EMBARGOS DE EXECUTADO
ABERTURA DE CRÉDITO
FIADORES
PRESCRIÇÃO QUANTO AO CAPITAL
PRESCRIÇÃO QUANTO A JUROS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
Sumário


I – O art. 310.º, al.ª e), do CCiv. aplica-se aos casos em que o devedor, além do capital, está obrigado a pagar juros e em que, por convenção dos contraentes ou por imposição da lei ou dos usos, o capital é pago por partes, às prestações, com os juros.
II – Nesses casos, o débito parcelado de amortização do capital e a prestação periodicamente renovável de juros estão sujeitos ao mesmo prazo prescricional de cinco anos.
III – Se no contrato de abertura de crédito celebrado cabia à sociedade devedora reembolsar por inteiro o capital que foi posto à sua disposição, no termo do prazo do contrato (ou, em caso de prorrogação, no termo do prazo da prorrogação), não sendo, para além disso, os juros pagos conjuntamente com o capital, então é de concluir que valia a regra segundo a qual “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes” (n.º 1 do art. 763.º do CCiv.), o que afasta a aplicação, quanto ao capital, da al.ª e) do art. 310.º do CCiv., que pressupõe o pagamento da dívida de capital em prestações.
IV – Por isso, ante o convencionado, à obrigação de reembolso do capital tem aplicação o prazo ordinário de prescrição (vinte anos).
V – Já quanto à obrigação de pagamento dos juros, que seriam liquidados e pagos trimestralmente, é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, previsto na al.ª e) daquele art. 310.º, sendo a data da citação o momento relevante para decidir sobre quais os juros prescritos e os não prescritos.

Texto Integral


Relator: Emídio Francisco Santos
1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves
2.ª Adjunta: Maria João Areias


Processo n.º 1901/21.8T8SRE-A.C1

Acordam na 1.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra

X..., S.A.R.L. com sede em ..., Avenue ... LUXEMBURGO, instaurou execução contra C..., Lda, com sede em ..., ..., AA, residente na Rua ..., ..., ..., BB, residente na Rua ..., ..., ..., CC, residente na Rua ..., ..., ..., para pagamento da quantia de € 340 479,82.

Na origem do crédito exequendo estão duas operações de abertura de crédito celebradas entre a Caixa Geral de Depósitos e a sociedade C..., Lda, uma em 08-04-1998, alterada em 15-02-2020 e 16-09-2004 e 18-10-2022 e outra em 11-11-2011.

Os executados AA, BB e CC constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores do capital, dos juros remuneratórios e moratórios, incluindo juros capitalizados, comissão e demais encargos que viessem a ser devidos à Caixa pela sociedade C..., Lda.

Segundo o requerimento executivo, estava em dívida relativamente à 1.ª operação de abertura de crédito o montante de € 322.592,68 (trezentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos), assim discriminado:
· Capital em dívida à data do incumprimento (08/07/2012): € 171.390,10 (cento e setenta e um mil trezentos e noventa euros e dez cêntimos);
· Juros vencidos deste a data do incumprimento (08/07/2012) até 14/09/2021 (data da instauração da execução), calculados à taxa contratual de 10,625%: € 151.202,58 (cento e cinquenta e um mil duzentos e dois euros e cinco e oito cêntimos).

Em relação à segunda operação estava em dívida o montante de € 17.887,14 (trezentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos), assim discriminado:
· Capital à data do incumprimento (16-08-2021): € 10.253,01 (dez mil duzentos e cinquenta e três e um cêntimo);
· Juros vencidos desde a data do incumprimento (16/08/2012) até 14/09/2021 (data da instauração da execução), calculados à taxa contratual de 14,45%: € 7.463,04 (sete mil quatrocentos e sessenta e três euros e quatro cêntimos); Despesas: € 171,09 (cento e setenta e um euros e nove cêntimos).

A exequente justificou a sua legitimidade para a execução alegando, em síntese, que a Caixa Geral de Depósitos cedeu-lhe a ela, exequente, o crédito exequendo, por escritura pública celebrada em 7 de Outubro de 2019 e que a cessão de créditos foi notificada aos devedores nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil.

Os executados (C..., Lda., AA, BB e CC) opuseram-se à execução mediante embargos com o fundamento de que todas as prestações que integravam os contratos de abertura crédito dadas à execução estavam prescritas. Pediram se julgasse procedente a excepção de prescrição e que, em consequência, fosse extinta a execução e se ordenasse o levantamento da penhora de todos os bens penhorados aos executados/ embargantes.

A exequente contestou, pedindo se julgassem improcedentes os embargos. Para o efeito alegou, em síntese:
1. Que após a data em que os executados disseram que começou a correr o prazo de prescrição este interrompeu-se com a citação da executada no âmbito da execução que lhe moveu a primitiva credora e que o novo prazo de prescrição ainda não começou a correr;
2. Que o prazo interrompeu-se ainda com a dedução de reclamação dos créditos exequendos no âmbito de outros processos, quer pela credora originária, quer pela ora exequente;
3. Que ainda que assim se não entendesse, sempre haveria de ter em conta a suspensão dos prazos de prescrição por efeito da doença da Covid 19, da qual resultava que a execução podia ser instaurada até 11/04/2022, quando o foi em 30/09/2021;
4. Que ainda que assim se não entendesse, sempre havia de ser considerado como prazo de prescrição o prazo ordinário de 20 anos.

Findos os articulados e depois de dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão da prescrição, a  Meritíssima juíza do tribunal a quo, conhecendo do mérito da causa, decidiu julgar parcialmente procedentes os embargos, determinando o prosseguimento da execução contra os embargantes, com exclusão dos montantes respeitantes ao contrato de 11-11-2011 [escreveu-se na sentença por lapso 11-11-2010] apenas quanto aos embargantes AA, BB e CC.

O recurso

Os executados/embargantes AA, BB e CC não se conformaram com a decisão na parte em que julgou improcedentes os embargos e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a decisão recorrida e se substituísse a mesma por outra que julgasse procedente a excepção de prescrição do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, relativamente ao contrato de crédito celebrado em 08 de Abril de 1998.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. Na sentença recorrida entendeu-se ser aplicável ao contrato de crédito celebrado em 08 de Abril de 1998 o prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos e não o curto de 5 (cinco) anos;
2. Salvo o devido respeito, o tribunal de 1.ª instância fez uma errada interpretação da ratio do artigo 310.º do Código Civil;
3. No caso vertente, estamos perante um contrato de crédito de apoio à actividade da executada C..., Lda, sob a forma de mútuo bancário, na modalidade de crédito em conta corrente, que os recorrentes subscreveram na qualidade de fiadores/avalistas;
4. Nos termos do acordado, os juros seriam contados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida e venciam-se de 3 em 3 meses, enquanto o capital seria amortizado no termo do prazo do contrato ou em caso de renovação no termo do último prazo renovado e extraordinariamente com o produto da venda das moradias;
5. A executada C..., Lda deixou de pagar em 08 de Julho de 2012, pelo que esse incumprimento determinou o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil;
6. A presente execução foi instaurada em 30 de Setembro de 2021, decorridos mais de 9 (nove) anos após o vencimento (antecipado) de todas as prestações acordadas;
7. A lei determina a aplicação a estas prestações do prazo quinquenal de prescrição, não só aos juros, mas igualmente ao capital.;
8. O artigo 310.º do Código Civil consagra uma prescrição de curto prazo e encontra a sua razão de ser na protecção dos devedores, que, nos casos de incumprimento, poderiam ser confrontados com a exigência de pagamentos de montantes avultados durante um período demasiado longo, caso fosse aplicável o prazo geral de prescrição de 20 anos;
9.  Tal como sucede no caso em apreço, em que os apelantes se vêem confrontados com a exigência de pagamentos de montantes avultados durante um período demasiado longo, num valor total de € 322.592,68: capital em dívida à data do incumprimento (08/07/2012): € 171.390,10 (cento e setenta e um mil trezentos e noventa euros e dez cêntimos); e juros vencidos deste a data do incumprimento (08/07/2012) até à presente data (14/09/2021) calculados à taxa contratual de 10,625%: € 151.202,58 (cento e cinquenta e um mil duzentos e dois euros e cinco e oito cêntimos);
10. Salvo o muito respeito que nos merece o entendimento sufragado na sentença recorrida, parece-nos que o mesmo não deve ser acompanhado. Nem na letra da lei, nem no seu espírito, clarificado pela história da norma, encontramos apoio para concluir pela inaplicabilidade do prazo de prescrição curto de cinco anos, consagrado no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, ao contrato de crédito sub judice, quando se mostram preenchidos cumulativamente todos os pressupostos contidos na norma: o carácter periódico e renovável da prestação em causa;
11. A solução mais adequada à lei e à sua razão de ser é que as prestações do contrato de crédito em apreço integram a previsão da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;
12. Ao julgar improcedente a excepção de prescrição invocada, quanto ao contrato celebrado em 08 de Abril de 1998, a sentença recorrida fez uma errada interpretação da lei, descurando os diversos factores hermenêuticos dos quais deve lançar mão o intérprete para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, violando, entre mais, o artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

A embargada respondeu ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Para o efeito alegou:

(…).


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Questões suscitadas pelo recurso

Saber se a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a alegação de prescrição das obrigações resultantes do contrato celebrado em 08-04-1998, violou a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil e, em caso de resposta afirmativa, se tal parte da decisão é de revogar e substituir por decisão que julgue procedente a excepção de prescrição.


*

Apesar de a decisão relativa à matéria de facto não ter sido impugnada, há razões para a alterar oficiosamente.

Em primeiro lugar, é inútil transcrever todo o requerimento executivo como fez a decisão recorrida. Do que foi exposto em tal requerimento devem considerar-se provado apenas os factos admitidos por acordo ou provados documentalmente, desde que tenham relevância para a decisão da causa.

Em segundo lugar, importa retirar, da estrutura da decisão relativa aos factos considerados provados, alegações de direito, como sucede com a alegação de que o incumprimento das prestações determinou o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil. Com efeito ela compreende um juízo sobre a consequência jurídica do facto de os executados terem deixado de pagar prestações da dívida. Ora não é ao julgador do facto que cabe dizer se a falta de prestações determinou o vencimento antecipado da dívida. Considerando a estrutura da sentença, o lugar próprio para tais juízos é o da aplicação da lei aos factos provados.   

Tendo em conta as considerações expostas, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 30-09-2021, a exequente “X..., S.A.R.L.” instaurou acção executiva a seguir a forma sumária contra os executados, aqui embargantes, “C..., Lda.”, AA, BB e CC para pagamento coercivo da quantia global de € 340.479,82 euros.
2. No exercício da sua actividade creditícia, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. celebrou com a sociedade C..., Lda e AA e BB (na qualidade de fiadores/avalistas) um contrato de abertura de crédito em conta corrente por documento particular, datado de 08-04-1998, no montante de 200.000.000$00 (duzentos milhões de escudos) que corresponde ao montante de € 997.595,79 (novecentos e noventa e sete mil quinhentos e nove e cinco euros e setenta e nove cêntimos), pelo prazo de 12 meses, automaticamente prorrogável, garantido por hipoteca e fiança.
3. O contrato celebrado destinava-se ao apoio ao cliente nas suas necessidades temporárias e de tesouraria.
4. Do contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 08/04/1998, referido pela exequente no requerimento executivo como sendo o crédito  ...92, ficou a constar da cláusula 16.ª que:
“Pagamentos: Liquidação de juros: os juros serão contados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e vencem-se de 3 em três meses, a contar da data referida em 7.1. Amortização do capital: No termo do prazo referido em 7.1. ou em caso de renovação, no termo do último prazo renovado e extraordinariamente com o produto da venda das moradias”.
5. As partes acordaram que o capital mutuado venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a três meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros arredondada para a milésima do ponto percentual mais próxima e acrescida de um spread de 7%, donde resulta, na data da feitura do contrato, a taxa de juro nominal de 7,246% ao ano.
6. Em caso de mora, os respectivos juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificasse a mora, estivesse em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza, que à data do contrato era de 11,45%, ao ano, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal.
7. O contrato supramencionado foi objecto de alterações contratuais formalizadas por documentos particulares datados de 15-02-2000, 16-09-2004 e de 18-10-2012.
8. Por alteração contratual datada de 15-02-2000 acordaram as Partes em modificar o prazo do contrato; em 16-09-2004, as Partes acordaram na alteração das cláusulas referentes às garantidas concedidas; por sua vez, em 18-10-2012 as Partes acordaram em reduzir o montante da abertura de crédito e ainda no cancelamento parcial da hipoteca.
9. Na última alteração, em 18-10-2012, ficou a constar: 10. “Pagamento dos juros e do capital: 10.1 – os juros serão calculados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e serão liquidados e pagos postecipada e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros. 10.2 – Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o trimestre. 10.3- o capital será reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado”
10. Em garantia do capital mutuado, juros e acessórios, a aqui sociedade C..., Lda, constituiu hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos S.A., conforme o Instrumento de Constituição de Hipoteca datado de 20-01-1999, para garantia das responsabilidades assumidas até ao montante máximo de capital assegurado de 277.750.000$00 que corresponde € 1.385.410,84 (um milhão trezentos e oitenta e cinquenta mil quatrocentos e dez euros e oitenta e quatro cêntimos) entre outros, sobre os seguintes imóveis: - Prédio urbano, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...12 e inscrito na respectiva matriz sob o nº ...75; - Prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...58 e inscrito na respectiva matriz sob o nº ...40; - Prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...03 e inscrito na respectiva matriz sob o nº ...69, ...1. Os prédios supra referidos foram desanexados e passaram a constituir o prédio urbano denominado Quinta ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72 e inscrito na matriz sob o artigo ...43, o qual foi objecto de loteamento, tendo dado origem aos seguintes imóveis: - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...84 e inscrito na matriz sob o artigo ...48; - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...88 e omisso na matriz; - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...96 e omisso na matriz; - Prédio Urbano descrito na Conservatória de Registo Predial ..., sob o n.º ...97, da referida freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...2. Sobre os supra identificados imóveis permanecem constituídas hipotecas a favor da credora originária e posteriormente transmitidas a favor da ora Exequente, em virtude da cessão de créditos ocorrida, nos seguintes termos: - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...96 e omisso na matriz – cfr. AP. ...6 de 1998/12/18 e AP. ...93 de 2020/03/23 do Doc. 6 junto - Prédio Urbano descrito na Conservatória de Registo Predial ..., sob o n.º ...97, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...04 – cfr. AP. ...6 de 1998/12/18 e AP. ...86 de 2020/03/23 do Doc. 7 junto. 13. Por escritura datada de 14-12-2000, outorgada junto do Cartório Notarial ... e para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir pela empresa decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas de depósitos à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante em capital de € 460.008,78 (Esc. 92.223.481$00), dos respectivos juros à taxa de 11,45% ao ano, acrescidos, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano, a título de cláusula penal, e despesas, tudo no montante máximo assegurado de € 691.623,20 (Esc. 138.658.003$00), a Executada C..., Lda., constituiu a favor da reclamante, que aceitou, segunda hipoteca sobre os prédios descritos no precedente artigo 11º, conforme Doc. n.º 9 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 14. As referidas hipotecas encontram-se registadas a favor da Exequente pela Ap. ... de 2000/12/13, posteriormente transmitidas em virtude da cessão de créditos ocorrida através do averbamento constante da AP. ...94 de 2020/03/23 e AP. ...87 de 2020/03/23, cfr. Doc. n.º 6 e 7 juntos, respetivamente.
11. Na alteração contratual realizada em 16-09-2004 verificou-se um reforço das garantias prestadas e uma alteração respeitante à Hipoteca Genérica no ponto “26.2”, para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir pela empresa decorrentes de quaisquer operações bancárias, designadamente com a introdução do seguinte imóvel: - Fracção autónoma designada pela letra ... do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...26, da referida freguesia e inscrita na respectiva matriz com o artigo ...76, cfr. Doc. 10 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Pelo mesmo instrumento declararam também os ora executados AA e BB que se responsabilizaram como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse devido à credora em consequência do empréstimo contratado.
13. Não procederam os ora executados, até à presente data, ao pagamento das prestações cujo incumprimento se verificou em 08-07-2012, apesar de interpelados para o efeito, quer a sociedade quer os fiadores.
14. Na presente data, permanece em dívida relativamente à operação  ...92 o montante total de € 322.592,68 (trezentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos), nos seguintes termos: capital em dívida à data do incumprimento (08/07/2012): € 171.390,10 (cento e setenta e um mil trezentos e noventa euros e dez cêntimos); juros vencidos deste a data do incumprimento (08/07/2012) até à presente data (14/09/2021) calculados à taxa contratual de 10,625%: € 151.202,58 (cento e cinquenta e um mil duzentos e dois euros e cinco e oito cêntimos).
15. Ainda no exercício da sua actividade creditícia, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com a sociedade C..., Lda (devedora) e AA, BB e CC (fiadores) um contrato de abertura de crédito por documento particular, datado de 11-11-2010, no montante de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros).
16. O contrato foi celebrado pelo prazo global de 48 (quarenta e oito) meses a contar da data da perfeição do contrato que seria automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos.
17. O referido contrato destinava-se ao reforço do fundo de maneio.
18. Do contrato de abertura de crédito formalizado por documento particular em 11-11-2010 [crédito  ...91] ficou a constar: 10. Pagamento dos juros e do capital: 10.1 – Os juros serão calculados sobre o capital em dívida no início de cada período de contagem de juros, ou no caso do primeiro período, a partir da data da entrega do capital, com referência ao mesmo período, e serão pagos em conjunto com as prestações constantes de capital adiante referidas. 10.2 – Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o trimestre, iniciando-se o primeiro período na data da perfeição do contrato; 10.3 – O capital será reembolsado em prestações trimestrais, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no correspondente dia do trimestre seguinte ao da perfeição deste contrato e as restantes em igual dia dos trimestres seguintes; 10.4 – Caso a data da perfeição do contrato ocorra num dos último cinco dias do mês que estiver em curso, as prestações de juros e capital só serão pagas no terceiro dia útil do mês seguinte relativamente à data em que as mesmas seriam exigíveis de acordo com os números anteriores, vencendo-se juros até à data do pagamento.
19. As partes acordaram que o capital mutuado venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a três meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros arredondada para a milésima do ponto percentual mais próxima e acrescida de um spread de 3,375%, donde resulta, na data da feitura do contrato, a taxa de juro nominal de 4,373% ao ano.
20. Em caso de mora, os respectivos juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificasse a mora, estivesse em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza, que à data do contrato era de 11,45%, ao ano, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal.
21. Para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir pela empresa decorrentes de quaisquer operações bancárias foi emitida uma garantia autónoma em 50% do capital em dívida em cada momento do empréstimo, a GARVAL – Sociedade de Garantia Mútua prestou a favor da Caixa Geral de Depósitos S.A.
22. Além desta garantia constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores, AA, BB e CC.
23. Não procederam os executados, até à presente data, ao pagamento das prestações cujo incumprimento se verificou em 16/08/2012 apesar de interpelados para o efeito, quer Sociedade C..., Lda, quer aos fiadores.
24. Na presente data, permanece em dívida, relativamente à operação  ...91, o montante total de € 17 887,14 (trezentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos), nos seguintes termos: capital à data do incumprimento (16-08-2012): € 10.253,01 (dez mil duzentos e cinquenta e três e um cêntimo); Juros vencidos desde a data do incumprimento (16/08/2012) até à data de 14/09/2021 (instauração da execução), calculados à taxa contratual de 14,45%: € 7.463,04 (sete mil quatrocentos e sessenta e três euros e quatro cêntimos); despesas: € 171,09 (cento e setenta e um euros e nove cêntimos). 
25. Em 21/02/2013, a credora originária “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, intentou acção executiva contra a sociedade devedora “C..., Lda.”, sob o nº 87/13...., a correr termos no Juízo de Execução ..., Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca ....
26. Nessa execução, a embargada foi habilitada em 05/02/2020.
27. A execução ainda se encontra pendente.
28. Mercê da realização de penhora sobre imóveis sobre os quais incidem hipotecas a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA, detentora originária dos créditos, esta foi notificada para reclamar créditos em Novembro de 2016.
29. No apenso 87/13.6TBCDN-A -, a “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, reclamou as seguintes operações:
a) um contrato de abertura de crédito em conta corrente no montante de € 997.595,79 (Esc. 200.000.000$00), formalizado por documento particular dado como perfeito em 8 de Abril de 1998;
b) um contrato de abertura de crédito com hipoteca, fiança e mandato no montante de € 210.000,00 (duzentos e dez mil euros), formalizado por escritura pública em 30 de Abril de 2008;
c) um contrato de abertura de crédito no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), formalizado por documento particular de 11 de Novembro de 2010.
30. Em 10-06-2017, foi proferida sentença de reconhecimento e graduação de créditos (no processo n.º 87/13.6TBCDN-A), que foi devidamente notificada, tendo transitado em julgado a 01-09-2017.
31. Os presentes embargos foram instaurados em 4-03-2022.
32. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., com sede na Avenida ... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... e Pessoa Colectiva nº ..., e X..., S.A.R.L., registada junto do Registo Comercial ... com o número ... e com o número de pessoa colectiva ... com sede ..., Avenue ... Luxemburgo, celebraram a 7 de Outubro de 2019 uma escritura pública de cessão de créditos e garantias, figurando a Caixa Geral de Depósitos, S.A. como cedente e X..., S.A.R.L. como cessionária.


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Descritos os factos, passemos à resolução das questões.

Antes de entrarmos na apreciação dos fundamentos do recurso, importa precisar o objecto do recurso e as razões da decisão recorrida.

Na execução estavam em cobrança coerciva obrigações emergentes de dois contratos de abertura de crédito celebrados entre a Caixa Geral de Depósitos e a sociedade C..., Lda, das quais se constituíram fiadores solidárias e principais pagadores os embargantes, ora recorrentes:
· Um formalizado por documento particular em 8 de Abril de 1998, alterado em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012;
· Outro formalizado por documento particular em 11-11-2010, 

As obrigações exequendas são as seguintes:

Com base na 1.ª operação de abertura de crédito, a obrigação de pagamento do montante de € 171 390,10 a título de capital, e a de pagamento do montante de 151 202,58, a título de juros.

Com base na segunda, a obrigação de pagamento do montante de € 10 253,01, a título de capital, e a de pagamento do montante de € 7 7463,04, título de juros e a de pagamento de € 171,09, a título de despesas.

A sentença sob recurso julgou prescrita a obrigação de pagamento do capital e dos juros que tinha por base a segunda operação de abertura de crédito, que recaía sobre os executados ora embargantes, AA, BB e CC. Julgou não prescrita, no entanto, essa mesma obrigação que impendia sobre a sociedade C..., Lda.

Este segmento da decisão é de considerar transitado em julgado, visto que contra ele não foi interposto recurso.

No que diz respeito à obrigação de pagamento do capital e dos juros baseada na abertura de crédito celebrada em 08-04-1998, e alterada em 15-02-2000, 16-09-2004 e 11-10-2012, o tribunal a quo julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pelos embargantes.

A apelação versa precisamente sobre esta parte da sentença.

A sentença afastou o prazo de prescrição previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, dizendo que tal prazo é aplicável a obrigações consubstanciadas em sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, enquanto no contrato, celebrado em 8/04/98, as prestações de capital não eram pagáveis com os juros, isto é, tais prestações não englobavam os juros. Concluiu que era aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos. E, considerando este prazo, quando foi instaurada a execução o mesmo ainda não se tinha completado.

Os recorrentes não põem em causa que, no caso de o prazo de prescrição da obrigação ser o ordinário (vinte anos), o mesmo ainda não se havia completado quando foi instaurada a execução.   Com o que eles não concordam é com o entendimento da sentença de que não é aplicável à obrigação exequenda o prazo previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil. Contrapõem que as prestações em causa reúnem os pressupostos exigidos por tal norma:  o carácter periódico e renovável.

Apreciação do tribunal:

O recurso é de julgar procedente, mas apenas em parte.

Vejamos.

A resposta à questão de saber se a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a alegação de prescrição da obrigação exequenda baseada na abertura de crédito de 08-04-1998, alterada em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012, violou a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, passa, em primeiro lugar, pela interpretação do preceito e, em segundo lugar, pela caracterização de tal obrigação.

Interpretação do artigo 310.º, alínea e) do Código Civil:

Nos termos deste artigo prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

O preceito tem em vista os casos em que o devedor, além do capital, está obrigado a pagar juros e em que, por convenção dos contraentes ou por imposição da lei ou dos usos (2.ª parte do n.º 1 do artigo 763.º do Código Civil), o capital é pago por partes, às prestações, com os juros.

É o que se passa, por exemplo, com o mútuo oneroso, quando as partes convencionam o reembolso do capital em prestações, pagáveis com os juros remuneratórios.

Como se escreveu no acórdão do STJ de 29/09/2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1, publicado em www.dgsi.pt. “o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.

Observe-se que o acórdão do STJ n.º 6/2022, proferido em 30/06/2022, publicado no DR 1.ª série de 22 de Setembro de 2022 uniformizou a jurisprudência não só no sentido de que “no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de 5 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação”, mas ainda no sentido de que “ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas».

São conhecidas as razões do estabelecimento do prazo curto de prescrição. Socorrendo-nos das palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, trata-se de “… evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor.” [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, página 280].

Volvendo, agora, a nossa atenção para a obrigação exequenda, cabe dizer que ela compreende, como já se escreveu acima, a obrigação de pagamento do montante de € 322 592,68 (trezentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos), assim discriminado:
· € 171.390,10 (cento e setenta e um mil trezentos e noventa euros e dez cêntimos), a título de capital em dívida;
· € 151.202,58 (cento e cinquenta e um mil duzentos e dois euros e cinco e oito cêntimos), a título de juros vencidos deste 08/07/201 até 14/09/2021 (data da instauração da execução) calculados à taxa contratual de 10,625%.

Esta obrigação tem na sua origem um contrato de abertura de crédito, concluído entre a Caixa Geral de Depósitos e a sociedade C..., Lda, datado de 08-04-1998, alterado em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012.

Para o caso interessa-nos a alteração de 18-10-2012, por ser a última e, sendo a última, é ela que vale nas relações entre os contraentes. Dentro de tal alteração interessa-nos de modo especial o que as partes convencionaram sobre o pagamento do capital posto à disposição da sociedade e sobre o pagamento dos juros.

Observe-se que se diz “capital posto à disposição da sociedade” pois, como é sabido, através da abertura de crédito (prevista como operação bancária no artigo 362.º do Código Comercial), o banco coloca à disposição do cliente uma quantia, por prazo determinado ou indeterminado, obrigando-se este a devolver o dinheiro que lhe for disponibilizado. A abertura de crédito é uma operação distinta de um contrato de empréstimo de dinheiro, também ele operação bancária prevista no artigo 362.º do Código Comercial. Ao passo que o empréstimo só fica perfeito com a entrega do dinheiro (artigo 1142.º do Código Civil), a abertura de crédito fica perfeita com o acordo sobre a disponibilização do crédito; crédito que o cliente pode não utilizar. O objecto do mútuo de dinheiro é o dinheiro. Na abertura de crédito é a disponibilidade do dinheiro. Nesta, quem começa por dever é o banco, o que não sucede no mútuo. O cliente só fica obrigado a restituir o capital depois de este lhe ter sido disponibilizado pelo banco.

No presente recurso não está em causa a questão de saber se a Caixa Geral de Depósitos pôs efectivamente à disposição da sociedade o montante de € 171 390,10 (cento e setenta e um mil trezentos e noventa euros e dez cêntimos). Está assente que assim fez.

Sobre a restituição à Caixa (credor originário) do capital disponibilizado à sociedade e sobre o pagamento dos juros as partes convencionaram o seguinte (cláusula 10.ª):
· O capital seria reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado. O prazo era de 6 meses automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos, a menos que a Caixa ou a Cliente denunciassem o contrato por escrito, com pelo menos, 30 dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso.
· Os juros seriam calculados dia a dia sobre o saldo do capital em dívida e seriam liquidados e pagos postecipadamente e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros. Por período de contagem de juros o trimestre.

Sendo este o acordo que o banco e o cliente estabeleceram quanto ao reembolso do capital e ao pagamento dos juros, é de concluir que a sociedade tinha o dever de reembolsar por inteiro o capital que foi posto à sua disposição, no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do prazo da prorrogação. Valia, pois, em relação ao cumprimento de tal dever, a regra enunciada na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 763.º do Código Civil, segundo a qual, “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes”.

É quanto basta para excluir a obrigação de reembolso do capital do âmbito da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, pois ela pressupõe que a dívida de capital seja paga por partes, em prestações. Acresce, a favor de tal exclusão, que, de acordo com o programa contratual, os juros não eram pagos conjuntamente com o capital.

Não se aplicando a tal obrigação qualquer outro prazo especial de prescrição, vale o prazo ordinário (vinte anos) previsto no artigo 309.º do Código Civil. E tendo este prazo por referência, a obrigação de reembolso do capital não está prescrita, como foi decidido pelo tribunal a quo, sem impugnação dos recorrentes.

Deste modo, não merece censura a decisão sob recurso na parte em que entendeu que o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não é aplicável à obrigação de reembolso do capital que tem por base a abertura de crédito alterada em 18-10-2012.

O mesmo já não se pode dizer em relação à decisão de não aplicar o prazo de prescrição de 5 anos à obrigação de pagamento dos juros. Com efeito, segundo a alínea d) do artigo 310.º, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais.

Assim, embora, por razões diferentes das expostas pelos recorrentes [e as razões são diferentes porque o recurso filia a prescrição dos juros na alínea e) do artigo 310.º] é de entender que a obrigação de pagamento de juros está sujeita ao prazo de prescrição de 5 anos.

Daqui não se segue, no entanto, a revogação e a substituição da sentença recorrida por decisão a julgar prescritos todos os juros reclamados. Na verdade, a exequente reclama o pagamento coercivo de juros vencidos há menos de cinco anos à data da citação dos executados para a execução e quanto a eles não há prescrição. 

Chama-se aqui a data da citação como momento relevante para decidir sobre os juros prescritos e os não prescritos, considerando o n.º 1 do artigo 323.º, os n.ºs 1 e 2 do artigo 326.º e o n.º 1 do artigo 327.º, todos do Código Civil. Com efeito:
· De acordo com o n.º 1 do artigo 323.º, a prescrição interrompe-se pela citação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito (n.º 1 do artigo 323.º do CPC) e a citação dos executados para a execução para pagamento dos juros exprime inequivocamente a intenção de exigir o pagamento deles;
· De acordo com o n.º 1 do artigo 326.º, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente;
· De acordo com a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 326.º combinada com o n.º 1 do artigo 327.º, quando a interrupção resultar de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Não se ignora que, segundo o n.º 2 do artigo 323.º, se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Entendemos, no entanto, que não é de considerar interrompido o prazo de prescrição ao abrigo deste preceito pela seguinte razão. A execução instaurada pela exequente, ora recorrida, segue a forma sumária e nesta forma de processo o executado só é citado depois de efectuada a penhora (n.º 1 do artigo 856.º do CPC). Logo é a tramitação correspondente à forma do processo que exclui a citação dos executados imediatamente a seguir ao requerimento executivo.

Tendo presentes as considerações acabadas de expor, o facto de a exequente reclamar o pagamento de juros desde 08-07-2012 e o facto de os executados, ora recorrentes, AA e BB terem sido citados em 10-02-2022 e de a executada CC ter sido citada em 20-02-2022, leva a considerar prescritos os juros vencidos até às seguintes datas:
· Até 09-02-2017, em relação aos executados AA e BB;
· Até 19-02-2017, em relação à executada CC.

Em termos quantitativos, até 09-02-2017 venceram-se juros no montante de € 83 667,13 (oitenta e três mil seiscentos e sessenta euros e treze cêntimos) e até 19-02-2017 venceram-se juros no montante de € 84 166,04 (oitenta e quatro mil cento sessenta e seis euros e quatro cêntimos).

Em relação a estes montantes, os executados têm a faculdade de recusar o seu pagamento (n.º 1 do artigo 304.º do Código Civil).

Em consequência, procede, nesta parte, o recurso. 


*

Decisão:

Julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
1. Revoga-se a sentença na parte em que julgou não prescritos os juros vencidos até 09-02-2017, em relação aos executados AA e BB, e até 19-02-2017, em relação à executada CC;
2. Substituiu-se essa parte da sentença por decisão a julgar prescritos os juros vencidos até tais datas, nos montantes de, respectivamente, € 83 667,13 (oitenta e três mil seiscentos e sessenta euros e treze cêntimos) e € 84 166,04 (oitenta e quatro mil cento sessenta e seis euros e quatro cêntimos);
3. Mantém-se a parte restante da decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de os recorrentes e a recorrida terem ficado vencidos, em parte, no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas na proporção de 75% e 25%.

Coimbra, 24 de Janeiro de 2023