EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO FORMADO EM INJUNÇÃO
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
VENDA PELO PROPRIETÁRIO
Sumário


I – A afirmação de que “o regime de exclusividade contratada abrangia também o proprietário”, envolvendo a valoração jurídica própria da aplicação do direito, contém em si a resposta direta a uma das questões a decidir, extravasando a apreciação a efetuar pelo tribunal em sede de matéria de facto.
II – Se a proposta feita pelo interessado angariado pelo mediador é de valor significativamente inferior ao preço mínimo estipulado no contrato de mediação imobiliária, não se pode afirmar que a recusa dessa proposta pelo cliente implique que tal negócio se não tenha realizado “por motivo imputável” a este/cliente, para efeitos de atribuição da indemnização pela via excecional da al. a) do n.º 2 do art. 18.º do DLei n.º 211/2004, de 20-08.
III – Conclusão que em nada é prejudicada pelo o facto de, posteriormente, o cliente celebrar escritura de compra e venda, relativamente ao mesmo imóvel, com um terceiro encontrado por si próprio, por um valor inferior ao proposto pelo interessado angariado pela mediadora.

Texto Integral


Processo n° 275/21.1T8SEI-A.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Helena Melo

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

AA, veio, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhe é movida por B..., Lda, deduzir oposição por meio de embargos de Executado, pugnando pela extinção da execução,

com os seguintes fundamentos:

tendo como título executivo, requerimento de injunção a que foi aposta formula executória, nunca foi citado para aí deduzir oposição, ocorrendo falta e nulidade da citação no âmbito do procedimento de injunção;

apesar do contrato de mediação imobiliária celebrado com a exequente, a exclusividade que com a mesma combinou foi a de assegurar o monopólio da venda, com afastamento de outras empresas do ramo, e não também do proprietário;

 a venda ocorreu graças a diligências desenvolvidas pelo executado, sem qualquer participação ou angariação da exequente, defendendo que, ainda que não tivesse ficado acordado que o executado poderia ele próprio vender o imóvel, é inaceitável e abusivo que a exequente seja remunerada quando em nada contribuiu para a realização do negócio.

 A exequente apresentou contestação, nos seguintes termos:

a citação do executado foi regularmente realizada, na pessoa de familiar (tia) do executado;

o contrato foi celebrado em regime de exclusividade, sabendo perfeitamente o executado que, como tal, numa situação de venda através de terceiro, sempre seria devida à embargada a comissão acordada.

no âmbito do contrato que outorgou com o embargante, promoveu a venda do imóvel em causa, tendo mesmo chegado a angariar comprador, o qual apresentou proposta de compra pelo preço de 190.000,00€, a qual posteriormente elevou para 200.000,00€, que o embargante não aceitou, para, meses depois, proceder à sua venda por apenas 150.000,00€.

Conclui pela improcedência dos embargos e pela condenação do embargante como litigante de má-fé.

 Procedeu-se a audiência final, após o que foi proferida a seguinte Sentença

Pelo exposto julgo os presentes embargos de executado procedentes, por provados, e, em consequência, determino a extinção da execução.

Absolvo o Executado/Embargante do pedido de condenação em litigância de má-fé.

Custas pela Embargada – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique, incluindo a Agente de Execução, que deverá proceder ao levantamento das penhoras realizadas após o trânsito em julgado da presente sentença.


*

Não se conformando com tal decisão, a Embargada/Exequente interpõe recurso de Apelação, cujas alegações sintetiza, nas seguintes conclusões:

A. De entre os temas da prova constava o determinar se o contrato entre embargante e embargada foi celebrado no regime de exclusividade e em caso afirmativo qual o seu âmbito;

B. Contrato esse outorgado já na longínqua data de 7 de Abril de 2008 e celebrado pelo prazo de 12 meses, conforme doc. de fls. dos autos;

C. Na motivação da matéria de facto, constante da sentença em recurso, refere-se, apenas, que o regime contratado era o da exclusividade, nada se dizendo quanto ao âmbito dessa mesma exclusividade;

D. Não obstante tal omissão, na motivação de direito que levou à decisão proferida, consta da sentença que o âmbito da exclusividade contratada não abrangia o proprietário, o qual poderia, por si, diretamente vender o imóvel;

E. A matéria de facto dada como provada e constante da motivação é manifestamente insuficiente para tal conclusão de direito;

F. Aliás, da prova produzida resulta exatamente o contrário ou seja, a prova produzida, se corretamente apreciada e valorada, deveria levar, o Tribunal recorrido, a decidir no sentido de que a exclusividade contratada abrangia, também, o proprietário sendo este um dos concretos pontos de discordância da recorrente face à matéria de facto provada, motivação de direito e decisão proferida;

G. Do depoimento da testemunha BB, e das declarações de parte do legal representante da recorrente CC, devidamente enquadradas e confirmadas por aquele depoimento, cujas concretas passagens melhor se encontram concretizadas e individualizadas nos nºs 27 e 37 das presentes alegações, resulta de forma clara e inequívoca, que o regime de exclusividade abrangia também o proprietário do imóvel, traduzindo-se na terminologia hoje utilizada numa “exclusividade reforçada”;

H. Pelo que, deveria o tribunal recorrido, valorando e apreciando devidamente tal prova, ter dado como provado que o regime de exclusividade contratada abrangia também o proprietário e decidir em conformidade com a mesma;

I. Não obstante o vício de que, assim, enferma a Sentença recorrida, constam dos autos e concretamente do presente recurso todos os elementos que permitem a esse Venerando Tribunal, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que definindo o âmbito da exclusividade contratada determine a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução;

J. Para além disso, sem conceder, sempre a recorrente teria direito à remuneração acordada, pois o negócio não se concretizou com a intervenção da mediadora, por causa imputável ao cliente, pois recusou a venda do imóvel pelo preço de 205.000,00 a interessado angariado pela recorrente, para, praticamente de imediato, o vender a terceiro, pelo preço de 150.000,00€, tudo dentro do período de vigência do contrato;

K. A Sentença recorrida, além de outras disposições legais viola os artigos 413, 466, 607 e 608 do Código do Processo Civil e a al. a) do nº 2 do artigo 18 do Dec. Lei 211/2004 de Agosto

Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, e substituindo-se por outra que julgue improcedentes os embargos e determine o prosseguimento da execução nos seus precisos termos.


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O executado/embargante apresentou contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões colocadas pela Apelante e pela Apelada, no presente recurso, são as seguintes:
1. Se o tribunal omitiu o conhecimento de uma questão de facto, ao não dar como provado que o âmbito da exclusividade contratada abrangia o proprietário.
1.2. Em caso afirmativo, se a prova produzida nos autos permite dá-lo como provado, alterando-se o decidido.
2. Se a mediadora tem direito a receber a remuneração pela aplicação da al. a), do nº2 do artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto.
*

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A. Matéria de Facto

É a seguinte a matéria dada como provada pelo tribunal a quo, na parte com interesse para o conhecimento do objeto do recurso:

1 - Nos autos de execução para pagamento de quantia certa de que os presentes são apenso a Exequente apresentou como título executivo Requerimento de Injunção, que correu termos no Balcão Nacional de Injunções sob o n.º 105800/09.7YIPRT, ao qual foi aposta força executiva, em 01.06.2009, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, consta como Requerente “B..., Lda” e como Requerido “AA”.

(…)

4 – A Exequente celebrou com o Executado acordo escrito intitulado de “Contrato de Mediação Imobiliária” n.º 365/2008, datado de 7 de Abril de 2008.

5 – No referido acordo ficou exarado que:

“Cláusula 1.ª (identificação do Imóvel)

O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano; destinado a habitação sendo constituído por 4 divisões assoalhadas, com a área total de 396 m2, sito na ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob a ficha n.º ...26, com licença de construção/utilização n.º 161/2002, emitida pela Câmara Municipal ..., em 9/08/2002 e inscrito na matriz predial ... com o artigo n.º ...27 da Freguesia ....

Cláusula 2.ª (Identificação do Negócio)

1 – A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de Euros.: 225.000,00€ (Duzentos e vinte e cinco mil euros (N), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.

2 – Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora.

(…)

Cláusula 4.ª (Regime de Contratação)

1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.

2 – Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o período de vigência.

Cláusula 5.ª (Remuneração)

1 – A remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artº 19.º do DL 211/2004, de 20.08.

2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: a quantia de 3% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal de 21%.

(…)

Cláusula 9.ª (Prazo de duração do contrato)

O presente contrato tem a validade de 12 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência de mínima de 10 dias em relação ao seu termo. (…)”.

6 – Por escritura pública de compra e venda de 26.09.2008, o executado procedeu à venda do referido imóvel a DD, pelo preço de 150.000,00€.

7 – Foi apenas o Executado que arranjou o referido comprador e tratou com ele de tudo o que foi necessário à realização do negócio, sem qualquer participação da exequente, que não contactou o interessado comprador por qualquer meio, não lhe mostrou o imóvel, nem discutiu com ele o preço ou as formas de pagamento, e sem participação de outra mediadora imobiliária.

8 – No âmbito do acordo referido em 4), a exequente colocou naquele imóvel uma placa publicitando a venda e identificando a embargante como imobiliária encarregue da mesma.

9 – Da mesma forma, publicitou a venda na montra/expositor das suas instalações, bem como na sua página oficial da Internet, exibindo e divulgando fotografias, indicando o respetivo preço e demais condições do imóvel e do negócio.

10 – Nessa sequência, a Exequente angariou potencial comprador para o referido imóvel.

11 – Concretamente, EE, o qual, em Junho de 2008, apresentou proposta de compra pelo preço de 190.000,00€, a qual posteriormente elevou para 205.000,00€, que o Executado não aceitou.

Factos Não Provados

 Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa para além dos supra referidos, designadamente, não se provou que:

a) O Executado não teve conhecimento da carta de notificação referida em 2.

b) No âmbito do acordo referido em 4), a Exequente promoveu a venda do referido imóvel de forma pessoal, através dos seus funcionários e colaboradores, junto de possíveis interessados.


*

1. Se o tribunal omitiu o conhecimento de uma questão de facto relevante

Alega o Apelante não se conformar com a decisão proferida em sede de matéria de facto, com os seguintes fundamentos:

- encontrando-se em causa a interpretação e abrangência do contrato de mediação, e constando dos temas de prova a questão de saber “se o contrato entre o embargante e a embargada foi celebrado em regime de exclusividade e, na afirmativa, qual o seu âmbito”, dos factos dados como provados só consta como provado, no ponto 5, que “o segundo contratante contratou a Mediadora em regime de exclusividade”;

- apesar de, na fundamentação de direito, o tribunal ter optado por considerar que o proprietário não estava impedido de “negociar diretamente a venda do imóvel”, quando da prova documental e testemunhal produzida, resulta que o âmbito da exclusividade acordada e contratada, abrangia o próprio proprietário, o qual se encontrava impedido de, diretamente e sem a intervenção da imobiliária, negociar o imóvel;

- assim deveria o tribunal recorrido ter conhecido, apreciado e dado resposta de facto a tal questão, o que não fez.

Nas suas contra-alegações de recurso, o Apelado/Embargante sustenta inexistir qualquer omissão de pronúncia ao omitir sobre se estávamos perante uma exclusividade “simples” ou “reforçada”, porquanto, a integração e interpretação de um conceito é questão de direito e não de facto.

Cumpre apreciar se já ou não omissão de pronuncia quanto a matéria de facto com influência para a decisão da causa.

Quanto a tal questão, o tribunal a quo deu como provados os seguintes factos, respeitantes ao teor da Cláusula 4º, do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, denominada “Regime de Contratação

1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.

2 – Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o período de vigência.

Faltando um sentido consensual para o negócio, a interpretação a dar a tal cláusula – sendo claro que só a mediadora contratante pode “promover o negócio”, com exclusão de qualquer outro mediador –, saber se, com tal acordo, se pretendia também excluir de tal promoção o próprio vendedor, torna-se uma questão controvertida.

A determinação do sentido a dar a tal clausulado, pode envolver questões de facto e questões de direito: determinar a vontade real das partes é uma questão de facto, já  a interpretação enquanto busca do sentido juridicamente relevante da declaração negocial é uma questão de direito[1].

Serão, por ex., questões de facto, a existência de qualquer acordo verbal ou escrito fora do contrato, a existência de costumes nesse sentido, o conteúdo das próprias negociações entre as partes, ou qualquer outra circunstância que rodeou a celebração do contrato e que possa ajudar à determinação do respetivo conteúdo.

Contudo, no caso em apreço, a pretensão formulada pela Apelante em sede de matéria de facto é que seja dado como provado que “o regime de exclusividade contratada abrangia também o proprietário”, porquanto, “a prova produzida demonstra que a exclusividade abrangia também o proprietário do imóvel”, afirmações que são perfeitamente conclusivas, sem que explicite, com base em que factos é que prova produzida demonstraria que a exclusividade abrangeria também o proprietário (porque essa era a opinião das testemunhas?, porque esse era o regime legal? porque tal questão foi debatida e deixada clara aquando das negociações? porque era esse o costume e dele estava ciente o embargante?).

A afirmação que o Apelante pretende ver dada como provada – “o regime de exclusividade contratada abrangia também o proprietário” – envolvendo a valoração jurídica própria da aplicação do direito, contém em si a resposta direta a uma das questões decidenda, extravasando a apreciação a efetuar pelo tribunal em sede de matéria de facto.

Como é posição jurisprudencial pacífica, “apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, embora lhe sejam equiparáveis os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o objeto do processo[2]”.

Apesar de, com o novo Código de Processo Civil, o objeto da instrução se definir pela enunciação de “temas de prova” (formulados em abstrato, por referencia aos factos típicos essenciais à causa de pedir invocada), a instrução continuará a incidir sobre factos concretos, sendo que, os factos que resultem da produção da prova e que o tribunal vai poder considerar na construção da decisão, serão apenas os que foram objeto de alegação pelo autor e pelo réu ou por aqueles que o tribunal pode conhecer independentemente da alegação das partes, nos termos do artigo 5º, nº2[3].

Não alegando o Apelante um único facto concreto cuja prova possa auxiliar na determinação da vontade real dos contratantes, é de improceder, nesta parte, a pretensão da Apelante, rejeitando-se o adiamento por si pretendido, por revestir natureza jurídico conclusiva, integrando a resposta direta a um dos pressupostos de que depende a procedência da presente ação.


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2. Se a mediadora tem direito a receber a remuneração pela aplicação da al. a), do nº2 do artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto.

A decisão sob recurso veio a considerar não ser devida pelo embargante a remuneração prevista no contrato de mediação, com base nas seguintes considerações:

a) não tem o direito à remuneração pela via do nº1 do artigo 18º, do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto, segundo o qual “A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.”:

- não resultando claramente do contrato que o Executado/Embargante se absteria de procurar, ele próprio, comprador para o imóvel, trata-se de um caso de “exclusividade simples” e, como tal, não estava aquele impedido de negociar diretamente a venda do imóvel;

-  a Exequente/Embargada não demonstrou, nem sequer alegou, que a sua atividade no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado com o Executado/Embargante foi causal da realização do contrato de compra e venda celebrado com DD; ao invés, resultou provado que foi apenas o Executado que arranjou o referido comprador e tratou com ele de tudo o que foi necessário à realização do negócio, sem qualquer participação da exequente, que não contactou o interessado comprador por qualquer meio, não lhe mostrou o imóvel, nem discutiu com ele o preço ou as formas de pagamento, e sem participação de outra mediadora imobiliária;

b) negando-lhe igualmente o direito a qualquer remuneração no âmbito de aplicação da al. a) do nº2 do artigo 18º:

- podendo o Executado/Embargante vender o imóvel, dado o âmbito da cláusula de exclusividade acordada, o direito da Exequente/Embargada à remuneração apenas poderia decorrer da verificação dos pressupostos previstos no artigo 18.º, n.º 2, al. a) do citado  Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto – ou seja, “os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta  direito a remuneração” (al. a));

- dos factos provados resulta que a Exequente angariou potencial comprador para o referido imóvel, concretamente, EE, o qual, em Junho de 2008, apresentou proposta de compra pelo preço de 190.000,00€, a qual posteriormente elevou para 205.000,00€. No entanto, mesmo esta última proposta era inferior ao pretendido pelo cliente no contrato de mediação (225.000,00€).

- assim, o interessado angariado pela mediadora não evidenciou vontade de celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação, já que pretendia adquirir o imóvel por um preço inferior ao aí estipulado.

Insurge-se a Apelante contra o decidido, unicamente, com base em duas ordens de razões:

a) em sede de matéria de facto, deveria ter sido dado como provado que o regime de exclusividade abrangia também o proprietário, decidindo-se em conformidade;

b) para além disso, sempre teria direito à remuneração acordada, pois o negócio não se concretizou com a intervenção da mediadora, por causa imputável ao cliente, pois recusou a venda pelo preço de 205.000 € a interessado angariado pela recorrente para, praticamente, de imediato, vender a terceiro, pelo preço de 150.000 €.

Tendo improcedido a pretensão do Apelante a fazer constar da matéria de facto que o regime de exclusividade abrangia também o proprietário – e sem que a Apelante censure a apreciação que, em sede de direito, a tal respeito foi feita pelo juiz a quo –, resta, nesta sede, a questão de determinar se a mediadora teria direito à remuneração pela via da al. a) do nº2 do artigo 18º do DL 211/2004, de 20 de agosto.

A sentença recorrida negou à mediadora o direito a tal remuneração, nos seguintes termos:

“Assim, podendo o Executado/Embargante vender o imóvel, dado o âmbito da cláusula de exclusividade acordada, o direito da Exequente/Embargada à remuneração apenas poderia decorrer da verificação dos pressupostos previstos no artigo 18.º, n.º 2, al. a) do citado Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto.

Com efeito, no que respeita à remuneração, resulta do n.º 1 do artigo 18.º do citado diploma que “a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”. Determina, no entanto, o n.º 2, na parte que aqui releva, que se exceptuam do disposto no número anterior “os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração” (al. a).

Deste modo, enquanto no regime geral do contrato de mediação a remuneração do mediador é condicionada pela celebração do contrato visado, no caso de contrato de mediação com cláusula de exclusividade, a remuneração do mediador, não se celebrando o contrato visado por causa imputável ao cliente, depende tão só do cumprimento bem sucedido da obrigação deste, ou seja, que apresentou cliente interessado em celebrar o contrato nos termos estipulados.

Por conseguinte, pressuposto da aplicabilidade da norma é que o contrato visado esteja em vias de se concretizar, i.e. que a mediadora tenha cumprido a sua obrigação de encontrar um destinatário para o negócio i.e. uma pessoa que se disponha a satisfazer as condições que o seu cliente tenha estabelecido para a sua concretização (v.g. preço, (in) existência de contrato promessa, montante do sinal, momento da celebração do contrato visado) – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/03/2018, acessível in www.dgsi.pt.

De facto, conforme se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/11/2018, acessível in www.dgsi.pt, a cuja argumentação aderimos, não se pode reconhecer que o mediador tem direito à retribuição quando tenha obtido apenas um potencial destinatário no negócio, ou seja, alguém que se mostre interessado em celebrá-lo mas que não tenha manifestado acordo com a integralidade dos propósitos delineados pelo cliente do mediador.

Também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/07/2014, acessível in www.dgsi.pt, se concluiu: «Para que exista direito a remuneração, é exigível que o negócio esteja não somente perspectivado, mas acertado, isto é, que haja um interessado efectivo para o mesmo, que aceite as condições do vendedor, mesmo que se venha a frustrar por recusa do cliente».

Volvendo à situação dos autos, dos factos provados resulta que a Exequente angariou potencial comprador para o referido imóvel, concretamente, EE, o qual, em Junho de 2008, apresentou proposta de compra pelo preço de 190.000,00€, a qual posteriormente elevou para 205.000,00€. No entanto, mesmo esta última proposta era inferior ao pretendido pelo cliente no contrato de mediação (225.000,00€).

Assim, o interessado angariado pela mediadora não evidenciou vontade de celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação, já que pretendia adquirir o imóvel por um preço inferior ao aí estipulado.

Deste modo, a Exequente/Embargada não tem direito a receber qualquer remuneração no âmbito de aplicação do artigo 18.º, n.º 2, al. a), do citado Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto.”

Resumindo, a decisão recorrida veio a negar ao Apelante o direito à remuneração pela via da al. a) do nº2 do art. 18º, por considerar que o negócio “não se concretizou”, não “por motivo imputável ao cliente”, mas, porque o interessado angariado pela mediadora – oferecendo valor inferior ao pretendido pelo cliente no contrato de mediação, “não evidenciou vontade de celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação”.

E contra esta apreciação, o Apelante limita-se a reafirmar o por si alegado na contestação, de que o negócio não se concretizou por motivo imputável ao cliente, pois este recusou aquela proposta, vindo depois a celebrar o negócio com um terceiro por um preço inferior.

Contudo, a posterior venda por parte do cliente a um terceiro, por preço inferior ao acordado no contrato de mediação celebrado entre as partes, é perfeitamente irrelevante para qualificarmos como “recusa” a não aceitação, por parte do embargante, da proposta que o interessado angariado pela mediadora, e para considerarmos que o negócio não se realizou por “motivo imputável” ao embargante.

Para efeitos do direito à remuneração prevista no artigo 18º, nº2, al. b) – direito previsto unicamente para os casos de contrato em regime de exclusividade –, “a remuneração da remuneradora depende quase exclusivamente da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação do interessado).

Contudo, “a aplicação da norma contida neste nº2 implica a prova da efetiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação[4]”.

Para que, nestes casos, se considere que o mediador imobiliário cumpriu a sua obrigação de mediação, “necessário é que ele não se limite a angariar algum interessado no negócio visado, mas sim que angarie um interessado que satisfaça o interesse específico do seu cliente, ou seja, um interessado que esteja pronto a celebrar o negócio visado nos moldes em que este negócio foi concebido no âmbito do contrato de mediação e nos termos em que o cliente da mediadora está disposto a celebrar o contrato, sendo este quem determina se a proposta apresentada satisfaz os seus interesses e não a mediadora imobiliária[5]”.

E se há aspeto que, para o cliente, ao celebrar um contrato de mediação há de ter-se por essencial é precisamente o preço pelo qual o imóvel irá ser vendido.

Desenvolvendo a atividade pretendida pelo seu cliente, o mediador só terá direito à remuneração se for bem sucedido na sua procura e se encontrar um potencial interessado no negócio nos termos acordados no contrato de mediação, nomeadamente, se encontrar algum interessado que se disponha seriamente a adquirir o imóvel pelo preço mínimo acordado. Ora, o único interessado que a mediadora lhe apresentou ofereceu 190.000 €, subindo, depois, para 205.00,00 €, mantendo-se, assim, ainda uma diferença de 20.000,00 € relativamente ao preço pelo qual a mediadora se tinha comprometido a angariar comprador.

Face a uma diferença de tal dimensão, não se pode afirmar que a mediadora tenha cumprido a obrigação que lhe incumbia de encontrar um interessado pelo preço visado ou previsto no contrato.

Como tal, embora se possa afirmar que aquele negócio não foi concretizado porque o embargante não aceitou a proposta que lhe foi feita pelo interessado angariado pela mediadora, sendo o preço oferecido muito abaixo do acordado no contrato de mediação, a sua não aceitação encontrava-se perfeitamente justificada, sendo o embargante perfeitamente livre de aceitar ou não tal proposta, não impondo as regas da boa-fé que o fizesse.

“Nesse sentido, afigura-nos que a disposição deve ser interpretada como vedando apenas que a não concretização do negócio resulte de um puro juízo arbitrário ou discricionário do cliente que rompa com a expectativa criada com a celebração do contrato de mediação e em função da qual o mediador confiou que o cliente pretendia mesmo o negócio e por isso de dispôs a exercer a sua atividade em prol da concretização deste.

A causa imputável ao cliente de que fala a norma não é toda a causa que se situe na esfera de disponibilidade do cliente (que resulte da sua livre vontade ou de fatores que ele pode e deve controlar), é essencialmente o evento em relação ao qual se possa afirmar que só por razões censuráveis o cliente fez com que o negócio visado não fosse concretizado. Sendo possível esse juízo de censura a remuneração é devida; não sendo possível do ponto de vista normativo censurar o comportamento que é causa adequada da não concretização do negócio a remuneração não é devida, ainda que o comportamento esteja relacionado ou se prenda com a pessoa do cliente.[6]

Concluindo, não podemos afirmar como faz o apelante, que o contrato não tenha sido celebrado por “motivo imputável” ao cliente.

E, como tal, o facto de, posteriormente, cerca de três meses depois, o cliente vir a celebrar escritura de compra e venda relativamente a tal imóvel, com um terceiro obtido por si próprio, pelo valor de 150.000,00 €, um valor inferior ao proposto pelo interessado angariado pela mediadora (seja, porque vendeu a um familiar ou amigo, porque declarou um valor inferior ao real, ou porque, simplesmente, quis despachar o negócio e já não tinha de pagar comissão), não tem o condão de alterar a apreciação que fez acerca do cumprimento da obrigação de mediação que competia à mediadora.

A apelação é de improceder.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas da apelação a suportar pelo embargado/Apelante.

                                                                Coimbra, 24 de janeiro de 2023


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

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[1] Manuel Pita, “Código Civil Anotado”, coord. Ana Prata, Vol. I - 2017, Almedina, nota 7 ao artigo 236º, p. 291; em igual sentido, Luís A. Carvalho Fernandes, “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica”, 5ª ed., Universidade Católica Editora, p.445; Cfr., quanto à posição de que a interpretação da declaração negocial constituiu matéria de direito, José Alberto Vieira, “Negócio Jurídico, Anotação ao Regime do Código Civil” (artigos 217º a 295º), Coimbra Editora, p. 46.
[2] Entre outros, cfr., Acórdão do STJ de 01-10-2019, relatado por Fernando Samões, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Elisabeth Fernandez, “Um Novo Código de Processo Civil? Em busca das Diferenças”, Vida Económica, p. 48.
[4] Higina Orvalho Castelo, a propósito no nº2 do artigo 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, que contém uma norma semelhante, “Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, 2ª ed., Almedina, p. 150.
[5] Acórdão do TRP de 20.06.2016, relatado por Manuel Domingues Fernandes.
[6] Acórdão do TRP de 27-01-2022, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, disponível in www.dgsi.pt.