AÇÃO DE DESPEJO
CAUSA DE PEDIR
ARTICULADO SUPERVENIENTE
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
PEDIDO AUTÓNOMO
INDEFERIMENTO
Sumário


I – A causa de pedir é constituída pelos factos principais constitutivos da situação jurídica que o demandante pretende fazer valer como justificativa da pretensão deduzida, sendo a qualificação jurídica desses factos periférica à causa de pedir.
II – Salvo quando se verificar acordo das partes – que no caso inexiste – a causa de pedir apenas pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. E, quanto ao pedido, podendo ser reduzido em qualquer altura, na falta desse acordo, apenas pode ser ampliado, mas não alterado, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância. Em qualquer dos casos com uma limitação: a de que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
III – O processo civil, em qualquer das suas fases, implica limites à dedução de pretensões ou de meios de defesa, não apenas por razões de disciplina processual, como ainda perante a necessidade de cada questão ser debatida na fase processualmente adequada.
IV – Considerando que a ação de despejo visa cessar a situação jurídica do arrendamento, a respetiva causa de pedir é composta não só pela alegação da existência e dos termos do contrato de arrendamento, como também pelo concreto fundamento da cessação desse arrendamento, estando o tribunal limitado ao concreto fundamento de resolução invocado pelo autor.
V – Apenas importando nos autos, ante os respetivos pedido e causa de pedir, determinar se os réus tinham o gozo do locado nos termos legal e contratualmente exigidos e consequente dever de proceder ao pagamento das rendas ou se, em contrário, existe causa justificativa para o não pagamento, a ampliação pretendida – com condenação dos réus a reparar os danos causados na instalação elétrica e na baixada em prazo não superior a 30 dias ou, em alternativa, a pagarem  o valor de € 3.250,00, relativo à reparação do dano, acrescido de juros moratórios – não está contida no pedido inicial, nem corresponde a um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, antes consubstanciando um pedido autónomo, a não poder ser admitido.

Texto Integral


Processo n.º 1380/21.0T8GRD

(Juízo Local Cível da Guarda - Juiz 1)

1.Relatório

O Juízo Local Cível da Guarda - Juiz 1 proferiu o seguinte:

DESPACHO

“Neste momento, a Mma. Juíza deu a palavra ao ilustre mandatário dos réus a fim de se pronunciar quanto ao requerimento de intervenção provocada, dos autores com a referência 2064193 que deu entrada no dia de hoje, no uso da mesma disse:

Os autores vieram deduzir, a intervenção provocada da empresa E-redes, nos presentes autos, desde já se aceita para não mais ser retirado confissão dos autores de que os danos causados na baixada elétrica são responsabilidade da E-redes e não dos réus conforme consta do requerimento por estes juntos na presente data a fls. dos prestes autos, requerimento esse que foi o primeiro a dar entrada no dia de hoje, artigo 1º alínea g), relativamente à intervenção provocada a mesma considera-se prejudicada pelo indeferimento do articulado superveniente apresentado pelos autores além de que não se considera admissível por falta de oportunidade nos termos e para os efeitos do artigo 318º do CPC, devendo por isso não ser admitida.

*

Neste momento pela Mma. Juíza foi proferido o seguinte

DESPACHO

Na passada sessão de julgamento vieram os AA. juntar articulado superveniente onde peticionam a condenação dos RR., para além do pedido formalizado na p.i., a:

a) a reparar os danos causados na instalação eléctrica e na baixada em prazo não superior a 30 dias; ou

b) a pagarem aos AA. o valor de 3.250,00€, relativos à reparação do dano, acrescido dos juros que se vencerem até integral pagamento.

Requerendo assim a ampliação do pedido previamente deduzido no articulado inicial.

Para tanto alegam, em suma, que na data de entrada em juízo da presente acção nada se peticionou quanto aos danos perpetrados no locado, porquanto os AA. não possuíam as chaves e desconheciam o estado em que se encontrava. Contudo, em face da entrega das chaves, no início do julgamento, vieram os AA. a constatar a existência de danos no locado, que imputam aos RR.

Os AA., no exercício do contraditório, apresentaram resposta, junta a fls. 111 a 116, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, invocando a execpção de abuso de direito, bem como a litigância de má fé dos AA, impugnado a factualidade descrita no articulado superveniente apresentando pelos AA.

Cumpre apreciar e decidir:

Como regra geral, o artigo 260º do Código do Processo Civil impõe o princípio da estabilidade da instância o que implica que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.

Uma alteração estrutural daqueles pressupostos exige o acordo das partes.

Por isso, a ausência de acordo das partes implica um forte constrangimento para o autor que pretenda, após a citação, alterar a causa de pedir ou ampliar a causa de pedir ou o pedido; assim, a primeira só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor e, quanto ao pedido, apenas se aceita uma ampliação caso seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

O artigo 265º, nº 6 do Código do Processo Civil permite ainda a modificação do pedido e da causa de pedir naqueles casos em que não esteja em causa a convolação para uma relação jurídica diversa da controvertida mas apenas uma que seja dependente ou sucedânea da primeira.

Nas acções de despejo, a causa de pedir é complexa, sendo constituída não só pelo contrato de arrendamento (título jurídico) como também pelo facto que, em face da lei, constitui fundamento da cessação do arrendamento.

Com efeito, a ampliação pretendida não está contida no pedido inicial, nem corresponde a um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. A requerida condenação dos RR. a reparar os danos causados na instalação eléctrica e na baixada em prazo não superior a 30 dias ou em alternativa a pagarem aos

AA. o valor de 3.250,00€, relativos à reparação do dano, acrescido dos juros que se vencerem até integral pagamento, consubstancia um pedido autónomo, pois, o pedido inicial consistia na condenação dos réus na entrega do locado desocupado e no pagamento das rendas vencidas e não pagas, rendas vincendas e respectivos juros.

No pedido primitivo a causa de pedir é a falta de pagamento das rendas, sendo que no pedido agora formulado, está em causa a eventual responsabilidade civil dos réus pelos danos causados no locado, não tendo por isso aplicação o disposto no artigo 265.º, n.º 2 e 6 do CPC.

Mais se refira que em sede de requerimento de intervenção provocada, concluem os AA. “que o prejuízo emergente da destruição da baixada é da E-Redes”.

Por outro lado, dispõe o artigo 588.º, n.º4 que 4 “ O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior”.

Ora, nos presentes autos os factos ali descritos não interessam à boa decisão da causa, porquanto, em nada contendem com a sentença que venha a ser proferida, onde apenas importa determinar se os RR. tinham o gozo do locado nos termos legal e contratualmente exigidos e consequente dever de proceder ao pagamento das rendas ou se, em contrário, existe causa justificativa para o não pagamento.

Mais se diga que constituindo a presente acção um acção de despejo, a mesma não se coaduna com delongas que certamente acarretaria a apreciação dos factos alegados no articulado superveniente, veja-se, a titulo de exemplo a prova pericial agora requerida.

Com efeito, em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção.

Inquestionável é, assim, que não é qualquer facto, ainda objectiva ou subjectivamente superveniente, idóneo e susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente. Por outra banda, em obediência ao princípio da estabilidade da instância, mister é que, os novos factos alegados, caso conduzam a uma alteração da causa de pedir – baseada claro está em factos supervenientes – e,concomitantemente, alicercem e justifiquem uma modificação do pedido, tal não implique obrigatoriamente a uma convolação para relação jurídica diversa da controvertida– neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.04.2014, processo n.º 387/11.0TBPTL-B.G1, in www.dgsi.pt.

Por todo o exposto, vai liminarmente indeferido o articulado superveniente apresentado pelos autores, dando-se o mesmo por não escrito, tal como o articulado de resposta junto pelos RR. a fls. 111 a 116.

Quanto à intervenção provocada suscitada pelos autores, o que se acaba de decidir implica o indeferimento liminar do incidente de intervenção provocada. Não obstante, sempre se diga que nos presentes autos a relação subjetiva na ação de despejo é entre arrendatário e senhorio, pelo que a E-redes não é parte nesta relação, sendo que nos termos e para os efeitos no artigo 316º nos casos de litisconsórcio voluntário pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não acha demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º do CPC, o que in casu não se verifica.

Por outro lado, salvo melhor entendimento no requerimento hoje junto pelos autores, não efetua qualquer pedido dirigido contra a aquela entidade/chamada.

Por outro lado, nos termos do artigo 318º nº 1 alínea b), também se encontra precludida a possibilidade de efetuar este chamamento, também por esta razão se indefere.

Notifique.

Custas do incidente a cargo dos autores, que lhe deram causa, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal – art. 527.º, n.º 1 do CPC e art. 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Notifique”.

AA, e esposa, BB, AA. e melhor identificados nos autos à margem referenciados, não se conformando com tal decisão, dela interpõe recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

I. O douto despacho de fls…, que pela presente via se põe em crise, que indeferiu liminarmente a admissibilidade do articulado superveniente, e o chamamento à lide da sociedade E-Redes, deduzido pelo AA. na sequência da apresentação daquele articulado, no que concerne ao indeferimento do primeiro, viola o disposto nos arts.º 265.º, n.º 2 e 6 e 588.º, n.º 4 do C.P.Civil e nos arts.º 1038.º, als. a), b), d) e i), 1043.º, n.º 1 e 1081.º, n.º 1 do C.Civil.

Pois que:

a) a causa de pedir nos presentes autos, é o incumprimento do contrato de arrendamento por banda dos RR., quanto à obrigação de pagamento do valor das rendas acordadas, devidas pela ocupação do locado, e com base no qual, os AA. pedem a cessação do contrato de arrendamento, o pagamento das rendas e a entrega do locado. E,

b) o pedido deduzido pelos AA., no articulado superveniente emerge da mesma causa de pedir, ou seja, do incumprimento por parte dos RR. do mesmo contrato de arrendamento, embora, agora, quanto à obrigação dos RR. de entregarem o locado no estado em que o receberam e de não fazerem uma utilização imprudente do locado, e com base no qual os AA. pedem a condenação dos RR. a reparar os danos causados na instalação eléctrica e na baixada ou, em alternativa, a indemnizarem-nos no valor de 3.250,00€, relativos à reparação do mesmo, colocando-se, de facto, aqui em causa a “responsabilidade civil dos réus pelos danos causados no locado”, tal como refere o Tribunal recorrido. Acresce que,

c) no pedido deduzido na p.i., os AA. requereram, de entre outras coisas, a entrega das chaves do locado, sendo certo que, nada peticionaram a título de danos perpetrados na fracção, porque não tinham as chaves que lhes permitiam a ele efectuar o respectivo acesso e aferir da sua existência.

d) A entrega das chaves e o acesso à fracção, através da inspecção ao local, vieram a ocorrer no início do julgamento, na sessão que teve lugar no dia 13.09.2022, data, os AA. puderam constatar a existência dos danos cuja alegação e reparação pediram nos presentes autos, logo no dia 11.10.2022, por via do articulado superveniente cuja admissibilidade aos presentes autos foi rejeitada pelo Tribunal. Pelo que,

II. a ampliação do pedido requerida pelos AA. por via do articulado superveniente cuja junção aos autos o Tribunal não admitiu, corresponde a um desenvolvimento ou sequência do pedido primitivo, daí o teor do douto despacho de que se recorre, mormente na parte que refere que: “nos presentes autos os factos ali descritos não interessam à boa decisão da causa” e “que constituindo a presente acção um acção de despejo, a mesma não se coaduna com delongas que certamente acarretaria a apreciação dos factos alegados no articulado superveniente”, ser meramente conclusivo e padecer de falta de fundamentação legal e factual, o que o torna nulo e de nenhum efeito, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1 al. b) do C.P.Civil, com as legais consequências.

III. No que concerne ao indeferimento do pedido de intervenção provocada da E-Redes, o douto despacho viola o disposto nos arts.º 316.º e 39.º do C.P.Civil, Sendo certo que,

IV. por tudo quanto se deixa dito quanto à admissibilidade do articulado superveniente, tem que, consequentemente, ser admitido o pedido de intervenção provocada da sociedade E-Redes.

V. Na sequência da inspecção ao local que teve lugar no início da audiência, os AA. constataram o dano provocado na baixada da electricidade da sua fracção, o que alegaram no articulado superveniente que deu entrada em juízo logo no dia 11.10.2022, e cuja responsabilidade pela sua verificação imputaram aos RR., por razões óbvias. Mais tarde, por informação veiculada aos autos pela E.-Redes, a coberto do email de 07.11.2022, junto a fls… dos autos, os AA. ficaram a saber que, para a verificação destes danos, terá concorrido também a intervenção da E-Redes. Pelo que, a E-Redes tem interesse direto em contradizer, pelo menos, quanto à matéria vertida no sobredito articulado superveniente, nos termos do disposto no art.º 30.º, n.º 1 do C.P.Civil, daí o seu chamamento à lide.

VI. O chamamento à lide da E-Redes requerido foi em 09.11.2022, porque no dia 07.11.2022 os AA. tiveram conhecimento por informação por ela veiculada aos autos a coberto do email de 07.11.2022, de que foi ela quem perpetrou os danos na baixada da electricidade dos AA., invocados no articulado superveniente e cuja reparação e/ou indemnização por tais danos aí foi requerida pelos AA., pelo que, o chamamento é tempestivo. Pelo que,

VII. Deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, de forma devidamente fundamentada, admita o articulado superveniente apresentado pelos AA. e o requerimento de chamamento à lide da E-Redes deduzido na sequência daquele articulado.

CC E DD, Réus, melhor identificados no processo mencionado em epígrafe, apresentam as suas contra-alegações, assim concluindo:

(…).

2. Do objecto do recurso

Da (in)admissibilidade do articulado superveniente;

Todos sabemos que, ao propor uma acção, o demandante formula uma pretensão fundada, por imposição de uma substanciação, numa causa de pedir que exerce a função individualizadora do pedido formulado, assim conformando o objeto do processo - artigo 552.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil, que será o diploma a citar sem menção de origem.

Essa causa de pedir é constituída pelos factos principais constitutivos da situação jurídica que o demandante pretende fazer valer como justificativa da pretensão deduzida, sendo a qualificação jurídica desses factos periférica à causa de pedir - nas palavras do Acórdão do STJ de 29.09.2009, (relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt., “a causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstracto configurado pela lei, mas, antes, nos concretos facto da vida a que se virá a reconhecer, ou não, a força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, traduzindo-se nos acontecimentos da vida em que o autor apoia a sua pretensão”..

Este objeto inicial do processo, definido pelo pedido e respetiva causa de pedir - o pedido ou a pretensão é o efeito jurídico visado pela parte e a causa de pedir é o facto ou conjunto de factos jurídicos de que procede aquele pedido / aquela pretensão-, após a estabilização da instância com a citação do demandado– é sabido que até à citação do réu, o autor pode alterar a conformação da acção por si realizada anteriormente na petição inicial que apresentou, na extensão que entender, mediante modificação dos sujeitos ou do objeto da ação, sendo admissível apresentar nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir -, só pode vir a ser modificado, ampliado ou reduzido por iniciativa das partes ou do tribunal, nos termos e modos previstos e definidos na lei processual –  existirá , seguramente, excesso de pronúncia, quando o tribunal conhece de matéria que se insere em causa de pedir distinta da invocada na acção.

O processo civil, em qualquer das suas fases, implica limites à dedução de pretensões ou de meios de defesa, não apenas por razões de disciplina processual, como ainda perante a necessidade de cada questão ser debatida na fase processualmente adequada. As normas travão dos arts. 264º e 265º prescrevem uma forte limitação à alteração do pedido ou da causa de pedir.

Prescreve esta última norma que:

“1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.

4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.

5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

Ou seja, salvo quando se verificar acordo das partes – que no caso inexiste – a causa de pedir apenas pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. E, quanto ao pedido, podendo ser reduzido em qualquer altura, na falta desse acordo, apenas pode ser ampliado, mas não alterado, até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Em qualquer dos casos com uma limitação: a de que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

Mais, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes - dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência -  podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.

A admissibilidade do articulado superveniente, decorre directamente do artigo 611º n.º 1 e 2 que determina que a sentença tome em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida.

Como escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora - Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, pág. 351 -, “coerente, com esta directriz, a lei permite que qualquer das partes possa alegar, em articulado superveniente, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do autor que sejam supervenientes.”

O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior – v. norma do artigo 588.º.

Ou seja, para que um articulado seja qualificado de superveniente é necessário, por um lado, que nele sejam alegados factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, navegando, por isso, nas mesmas águas, e, por outro lado, que esses factos ou tenham ocorrido após a produção dos articulados tidos por normais ou, sendo anteriores, a parte só deles tenha tomado conhecimento depois de findarem esses articulados.

Não é, seguramente o caso em análise.

Considerando que a acção de despejo – como é o caso da presente –  visa cessar a situação jurídica do arrendamento, a respetiva causa de pedir é composta não só pela alegação da existência e dos termos do contrato de arrendamento, como também pelo concreto fundamento da cessação desse arrendamento - por ex., falta de pagamento da renda, realização de obras sem autorização, necessidade do local locado nos casos em que a lei faculta direito ao senhorio.

Ou seja, a causa de pedir nas acções de despejo é o arrendamento conjugado com o facto que, em face da lei, constitui fundamento da cessação do arrendamento. Se estiver em causa uma ação de resolução do contrato de arrendamento, a causa de pedir é integrada pela alegação da relação de locação e dos factos que, de acordo com a norma legal constituem fundamento de resolução, de tal modo que, improcedendo uma acção com essa base, nada impede a instauração de outra acção assente em motivo diferente ou em factos integradores do mesmo fundamento, mas ocorridos em momento posterior aos que foram objeto de apreciação na primeira acção – Numa acção de despejo o tribunal está limitado ao concreto fundamento de resolução invocado pelo autor e não pode o tribunal convocar o pretenso não pagamento de outras rendas vencidas referentes a outros meses, fundamento não convocado para justificar a resolução extrajudicial operada do contrato de arrendamento em apreço, para fundamentar a procedência da acção.

Por isso, como se escreve na 1.ª instância, “a ampliação pretendida não está contida no pedido inicial, nem corresponde a um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. A requerida condenação dos RR. a reparar os danos causados na instalação eléctrica e na baixada em prazo não superior a 30 dias ou em alternativa a pagarem aos AA. o valor de 3.250,00€, relativos à reparação do dano, acrescido dos juros que se vencerem até integral pagamento, consubstancia um pedido autónomo, pois, o pedido inicial consistia na condenação dos réus na entrega do locado desocupado e no pagamento das rendas vencidas e não pagas, rendas vincendas e respectivos juros.

No pedido primitivo a causa de pedir é a falta de pagamento das rendas, sendo que no pedido agora formulado, está em causa a eventual responsabilidade civil dos réus pelos danos causados no locado, não tendo por isso aplicação o disposto no artigo 265.º, n.º 2 e 6 do CPC”.

É certo que a acção de despejo, porque segue a forma de processo declarativo comum - art. 14º, nº 1, in fine, do NRAU -, permite a cumulação do pedido de despejo com qualquer outro que não siga a forma de processo especial - cfr. arts. 555º, nº 1, e 37º -, designadamente o pedido de condenação em rendas vencidas – é o direito do senhorio às rendas vencidas até à resolução do contrato de arrendamento - ou numa indemnização, mas, nos autos ora devassados, apenas importa determinar se os RR. tinham o gozo do locado nos termos legal e contratualmente exigidos e consequente dever de proceder ao pagamento das rendas ou se, em contrário, existe causa justificativa para o não pagamento.

Como bem avalia a 1.ª instância, “ com efeito, em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção.

Inquestionável é, assim, que não é qualquer facto, ainda objectiva ou subjectivamente superveniente, idóneo e susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente. Por outra banda, em obediência ao princípio da estabilidade da instância, mister é que, os novos factos alegados, caso conduzam a uma alteração da causa de pedir – baseada claro está em factos supervenientes – e, concomitantemente, alicercem e justifiquem uma modificação do pedido, tal não implique obrigatoriamente a uma convolação para relação jurídica diversa da controvertida – neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.04.2014, processo n.º 387/11.0TBPTL-B.G1, in www.dgsi.pt.

Por todo o exposto, vai liminarmente indeferido o articulado superveniente apresentado pelos autores, dando-se o mesmo por não escrito, tal como o articulado de resposta junto pelos RR. a fls. 111 a 116”.

Os Autores requereram, ainda, a intervenção provocada da empresa E-Redes, a qual, salvo o devido respeito, está prejudicada pela não admissibilidade do articulado superveniente oferecido.

(…)

Ora,

Quanto à intervenção provocada suscitada pelos autores, o que se acaba de decidir implica o indeferimento liminar do incidente de intervenção provocada. Não obstante, sempre se diga que nos presentes autos a relação subjetiva na ação de despejo é entre arrendatário e senhorio, pelo que a E-redes não é parte nesta relação, sendo que nos termos e para os efeitos no artigo 316º nos casos de litisconsórcio voluntário pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não acha demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º do CPC, o que in casu não se verifica.

Por outro lado, salvo melhor entendimento no requerimento hoje junto pelos autores, não efetua qualquer pedido dirigido contra a aquela entidade/chamada.

Por outro lado, nos termos do artigo 318º nº 1 alínea b), também se encontra precludida a possibilidade de efetuar este chamamento, também por esta razão se indefere” - excerto da decisão proferida no tribunal da Guarda.

Como escrevem os Apelados, “a Lei Processual é taxativa no que diz respeito à oportunidade de chamamento para intervenção. Desde logo, o n.º 1 do artigo 318 do Código do Processo Civil determina: ‘O chamamento para intervenção só pode ser requerido:’ (negrito nosso). A utilização da expressão ‘só pode ser requerido’ é mais de que enunciativa da intenção de o legislador obstar a que haja qualquer chamamento para intervenção fora dos casos previstos nas alíneas que se seguem.

Determinam-se depois as situações em que o chamamento pode ocorrer:

“ a) No caso de ocorrer preterição de litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261º;

b) Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316.º, até ao termo da fase dos articulados;

c) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316º. E no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo que dispõe para o efeito;“ (negrito nosso)

Ora é facilmente constatável, através da consulta do articulado referido que o requerimento de chamamento é extemporâneo.

Se o legislador entendeu coartar a possibilidade de chamar terceiros à demanda, com base aliás no princípio da estabilidade da instância ínsito no artigo 260.º do CPC, foi exatamente para evitar que, em processos como o presente que se encontrem em fase de julgamento, com a prova toda produzida e com sessão marcada para alegações, não haja a enxertia de um novíssimo processo e de uma nova parte processual numa instância estabilizada e em situação de ver proferida sentença.

Pelo exposto, e por violar os termos do artigo 318.º do CPC, deve ser rejeitado, por extemporâneo, o chamamento de terceiros requerido pelos Autores, prosseguindo no demais os presentes autos”.

Improcede, pois, o recurso.

Concluindo:

(…).

3. Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível da Guarda - Juiz 1.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 23 de Janeiro de 2023

(José Avelino Gonçalves - relator)

(Arlindo Oliveira – 1.º adjunto)

(Emidio Santos – 2.º adjunto)