, pois, efetivamente, é o médico que determina em face das lesões do sinistrado qual o meio de transporte a utilizar.
Temos indicação de utilização de transportes públicos coletivos e não táxi, pelo que estamos impossibilitados de aceder ao seu pedido.
Não obstante, poderá deslocar-se em viatura própria ou de um familiar/conhecido, que a L... Seguros reembolsa€ 0.15 ao Km, mediante a indicação dos Kms efetuados.
Permanecemos ao dispor para qualquer esclarecimento adicional.”.
ttt)  Ainda no dia 10 de Março de 2020, o filho do autor escreveu à ré uma mensagem de correio eletrónico, em que disse:
 “Informamos que para além de tardia a resposta não faz qualquer sentido. Nas condições em que a pessoa se encontra demoraria mais de 5 horas de deslocação e ainda o facto de não se conseguir orientar nas cidades indicadas, uma vez que desconhece meios de transporte nesta região. A viatura própria que possuía ficou destruída no acidente e o acidentado ainda não se encontra capaz de se fazer deslocar em outro meio idêntico. Os familiares e conhecidos trabalham e como tal não têm o dever de ser interpelados por uma questão que à companhia diz respeito.
Posto isto, a deslocação será realizada por meio de táxi e as despesas que desta provir serão integralmente imputadas a companhia. O processo seguirá pelos meios legais disponíveis.”.
uuu) O autor não se orienta no ... nem na ..., para além do que a deslocação, com todas as trocas, demoraria, seguramente, mais de oito horas.
vvv) Por isso, no dia 10 de Março de 2020, o autor contratou um táxi para o levar à ..., para fazer o RaioX, e dali para o ..., para a consulta, com a ortopedista, e, dali para casa.
www) O autor fez o RaioX na ..., donde foi para o ..., consultar o médico.
xxx) Chegado à consulta, o autor esperou até às 19h00, ocasião em que foi informado que o exame tem que ser repetido porque foi feito um RaioX à coluna quando devia ter sido feito à perna.
 yyy) O autor veio para casa, onde chegou pelas 20h30m, e pagou ao taxista a quantia de EUR 141.05 (cento e quarenta e um euros e cinco cêntimos).
zzz) No dia 10 de Março de 2020, a ré respondeu ao filho do autor com uma mensagem de correio eletrónico, em que disse:
“Caro Senhor DD,
Seguem em anexo os relatórios médicos a que temos acesso e que constam no diário clínico do sinistrado.
Os exames em si são facultados após a alta médica, mediante pedido nesse sentido.
Permanecemos ao dispor para qualquer esclarecimento adicional.”. 
aaaa) Ainda no dia 10 de Março de 2020, o filho do autor escreveu à ré uma mensagem de correio eletrónico, em que disse:
“Bom dia
Os relatórios agora enviados são os relatórios entregues pela clinica de fisioterapia e pelo Hospital ..., os quais já temos acesso uma vez que foram entregues por estas entidades. Em falta estão todos os relatórios e exames da clinica da ... que se recusou a faculta-los na ultima consulta, que penso já ter sido a consulta de alta médica.
Agradeço por isso a indicação à vossa clínica que proceda à entrega destes exames no dia de hoje aquando da consulta.”.
bbbb) O autor carece de mais sessões de fisioterapia para recuperação da marcha, e terá de consultar médicos e de fazer exames complementares de diagnóstico, bem como doutras intervenções médicas, designadamente para remoção dos ferros colocados.
cccc) No estado actual e em consequência do embate, o autor apresenta as seguintes queixas:
− claudicação na marcha;
− considerável diminuição na rotação do joelho em todos os sentidos, ao ponto de não conseguir cruzar a perna;
− perna esquerda mais comprida 1 (um) centímetro do que a perna direita;
− dores na perna esquerda;
− dificuldade em caminhar;
− impossibilidade de caminhar distâncias superiores a duzentos metros sem parar;
− estado de irritação, com mudanças de humor e nervosismos;
dddd) O autor apresenta, em consequência do embate, cicatrizes na anca, na perna e no joelho esquerdos.
eeee) O autor nunca mais conseguiu circular de motociclo, carecendo que alguém lhe dê boleia para percorrer distâncias superiores a duzentos metros.
ffff) Por todas as limitações, dificuldades e dores descritas e por ainda não terem terminado, o autor teme pelos rendimentos futuros da sua família, composta pelo autor e sua mulher, que, actualmente, tem como único rendimento o do trabalho da mulher, que aufere subsidio de desemprego de cerca de EUR 430.00 (quatrocentos e trinta euros).
gggg) Em março de 2019, o autor tinha sessenta e dois anos de idade, trabalhava por conta própria, na sua profissão de sempre, de trolha, fazendo pequenas obras (“biscates”), que lhe ocupavam todos os dias, auferindo em média por mês pelo menos a quantia de 900,00 €. (alínea alterada infra; anteriormente lia-se: “Em março de 2019, o autor tinha sessenta e dois anos de idade, trabalhava por conta própria, na sua profissão de sempre, de trolha, fazendo pequenas obras (“biscates”), que lhe ocupavam todos os dias)
hhhh) Em consequência do embate e das lesões e sequelas de que padece, o autor esteve e continuará impossibilitado de exercer aquela sua atividade e outras semelhantes dentro da sua área de preparação técnico profissoinal. (alínea alterada infra; anteriormente lia-se: “Em consequência do embate e das lesões e sequelas de que padece, o autor esteve e continuará impossibilitado de exercer aquela sua atividade”)
iiii) Por outro lado, o autor está privado do seu identificado motociclo, que a ré disse constituir “perda total”, e que à data do sinistro tinha um valor de mercado de € 500,00.
jjjj) O autor já despendeu, em tratamentos de fisioterapia e deslocações para estes tratamentos, a já referida quantia de EUR 788.65 (setecentos e oitenta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos).
kkkk) Na providência cautelar que seguir termos por apenso, em 21/12/2020 as partes acordaram no pagamento pela Ré ao A. de uma renda mensal de € 650,00.
llll) A data da consolidação médico-legal é fixável em 10/03/2020.
mmmm) O défice temporário funcional total é de 13 dias.
nnnn) O período de défice temporário parcial foi de 348 dias.
oooo) O período de repercussão temporário na atividade profissional foi de € 361 dias.
pppp) O quantum doloris é de 4/7.
qqqq) O défice funcional permanente é de 16%.
rrrr) As sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual.
ssss) O dano estético é de grau 4/7.
tttt) A repercussão em atividades desportivas e de lazer é de 4/7.
uuuu) A repercussão na atividade sexual é de 4/7.
vvvv) Além da atividade referida em hhhh), o autor não pode realizar outra semelhante dentro da sua área de preparação técnico-profissional

 Factos Não Provados.
-  Que a atividade referida em gggg)  lhe permitia auferir por mês e em média, a quantia de EUR 1.000.00 (mil euros).
 -   (eliminado infra: Que além da atividade referida em hhhh) não possa realizar outra semelhante).
                         
IV-  Fundamentação de Direito e Motivação da impugnação da matéria de facto

1- Da nulidade da sentença
O Recorrente independente aponta à sentença a nulidade de falta de fundamentação prevista na alínea 615º nº 1 alínea b), em síntese, por entender que não fundamentou de facto o ponto nº 2 da matéria de facto não provada.

-- Do lapso de escrita
Antes de mais o mesmo afirma que existiu lapso de escrita na sentença quanto a esse ponto, exercendo raciocínios baseados na posição tomada na sentença quanto a outras questões, com esta conexas. No entanto, como é sabido, apenas se pode considerar que há lapso de escrita quando o erro é manifesto e seja revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita (artigo 249º do Código Civil).
Ora, o facto de na sentença se ter entendido que “As sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual” não pode fazer presumir que “Que além da atividade referida em hhhh) [trolha] não possa realizar outra semelhante” (embora se possa discutir o que é outra atividade semelhante). Com efeito, é por uma não implicar necessariamente a outra que se costuma diferenciar em direito do trabalho a “capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível”.
Assim, sendo patente não existir qualquer lapso de escrita há que verificar se ocorrem as invocadas nulidades da sentença fundadas neste ponto da matéria de facto não provada.

--Das nulidades
Não obstante a omissão efetuada no tribunal a quo, no despacho que admitiu o recurso, da decisão, que se impunha, sobre a arguida nulidade, nos termos do artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil, em obediência ao princípio da economia e celeridade processual, não se determina a baixa do processo para a supressão dessa omissão, por se entender neste caso desnecessário, com recurso ao disposto no nº 5 deste preceito.
As nulidades da sentença são apenas as que estão taxativamente previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil, com redação semelhante no anterior código, sem que, no novo diploma, tenha ocorrido qualquer alteração nesta matéria (cf., entre muitos, quanto à taxatividade, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/26/2012 no processo 14127/08.7TDPRT.P1.S1, (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt.)
---Da falta de fundamentação
Com base neste ponto da matéria de facto não provada o Recorrente começa por apontar a sua falta de fundamentação, considerando que conduz à nulidade da sentença.
O dever de fundamentação das decisões judiciais tem em vista um conjunto de objetivos que são fundamentais no nosso estado de direito: contribui para a eficácia das decisões, conseguindo-se o seu respeito, não pela força da autoridade, mas pela razão com que convencem; sendo, pois, um fator de legitimação do poder judicial; permite o controlo da decisão, possibilitando a sindicância do processo lógico e racional que lhe esteve na base, impedindo, desta forma, decisões arbitrárias e garantindo a transparência do processo decisório e o respeito da independência e da imparcialidade das decisões. Processualmente tem ampla utilidade, quer na fase decisória, obrigando o tribunal que a profere a verificar e controlar a sua própria decisão, quer posteriormente, permitindo a sua reapreciação através de recurso.
No entanto, quanto à falta de fundamentação de um poto concreto da matéria de facto provada ou para há norma que especificamente se refere ao assunto, afastando-o da geral norma das nulidades.
Os vícios que influenciam a decisão sobre a matéria de facto vêm previstos, quanto à forma como podem afetar a sentença e se resolvem no artigo 662º do Código de Processo Civil, que os afasta do regime geral das nulidades previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil, mais vocacionadas para as questões de caracter mais teórico ou normativo.  

No artigo 662º do Código de Processo Civil prevêem-se os procedimentos a tomar quando:
.1 — os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão da tomada na sentença quanto à matéria de facto;
.2 - houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento e sobre a prova realizada;
.3- se repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se considere indispensável a ampliação desta;
.4- quando não estiver devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa.
Ora, o que o Autor pretende é que se verifique que o facto que reputa fundamental à decisão da causa vertido no ponto 2º da matéria de facto não provada não está devidamente fundamentado, vicio previsto nº 2 da alínea b) do artigo 662º do Código de Processo Civil e que determina, no caso em que não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, a anulação da decisão proferida na 1ª instância.
Assim, a questão é alheia à nulidade prevista no artigo 615º do Código de Processo Civil, que consistiria na falta de conhecimento de questões ou assuntos que lhe tenham sido oferecidos ao processo pelas partes e necessários para a apreciação da causa. Entrará, cabendo razão aos Recorrentes, em erro de julgamento.
Como tão bem se explana no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 03/23/2017, no processo 7095/10....:” I.O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.”
Da mesma forma, diz-se no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 03/30/2017 no processo 6225/13....: “VIII) A omissão da decisão de factos (de pronúncia sobre factos) que porventura fossem relevantes para a boa decisão da causa, segundo as suas possíveis soluções, poderia implicar uma necessidade de ampliação e, caso nos autos não existissem elementos capazes de a permitir, uma anulação da decisão da matéria de facto e repetição do julgamento, como decorre dos nºs 2, alínea c), e 3, alínea c), do artº 662º. Tal omissão, contudo, nada tem a ver com pronúncia sobre questões que devam ser resolvidas nem, portanto, com a invalidade da sentença nos termos dos artºs 608º e 615º, nº 1, alínea d), CPC.”
Termos em conclui que se não verifica a nulidade com este fundamento.

--- Da omissão de pronúncia
O mesmo ocorre quanto à referida omissão de pronúncia.
Como decorre implícito da alegação do Recorrente independente e se sufraga, o que levantou no ponto 24º do requerimento de ampliação do pedido (“está impedido de exercer qualquer outra atividade profissional compatível com a sua preparação técnico-profissional”) está incluído, no essencial, no teor do ponto 2º da matéria de facto não provada (“Que além da atividade referida em hhhh) não possa realizar outra semelhante”).
Assim, é impossível dizer-se que ao não dar este facto como não provado o tribunal a quo fez tábua rasa do que havia sido invocado pelo Recorrente no citado artigo 24º: respondeu-lhe diretamente considerando que o facto não se provou.
Improcede, pois, a arguida nulidade, sem prejuízo de haver ainda que decidir se ocorreu erro de julgamento por se dever dar este facto como provado.

2- Da impugnação de Facto efetuada pelo Recorrente subordinado
-Do pedido de realização de uma terceira perícia
O Recorrente não aceita os factos dados como assentes nas alíneas hhh), mmmm), nnnn), pppp), qqqq), rrrr), ssss), tttt) e uuuu)    (onde, respetivamente, se lê:  Em consequência do embate e das lesões e sequelas de que padece, o autor esteve e continuará impossibilitado de exercer aquela sua atividade; O défice temporário funcional total é de 13 dias; O período de défice temporário parcial foi de 348 dias;O quantum doloris é de 4/7; O défice funcional permanente é de 16%; As sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual; O dano estético é de grau 4/7; A repercussão em atividades desportivas e de lazer é de 4/7; A repercussão na atividade sexual é de 4/7.”
Funda-se nas divergências entre o primeiro e segundo relatórios periciais realizados na ação, nos esclarecimentos prestados pelos seus autores que mantiveram as sua discordância, concluindo que “sendo absolutamente imprescindível apurar, entre o mais, a concreta incapacidade que afeta o autor, se de 8%, 16% ou algum valor intermédio, bem como se essa concreta incapacidade é, ou não, impeditiva do desempenho da sua atividade profissional” e defendendo que a “prova dos factos acima indicados sempre dependerá, no nosso modesto entendimento, da realização de uma terceira perícia, a ser efetuada por perito a indicar pelo Colégio da respetiva especialidade da Ordem dos Médicos”.
No fundo, como se verá, não chega a afirmar que a sentença errou ao dar estes factos como provados, mas que a mesma pode ter errado por não ter a certeza se alguma delas é válida.
Conclui que deverá anular-se a sentença e ordenar-se a repetição do julgamento para cabal apuramento e prova dos aludidos factos, essenciais ao escoramento da solução de direito, mormente com a realização de nova perícia.
Em primeiro lugar cumpre salientar que o Recorrente, como consta do relatório supra, já em 19-6-2021 havia requerido a realização desta terceira perícia com o mesmo fundamento e esta foi indeferida por despacho transitado em julgado, pelo que haverá que se considerar esta questão definitivamente resolvida.
Não obstante a importância do direito à prova, pilar de uma tutela efetiva do direito à ação, constitucionalmente protegido, há limites legais para a realização das diligências probatórias.
Ora, a lei não prevê a realização de uma terceira perícia. Havendo sempre alguma incerteza na apreciação da prova, há que limitar as diligências probatórias ao razoável, não permitindo que se alastrem indefinidamente. Um desses limites é o numero de perícias admitidas por lei.
De qualquer forma, como se verá, é possível com base nos elementos dos autos escolher, com razoável segurança, qual o relatório pericial que se mostra mais adaptado ao caso. Para tanto temos acesso aos elementos clínicos juntos aos autos, realizados no âmbito dos tratamentos do Autor (de onde resulta qual o grau de amplitude de flexão do joelho, salientadas, aliás, no relatório de 25-3-21), mas também as explicações dadas pelos autores dos relatórios.
Da mesma forma, há que ter também em conta os factos provados e não impugnados, reveladores da gravidade das consequências da lesão, dos quais se salienta claudicação na marcha, considerável diminuição na rotação do joelho em todos os sentidos, ao ponto de não conseguir cruzar a perna, dificuldade em caminhar, impossibilidade de caminhar distâncias superiores a duzentos metros sem parar (alínea cccc), indicadoras do tipo de gravidade da lesão.
 Assim, mesmo que se entendesse que não havia já decisão transitada sobre esta matéria e que é permitida uma terceira perícia, não haveria fundamentos razoáveis para tanto.
Desta forma, improcede o recurso quanto à pretensão da realização da terceira perícia.

- Da impugnação destes factos
Mas será que é possível, com base nesta impugnação, analisar do bem fundado dos factos não aceites pelo Recorrente?

- Dos ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base em diversa valoração da prova, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.

Assim, impõe esta norma ao recorrente o ónus de:

a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julga-dos;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de re-gisto ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
É patente, numa primeira linha, que no novo regime foi rejeitada a admissibilidade de recursos que se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto: o Recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se dê como provado.
 Pretende-se, com a imposição destas indicações precisas ao recorrente, impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” cfr Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2017, p.153.

Por estes motivos, o recorrente, tem que:
-  assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados,
-  indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos,
- especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos,
evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada. Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, também discriminadamente e explicadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada.
Ora, com base nas dúvidas que apresenta quanto a ambos os relatórios o Recorrente acaba por não afirmar o que entende que pretendia que fosse dado como provado em vez do que foi assente. Limitou-se a afirmar que “a prova carreada para os autos, mormente os relatórios perícias elaborados, de fls., respetivo esclarecimento escrito quanto ao primeiro relatório elaborado, e os esclarecimentos prestados pelos respetivos peritos médicos subscritores em sede de audiência de julgamento, são insuficientes para sustentar o excerto decisório da sentença apelada” no que diz respeito a estas alíneas, realçando as divergências dos relatórios e como os peritos mantiveram as suas posições.
Aceita a existência de uma verdadeira incapacidade que afeta o Autor, mas não apresenta qualquer proposta quanto à sua concretização, afirmando que a mesma pode ser “8%, 16% ou algum valor intermédio” e afirma que a concreta incapacidade pode ser, ou não, impeditiva do desempenho da sua atividade profissional.
Assim, não cumpre o ónus de especificar a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, não propondo que os factos sejam dados como não provados ou que sejam outros os factos dados como provados: pretende, tão só, que se busque mais prova para fundar o que pretende demonstrado.
É certo que a sentença foi muito parca na explicação porque escolheu o segundo relatório, mas não basta, para recorrer da matéria de facto provada que o Recorrente tenha dúvidas sobre a correção do que foi assente, é mister que saiba que houve um erro nessa avaliação e que expresse o que pretende que se dê como provado. Já não estamos na fase da contestação em que pode impugnar por desconhecimento; produzidas as provas, para poder recorrer, tem que entender que o que foi dado como provado não o devia ser e, ainda, referir o que pretende que se dê como assente, nos casos, como o presente, em que não defende a simples não prova dos factos, como vem claramente expresso no artigo 640º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Não basta colocar em causa o modo como o tribunal alcançou a conclusão sobre o ocorrido; é necessário defender que o facto provado não é verdadeiro ou deve ser dado como não provado. A tal leva o princípio da economia processual (não se impõe a produção de mais prova para a cabal demonstração de um facto dado como provado que apesar de verdadeiro recebeu parca prova para a sua demonstração, por essa busca ser inútil para a solução do pleito).
Ora, não tendo o Recorrente Subordinado cumprido o ónus de especificar a decisão, que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, antes aceitando que os factos dados como provados podem corresponder à realidade, há que rejeitar a impugnação da matéria de facto que apresentou, o que se decide.

3 - Da impugnação de Facto apresentada pelo Recorrente Independente
O Recorrente independente cumpriu de modo suficiente os ónus que permitem a apreciação da impugnação da matéria de facto realizada.
Visto que a Recorrida apresenta posição diversa da nossa sobre os critérios a recorrer para a apreciação da impugnação da matéria de facto (atribuindo à Relação menores poderes para a alteração do já decidido em virtude de alguma falta de imediação) faz-se uma breve apanhado desta questão.

- Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto
Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.
É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada.
É patente que a falta da imediação de que padece o tribunal de recurso pode limitar, por natureza, o acesso a uma mais subjetiva apreciação da convicção com que são proferidas as declarações dos intervenientes processuais (veja-se que a comunicação humana não é apenas verbal, exigindo a sua correta interpretação que as palavras e inflexões da voz sejam contextualizados com os gestos, a postura corporal, os olhares, todos estes demais elementos, consistentes na comunicação não verbal e tantas vezes afastadas da possibilidade de controlo do declarante e por isso mais fidedignas), mas tal não impede que o tribunal de recurso, com base a considerações de natureza mais objetivas, valide ou infirme, autonomamente, os juízos a que chegou a decisão recorrida.
Como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (“A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no art. 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC).
A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.”
 Visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.
A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, estribando-se em critérios de razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa tal asserção, havendo sempre a possibilidade de duvidar de qualquer facto.
“Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1.
A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova por declarações e a fragilidade deste meio de prova.
Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão).
Isto posto, passar-se-á de imediato à análise concreta dos pontos e alíneas que o Recorrente Independente pretende que sejam alterados
.a)  -Pretende o Recorrente que se julgue demonstrado que a atividade que o Recorrente  exercia lhe permitia auferir por mês e em média, a quantia de 1.000,00 €., ao invés do dado como não provado no ponto 1º da matéria de facto não provada
A sentença para dar como não provado mencionou que “o A. não efetuava descontos, nem tem recibos, nem declarações fiscais, nem movimentos bancários nada que sustente o por si alegado nesta sede, como tal respondeu-se negativamente a essa matéria.”
Apesar de não o referir, estar-se-á, possivelmente, a reportar ao artigo 64º nº 7 e 8 do  Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto com a a alteração do DL n.º 153/2008, de 06/08), onde se lê: “7 - Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal.
8 - Para os efeitos do número anterior, o tribunal deve basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG.”
No entanto, como já foi declarado pelo Tribunal Constitucional, esta norma, assim lida, põe em causa o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva daqueles que não declaram os seus rendimentos, de forma desproporcional, operando ainda apenas e só perante os responsáveis civis por acidentes de viação, pondo em causa o princípio da proibição do arbítrio consignado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição (cf acórdãos do TC nºsº 383/2012 e 273/2015). Tal norma foi já objeto de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 221/2019, de 13 de maio, publicado no DR nº 91/2019, Série I de 2019-05-13.
O Recorrente explica que tal facto é possível, porque “há muitos por há muitos portugueses que vivem tendo rendimentos sem os declarar, o que acontece com rendimentos da agricultura, da pecuária, da floresta e também acontece com quem leva uma vida inteira a fazer trabalhos por conta própria, também na área da construção civil. E isso sobretudo com as pessoas de mais idade.” 
O facto de se ter como certo que o Autor auferiria rendimentos dos trabalhos que realizava e que os não declarava não permite que se possa desde logo concluir que tal valor era superior ao mencionado na sentença.
Assim, para apurar os montantes apresentados há que valorar os meios de prova apresentados, verificando se com os mesmos se pode alcançar com a necessária segurança (o que é diferente de certeza, mas não pode ser apenas uma hipótese verosímil) que o Recorrente Independente auferia a média mensal de 1.000,00 € pelos trabalhos de trolha que realizava.
Há que considerar, face ao dado como provado, que o Recorrente tinha, à data, 62 anos e trabalhava por conta própria como trolha, fazendo “biscates” que lhe ocupavam todos os dias.
Pode igualmente considerar-se que auferia 50 € por dia, atentos os depoimentos da testemunha BB e II, para quem aquele trabalhou, sendo que os seus familiares também o confirmaram, mais apontando para rendimentos que no limite mínimo chegavam a 900,00€ mensais e no limite máximo 1.100,00 € (CC, seu cônjuge, mencionou 1.000,00 € mês, DD, seu filho, estabeleceu estes limites e a sua nora, JJ, confirmou que ele saía de manhã, mas não sabe confirmar a que horas chegava ao fim do dia, por ali se não encontrar).
Assim, mesmo tendo em conta algum empolamento, natural, por parte dos familiares do Autor, no que toca aos seus rendimentos, considerando que na matéria de facto provada foi dado como assente que este trabalhava todos os dias (alínea gggg)), mesmo que se considere que o “ocupar todos os dias” se não reporte necessariamente a jornas de dia inteiro, o valor de 650,00 € vai contra a prova produzida, que não deve ser descurada (mesmo que não existam documentos escritos). Tudo posto, entende-se curial entender que o autor auferia em média por mês pelo menos a quantia de 900,00€.
O Recorrido afirma que as testemunhas se referiram sempre a um rendimento bruto sempre sofreria algumas despesas com combustível, desgaste de viatura e impostos devidos ao Estado e Segurança Social. No entanto, face ao seu valor, o Recorrente estaria isento destes últimos e as despesas, tendo em conta que se faz um cálculo mediano e o Recorrente se deslocava de motociclo são despiciendas.
Assim, procede esta parte parcialmente a impugnação da matéria de facto e em consequência altera-se a alínea gggg) para “Em Março de 2019, o autor tinha sessenta e dois anos de idade, trabalhava por conta própria, na sua profissão de sempre, de trolha, fazendo pequenas obras (“biscates”), que lhe ocupavam todos os dias, auferindo em média por mês pelo menos a quantia de 900,00 €.”
.b) -Pretende o Recorrente que se julgue demonstrado que além da atividade referida em hhhh) não pode realizar outra semelhante, ao invés do dado como não provado no ponto 2º da matéria de facto não provada
Ora, este facto resulta claro do relatório pericial realizado em último lugar, o qual deu lugar às demais respostas à matéria de facto provada que, como vimos, se mantêm incólumes.
O mesmo mostra-se credível, tendo sido explicado de forma cabal pela Sr.ª Perita que o realizou e o facto do anteriormente realizado ter chegado a resultado diametralmente diferente não põe em causa a sua confiabilidade: há sempre um certo grau de subjetividade na leitura da realidade e na projeção das suas consequências na capacidade futura dos lesados.
Sendo certo que a diferença quanto ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica encontrada pelos Peritos em cada uma das Perícias que efetuaram é muito grande (os pontos apurados a primeira perícia -8- são metade dos encontrados na segunda perícia), o facto de nesta última se ter atentado também nas limitações de deslocação como um todo, atendendo também à menor mobilidade das ancas, permite-nos dar maior credibilidade às suas conclusões no que toca à valoração deste défice.
Ali se refere uma limitação dolorosa da mobilidade articular da anca, com flexão ativa até aos 80º, e passiva até aos 90º (Dta: 110º) e rotação externa dolorosa e limitada aos 25º-30º (Dta: 45º). Limitação dolorosa da mobilidade articular do joelho, com flexão ativa entre 60º e 80º (Dta: 120º).
Estes valores, ainda que algo empolados face aos elementos encontrados nos elementos clínicos juntos aos autos, mesmo os realizados por entidades alheias à Ré (como a Casa de Saúde ...), tentaram nitidamente observar o Autor como um todo, aceitando-se, desta forma, tais elementos, não obstante não serem confirmados, na totalidade, pelas constantes na primeira perícia.
Assim, tudo ponderado entende-se ser de seguir a perícia a que o tribunal de primeira instância atribuiu maior credibilidade.
Nesta afirma-se, quanto à Repercussão Permanente na Atividade Profissional, que se considera que as sequelas de que o examinado é portador são impeditivas do exercício da
sua atividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro
da sua área de preparação técnico-profissional, o que é compatível com as limitações físicas que passou a padecer, como a incapacidade de se acocorar e deslocar em terreno acidentado e a tipologia das atividades na construção civil.
Assim, há que considerar provado este facto, procedendo nesta parte a impugnação da matéria de facto provada.

4- A impugnação dos montantes encontrados pelo tribunal recorrido para compensar e reparar os danos sofridos pelo autor (do recurso independente).
.a) quanto aos danos não patrimoniais

3. - O Dano biológico na vertente não patrimonial:
Atenta a multiplicidade de vertentes em que se estende a vida humana, a incapacidade fisiológica ou funcional pode-se repercutir negativamente nos campos que compõem a esfera de atuação do lesado, atingindo, em maior ou menor grau, a capacidade de disfrute da sua própria vida, diminuindo-lhe a sua qualidade de vida, reduzindo as possibilidades de aproveitar a sua existência no âmbito das áreas em que desenvolvia a sua personalidade (independentemente da sua rentabilidade económica, como a vida afetiva, familiar, social, sexual, de lazer, cívica, desportiva, entre tantas que conduzem ao desenvolvimento individual, capazes de conduzir à realização pessoal e ao bem-estar), quer causando uma maior penosidade na execução das atividades necessárias ou inerentes à vida e ao dia-a-dia.
A afetação da capacidade funcional de uma pessoa, em regra, exerça ou não esta qualquer atividade produtora de rendimentos, repercute-se também em toda a esfera da sua vida privada, nos seus direitos pessoais, cuja perda ou limitação também tem que ser compensada.
Neste âmbito e é uso atender-se às seguintes perdas:
-- o “quantum doloris” – que traduz as dores físicas e psicológicas sofridas no período de doença e de incapacidade temporária;
--os padecimentos sofridos durante o processo de consolidação das lesões;
-- o “dano estético”, onde se avaliam as repercussões negativas da lesão na imagem física da pessoa ofendida, em relação a si próprio e perante os outros.
-- os prejuízos na vida pessoal do lesado (nas suas diversas vertentes, sem preocupações de exaustão ou ordem de importância, as vertentes familiar, afetiva, profissional, sexual, recreativa, cultural, cívica, desportiva).
– o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” – aqui avultando “o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida”;
 – o “pretium juventutis” – que realça “a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.”
Isto posto vejamos o que decidiu a sentença sobre esta matéria e o que defendem as partes sobre esta matéria.
O tribunal a quo fixou a indemnização por estes danos em  8.750,00 €, acrescidos de 7.500,00 €, considerando que o Autor passou a padecer de claudicação na marcha,  considerável diminuição na rotação do joelho em todos os sentidos, ao ponto de não conseguir cruzar a perna, − perna esquerda mais comprida 1 (um) centímetro do que a perna direita, dores na perna esquerda, dificuldade em caminhar, impossibilidade de caminhar distâncias superiores a duzentos metros sem parar, estado de irritação, com mudanças de humor e nervosismos, de cicatrizes na anca, na perna e no joelho esquerdos. Mais considerou que o autor  nunca mais conseguiu circular de motociclo, carecendo que alguém lhe dê boleia para percorrer distâncias superiores a duzentos metros , que o défice temporário funcional total é de 13 dias, o período de défice temporário parcial foi de 348 dias, o período de repercussão temporário na atividade profissional foi de € 361 dias, o quantum doloris é de 4/7,  o défice funcional permanente é de 16%, as sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, o dano estético é de grau 4/7, a repercussão em atividades desportivas e de lazer é de 4/7 e a repercussão na atividade sexual é de 4/7.
A estes o Recorrente, repetindo alguns, acrescenta e salienta que o Autor esteve quase um ano em tratamentos médicos, tratamentos nos quais sofreu dores, como dores sofreu nas deslocações para eles, para além dos incómodos, temeu pelos rendimentos do agregado familiar,  nunca mais conseguir circular de motociclo, forçando-o a carecer de boleia, o pânico sofrido pelo autor no momento do embate, as dores insuportáveis que sofria quando recuperou a consciência, a fratura do joelho, do fémur, da tíbia e do osso ilíaco, o internamento de doze dias com uma intervenção cirúrgica para encavilhamento da perna, as dores sofridas durante o internamento, a incerteza acerca da autorização da ré para se iniciarem os tratamentos de recuperação, as sete deslocações ao ... para ali consultar os médicos, nove meses de tratamentos de fisioterapia, que causavam dor e implicavam a necessidade de deslocação.
Aos mesmos acrescem a previsível necessidade de “mais sessões de fisioterapia para recuperação da marcha, e terá de consultar médicos e de fazer exames complementares de diagnóstico, bem como doutras intervenções médicas, designadamente para remoção dos ferros colocados”
Nos termos do artigo 496º do Código Civil há que fixar equitativamente a indemnização, tendo em conta a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, como a idade do Autor á data do embate, relevante para se considerar o numero de anos em que terá que sofrer os padecimentos decorrentes do acidente.
Atento o princípio da igualdade, importa aqui atentar nos valores apurados na jurisprudência em casos com algumas similitudes com os presentes, considerando, no entanto, que para efeito de determinação da indemnização do dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial, importam essencialmente as consequências das lesões na vida do lesado, em todas as suas dimensões, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física de que passou a padecer, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão.
O Recorrente apela ao acórdão proferido em 01/21/2016 no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1. Neste processo, o Supremo Tribunal de Justiça estabeleceu de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de 50.000,00 €, mas estava em causa um jovem de 27 anos que apesar do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica ter sido fixado em 16 pontos, passou a padecer de “sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento (ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever, perdeu a vontade de viver, desanimou; ficou com defeitos de memória e afetado na sua capacidade de iniciativa; continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais” a que acresceu “claudicação na marcha e com rigidez da anca direita; ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito”.
Com a mesma bitola, agora para casos sem lesões tão gravosas a nível físico, psicológico e comportamental, mas centrados nos membros inferiores, veja-se, a título de exemplo para o acórdão  do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1 de 10/29/2019 (veja-se que os tratamentos a que se sujeito o Autor desses autos incluíram cinco operações cirúrgicas e o mesmo tinha quase a metade da idade do lesado destes autos) se fixou o valor indemnizatório em 30.000,00 €, reafirmada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/2017, no processo 1292/15.6T8GMR.S1. Neste segundo processo, o Autor ficou a padecer “definitivamente, de modo permanente e irreversível, de rigidez da anca, com flexão a 90°, rigidez dolorosa, na rotação interna, atrofia do nadegueiro direito, atrofia dos músculos da coxa, joelho, em ligeiro valgo (<10°), com arco de mobilidade do joelho em flexão, extensão com défice de flexão, possível, a 110°, dolorosa, a partir dos 80°, dor à palpação da rotula e face medial do joelho, com clinica e manobras positivas para síndrome femoro patelar, com crepitação articular na mobilização, edema ligeiro do tornozelo” a que foram atribuídos 11 pontos de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, e que tinha apenas 24 anos à data do acidente. Foi-lhe também atribuídos, pelos sofrimentos sem repercussão patrimonial, indemnização no valor de 30.000,00€.
Em todos estes casos há que considerar a importância que a idade tem neste campo, definidora do previsível tempo de sofrimento imposto pelo acidente e o maior peso que são as dificuldades físicas para um jovem no fulgor da idade.
Assim, considerando estes elementos, entende-se que o montante de 20.000,00 € é o adequado, necessário, mas suficiente para o ressarcimento dos danos supra enunciados que o Recorrente independente padeceu e padecerá. Procede em parte a apelação independente nesta vertente.

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.b) o dano patrimonial da perda de rendimentos passados
Quanto a esta matéria, atenta a alteração da matéria de facto provada no que toca aos rendimentos apurados, dúvidas não temos que há que ter em conta o valor de 900,00 € mensais para o cálculo do montante necessário para ressarcir os montantes que o Autor deixou de auferir pelo exercício da sua força de trabalho entre o acidente e a data da ampliação do pedido, sem esquecer, obviamente, os montantes que já lhe foram adiantados para esse efeito no âmbito do procedimento cautelar.  

.b) o dano patrimonial da perda de rendimentos futuros
Em síntese das regras atender neste campo (que temos por particularmente feliz), lê-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/11/2022, no processo 3028/17.8T8LRA.C1.S1:
Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.
O art. 566º do Cód. Civil, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.
E a indemnização pecuniária deve medir-se pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, diferença que se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento.
Deve atender-se aos danos futuros, nº 2, do art. 564º, desde que previsíveis, sendo que o nº 3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.
Assim, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, exigindo tão só a sua previsibilidade.
Constitui entendimento da jurisprudência que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma.
Não havendo fórmula exata de cálculo destes danos, a solução encontrada deve ser mitigada, como já dito, com o recurso à equidade. A fixação da indemnização em termos de equidade deve ter em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
Assim, além do rendimento mensal que o autor auferia à data do acidente, é de ter em conta, visto que se não tem em vista apenas o tempo da sua vida ativa e já se encontrou indemnização autónoma para as consequências nefastas do acidente no âmbito da sua vida não laboral, que não é previsível que ao longo do tempo o mesmo continuasse a auferir o mesmo rendimento ou que conseguisse continuar sempre a trabalhar, não sendo neste caso de esperar uma progressão na vida profissional do autor, atenta a idade e tipo de trabalho que realizava. Da mesma forma, há que atender que o recebimento imediato dessa quantia é uma vantagem que deve ser tida em conta no cálculo a que se procede, bem como o grau e tipo de incapacidade que o afeta (visto que esta determina a capacidade de adaptação profissional a outras funções e assim o impõe o respeito pelo principio da não discriminação dos demais lesados). A contagem do período deve efetuar-se a partir do terminus da reparação do dano património de perda de rendimentos passados.
Desta forma, consideremos que se tem em conta que o Autor viu-se incapaz de exercer a sua atividade profissional aos 62 anos, tendo já sido ressarcido da perda de rendimentos que sofreu por essa via até aos 65 anos, que se prevê uma expectativa de vida até aos 78 anos, que a idade da reforma se fixa junto dos 67 anos, que o mesmo com sequelas num membro inferior (o esquerdo) que dificultam a sua mobilidade e impedem que se caminha mais de locomoção, causando-lhe dores, a que foi atribuído um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, tendo ainda que enfrentar pelo menos mais uma operação cirúrgica e que auferia cerca 900,00 € mensais na atividade de pedreiro por conta própria.
Tudo posto, por este dano, entende-se fixar a indemnização em 40.000,00 €.

V-  Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
- julgar parcialmente procedente a apelação independente interposta pelo Autor e em consequência revogar a sentença recorrida e condenar a Ré no pagamento ao Autor:
a)  da quantia correspondente a 900,00 € por cada mês decorridos entre 16 de março de 2019 e 16 de setembro de 2021, a que acrescem 500,00 € relativos ao valor do ciclomotor e ainda € 788,65 relativos a tratamentos e fisioterapia;
b) da quantia de 20.000,00 € para indemnização dos danos não patrimoniais passados e futuros sofridos pelo Autor;
c) da quantia de 40.000,00 € para indemnização dos danos patrimoniais futuros sofridos pelo Autor,
tudo sem prejuízo dos valores já ressarcidos no âmbito do procedimento cautelar (apenso A).
2- julgar improcedente a apelação subordinada deduzida pela Ré.
Custas da apelação independente pelo Recorrente e pela Recorrida na proporção do decaimento.
Custas da apelação subordinada pela Recorrente (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 03-02-2023

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves