COMPRA E VENDA
PRESCRIÇÃO DE JUROS MORATÓRIOS
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I. Inexiste abuso de direito relativamente ao pedido de condenação de juros moratórios, apenas decorrente de a parte ter intentado a acção decorridos mais de 3 anos contados desde anterior acção, desacompanhada de qualquer outro facto que seja idóneo a integrar a figura do abuso de direito.
II. Resulta da redacção do artigo 102.º do Cód. Comercial que a exigência de ser reduzida a escrito a quantificação da taxa de juros de mora, apenas se aplica à taxa de juro convencional e não à legal.

Texto Integral


Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Henrique Antunes

                Mário Rodrigues da Silva


Autora: AA

Ré: Q..., Sociedade Agrícola, Lda.

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    Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora intentou procedimento de injunção pedindo a notificação da Ré para lhe pagar a quantia de €29.113,26€, sendo 18.939,82,82€ de capital, 10.020,44€ de juros e taxa de justiça.
Como consta da sentença
Fundamentou tal pedido em contrato de fornecimento de fruta no ano de 2008 e 2009 e titulados pela fatura ...9 de 1/04/2011 e resultante do acerto de contas entre as partes no final da fruta vendida, e no incumprimento da Requerida no pagamento do preço acordado.

A requerida deduziu oposição, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Alega, em suma, que não obstante a Requerente já ter intentado anteriormente ação para pagamento da mesma fatura, a Relação de Coimbra absolveu-a da instância por ineptidão da petição, a qual ainda se mantém nesta ação.
A última vez que a Requerente forneceu fruta foi em 2017 e foi paga, nada estando em dívida.
Os juros não são devidos e estão prescritos.

Transmutada a injunção em ação especial, foi a A. convidada a concretizar em que datas em que ocorreu a venda ou vendas, as quantidades e causa e a razão para ter sido emitida uma única fatura.
A A. veio esclarecer que se tratou de um único contrato formalizado por uma única fatura de dois anos, proveniente de diferentes propriedades e que as quantidades eram definidas pela R. que pesava a fruta, bem como o preço.

Por despacho proferido em 16.4.2019 foi indeferida a invocada nulidade por ineptidão da p. inicial.

Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos seguintes moldes:
Por conseguinte, decide este Tribunal julgar parcialmente a ação, condenando a Ré no pedido de capital, acrescida de juros comerciais vencidos às taxas em vigor, mas apenas desde outubro de 2013 (por força da prescrição dos mesmos desde 2011 até aos últimos cinco anos da citação), o que perfaz 25. 638,68€, e acrescido dos juros vincendos desde outubro de 2018 e até efetivo e integral pagamento.

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A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª) A Recorrente não concorda com a douta sentença proferida nos presentes autos por entender que, dentre o mais, a mesma é totalmente desprovida de prova que suporte os factos dados como provados.
2ª) Além disso, a falta de factos alegados pela demandante e a respetiva prova, a quem competia essa missão, só poderiam levar à absolvição da recorrente.
3ª) A sentença proferida, e de que se recorre, enferma de erros crassos e de uma total contradição, bem como falta de fundamentação, quer de facto quer de direito, que justifiquem a conclusão final, que terminou com a condenação da Recorrente.
4ª) O requerimento injuntivo que deu início a este processo, e que já havia dado origem a um outro processo, foi o mesmo que originou o processo que correu termos pelo ... juízo do extinto Tribunal Judicial da Comarca ... sob o nº 69567/12...., onde foi proferido por essa Relação o douto Acórdão que se encontra junto a estes autos.
5ª) Naquele Acórdão foi referido que deveria haver uma “indicação, em termos precisos, das quantidades de fruta vendida, do respetivo preço, das condições de pagamento acordadas e respetivas datas em que as vendas ocorreram.”(Sublinhado nosso).
6ª) Pois a Requerente limitou-se “a fazer uma alegação genérica e em bloco das vendas efetuadas”, significando isso, prossegue o douto aresto que “a causa de pedir está incompleta”.(Sublinhado nosso).
7ª) Nestes autos, a Requerente apresentou o mesmo requerimento inicial, apresentado naqueles autos, sem qualquer alteração, juntando ainda os mesmos documentos.
8ª) O tribunal, nestes autos, também entendeu que a causa de pedir estava incompleta e, por isso, por despacho proferido em 31/05/2019, a Requerente foi notificada para “melhor concretizar os factos por si alegados no seu requerimento inicial, quanto às datas em que a venda ou as vendas ocorreram, em face das quantidades em causa, esclarecendo em consequência, se estamos perante um ou mais negócios de compra e venda e, neste último caso, a razão de ser da emissão de uma única fatura.”
9ª) A este despacho a Requerente veio dizer, e que consta do seu requerimento apresentado a 13/06/2019, com a referência ...22, apenas que houve uma “(única) venda” formalizada com a emissão da fatura e que houve “um único contrato de compra e venda” referente à fruta de dois anos, 2008 e 2009.”
10ª) Tendo em conta estes “esclarecimentos” que em nada responderam ao que foi ordenado no despacho referido, o desfecho da sentença proferida teria de passar pela absolvição da Recorrente, pois como se disse, a causa de pedir continuava e continua totalmente omissa quanto aos factos e respetiva prova.
11ª) A matéria dada como provada no ponto 4.1 da sentença não tem em conta a falta de alegação destes factos, tendo a Mma. Juiz a quo, tentado suprir as deficiências apresentadas na causa de pedir, dando como provados factos que ninguém corroborou, sendo que algumas testemunhas até contrariaram, apesar de serem todas apenas e só familiares entre si, ou seja, marido, filha e, na altura genro, da Requerente.
12ª) No depoimento da testemunha BB, marido da Requerente, este referiu, como se pode ver da gravação iniciada a 11-05-2022 14:37:39, que a fruta fornecida era maçã nas variedades de Golden, Starking e Galas.
12ª) Mas do ponto 3 dos factos provados ficou consignado apenas “diversas quantidades de fruta, com especial incidência para maçã de diversos tipos ou qualidades”.
13ª) Ora, com esta “diferença” entre o depoimento da testemunha e o facto provado, a valoração dada aos documentos ... e ..., supostamente elaborado pelo legal representante da Ré, tem de ser muito diferente, pois dos documentos não consta qualquer maçã starking.
14ª) Quando questionada a testemunha sobre tal facto não conseguiu explicar isso, pelo que o facto dado como provado deveria ser mais exaustivo e claro, de acordo com o depoimento.
15ª) Além disso, também a testemunha CC foi clara ao referir, no seu depoimento iniciado às 11-05-2022 15:32:39 que a maçã que vendiam era daquelas três variedades.
16ª) Não tendo, também, conseguido explicar porque é que do documento a starking não constava. Parece que só esta variedade foi sempre paga e não as outras.
17ª) Assim, a interpretação feita pela Mma. Juiz aos depoimentos que considerou “sérios, sinceros, espontâneos e credíveis”, com o devido respeito, não poderia ser nesse sentido, pois de espontâneos e credíveis têm muito pouco, isto interpretado pelo “homem médio” de experiência comum.
18ª) As testemunhas BB e CC, como se pode ver dos depoimentos atrás indicados, foram unanimes em referir que nunca houve qualquer contrato entre a Requerente AA e a Recorrente.
19ª) Da matéria dada como provada, em momento algum consta a existência daquele contrato, entre as partes processuais.
20ª) Tendo isso toda a importância, de acordo com os temas de prova definidos na audiência prévia que ocorreu a 23 de outubro de 2019.
21ª) Além disso, dos factos provados não existe, a data em que o suposto contrato teria sido celebrado, e isso tem toda a importância, pois também foi destacado nos temas de prova.
22ª) Quanto ao objeto do suposto contrato existe uma clara contradição entre os documentos juntos, os depoimentos das testemunhas e os factos provados.
23ª) Pois os documentos não referem, em momento algum, a maçã starking como tendo sido fornecida e as testemunhas BB e CC, referem que esta variedade também fazia parte dos fornecimentos.
24ª) Ora o facto provado em 3 não refere especificadamente as variedades, antes generaliza, esquecendo a Mma. Juiz “a quo” o que tinha ordenado no seu despacho, acima referido.
25ª) Quanto ao último ponto dos temas de prova, também nada ficou provado, pois as testemunhas generalizaram o seu depoimento dizendo que não havia qualquer contrato e que os preços eram apenas fixados pelo legal representante da Ré, pelos vistos a seu “bel prazer”.
26ª) Existe, ainda uma outra contradição entre os factos dados como provados no ponto 3 e nos pontos 6 e 7, pois se a Requerente forneceu desde 2007 e a Recorrente apenas não pagou a de 2008, então, tendo por base o documento ... que refere que supostamente faltam pagar 6.000,00€ de 2008, não se pode saber a que período de tempo o resto do documento se refere.
27ª) Também o vertido no ponto 9 da matéria de facto não corresponde ao referido pelas testemunhas, mais concretamente pela testemunha DD, que no seu depoimento, iniciado às 11-05-2022 16:17:25, foi clara ao referir que a amizade entre a testemunha BB e o legal representante da Ré acabou em 2007, altura em que se incompatibilizaram por questões políticas.
28ª) Por isso daquele facto deveria constar que em 2007, por razões políticas, eles se incompatibilizaram pois isso terá toda a importância no desfecho deste processo, não pode ficar tão vago.
29ª) Com o devido respeito, existe claramente uma interpretação errónea dos depoimentos das testemunhas, principalmente as referidas, BB, CC e DD, que teriam de levar a uma resposta diferente, dos factos dados como provados, mais concretamente os factos vertidos em 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 13 daquela matéria.
30ª) Mas devemos atentar, também nos articulados dos autos e tendo em conta o vertido pela requerente, esta alegou que o contrato foi celebrado em 1 de abril de 2011, nada mais.
Significa isto que é esse o facto que tem que ser dado como provado para se poder começar a pensar em decidir.
31ª) Ora, a Mma. Juiz “a quo” considerou provado apenas que a Requerente forneceu os produtos da fatura emitida em 1/04/2011. Não especificou, como aliás se disse acima, a data em que foram fornecidos nem a data do contrato celebrado que, como alegado, teria de ser nessa data.
32ª) Além disso, competiria à Requerente alegar especificadamente no seu requerimento inicial as quantidades e os preços relativos a cada qualidade de fruta descriminada na fatura, o que não aconteceu, sendo que posteriormente foi notificada apara o fazer, mas também não fez.
33ª) Assentou, também a douta sentença na prova documental apresentada pela demandante, mas com o devido respeito, mais uma vez, de forma incorreta, pois se fosse devidamente apreciada, outro resultado seria o deste processo, ou seja, teria de ser a absolvição do pedido.
34ª) Isto porque os números referidos no documento ... não correspondem em nada aos do documento ..., senão vejamos:
- A pera Joaquina na fatura (doc. ...) tem a quantidade de 17.975,00 Kg e no doc. ..., somadas as duas parcelas, ali constantes, (7484+1656) totaliza apenas 9.140,00Kg;
- A Maçã Golden na fatura (doc. ...) tem a quantidade de 25229,00Kg, e no doc. ... refere apenas 5203,00Kg.
35ª) Além disso, o doc. ... refere, ainda, as quantias de 6.000,00€ referente ao ano de 2008 e 5.000.00€ pertencentes a “...”, nada mais.
36ª) A única conclusão a retirar daqui só pode ser a de que os dois documentos não se referem, tal como pretendeu fazer crer a Mma. Juiz “a quo”, ao mesmo suposto contrato, pelo que seria de toda a relevância, dar-se como provado uma data em que os contratos foram celebrados e as quantidades e qualidades de fruta fornecidas.
37ª) Convém ter em conta que os documentos foram devidamente impugnados, pelo que caberia à demandante fazer a prova da veracidade do seu conteúdo o que não aconteceu.
38ª) Mais, também o doc. ... demonstra uma total falsidade, pois tem uma data, “feito em 2/01/2009”, contendo, também letras completamente diferentes, visíveis a “olho nu”.
39ª) No entanto, a experiência de vida diz-nos que a ser verdade a data em que foi celebrado, só pode referir-se a fruta produzida em 2008, uma vez que naquela data já não há produção das frutas indicadas, mas nas parcelas a somar refere que os 6.000,00€ são relativos ao ano de 2008!!!
40ª) Quando foi solicitado à demandante que juntasse o original do documento, para ser analisado, a demandante não o apresentou com a justificação que foi das mais esfarrapadas que já se viram, ou seja, tinha “desaparecido num incêndio”…
41ª) Assim, os documentos ... e ... juntos não se referem claramente à mesma coisa, atendendo aos valores referidos em cada um deles e às datas em que foram criados, não podendo concluir-se como a Mma. Juiz fez.
42ª) No requerimento de injunção não estão alegados factos suficientes para determinar se existe alguma dívida e a que se refere, sendo certo que a Requerente foi notificada para esclarecer e concretizar tais factos e não o fez.
43ª) Não basta dizer, de forma genérica que se deve uma quantia relativa a fornecimento de fruta, sem se fundamentar a sua origem e quais as suas quantidades e preços.
44ª) É necessário que a Autora alegue e prove não só a existência do contrato entre as partes, mas também as quantidades e preços de cada uma das variedades que invoca.
45ª) Aliás, é esse o entendimento desse Venerando Tribunal, como se pode ver do douto Acórdão proferido no processo anterior, que correu termos com o nº 69567/12...., em que estiveram em discussão os mesmos factos e que se encontra junto a este autos, a fls.,
46ª) A causa de pedir nestes autos assenta claramente numa fatura e a nossa jurisprudência é uniforme nos Tribunais Superiores, dizendo que “a simples remessa para um documento não constitui forma válida de integrar os factos essenciais da causa de pedir”, tanto mais que se trata de uma injunção com o valor do pedido muito superior ao da alçada dos Tribunais de 1ª instância.
47ª) De acordo com o DL 107/2005 de 1/07 que veio alargar o âmbito de aplicação do regime jurídico da injunção, a Mma. Juiz convidou a Requerente a aperfeiçoar a sua peça processual, o que não sucedeu. No entanto, depois fez “vista grossa” e entendeu que afinal, apesar de nada ser esclarecido pela Requerente, já havia elementos suficientes para decidir a causa em mérito.
48ª) Na verdade não estão concretamente alegados factos suficientes no requerimento de injunção que demonstrem a celebração do contrato de fornecimento de bens, nem a sua data, nem as suas quantidades e preços, tal como devia, pois compete à Requerente provar estes factos, em primeiro lugar e só depois a demandada teria o ónus de provar que pagou esses bens.
49ª) À Requerente cabia o ónus de alegar e provar os factos concretos e essenciais relativos ao contrato celebrado, tal como se tem vindo a dizer, e o douto Acórdão desse Venerando Tribunal confirmou, quais sejam, a data do contrato, as quantidades e os preços acordados, o momento do pagamento, o que não fez, apesar de notificada expressamente para isso, pelo que outra conclusão não poderia a Mma. Juiz tirar que não fosse a absolvição da demandada do pedido.
50ª) Aliás, este é o entendimento da nossa jurisprudência mais atual, veja-se a título de exemplo o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 13 de Fevereiro de 2014 no processo 93737/12, em JusJornal, nº 1902, 22 de Abril de 2014.
51ª) Como se vê do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 227640/10...., a Mma. Juiz convidou a demandante a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, principalmente alegando factos demonstrativos da previsão que alega.
Como não o fez, por entender que já havia matéria suficiente, e não há, terá de ser a demandada absolvida do pedido, por total falta de factos que levaram à condenação.
52ª) Na motivação da sentença, a Mma. Juiz começa por reconhecer que existe uma “simplicidade na exposição factual”, mas entende que isso não tem relevância jurídica, apesar de ordenar a notificação da demandante para esclarecer e concretizar melhor os factos, o que não foi feito.
53ª) Além disso, refere que o acordo “foi feito pelas partes quanto ao fornecimento de fruta e o valor a pagar…” mas a verdade é que em momento algum dos factos provados, isso consta, ou seja, que a demandante AA contratou coma demandada /Recorrente “Q..., Sociedade Agrícola, Lda., sendo certo, também que em lado nenhum vemos os preços fixados a pagar.
54ª) Mas a contradição entre a motivação e os factos provados continua, pois refere, a título de exemplo, nos pontos 3 e 8 que os “negócios” iniciaram-se em 2007 e terminaram em 2008, e depois na motivação refere que terminaram em 2009 e começaram em 2006, reconhecendo aqui que eram fornecidas maçãs golden, starking e gala, isto apesar de a starking não constar da fatura. Parece que era a única variedade que era paga integralmente no momento em que supostamente era entregue.
55ª) A Mma. Juiz “a quo” diz ter acreditado nas testemunhas da A. porque, por vezes, se referiam ao legal representante da Ré, que se encontra na sala, e este nada dizia. Ora o ditado “quem cala consente”, no direito não se aplica sendo que se reagisse de alguma forma acabaria colocado fora da sala de audiências, por perturbar o decorrer da mesma.
56ª) Ora, com o devido respeito, nunca isto poderia fundamentar o quer que fosse, pois estaríamos a condenar alguém que apenas estava a cumprir a lei.
57ª) Quanto à fundamentação de direito, tempos vão em que nos tribunais se dizia “dá-nos os factos que nós te daremos o direito”, e aqui, com o devido respeito, que é muito, o que existe é uma total ausência de factos demonstrativos do direito invocado pela demandante, bem como uma total ausência de fundamentação de direito, em que assenta a condenação da recorrente.
58ª) Toda a fundamentação de direito se refere apenas à existência de um contrato de compra e venda na sua forma mais singela, ou seja, uma parte obriga-se a entregar uma coisa e a outra a pagar um preço. Nada mais.
59ª) Ora para esta fundamentação, o resultado da sentença recorrida teria de ser, obrigatoriamente a absolvição do pedido, pois em momento algum ficou provado que houve um contrato entre a AA, demandante, e a Q..., Sociedade Agrícola, Lda. demandada e qual a data concreta da sua celebração.
60ª) Também em momento algum ficou definido qual o preço a pagar, e a obrigação de entregar o que quer que fosse. Apenas se refere que uma fruta era entregue nos armazéns da Recorrente, outra era ela que apanhava no pomar, mas não sabemos nem quantidades nem qualidades, nem nada.
61ª) Portanto, como se disse, com esta fundamentação, não pode haver qualquer condenação, pois existe uma clara contradição entre os factos alegados e provados e o muito pouco direito aplicado.
62ª) Finalmente quanto à questão dos juros de mora, até aqui, com o devido respeito e na nossa humilde opinião, a Mma. Juiz se equivocou pois refere na douta sentença que considera os mesmo devidos a partir da citação para a primeira ação, ou seja, “09/2013” considerando que houve, com a citação para a ação anterior, interrupção do prazo de prescrição.
63ª) Ora, antes de mais porque a absolvição da instância que pôs termo ao processo anterior ficou a dever-se, exclusivamente, à culpa da requerente que não atuou de acordo com as normas legais aplicáveis.
64ª) Além disso, depois de transitada a sentença anterior, a Requerente esteve mais de 3 anos sem interpor nova ação, facto também que só a ela lhe pode ser imputado.
65ª) Pelo que não pode a Recorrente ser condenada a pagar juros por factos que lhe não pertencem nem lhe podem ser imputados.
66ª) Se a Recorrente fosse condenada no pagamento dos juros constantes da sentença, estaríamos perante uma clara situação de abuso de direito, pois a demandante estaria a beneficiar de um facto astuciosa e culposamente criado por si, sem que a Recorrente pudesse intervir, de qualquer forma.
67ª) Claramente, estamos perante uma situação em que os juros já se encontram prescritos e a serem devidos, apenas o poderiam ser a partir da citação para estes autos, nunca antes.
68ª) Além disso, relativamente à condenação no pagamento dos juros comerciais, também nunca poderia ser pois o art. 102º do código comercial diz que “a taxa de juros comercial só pode ser fixada por escrito” (sublinhado nosso) e entre a demandante e o demandado não existe qualquer documento assinado que o preveja, pelo que, para que a demandante pudesse exigir juros comerciais seria necessário que, por escrito tal estivesse previsto, o que não acontece.
69ª) De tudo o que vem de se dizer, não resta outra conclusão que não seja a de que a demandada deveria ser absolvida do pedido por total ausência de factos alegados e provados do requerimento inicial.
70ª) Isto porque quem invoca um direito está obrigado a alegar e provar os factos integradores desse direito, como nos diz o disposto no art. 342º do C. Civil, dispositivo a que a Mma. Juiz não deu o devido cumprimento. pois baseou-se, para condenar, no facto de ter havido um suposto contrato de fornecimento de bens, sem especificar entre quem, em data que não se apurou e dando relevância apenas a uma fatura que, de forma abstrata, refere frutos e um valor global, sendo certo que nenhuma das testemunhas por si arroladas conseguiu referir quantidades nem qualidades.
71ª) Viola, assim, a sentença recorrida, além do mais, o disposto no art. 615º b), e c) do C.P.C. e os arts. 342º, 874º e 879º do C. Civil.
Conclui pela procedência do recurso.

A Autora apresentou resposta, pugnado pela rejeição do recurso com o fundamento de no corpo da alegação a recorrente não individualizar os meios de prova em relação a cada um dos factos impugnados; de não proceder a uma apreciação crítica dos elementos de prova que invoca em benefício da sua pretensão recursiva, apresentando as concretas razões pelas quais desses meios de prova se impunha retirar conclusões fácticas diversas daquelas a que chegou o tribunal recorrido;  das conclusões não indicarem, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada, e subsidiariamente pela improcedência do recurso.

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1. Do incumprimento do ónus contido no art.º 640º do C. P. Civil
Defende a Autora que a Ré, impugnando a matéria de facto visando a sua alteração após reapreciação da prova gravada, limita-se a fazer uma brevíssima alusão a declarações de algumas testemunhas, transcrevendo muito parcamente duas ou três frases, bem como um ou outro documento, e que imporiam decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto aparentemente impugnados, concluindo que não cumpre minimamente o ónus imposto pelo art.º 640º, n.º 2, a), do C. P. Civil. Acrescenta que a recorrente não individualiza os meios de prova em relação a cada um dos factos impugnados, concluindo pela rejeição do recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto.
Encontra-se sobejamente discutido na jurisprudência o alcance do ónus imposto pelo art.º 640º, n.º 2, a) do C. P. Civil, estando maioritariamente aceite que esse âmbito deve ser parametrizado com recurso a critérios de proporcionalidade razoabilidade, dando prevalência aos aspetos de ordem material.
Da leitura das alegações de recurso resulta, usando os referidos critérios, a compreensão do objeto do recurso, percetíveis quais os meios probatórios colocados em crise na impugnação da matéria de facto, inexistindo fundamento para a sua rejeição, reconhecendo-se que as conclusões apresentadas não se mostram conformes a melhor técnica.
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2. Do objeto do recurso
Da leitura das alegações da recorrente decorre que a mesma só recorre da sentença proferida e um dos fundamentos por si utilizados para a fundamentação do recurso que interpõe é o da ineptidão da p. inicial.
Efetivamente a Ré na oposição que deduziu à pretensão da Autora invocou a nulidade da petição inicial, a qual foi indeferida por despacho proferido em 16.4.2019, do qual a Ré não recorreu. Tal decisão era recorrível, nos termos do disposto no art.º 644º, n.º 2 à contrario e n.º 3 do C. P. Civil, devendo ser impugnada com o recurso interposto da decisão final.
Nem do requerimento de interposição do recurso nem do próprio recurso, consta a impugnação dessa decisão, pelo que a matéria atinente à exceção dilatória da nulidade de processo – ineptidão da petição inicial -, não poderá ser objeto de apreciação.
Considerando o acima decidido e que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas as questões a apreciar são:
- impugnação da matéria de facto
- contradição entre os factos provados sob os n.º 3, 6 e 7
- da taxa de juros devidos.

3. Os factos
A Ré pretende, após reapreciação das provas produzidas e que indicada, a alteração do julgamento dos factos dados como provados sob os n.º 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 13. Para alicerçar a sua pretensão convoca os depoimentos de BB, CC e DD, defendendo ainda que os documentos juntos pela Autora não podem ser valorados uma vez que foram por si impugnados.
  Os factos em causa são:
3) No exercício da sua atividade comercial, e pelo menos desde 2007 que a requerente forneceu à requerida, a pedido desta, para revenda diversas quantidades de fruta, com especial incidência para maça de diversos tipos ou qualidades, pêras (sobretudo da qualidade Joaquina), ameixa branca e cereja.
4) Havia uma relação de amizade e confiança entre a família da A. e os legais representantes da Ré, sobretudo entre o marido da A. e o gerente da Ré, o Sr EE.
5) Por tal razão, acordaram que seria a Ré a pesar a fruta e, no final da campanha, após a revenda da fruta pela R., era definida a percentagem a cobrar pela e para a Ré e o montante remanescente a pagar à A.
6) Sendo que até ao fornecimento da fruta e campanha de 2008 tudo correu conforme acordado, tendo sido paga à A., atempadamente, a fruta fornecida à Ré.
7) O mesmo não tendo sucedido quanto à fruta fornecida no ano de 2008.
8) As partes acordaram que numa das duas quintas exploradas pela A. (uma é própria e outra arrendada) era a Ré a fazer a colheita da fruta e noutra era a A. que posteriormente a entregava, para pesagem, nas instalações da Ré, o que justificava preços distintos a pagar no final da campanha.
9) Em data e por razões não concretamente apuradas, mas que estarão relacionadas com questões politico-partidárias a que o marido da A. e o representante da Ré se dedicavam, terminou a relação de amizade entre as partes.
11) Tendo essas contas ficado a constar de documento manuscrito e assinado pelo legal representante da Ré em janeiro de 2009 e do qual consta a quantidade e preço da fruta fornecida, bem como o montante global a pagar por cada uma das quintas (... e ...) e o montante global a pagar pela Ré à A.
13) Com base nesse acordo entre as partes, transcrito no referido documento, a A. veio a emitir, em 1 de abril de 2011, a fatura nº ...64, emitida em 01/04/2011, com vencimento em 01/05/2011, nomeadamente pera Joaquina, maça golden, maça royal gala, ameixa branca e pera williams, no valor global de €17.867,75, acrescida de IVA à taxa de 6% no valor de €1.072,07 euros.
A prova destes factos foi efetuada pela seguinte forma:
O Tribunal baseou a sua livre convicção na análise conjugada e crítica de toda a prova produzida, designadamente a prova documental, a testemunhal e as regras da normalidade e da experiência comum.
Nas suas doutas alegações orais, a Ré, além do mais, debateu-se de forma eximia e competente pelas falhas da alegação dos factos na petição e nos demais articulados da A. para que, uma vez mais, as mesmas impedissem a apreciação do mérito da causa com a sua absolvição da instância.
E, de facto, houve alguma simplicidade na exposição factual, mas como foi decidido neste processo, nada que implicasse a nulidade processual.
Como é sabido, e resulta cada vez mais explicito da lei, o objetivo último dos tribunais é apurar a verdade dos factos tal como ocorreram na realidade, sendo cada vez menos relevantes os aspetos formais e processuais, ou melhor, servindo estes para alcançar a justiça material e não para a evitar. Os princípios da gestão e adequação processuais são disso os maiores exemplos (cfr art.º 6º do CPC)
Em julgamento ficou claro e evidente para este tribunal, o acordo que foi feito pelas partes quanto ao fornecimento da fruta e valor a pagar e o que justificou a emissão de uma única fatura, após o acerto de contas, e a data em que foi emitida.
Ou seja, não tem dúvidas o tribunal que as partes tinham uma boa relação e baseada na confiança reciproca pelo que a A. entregava fruta à Ré que a pesava e estabelecia o preço final (que era idêntico ao de mercado).
Tal aconteceu também no ano de 2018, ao contrário do que é alegado pela Ré, sendo que em janeiro de 2019, já com as relações profissionais e pessoais cortadas (nesse ano já não houve transações) acertaram tudo quanto estava em dívida até esse momento.
A Ré aceitou que estava em dívida o valor que depois veio a ser refletido na fatura em causa.
Os depoimentos das testemunhas da A. revelaram-se totalmente sérios, sinceros, espontâneos e credíveis, convencendo o tribunal no essencial, ou seja, do fornecimento da fruta, no acerto de contas no final e na emissão da fatura exatamente no sentido e com o montante a pagar que havia sido acordado.
O legal representante da Ré assistiu, desde o inicio, ao julgamento e isso não impediu as testemunhas de a ele se referirem frontalmente e sem qualquer hesitação, no decurso dos depoimentos, dizendo expressões com o sentido de “ele está ali e não me deixa mentir” ou “ele está ali e sabe bem”, o que reforçou ainda a veracidade dos depoimentos.
Diga-se ainda, que neste caso é de somenos importância a quantidade de cada tipo de fruta efetivamente entregue, já que, apesar disso, as partes acordaram no final, em fixar um preço global em dívida e que foi o refletido na fatura, nem mais um cêntimo.
Também a assinatura e letra do documento de fls 58 não foi posta em causa através de qualquer incidente e a testemunha da A., seu ex-genro, confirmou, sem a menor hesitação, que o mesmo foi feito pelo punho do Sr EE, legal representante da Ré, tendo explicado as circunstancias de tempo, lugar e de motivação em que tiveram lugar.
Confirmou ter sido ele quem escreveu – “falta verificar maça gala de ...” e a data - e que abdicaram de cobrar esta maça, que sempre seria um valor residual e não tinham elementos para se certificarem das quantidades.
Explicou ainda porque razão só em 2011 emitiram a fatura, sendo que a A. precisava, na altura, de cobrar essa quantia porque precisava de dinheiro para reconstruir a casa que incendiou e já não havia esperança no pagamento.
Antes do mais é de realçar o lapso manifesto que consta na fundamentação acima transcrita quando são referidas as datas de 2018 e 2019, devendo ler-se 2008 e 2009.
Da audição dos depoimentos prestados resulta:
BB, marido da Autora, referiu que os negócios entre a Autora e a Ré eram informais, sendo a apanha da fruta efetuada pela Autora que a entregava à Ré nas instalações desta, sendo aí pesada.  A testemunha referiu que a Autora, além de outras frutas, também vendia maçãs golden, starking e, mais tarde, gala. O preço era definido pela Ré depois de vender a fruta, deduzidas ao valor final uma percentagem para esta e as despesas efetuadas com a comercialização.
As relações comerciais entre Autora e Ré acabaram em 2009 e a Ré não pagou a fruta fornecida em 2008, até que, em 2009 foi entre ambas estabelecido como valor em dívida o que consta da fatura emitida e junta aos autos e com base no documento junto em 12.12.2019 da autoria de EE, não correspondendo os pesos e valores nela indicados aos reais, mas aqueles que se encontraram para justificar o valor total. O depoimento desta testemunha, pese embora a sua ligação à Autora e ao interesse no desfecho da ação, revelou-se credível e isento, explicando os factos de uma forma plausível.
CC, na data dos factos era genro da Autora, explicou a relação de amizade que havia entre as famílias da Autora e da Ré e a fixação do preço pela Ré através do EE. A testemunha confirmou a elaboração, após acordo entre ambos, por EE do documento junto aos autos. Também esta testemunha depôs de uma forma convincente e descomprometida.
FF, filha da Autora, disse ter sido ela quem emitiu a fatura junta aos autos, pensando que as verbas nela descriminadas correspondem à produção de cada uma das quintas.
DD, conhece a Autora e o sócio-gerente da Ré é o seu pai. Disse colaborar com a Ré quando lhe é solicitado. Falou das relações de proximidade que existiram entre a sua família e a da Autora e disse que o preço da fruta era fixado no início da campanha, só ficando o pagamento para final devido à pesagem. O depoimento desta testemunha, na parte em que o acordo quanto ao preço da fruta era prévio à sua venda pela Ré, não se apresenta credível nem compatível com os demais depoimentos prestados, nem com o facto das contas só serem efetuadas após a venda da fruta pela Ré, justificado pela relação de confiança existente.
Dos depoimentos prestados resulta a certeza de ter sido fornecida em 2008 pela Autora à Ré a fruta cujo pagamento é aqui peticionado, tendo o seu preço só sido fixado em 2009. Atendendo ao modo de fixação do preço da fruta fornecida pela Autora à Ré e à dilação que existiu entre a sua entrega pela Autora, a sua venda pela Ré e à determinação do preço por ambos, é de admitir a possibilidade da referência à variedade da fruta fornecida padecer de algum equívoco, o que não invalida os fornecimentos efetuados.
Apresenta relevância o documento junto aos autos pela Autora em 12.12.2019 que representa as contas a que chegaram em 2.1.2009, a Autora, através de CC, e a Ré, tendo o seu representante aposto nele a sua assinatura. A assinatura do mesmo pela Ré não foi colocada em crise, pelo que o mesmo pode ser valorado como meio de prova, com a força probatória que lhe confere o art.º 376º do C. Civil.
A Recorrente imputa ainda à matéria de facto provada a contradição entre os factos 3, 6 e 7, alegando:
Existe, ainda uma outra contradição entre os factos dados como provados no ponto 3 e nos pontos 6 e 7, pois se a Requerente forneceu desde 2007 e a Recorrente apenas não pagou a de 2008, então, tendo por base o documento ... que refere que supostamente faltam pagar 6.000,00€ de 2008, não se pode saber a que período de tempo o resto do documento se refere.
Da leitura de tais factos não resulta qualquer contradição pois a verificação de qualquer um deles não exclui a prova de um dos outros, deixando-se dito que o documento convocado para sustentar a contradição, como atrás ficou dito, reflete um acerto de contas entre a Autora e a Ré, não correspondendo os pesos e valores nela indicados aos reais, mas aqueles que se encontraram para justificar o valor total.
Assim, face ao exposto mantêm-se os factos impugnados como provados.

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Os factos provados são:
1) A requerente dedicava-se, na altura, à produção de frutas para venda.
2) A requerida dedicava-se à atividade de comércio de frutas e outros produtos agrícolas.
3) No exercício da sua atividade comercial, e pelo menos desde 2007 que a requerente forneceu à requerida, a pedido desta, para revenda diversas quantidades de fruta, com especial incidência para maça de diversos tipos ou qualidades, pêras (sobretudo da qualidade Joaquina), ameixa branca e cereja.
4) Havia uma relação de amizade e confiança entre a família da A. e os legais representantes da Ré, sobretudo entre o marido da A. e o gerente da Ré, o Sr EE.
5) Por tal razão, acordaram que seria a Ré a pesar a fruta e, no final da campanha, após a revenda da fruta pela R., era definida a percentagem a cobrar pela e para a Ré e o montante remanescente a pagar à A.
6) Sendo que até ao fornecimento da fruta e campanha de 2008 tudo correu conforme acordado, tendo sido paga à A., atempadamente, a fruta fornecida à Ré.
7) O mesmo não tendo sucedido quanto à fruta fornecida no ano de 2008.
8) As partes acordaram que numa das duas quintas exploradas pela A. (uma é própria e outra arrendada) era a Ré a fazer a colheita da fruta e noutra era a A. que posteriormente a entregava, para pesagem, nas instalações da Ré, o que justificava preços distintos a pagar no final da campanha.
9) Em data e por razões não concretamente apuradas, mas que estarão relacionadas com questões politico-partidárias a que o marido da A. e o representante da Ré se dedicavam, terminou a relação de amizade entre as partes.
10) Após algumas tentativas, por parte do marido da A., para fazerem as contas da fruta fornecida à R. e por esta revendida, em 2008 as partes (a A. através do seu genro e o Sr EE) encontraram-se e acertaram nas quantias fornecidas e em dívida.
11) Tendo essas contas ficado a constar de documento manuscrito e assinado pelo legal representante da Ré em janeiro de 2009 e do qual consta a quantidade e preço da fruta fornecida, bem como o montante global a pagar por cada uma das quintas (... e GG) e o montante global a pagar pela Ré à A.
12) De fora dessas contas ficaram as maças Gala fornecidas pela A. à Ré, como escrito pelo representante da A. no referido documento de fls 58.
13) Com base nesse acordo entre as partes, transcrito no referido documento, a A. veio a emitir, em 1 de abril de 2011, a fatura nº ...64, emitida em 01/04/2011, com vencimento em 01/05/2011, nomeadamente pera Joaquina, maça golden, maça royal gala, ameixa branca e pera williams, no valor global de €17.867,75, acrescida de IVA à taxa de 6% no valor de €1.072,07 euros.
14) Não tendo emitido anteriormente porque a Ré solicitou prazo para poder pagar, já que tinha um investimento para fazer e não podia pagar de imediato. – depoimento das testemunhas.
15) Em abril de 2012 a A. intentou injunção contra a Ré, peticionando o pagamento desta mesma fatura nº ...64.
16) Após oposição, com idênticos fundamentos aos aqui aduzidos, foi proferida sentença, por este tribunal, a julgar totalmente procedente a ação.
17) Contudo, após recurso da Ré, foi procedente o recurso e julgada procedente a exceção de ineptidão da p.i., com a absolvição da R. da Instância – vide certidão judicial junta a fls 39 e segs.

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4. O direito aplicável
Com este recurso a Ré insurge-se fundamentalmente com a matéria de facto que foi julgada provada, ancorando-se unicamente na mesma para discordar da sua condenação.
Mantendo-se inalterada a matéria de facto no que respeita à divida respeitante aos fornecimentos de fruta que lhe foram efetuados pela Autora nos valores entre ambas acordados, deve o recurso quanto a essa parte ser julgado improcedente, restando apreciar a extensão da prescrição dos juros moratórios, se o pedido de condenação da Ré a pagar à Autora juros de mora sobre o montante em dívida é ilegítimo por enfermar de abuso de direito e, da bondade da condenação nos juros de mora à taxa de comercial.
Decorre dos factos provados que nos termos do acordo efetuado entre ambas, a Ré deveria ter pago à Autora o montante em dívida até 1.5.2011, o que não fez. 
Perante o incumprimento da Ré a Autora em abril de 2012 requereu procedimento de injunção visando obter o pagamento em falta, procedimento que convertido em ação foi não logrou êxito, tendo a Autora requerido, com a mesma finalidade, novo procedimento de injunção – o que deu origem a esta ação – em 30.7.2018, tendo a Ré sido citada em setembro de 2013.
Como consta da sentença, a citação da Ré para a 1ª ação nada interferiu, para a interrupção do prazo prescricional relativo ao crédito de juros moratórios, sendo unicamente de considerar como relevante para a interrupção do referido prazo a data da citação para esta ação, o que aconteceu em setembro de 2018. Da consideração desta data e de que o prazo de prescrição dos juros é de 5 anos, estão prescritos os juros que se venceram em data anterior aos 5 anos que antecederam a citação para a presente ação, ou seja, até setembro de 2013. Assim, são devidos juros de mora, como decidido, desde outubro de 2013, inclusive.
Alega ainda a recorrente que o pedido da sua condenação em juros de mora revela-se abusivo, por a autora ter demorado mais de 3 anos, desde a data da decisão da anterior ação, a demanda-la.
 Quanto ao abuso de direito preceitua o art.º 334º, do C. Civil:
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifesta­mente os limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou econó­mico desse direito
A doutrina do abuso de direito tem, a função de obstar a injustiças clamo­rosas, a que poderia conduzir, em concreto, a aplicação dos comandos abstratos da lei.
Haverá abuso de direito quando um certo direito, admitido como válido em tese geral, surge, num determinado caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida esta segundo o critério social dominante [1].
Ora, atuando a Autora no exercício de um direito conferido por lei, e não evidenciando a matéria de facto provada que da sua atuação resultasse violada qualquer das disposições do C. Civil que impõem restrições ao seu exercício, a pretensão da Ré só poderia encontrar algum acolhimento ou justificação caso da análise dos restantes factos provados resultasse a conclusão de que aquele direito tinha sido exercido pela Autora de forma abusiva, o que não acontece no caso em apreço. O simples facto da Autora instaurar esta ação 3 anos após a decisão da antecedente, desacompanhado de qualquer outro facto não é idóneo a integrar o mesmo na figura do abuso de direito.
Por último a Ré argumenta que a taxa de juros fixada – comercial – não é a correta pois o art. 102º do código comercial diz que “a taxa de juros comercial só pode ser fixada por escrito” e entre a demandante e o demandado não existe qualquer documento assinado que o preveja, significa isto que, para que a demandante pudesse exigir juros comerciais seria necessário que, por escrito tal estivesse previsto, o que não acontece.
Cumpre assim apurar, estando a Ré em mora, e não tendo sido convencionado por escrito que o crédito da Autora venceria juros moratórios à à taxa comercial, não poderia a Ré ser condenada no seu pagamento a essa taxa.
Dispõe o art.º 102º do C. Comercial:
Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
§ 1.º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
A leitura a fazer deste preceito não é aquela que a recorrente faz. Dele resulta claramente que só no caso de essa taxa de juro ser convencional é que tem que constar de documento escrito, não sendo extensível tal exigência quando a sua aplicação resultar da lei, como é o caso e, acertadamente, consta da decisão recorrida.
Impõe-se, pois, a improcedência do recurso.

                                       *
Decisão:
Nos termos expostos, julgando-se improcedente o recurso, confirma-se a decisão proferida.

                                       *

Custas pela recorrente.

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                                                                     24.1.2023



[1] Vaz Serra, Abuso do Direito, BMJ n.º 85, pág. 253.