ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE
EXTINÇÃO DA PRESTAÇÃO
REDUÇÃO DO RESPECTIVO MONTANTE
Sumário


I- Pretendendo o Requerente a extinção de uma prestação alimentar ao seu ex-cônjuge e não tendo formulado pedido subsidiário da redução da medida dos alimentos, pode mesmo assim o Tribunal decidir apenas pela parcial procedência, reduzindo o montante dos alimentos a prestar mensalmente,.
II- Não comete este último qualquer nulidade de conhecimento de matéria que lhe está vedada.

Texto Integral


Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Em 3 de Novembro de 2020, AA, casado, residente em ... ... ..., Suíça, intentou a presente acção com processo especial ao abrigo do disposto no art. 936.º do CPC (alteração ou cessação dos alimentos) contra BB, divorciada, residente na Avª. ..., ..., ..., ... ..., pedindo seja declarado desonerado do pagamento da prestação de alimentos definitivos à Requerida sua ex-cônjuge, com efeitos a partir de 1 de Março de 2021.
Para tal, alega que Requerente e Requerida foram casados entre si, tendo sido acordado, por altura do divórcio, que o Requerente liquidaria uma pensão de alimentos à sua ex-cônjuge a qual se fixou €300,00 (trezentos Euros), devendo tal valor ser actualizado anualmente de acordo com o índice de inflação publicada pelo Instituto Nacional de Estatística.
Pretende fazer cessar tal obrigação de alimentos, uma vez que, conforme invoca, não reúne as mesmas condições económicas que o fizeram acordar no pagamento de tal prestação.
Junta procuração e documentos.

Realizada a conferência a que alude o nº 3 do referido artigo, as partes não lograram alcançar acordo.

A Requerida contestou, assumindo carecer de tais alimentos, uma vez que não possui qualquer fonte de rendimentos.
Juntou documentos, procuração e comprovativo do requerimento relativo ao apoio judiciário.

Respondeu o Requerente, reiterando os termos do requerimento inicial.

*

Teve lugar audiência final, com gravação dos trabalhos.

*

Prolatou-se douta sentença.

Nela dão-se como provados os seguintes factos:

1) Autor e Ré foram casados um com outro, tendo-se divorciado por mútuo consentimento no dia 18/02/2016 na Conservatória do Registo Civil ..., no Processo de Divórcio por Mútuo Consentimento nº ... conforme certidão nº ... de fls. 9 e ss.. (rectificado na Relação conforme documentos de fls. 9 e ss, por se tratar de evidente lapso material)
2) No dito Processo de Divórcio Por Mútuo Consentimento foi outorgado Acordo relativo à Pensão de Alimentos, tendo ficado estabelecido que o Autor pagaria à Ré BB uma Pensão de Alimentos no valor mensal de
€ 300,00 (trezentos Euros).
3) Tal valor seria actualizado anualmente de acordo com o índice de inflação publicada pelo Instituto Nacional de Estatística.
4) Com as actualizações decorrentes do valor da inflação, no corrente ano o valor da Pensão de Alimentos está estabelecido no montante de €321,52.
5) Quando foi acordada a Pensão de Alimentos à ex-cônjuge, o Autor trabalhava como jardineiro na Suíça auferindo um vencimento médio mensal de €3.500,00.
6) Assim, no mês de Abril de 2016, o Autor recebeu de salário o valor de 2.272,45 Francos Suíços, correspondente a 2.118,65 Euros.
7) No mês de Maio de 2016, o Autor recebeu de salário o valor de 3.342,25 francos suíços, o equivalente a 3.116,04 Euros.
8) No mês de Junho de 2016, o Autor recebeu de salário o valor de 4.049,35 francos 9) suíços, o equivalente a 3.775,28 Euros.
10) Em Maio de 2020, o Autor recebeu o valor de 3.749,95 francos suíços, o equivalente a 3.496,15 Euros.
11) Em Junho de 2020, o Autor recebeu de salário o valor de 3.770,70 francos suíços, o equivalente a 3.515,49 Euros.
12) O Autor constituiu nova família, tendo casado no regime da separação de bens com CC, em 28.04.2017.
13) O Autor deixou de trabalhar no dia 30 de Novembro de 2020, ficando a receber o subsídio de desemprego até 28/02/2021.
14) O A. ficou reformado na Suíça no dia 01 de Março de 2021, auferindo reforma de aproximadamente 308 FR, o que corresponde a € 310,95.
15) Além do valor do salário, o Autor recebe o valor das pensões de reforma pelos anos em que trabalhou em França.
16) Conforme o demonstram as Declarações de Rendimentos do Autor referentes ao ano de 2019 o Autor aufere de reformas provenientes de França o valor mensal de € 892,67.
17) O A. e esposa pagaram de renda de casa entre 01 de Outubro de 2019 e 01 de Outubro de 2020 o valor de 2.500 francos suíços, ou seja, 2.330,80 Euros.
18) O Autor paga a título de Pensão de Alimentos à sua mãe DD, o valor mensal de 84,00€ conforme Sentença do Tribunal de ..., França.
19) O Autor paga de seguro de saúde obrigatório a quantia mensal de 272,75 francos suíços, ou seja, 254,29 Euros.
20) O Autor paga de seguro de responsabilidade civil automóvel a quantia mensal de 120 francos suíços, ou seja, 114,00 Euros.
21) O Autor paga de imposto mensal pela sua viatura 35 francos suíços, ou seja € 33,25.
22) O Autor paga mensalmente a quantia de 14 francos suíços, ou seja, € 13,30 a título de seguro de responsabilidade civil.
23) Do extracto da Segurança Social verifica-se que o A. fez contribuições nos anos de 1972 a 2016 respectivamente, de €16,87, €34,87, €51,03, €4308,63, €7681,52, €6584,16, €6584,16, €6584,16, €6584,16, €8617,44, €11425,00, €13110,00, €14413,23, €14033,24, €13999,92, 14119,00, €2914,26, €16992,39, €12632,50, €5477,91.
24) O único imóvel do ex-casal formado por Autor e Ré, ficou para a Ré.
25) A Ré ficou com a totalidade do recheio da casa.
26) A Ré ficou com cerca de €40.000,00 de dinheiro que pertencia ao dissolvido casal.
27) A Ré ainda faz esporadicamente horas de serviço doméstico.
28) O A. enviou em 03 de Abril de 2020 uma carta registada com aviso de recepção à Ré, a propor a cessação da pensão de Alimentos com efeitos a 01/03/2021.
29) A e R., enquanto casados, decidiram emigrar para França onde permaneceram largos anos.
30) O A proibiu a R. de contribuir para a Segurança Social Francesa, alegando que assim seriam menores as despesas.
31) A R. nasceu em .../.../1958 não tem qualquer rendimento de trabalho.
32) Não tem qualquer fonte de rendimento para além da pensão de alimentos.
33) A R. tem como habilitações literárias a 4ª classe.
34) A R. é doente oncológica e sofre de outras patologias, minimizando os seus efeitos com os fármacos que vai tomando, conforme prescrição médica e de forma crónica, cuja despesa mensal ascende a cerca de € 100,00.
35) Para viver minimamente e de forma condigna, alívio na doença, tem despesas
inerentes, como sejam os fármacos, a alimentação, roupa, água, energia eléctrica, telefone, gás, combustível de aquecimento, seguros de habitação e de veículo automóvel, (cujo valor comercial ronda os €500,00), nunca inferior a €450,00.
36) Do extracto da Segurança Social verifica-se que a R. fez contribuições nos anos de 2004, 2005 e 2010, respectivamente, de €1.306,64, €1.794,03 e €3.577,39.
37) A R detém um veículo automóvel, de 1999, de matrícula ..-..-OJ.

Sobre factos não provados declarou-se:

Nada mais se provou em contrário ou além do que acima se enunciou como provado, tendo o Tribunal analisado especificadamente cada um dos demais factos alegados pelas partes nas suas alegações, cientes de que o Tribunal não se pronuncia sobre matéria conclusiva, emotiva, romanceada, opinativa ou sobre alegações jurídicas.

Nela dão-se como não provados de entre a matéria articulada os seguintes factos:

a) O Autor despende em alimentação, vestuário, calçado, telecomunicações, transportes, combustíveis quantia não inferior a 750 francos suíços, ou seja, € 712,50 por mês.
b) A R. ficou com os dois veículos automóveis que eram do casal.

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Decidiu-se do mérito, julgando-se improcedente a acção, mantendo a obrigação do Requerente pagar alimentos à Requerida mensalmente no valor anteriormente acordado e com as actualizações devidas, repondo as prestações não liquidadas desde Março de 2021.

As custas ficaram pelo Requerente.

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Inconformado, recorre o Requerente, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Alega o Requerente, rematando assim:

1. Inconformado com a Sentença proferida nestes autos, que julgou totalmente improcedente a presente Acção para a Cessação de Alimentos Definitivos, e em consequência, determinou a manutenção da obrigação do Autor de liquidar Pensão de Alimentos à ex-cônjuge, nos mesmos termos que os assumidos por altura do divórcio, vem o Autor, interpor o presente Recurso.
2. Entende, o Recorrente, que a matéria de facto considerada na alínea a) dos factos não provados pelo Tribunal Recorrido, não corresponde aos factos descritos pelo A. na PI, nem à prova documental que o Autor juntou aos autos, nem corresponde à experiência comum, tendo havido, também, por parte do mesmo, um erro na apreciação da prova, e uma manifesta Oposição entre a Fundamentação e a Decisão, havendo uma incorrecta interpretação e aplicação de alguns normativos legais.
3. O objecto do litígio e questões a decidir circunscreve-se a:
Aferir se houve uma diminuição dos rendimentos auferidos pelo Autor que levem a que seja cessada a obrigação de Prestação de Alimentos à sua ex-cônjuge.
4. Com relevo para a apreciação do Presente Recurso alegou Autor o seguinte na sua Petição Inicial:
a) Que foi casado com a Ré, tendo sido acordado, por altura do divórcio, que o Autor liquidaria uma Pensão de Alimentos à sua ex-cônjuge a qual se ficou em 300,00€ (trezentos Euros).
b) O Autor pretende fazer cessar a obrigação de alimentos, uma vez que, conforme invoca, não reúne as mesmas condições económicas que o fizeram acordar no pagamento de tal prestação.
5. Concluiu o autor na Petição Inicial nela pedindo que deva ser decretada a cessação da obrigação de prestação de alimentos do Autor à Ré, sua ex-cônjuge, com efeitos a partir de 01 de Março de 2021.
6. Regularmente citada, a Ré contestou, assumindo carecer de tais alimentos, uma vez que não possui qualquer fonte de rendimentos.
A) DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
I – DA NULIDADE DA SENTENÇA
II – ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
7. Com relevo para a decisão da causa, o Tribunal “a quo” deu como não provados os seguintes factos:
“ a) O Autor despende em alimentação, vestuário, calçado, telecomunicações, transportes, combustíveis quantia não inferior a 750 francos suíços, ou seja, 712,50€ por mês.”
8. Alega a Mª. Juiz a quo que os factos não provados resultaram como tal, considerando a total ausência de prova que os corroborasse, seja documental, seja testemunhal.
9. Ora, tal não corresponde à verdade, dado que, por um lado, existem as declarações do Autor, descritas na PI que necessitam de ser valoradas, e bem como o documento junto pelo Autor, e por outro lado, é da experiência comum, que as despesas de alimentação, vestuário, calçado, transportes, são despesas correntes de qualquer ser humano, difíceis de contabilizar, mas inerentes a qualquer ser humano, sendo certo que é do conhecimento geral e da experiência comum saber-se do elevado custo de vida para quem reside na Suíça.
10. O Apelante não pode concordar com a decisão relativamente à apreciação da prova produzida nos Autos, relativamente à parte da matéria de facto dada como não provada e constante da letra a) dos Factos Não Provados da Sentença, pelo que a impugna, requerendo a sua reapreciação (artigo 662º do C.P.C.).
11. É que, do conjunto dos meios de prova produzidos, nomeadamente das Declarações do Autor na PI, do documento por si junto, e das regras da experiência comum, sabendo, todos, como é o custo de vida na Suíça, com alimentação, vestuário, calçado, transporte, comunicações, etc., não existe suporte razoável para dar tal facto como não provado, mas, antes pelo contrário, deveria ter considerado tal como provado, e a referida decisão de procedência da Acção.
12. O Douto Tribunal “a quo” não deu como provado que o Autor despende em alimentação, vestuário, calçado, telecomunicações, transportes, combustíveis, quantia não inferior a 750 francos suíços, ou seja, 712,50€ por mês, e devia ter dado tal facto como provado.
13. Ao dar como não provado os pontos referidos na Letra a), o Douto Tribunal “a quo”, fez uma errada interpretação dos factos provados e não provados em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, conduzindo à improcedência da Acção.
14. O Douto Tribunal deveria ter dado como provado tal facto, e daí, concluir pela procedência total da Acção.
15. De facto, não obstante, o princípio fundamental da livre apreciação das provas, consignado no artigo 607 nº 5 do C.P.C., o Julgador sempre terá que fundar a sua convicção, quanto a tal apreciação, no conjunto dos elementos probatórios produzidos nos Autos.
16. E, no caso em apreço, os elementos de prova produzidos nos Autos sobre tais matérias não poderiam, de acordo com os critérios de razoabilidade e de mínimo rigor, conduzir à decisão proferida pela Mma. Juíz quanto ao não dar como provadas as despesas do Autor com alimentação, vestuário, calçado, telecomunicações, transportes e combustíveis.
17. Razão pela qual, entendemos que há Um Erro Notório e Manifesto na apreciação da matéria de facto, havendo uma manifesto erro em não dar como provado o facto da alínea a) dos Factos Não Provados.
III - DA MANIFESTA OPOSIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO – Art. 615º nº 1 C) do CPC
18. Com relevo para a decisão da causa, o Tribunal “a quo” deu como PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
“ 5) Quando foi acordada a Pensão de Alimentos à ex-cônjuge, o Autor trabalhava como jardineiro na Suíça auferindo um vencimento médio mensal de €3.500,00.
14) O A. ficou reformado na Suíça no dia 01 de Março de 2021, auferindo reforma de aproximadamente 308 FR, o que corresponde a €310,95.
15) Além do valor do salário, o Autor recebe o valor das pensões de reforma pelos anos em que trabalhou em França.
16) Conforme o demonstram as Declarações de Rendimentos do Autor referentes ao ano de 2019 o Autor aufere de reformas provenientes de França o valor mensal de €892,67.
17) O A. e esposa pagaram de renda de casa entre 01 de Outubro de 2019 e 01 de
Outubro de 2020 o valor de 2.500 francos suíços, ou seja, 2.330,80 Euros.
18) O Autor paga a título de Pensão de Alimentos à sua mãe DD, o valor mensal de 84,00€ conforme Sentença do Tribunal de ..., França.
19) O Autor paga de seguro de saúde obrigatório a quantia mensal de 272,75 francos suíços, ou seja, 254,29 Euros.
20) O Autor paga de seguro de responsabilidade civil automóvel a quantia mensal de 120 francos suíços, ou seja, 114,00 Euros.
21) O Autor paga de imposto mensal pela sua viatura 35 francos suíços, ou seja €33,25.
22) O Autor paga mensalmente a quantia de 14 francos suíços, ou seja, €13,30 a título de seguro de responsabilidade civil.
24) O único imóvel do ex-casal formado por Autor e Ré, ficou para a Ré.
25) A Ré ficou com a totalidade do recheio da casa.
26) A Ré ficou com cerca de €40.000,00 de dinheiro que pertencia ao dissolvido casal.
27) A Ré ainda faz esporadicamente horas de serviço doméstico.
31) A R. nasceu em .../.../1958 não tem qualquer rendimento de trabalho.
32) Não tem qualquer fonte de rendimento para além da pensão de alimentos.
19. Na Decisão sobre os factos provados dá-se como provado no ponto 5 que, quando foi acordada a Pensão de Alimentos à ex-cônjuge, o Autor trabalhava como jardineiro na Suíça auferindo um vencimento médio mensal de €3.500,00.
20. Nos pontos 14 a 16 ficou provado que A. ficou reformado na Suíça no dia 01 de Março de 2021, auferindo reforma de aproximadamente 308 FR, o que corresponde a €310,95.
21. Além do valor do salário, o Autor recebe o valor das pensões de reforma pelos anos em que trabalhou em França, sendo que no ano de 2019, o valor foi de
892,67€.
22. Na Fundamentação a Mª. Juiz a quo diz que “ Assim, o A. reformou-se em 01/03/2021 passando a receber de reformas (de França e Suíça) o valor de €11.20,00”. Sendo um manifesto lapso, porque o que pretenderia dizer era a quantia de 1.120,00€
23. Ora, se o Douto Tribunal a quo dá como provado que, quando foi efectuado o Acordo de Pagamento de Pensão de Alimentos, o Autor trabalhava como jardineiro na Suíça e auferia 3.500,00€ mensais e agora em 01/03/2021 passou a auferir de reformas 1.120,00€, como é que mantém a obrigação do A. pagar a Pensão de Alimentos à sua ex-cônjuge, quando existe uma diminuição no rendimento mensal de 2.380,00€?
24. O Douto Tribunal “ a quo” deu como provado que o Autor reformou-se em 01/03/2021 e que de reforma (da França e Suíça) recebe mensalmente o valor de
1.120,00€.
25. O Douto Tribunal “ a quo” deu como provado que o Autor tem as despesas mensais que descreveu nos pontos 17 a 22 dos Factos dados como provados, nomeadamente despesas correntes por seguros de saúde e de responsabilidade civil e ainda uma contribuição de 84,00€ para a sua mãe, a que se associará as indispensáveis à sua subsistência.
26. Ora, se os rendimentos do Autor ficaram reduzidos a 1.120,00€, havendo uma
redução mensal de 2.380,00€ e as despesas que o Autor tem se mantiveram, como é que o Douto Tribunal “a quo” manteve a obrigação do pagamento do mesmo valor de 300,00€ a título de Pensão de Alimentos?
27. Há uma manifesta Oposição entre os factos dados como provados e a Decisão.
28. Há uma manifesta contradição entre a Fundamentação da Decisão e a Decisão, observável desde logo quando na Douta Sentença recorrida se diz:
“ Analisados factos provados, temos que as circunstâncias mudaram: O R. (queria dizer o A.) deixou de auferir os rendimentos que recebia por  ocasião do divórcio, diminuindo sensivelmente, os meios do devedor.”
29. Há, também, uma manifesta contradição entre os factos provados e a Decisão quando a Douta Sentença recorrida diz no ponto 31 dos factos provados que a Ré não tem qualquer rendimento de trabalho, sendo que, antes, no ponto 27) diz que a Ré ainda faz esporadicamente horas de serviço doméstico e depois, na Fundamentação diz que a Autora “Apesar da grave situação de doença, obtém alguns rendimentos, de cariz intermitente e de valor variável, em horas de serviços domésticos e não goza de outro auxílio económico que não o que lhe é proporcionado pelas filhas e por familiares”
30. A Douta Sentença diz, por um lado, que a A. não tem rendimentos e que vive do auxílio económico das filhas e familiares e por outro, diz que a mesma faz esporadicamente horas de serviço doméstico.
31. Há uma Oposição entre os factos dados como provados nos pontos 24) a 26) onde se diz que a Autora ficou com o imóvel que era do ex-casal, ficou com o recheio da casa e ficou ainda com a quantia de 40.000,00€ que era dinheiro que pertencia ao dissolvido casal, e depois, na Fundamentação diz que a Ré vive com grandes dificuldades económicas, “se não mesmo próxima da indigência.”
32. Há, uma manifesta Oposição na Fundamentação da Sentença Recorrida quando se diz que apesar da situação de rendimentos do Recorrente não ser particularmente robusta, continua imposto ao contribuir para a sobrevivência da sua ex-mulher nas condições antes fixadas.
33. Pelo que se deixa dito, há uma manifesta contradição entre os factos dados como provados que reconhecem a substancial perda de rendimentos do Autor e que deveria levar à procedência da Acção e a sua Motivação, e a Decisão, que julgou a Acção improcedente.
34. Há uma manifesta oposição entre a fundamentação e a decisão sendo causa de Nulidade da Sentença ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
35. Houve da parte do Douto Tribunal “a quo” uma manifesta incorrecta interpretação e julgamento do ponto da matéria de facto considerado não provados, havendo erro notório na apreciação da prova, e uma manifesta contradição entre a Fundamentação e a Decisão, que levou à incorrecta subsunção da mesma às normas legais disciplinadoras das questões em análise, importando uma decisão incorrecta quanto ao Direito.
B) DO DIREITO
36. Os alimentos devidos ao ex-cônjuge estão previstos na alínea a) do artigo 2009º do Código Civil, sendo regidos pelas disposições dos artigos 2003º a 2020º do Código Civil.
37. Após o divórcio cada cônjuge deve prover à sua subsistência, conforme dispõe o nº 1 do artigo 2016º do Código Civil.
38. Conforme se dispõe na doutrina e na jurisprudência, sufragado no Douto Acórdão da Relação de Guimarães datado de 10/07/2014 Processo
836/13.2TMBRG-B.G1 da 2ª Secção Cível que diz o seguinte, in www.dgsi.pt:
“ 1 - Com a redacção dos nºs 1 a 3 do artigo 2016 e 2016º-A, do CC, introduzida pela Lei nº 61/2008 de 31/10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do seu carácter excepcional, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “ o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”; 2 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio. 3 – Por outro lado, não pode a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor.”
39. Os pressupostos definidos neste Douto Acórdão encontram-se perfeitamente preenchidos no caso dos autos, dada a situação económica do Recorrente após a sua reforma, e a da Recorrida.
40. Aliás, o nº 1 do artigo 2004º do CC diz que os alimentos serão  proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los,
No nº 2 do citado artigo 2004º do CC diz-se: “Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.”
41. Por outro lado, o artigo 2012º do CC refere que os alimentos fixados podem ser alterados pelo tribunal se as circunstâncias determinantes para a sua fixação se modificarem, como é manifestamente o caso, dado que o Recorrido em Março de 2021 deixou de auferir rendimentos mensais no valor de 3.500,00 Euros, e passou a receber, apenas, a quantia de 1.120,00€.
42. Por fim, o nº 1 do artigo 2013º do CC diz que cessa a obrigação alimentar quando: “ b) aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles”.
43. É manifestamente o caso do Recorrente, que a partir de 01 de Março de 2021 ao auferir apenas o valor de reformas no montante de 1.120,00€, que nem chega para pagar as suas próprias despesas mensais, ficou impossibilitado de pagar a pensão de Alimentos à sua ex-cônjuge, ora Recorrida.
44. A partir de 01/03/2021, o Autor ficou na condição de impossibilidade de pagamento de alimentos à ex-cônjuge.
45. Tendo havido da parte do Douto Tribunal “ a quo” uma incorrecta interpretação e, por conseguinte, violação, dos artigos 615 nº1 c) do Código do Processo Civil e dos artigos 2003º, 2004º, 2009º nº1 a), 2012º, 2013º nº 1 b), 2016º e 2016º -A, todos do Código Civil.

Pugna a final: DEVE SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, POR NULIDADE DECORRENTE DA MANIFESTA OPOSIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO, E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE A ACÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE E ORDENE A CESSAÇÃO DO PAGAMENTO DA PENSÃO DE ALIMENTOS POR PARTE DO RECORRENTE.

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Não contra-alega o Autor.

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Na 1ª instância sustentou-se não padecer a sentenºa recorrida das apontadas nulidades.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.
“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III - OBJECTO DO RECURSO 

As questões que se colocam ao julgador através da presente apelação são:

I – saber quais os factos a ter em conta;
II- saber se a sentença recorrida padece de nulidade;
III - decidir do mérito da causa.
 
IV- mérito do recurso

1ª questão

O Requerente impugna a decisão sobre a matéria de facto quando se dá como não provado que: o Autor despende em alimentação, vestuário, calçado, telecomunicações, transportes, combustíveis quantia não inferior a 750 francos suíços, ou seja, € 712,50 por mês.
A Senhora Juiz fundamentou a decisão dizendo que por falta de prova.
Efectivamente a Requerida na sua contestação, nomeadamente no artigo 107º de tal peça, impugna o alcance que o Requerente pretende conseguir com os documentos que junta, neste particular o nº 21, constante de fls. 32, o qual é um mero somatório de valores, e onde sob o item “comida, vários, etc.,” alinha a importância mensal de € 712,50.
A Senhora Juiz entendeu não aplicar qualquer presunção na resposta a dar a tal matéria.
A tal não estava obrigada.
No julgamento sobre a matéria de facto, a que se refere o disposto nos artigos 607º, 4 (até “convicção”) e 5 do CPC, na redacção da Lei 41/2013, o juiz procede à análise crítica das provas e fundamentação dos factos que julga provados e não provados. Aprecia as provas de livre apreciação. É o chamado princípio da livre apreciação das provas, constante do nº 5. De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. Ou seja, as provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Só neste caso está o julgador obrigado a observar a hierarquização legal.
Foi o que  Senhora Juiz operou.
As “declarações do Autor na petição inicial” são apenas alegações, que carecem de prova, testemunhal, documental ou outra.
Por outro lado, a prova oral produzida na audiência final foi gravada.
O Apelante também não indica com exactidão as passagens da gravação de que se poderia eventualmente retirar decisão diferente sobre o facto em questão. 
Não cumpre ó ónus do artigo 640º, 1, b) e 2, a) do CPC.

Assim improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

2ª questão

Nas conclusões 18ª a 35ª da minuta recursória o Apelante apoda a sentença recorrida de cometer o vício do artigo 615º, 1, c) do CPC – oposição entre os fundamentos e a decisão. 

Em causa neste artigo apenas a “decisão final” e não a decisão da matéria de facto.
Haverá nulidade pela 1ª parte do previsto nesse artigo quando a sentença revela, por si, patentemente, de apreensão imediata, um vício lógico de raciocínio que distorce a conclusão a que deviam conduzir as premissas relativas aos factos e ao direito explanados. Quando os pressupostos conduzem logicamente a um resultado, e o resultado final é outro ou diferente do percepcionado.

O Apelante na conclusão 33ª resume: Pelo que se deixa dito, há uma manifesta contradição entre os factos dados como provados que reconhecem a substancial perda de rendimentos do Autor e que deveria levar à procedência da Acção e a sua Motivação, e a Decisão, que julgou a Acção improcedente.

Vejamos.
Na sentença recorrida escreveu-se em sede de motivação de mérito o seguinte:

O A. reformou-se em 01.03.2021 passando a receber de reformas (de França e Suíça) o valor de cerca de €1.200,00. Mantém a título de despesas correntes prestações por seguros de saúde e de responsabilidade civil e ainda uma contribuição de €84,00 para a sua mãe, a que se associará as indispensáveis à sua subsistência. A renda que liquidou de casa, comprovando nos autos contrato de arrendamento, reporta-se ao ano antes da reforma (Outubro de 2019), que, entretanto, cessou, tanto quanto ficou provado, em Outubro de 2020. Com grande importância, o A. casou, tendo agora uma companheira com quem partilha os custos de vida e beneficiando das inerentes poupanças em matéria de custos marginais. Acresce que tem descontos para a segurança social em Portugal, desde o ano de 1972 até 2016 pelo que irá ainda auferir uma reforma em Portugal.

A Requerida, por seu lado, é doente oncológica e não aufere qualquer subsídio ou pensão de reforma. Tal como acontecia por altura do divórcio, ficou com a casa de morada de família, nada despendendo para a sua aquisição, mas liquidando, naturalmente, os impostos a ela inerentes e recaindo sobre si os custos de manutenção associados.
A Requerida tem um veículo automóvel, liquidando naturalmente, imposto de circulação e seguro de responsabilidade civil, à semelhança do A. Apesar da grave situação de doença, obtém alguns rendimentos, de cariz intermitente e de valor variável, em horas de serviços domésticos e não goza de outro auxílio económico que não o que lhe é proporcionado pelas filhas e por familiares. Tem a 4ª classe e perfaz em Outubro deste ano 64 anos.

Analisando uma parte e outra temos que o A. aufere rendimentos no valor de cerca de 1200,00 euros. A R. não aufere de ganhos com carácter de estabilidade e que lhe assegurem receita corrente para atender a gastos fixos, que não a pensão de alimentos paga pelo A.
Para além do divórcio e a determinação do montante dos alimentos reabilitadores nortear-se pela necessidade de atribuir, ao ex-cônjuge necessitado, os instrumentos necessários para superar os obstáculos existentes no mercado de trabalho, é óbvio e evidente que a R. não está em situação de conseguir emprego e de começar a subsistir pelos seus próprios meios.
A sua idade avançada, com as inerentes debilidades e limitações físicas, associada a uma grave enfermidade de foro oncológico, que só por si será fonte de encargos importantes, mostram-se inibidoras de desempenho laboral médio, quando imponha componente física, privando-a de aceder a rendimentos com um mínimo de significado ou de os reforçar por via de maior carga de trabalho, caso se visse privada da pensão de alimentos que, hoje, aufere do Requerente. A esta incidência acrescem as reduzidas habilitações da Requerida, que não lhe admitem aceder a posições profissionais que se centrem em actividade intelectual, todo este conjunto traduzindo uma situação de grandes dificuldades económicas, se não mesmo próxima da indigência.
Concluímos, portanto, que ao Requerente continua imposto contribuir para a sobrevivência da sua ex-mulher nas condições antes fixadas. Ainda que a sua situação de rendimentos conhecida não seja particularmente robusta, o seu contexto económico-financeiro é consistente, especialmente quando se leve em conta o registo de vida do país que o acolhe (Suíça) e o benefício de integração em agregado familiar, proporcionando-lhe poupança e o acesso a outras fontes de rendimentos.

Estamos agora em sede de aplicação do direito aos factos. Esta actividade do decisor materializa-se na elaboração da sentença, e a ela se referem os artigos 607º, 2, 2ª parte do nº3, nº 4, 2ª parte, e 608º do CPC.
Na fundamentação da sentença o juiz faz o exame crítico das provas de que naquele momento lhe cabe conhecer, e que são as provas das presunções judiciais ou com valor legal fixado, se ainda não utilizadas, os ónus probatórios, e os factos admitidos por acordo em audiência de discussão e julgamento. (Ac. STJ de 10-5-2005, p. nº 05A963, dgsi.net.)

Lendo aquilo que a Senhora Juiz escreveu verifica-se que, embora considere que o Requerente aufere menos rendimentos mensais, uma vez que se reformou, comparativamente ao tempo que se constituiu na obrigação de pagar alimentos à ex-esposa, certo que releva positivamente o facto de se ter casado de novo, de assim conseguir ganhos marginais, considerando que com esse novo estado lhe proporciona poupanças e “acesso a outras fontes de rendimento”. Desvaloriza o montante que o Requerente alega pagar o casal de renda mensal com a habitação, justificando que o contrato de arrendamento provado nos autos vigorou até Outubro de 2020 ( a presente acção deu entrada em 3 de Novembro de 2020 ). Releva que o Requerente ainda conseguirá uma pensão de reforma portuguesa por ter procedido a descontos ao longo de vários anos. Por outro, prioriza a idade da Requerida, a quase impossibilidade de ingressar no mercado de trabalho regular. Para concluir – e consequentemente nesse sentido decidir – dever o Requerente continuar a pagar à Requerida a pensão de alimentos no montante que vem vigorando.

Neste contexto, não se revela de modo nenhum, e muito menos com evidência, ter havido um salto inexplicável no raciocínio do Tribunal entre o sentido que as premissas permitiam prever, e a decisão final tomada. O vício previsto na norma em apreço, capaz de gerar nulidade, situa-se no plano do silogismo judiciário.  

A Senhora Juiz explica porque entende que a acção deve improceder e decide em conformidade.

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Já na conclusão 35ª da minuta o ora Apelante reverbera: houve da parte do Douto Tribunal “ a quo” uma manifesta incorrecta interpretação e julgamento do ponto da matéria de facto considerado não provados, havendo erro notório na apreciação da prova, e uma manifesta contradição entre a Fundamentação e a Decisão, que levou à incorrecta subsunção da mesma às normas legais disciplinadoras das questões em análise, importando uma decisão incorrecta quanto ao Direito.

Que dizer?

O vício previsto na norma em apreço - artigo 615º, 1, c), 1ª parte, do CPC -, capaz de gerar nulidade, situa-se no plano do silogismo judiciário, e não no plano da aplicação do direito substantivo.. 

Logo, improcede a asserção do Apelante.

3ª questão

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A factualidade a ter em conta é a vinda do 1º grau, que não padece de contradição ou ambiguidade e não carece de ser oficiosamente alterada.

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O Requerente intenta a presente acção com processo especial para a cessação da prestação alimentícia. Cfr. artigo 936º do CPC e fls. 81.

Este dispositivo prevê o procedimento especial, havendo execução da prestação de alimentos, para a alteração da sua medida ou cessação da obrigação de os prestar.
Está em consonância com o disposto no artigo 2013º, 1, b) do CC que dita: a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixa de precisar deles.

Deve ter-se em conta ainda as seguintes disposições legais, na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei nº 61/2008, de 31-10:

O artigo 2016º, 1 do CC: Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio;
E artigo 2016º, -A, 1 do CC: Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação dos filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre a necessidade do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta;
E nº 3 – O cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.

Estas disposições normativas têm recebido no STJ a seguinte interpretação:

Este normativo legal veio precisar critérios na atribuição da pensão que constavam já do artigo 2016º na redacção que lhe fora conferida pelo DL 497/76 de 25 de Novembro; de salientar que agora manda atender-se à hipótese de o cônjuge devedor ter contraído novo matrimónio ou encetado uma união de facto, a preferência de um filho do cônjuge devedor sobre o ex-cônjuge impetrante de alimentos e ainda a consideração de que o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, assim se superando por via legislativa dúvidas que acerca deste ponto se vinham mantendo na jurisprudência. Mas é claro que isto não justifica pura e simplesmente que seja irrelevante para a fixação de pensão alimentar o nível de vida anteriormente mantido, como aliás resulta do nº 1 do artigo 2.016º-A, quando manda contemplar a duração do matrimónio a colaboração prestada para a economia familiar; também a conjuntura do momento em que são fixados os alimentos releva muito especialmente quando se está num período de contracção da economia em que o emprego escasseia e muito especialmente para quem não tem grandes habilitações. Assim a extinção do vínculo matrimonial não justifica, a nosso ver, que o cônjuge impetrante seja relegado para um patamar de subsistência mínima, não sendo aceitável sem mais a passagem abrupta de uma situação de desafogo para outra de simples cobertura de necessidades basilares. A correcta fixação do “quantum alimentar” deve pois afastar-se de posições extremas; e nem outra coisa resulta, a nosso ver, da correcta interpretação da lei; o legislador limitou-se a afastar a obrigação de ser mantido o padrão de vida da vigência do casamento, mas não propendeu para a solução oposta.
Cfr. Ac. STJ de 22-2-2017 prolatado no p. nº 19199/13.0T2SNT.L1.S1 (Relator Távora Víctor) acessível no site da dgsi.net.

Considerando o caso dos autos, temos:

Aquando da elaboração da sentença o juiz faz o exame crítico das provas de que naquele momento lhe cabe conhecer.
Na sentença recorrida partindo-se dos factos provados e através de presunções judiciais conseguiu distorcer-se, de certo modo, a factualidade provada.
O que a nosso ver não é curial.
Se o regime de casamento do novo matrimónio do Requerente é o da separação de bens, não se pode, sem mais, sustentar que o Requerente, com este casamento, passou a ter acesso a poupanças e outras fontes de rendimento.
Se é facto não se ter apurado o montante mensal que o Requerente despende com alimentação, vestuário, calçado, telecomunicações, transportes e combustíveis, não é menos certo ter o Requerente que fazer face a gastos com estas despesas nu, país, como a Suiça, onde o preço destes serviços é alto.
Se é facto ter ficado provado o montante da renda mensal que o Requerente e seu novo agregado familiar suportaram em renda de casa até Outubro de 2022, não é menos verdade não se poder concluir, sem mais, que no mês seguinte (mês da propositura desta acção) o Requerente deixou de ter despesas com a sua habitação.
Se é certo poder o Requerente via a auferir de uma pensão junto da Segurança Social em Portugal por ter efectuado descontos do rendimento do seu trabalho, não está apurado que a pensão final seja igual à soma das restantes pensões suportadas pela Segurança Social dos outros países, e também é verdade que a Requerida, reunindo os pressupostos, pode conseguir em Portugal uma pensão de reforma ou por velhice.

*

Requerente (n. a 1-3-1956) e Requerida (n. a 2-10-1958) divorciaram-se por mútuo consentimento no dia 18/02/2016, tento acordado numa pensão de alimentos a pagar por aquele a esta no montante de € 300,00 mensais, actualmente de €321,52.

Quando foi acordada a pensão o Requerente trabalhava como jardineiro na Suíça auferindo um vencimento médio mensal de €3.500,00.

Casou de novo, no regime de separação de bens, em 5-7-2017.

Reformou-se em 1 de Março de 2021.

A partir de 1 de Março de 2021, o Requerente tem de rendimento mensal a reforma da Suiça, no montante de € 285,75 e a reforma da França no montante de € 892,67, o que totaliza € 1.178,42.

O Requerente tem de despesas mensais os seguintes valores por rubrica:

- € 1.165,40 que corresponde a metade da renda mensal da habitação que a ele caberá suportar, uma vez que casado actualmente no regime de separação de bens – cfr. fls. 29 e 32 verso;
- € 84,00 a título de pensão de alimentos à sua mãe DD, em cumprimento de sentença judicial;
- € 254,29 de prémio de seguro de saúde obrigatório;
- € 114,00 de prémio seguro de responsabilidade civil automóvel;
- € 33,25 de imposto mensal pela sua viatura automóvel;
- € 13,30 a título de seguro de responsabilidade civil;

O que perfaz € 1.664,24.

A este montante determinado, acrescerão – como se tem de naturalmente admitir - as despesas pessoais com a alimentação, higiene, comunicações e vestuário, e a comparticipação nas despesas com a electricidade, a limpeza e o aquecimento da habitação, todas de montante concretamente não apurado.

A Requerida tem casa própria (ex-morada de família), tem veículo automóvel próprio, e com o divórcio ficou para si com 40.000,00 euros.
Faz trabalhos esporádicos de limpezas. É pessoa doente (foro oncológico).
Não aufere outros rendimentos.
Faz agricultura e cria animais domésticos como meio de subsistência. 
É ajudada por familiares, nomeadamente tem o apoio de uma filha do casal.

Requerente e Requerida são pessoas idosas, não lhes sendo exigível mais trabalho.

A Requerida vive com muitas dificuldades, e o Requerido vive com dificuldades, aquela mais que este.
No entanto este enfrente um custo de vida muito mais alto que o nacional no país onde vive.

Com a entrada do Requerente na situação de reforma, os seus rendimentos caíram de forma muito considerável.

Parece de inteira justiça ser de afastar a manutenção da pensão alimentícia na media que nos moldes actuais.
Não podemos, no entanto, deixar desprotegida a Requerida, atenta a vida em comum que tiveram e as circunstâncias apuradas.   

O Requerente apenas peticionou a cessação da obrigação alimentícia e não a redução da medida dos alimentos.
No entanto entendemos que quem pode o mais, pode o menos; quem pede o mais, pede o menos.
A Relação pode optar por uma parcial procedência da acção, sem lhe ser assacado o cometimento da nulidade de haver tomado conhecimento de matéria que lhe está vedada.
Neste sentido o referido Ac. STJ de 22-2-2017 prolatado no p. nº 19199/13.0T2SNT.L1.S1 (Relator Távora Víctor)

Portanto o Requerente tem e terá menos disponibilidade economia e pessoal para poder prestar os alimentos à Requerida, por patente alteração das circunstâncias, na medida em que o vinha fazendo até agora.

*
Assim há que reduzir a sua medida mensal – artigo 2012º do C. Civil.

A decisão acertada, sensata, legal a bem arrimada aos factos provados, é reduzir-se a prestação mensal de alimentos do Requerente a prestar à Requerida para € 50,00, cinquenta euros, mantendo-se a actualização da mesma nos termos já outrora fixados.

A redução opera com a entrada do pleito em juízo.

*
Procede parcialmente a apelação. 

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e por isso vai revogada a decisão recorrida, que é substituída por outra com o seguinte teor:
Condena-se a Requerida a ver reduzida a medida da prestação de alimentos a pagar pelo Requerente, que passa a ser de € 50,00 (cinquenta) mensais, a partir da introdução da acção em juízo, mantendo-se os critérios da actualização já outrora fixados.
Vai a Requerida absolvida do demais peticionado.

Custas nas duas instâncias pelo Requerente em 1/6 e pela Requerida em 5/6, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a esta.

Valor da causa: € 18.882,00.

Coimbra, 24 de Janeiro de 2023.


(Rui  António Correia  Moura)                                

(João Moreira do Carmo)

(Fonte Ramos)