DEPOIMENTO DE PARTE
CONFISSÃO
SERVIDÃO LEGAL DE PASSAGEM
Sumário


i) Se o recorrente não especificar a resposta que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados, a sua impugnação deve ser rejeitada;
ii) Visando o depoimento de parte obter confissão judicial, que é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do CC), não podem os AA/impugnantes da decisão de facto pretender retirar do seu depoimento um benefício, provando o que lhe é favorável;
iii) Este depoimento de parte não constitui, no nosso direito, um testemunho de parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas sim um meio de provocar a confissão;
iv) Diferente poderia ser, se os AA tivessem prestado declarações de parte ou tivessem requerido no acto de depoimento de parte que as declarações que lhe fossem favoráveis pudessem ser valoradas livremente, como é regra e que decorre do art. 466º, nº 3, do NCPC;
v) A força probatória da prova pericial conjugada com a inspecção ao local, meios de prova relevantes e qualificados em acções de direitos reais, com força persuasiva redobrada e magna, e que aponte no mesmo sentido, só deve afastar o tribunal quando existam motivos suficientemente sustentados para divergir do seu teor; 
vi) O que não é o caso quando a impugnação se funda em simples prova de apreciação livre advinda de fotos ou de mera prova testemunhal;  
vii) No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, plasmado nos arts. 607º, nº 5, 1ª parte, e 663º, nº 2, do NCPC do NCPC, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;
viii) Nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas.
ix) Considerando o teor dos arts. 1550º e 1553º do CC, para constituir uma servidão legal de passagem, deve alegar-se e provar-se: - que o seu prédio não tem comunicação absoluta ou relativa (relativa quanto a excessivo dispêndio/incómodo ou insuficiência) com a via pública; - especificar os incómodos e dispêndios que teria de suportar-se para estabelecer a comunicação entre ele e aquela via pública, a fim de aferir a excessividade; - as características dos prédios que se interpõem entre o seu e a via pública, para se avaliar dos prejuízos que cada um irá ter de suportar com a constituição da servidão, a fim de se eleger aquele (ou aqueles) por onde irá ser constituída a servidão, por ser(em) o(s) que sofre(m) menor prejuízo; - no prédio que virá a ser o serviente, qual o local por onde deverá estabelecer-se a servidão, a fim de se eleger, dentre os possíveis, o local onde a servidão trará menores inconvenientes.

Texto Integral


I – Relatório

 

1. AA e BB, residentes em ..., intentaram acção declarativa contra CC e DD, residentes em ..., pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer que sobre o seu prédio está constituída uma servidão de passagem a favor dos prédios dos autores, nos termos e condições constantes da petição inicial, e em alternativa ao pedido de reconhecimento do direito de servidão de passagem por usucapião, deve ser reconhecida uma servidão legal de passagem a favor dos prédios dos autores, por serem prédios encravados, a onerar o prédio dos réus, por ser por este prédio que com menor custo tal direito de passagem pode ser constituído.

Em síntese, invocam serem proprietários de um prédio rústico e de um prédio urbano, que confrontam com um prédio rústico dos réus. Que o acesso para os seus prédios sempre se fez através de uma faixa de terreno destinado ao efeito por si e pelos seus caseiros, com uma largura de 3 metros e comprimento de 200 metros, o qual se inicia na Rua ..., percorre os limites do prédio dos réus, até flectir e depois chegar até à sua propriedade. Embora parte desse caminho seja público, outra parte não o é, estando nele implantado um caminho de servidão. Sucede que em Março de 2019 os réus realizaram uma intervenção de terraplanagem no seu prédio, colocando pedra e rede no início do caminho, impedindo o acesso dos autores. Que não dispõem de qualquer outro acesso aos seus prédios através de trator ou carro de bois, o que coloca em causa a possibilidade de os caseiros agricultarem o prédio rústico, colocando em causa a sua subsistência. Arrogando-se titulares de um direito de servidão constituído por usucapião, pretendem que, caso assim não se reconheça a mesma, seja constituída uma servidão legal de passagem, porquanto a alternativa de acesso aos seus prédios implicaria a demolição de vários prédios e a ocupação de outros.

Os réus contestaram, impugnando as descrições dos prédios de que os autores se arrogam proprietários, acrescentando que nunca os mesmos tiveram acesso através do prédio dos réus, fosse a pé, trator ou carro de bois. Acrescentam que o caminho que se desvia do caminho de ... apenas dá acesso ao próprio prédio dos réus e não ao dos autores, não existindo nele quaisquer marcas. Referem ter colocado uma pedra e rede nos limites da sua propriedade para impedir os caseiros dos autores de por ali passar. Dizem que os prédios dos autores têm dois acessos pedonais, um pelo caminho de pé posto, que margina um rego de água de consortes, e outro pelo caminho..., sendo que é desproporcional o uso de um trator ou um carro de bois para cultivo de um terreno com área reduzida. Que a reclamada servidão não poderá ser constituída pelo seu prédio, por existir a possibilidade de os mesmos procederem à abertura de um caminho no muro da sua propriedade.

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A final foi proferida decisão que julgou improcedentes os pedidos deduzidos pelos AA contra os RR, deles os absolvendo.

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2. Os AA interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

a. O presente recurso vem alicerçado nos termos dos artigos 629.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), 647.º, n.º 1, 638.º, n.ºs 1 e 7, 639.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil.

b. É do entendimento dos Recorrentes que, salvo o sempre muito e devido respeito, por diferente opinião, o Digníssimo Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da prova produzida nos autos, o que por consequência conduziu a uma desadequada decisão sobre a matéria de facto e a uma indevida interpretação e aplicação do direito, assim se impondo e justificando o presente recurso.

c. Ademais, dos factos com relevância para o presente recurso, importa atentar nos factos n.ºs 10, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30,31 e 32 dados como provados e nas alíneas C), D), E), I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), T), U), V), e W) da matéria não provada.

d. A descrição do caminho feita no facto provado n.º 10, não se poderá reportar ao caminho em terra batida e sem pedras, uma vez que este, pelas suas características e condições do piso permite o trânsito, para além dos veículos destinados ao trânsito rural, a veículos automóveis, pelo que este ponto deverá ser alterado passando a constar o seguinte: «Esse caminho tem largura variável, entre os 2,20 metros e os 2,50 metros, sendo possível circular tanto com veículos ligeiros, como com veículos de quatro rodas motrizes destinados ao trânsito rural.»

e. Os factos provados n.ºs 21, 22, 23 e 24 são suscetíveis de serem apreciados em conjunto, uma vez que as questões em causa estão intimamente ligadas entre si.

f. Num momento inicial, nos factos provados n.ºs 20, 21 e 22, o Digníssimo Tribunal a quo deu, corretamente, como provada a existência de um carreiro muito estreito que permite aos consortes da água acederem à poça que represa essas mesmas águas, sendo que este não tem condições ou medidas para nele circularem bens de pequenas ou grandes dimensões.

g. Sucede que esse carreiro, comummente designado como ... é, nos pontos n.ºs 23 e 24, designado, erradamente, como «caminho», pelo que se requer a sua correção e alteração, nos seguintes termos: «23. Esse carreiro termina junto ao fontanário e ao caminho público do ...; 24. Esse carreiro não reúne as condições mínimas de um caminho público, para o que seria necessário proceder a trabalhos de demolição de muros e construções e consequente reconstrução.»

h. Querem os Recorrentes chamar a atenção para a expressão «encurtam o percurso em algumas dezenas de metros» utilizada no ponto n.º 21 e que faz enunciar a existência de um atravessadouro, sendo certo que os atravessadouros, definidos como caminhos, embora alternativos e destinados a encurtar distâncias (atalho), deixaram de ser figuras reconhecidas juridicamente.

i. Perante a factualidade dada como provada, podemos concluir que o aludido carreiro tem como finalidade permitir a ligação e o corte da água que corre na levada, sendo apenas utilizado pelos consortes da água, não tendo um fim ou utilidade pública, acrescentando ainda que os Recorrentes e os seus arrendatários só têm direito a nele circular, enquanto estes últimos forem arrendatários de terrenos servidos pelas águas da levada.

j. Relativamente ao facto provado n.º 28, entendem os Recorrentes que o mesmo deve ser alterado, por forma a coincidir com a realidade dos factos, bem como com os depoimentos das testemunhas e com a matéria constante do facto provado no n.º 27, desta forma, deverá passar a constar do ponto n.º 28 o seguinte: «Esse acesso pedonal não reúne as condições mínimas de um caminho público, para o que seria necessário proceder a trabalhos de demolição de muros e construções.»

k. Não corresponde à realidade o descrito no ponto n.º 29 dos factos dados como

provados, tendo diversas testemunhas comprovado que no período de tempo anterior à ação, ou seja, até ser cortado o acesso pela propriedade dos Recorridos, o terreno dos Recorrentes era cultivado pelos seus caseiros, e que tendo-lhes sido cortado o acesso, não há qualquer possibilidade de passar com um trator ou qualquer outra alfaia agrícola, motivo pelo qual, no presente momento, aqueles terrenos se encontram por cultivar.

l. Não corresponde da mesma forma à verdade que os arrendatários dos Autores sejam proprietários de terrenos nas imediações do Lugar ....

m. Desta forma, deverá o ponto n.º 29 dos factos dados como provados ser corrigido, nos seguintes termos: «No presente, o terreno dos Recorrentes não se encontra plantado, uma vez que os seus arrendatários não têm acessos para circular com um trator ou qualquer outro tipo de máquinas ou alfaias agrícolas, razão pela qual tiveram que arrendar outros terrenos nas imediações do Lugar ...

n. Os pontos n.ºs 30, 31 e 32, dos factos provados estão intimamente ligados entre si, pelo que devem ser apreciados em conjunto.

o. Está plasmado no relatório de peritagem que a desvalorização do terreno, dos Recorridos, que não poderia ser ocupado para fins agrícolas, nunca seria superior a € 800,00 (oitocentos euros), bem como que, para assegurar o caminho nos termos previstos no ponto n.º 30 dos factos provados, seriam necessárias obras que nunca seriam feitas por um valor inferior a € 3 597,75 (três mil quinhentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos), já com IVA incluído.

p. Contudo, para tal seria necessário, os Recorrentes terem/pedirem autorização para circularem no caminho de consortes que é um prolongamento do caminho de ..., na extensão que prossegue depois de entrar no prédio dos Recorridos, uma vez que, este apenas pode ser utilizado pelos consortes, coisa que os Recorrentes não são [dessa extensão], e como tal não podem usar esse lanço de caminho, não tendo inclusive sido alegado qualquer direito ou feita prova dessa passagem.

q. Tudo isto comprova, tudo o quanto foi alegado na PI, de que os Recorridos são proprietários de um prédio absolutamente encravado, e posto isto, feita a ponderação de interesses, tendo em conta critérios físicos e económicos, bem como elementos prevalentes que conduzam à afirmação do princípio do menor prejuízo, deve concedida a passagem pelo prédio ou prédios que sofram menores prejuízos, no caso concreto, o prédio dos Recorridos.

r. Andou mal o Tribunal na decisão, ao dar como não provados os factos que a baixo iremos enunciar, por quanto foi feita prova clara dos mesmos.

s. Relativamente à alínea C), esta deve ser apreciada junto com a alínea V), uma vez que ambas se reportam essencialmente ao mesmo facto.

t. É possível depreender que até aos dias de hoje, no terreno dos Recorrentes ainda estão feitas as aberturas no muro, que eram utilizadas para a passagem do trator que ia «fresar» a terra, facto que compele a que as alíneas C) e V) sejam dadas como provadas.

u. Entendeu o Tribunal a quo, na mesma medida, dar como não provados os factos

constantes da alínea D), e da alínea R), no entanto, como foi demonstrado, a propriedade que pertence aos Recorrentes era e sempre foi cultivada pelos seus arrendatários, que faziam uso de carros de bois, numa fase inicial, e posteriormente de tratores, como forma de preparar a terra para as plantações.

v. Por tudo o quanto foi demonstrado acima, cremos que ficaram demonstrados e provados os factos constantes das alíneas D) e R), razão pela qual, estes devem passar a constar dos factos dados como provados.

w. A análise das alíneas E), I), J) e W) dos factos dados como não provados, deve ser feita em conjunto, uma vez que estas se reportam essencialmente aos mesmos factos, ou a factos que têm uma ligação entre si. Senão vejamos,

x. As alíneas E) e W) aludem à existência do caminho na propriedade dos Recorridos e ao facto de Recorrentes e caseiros, sempre terem nele circulado, a pé, de trator ou de carro de bois, o que sempre fizeram sem oposição e convencidos de que estavam a exercer o seu direito de passagem, por sua vez, as alíneas I) e J) reforçam o já aludido.

y. Não restam dúvidas que a Sra. EE e a sua família utilizavam o caminho em discussão nos autos, bem como que o seu filho lá passava de mota e de jeep e ainda que foram feitas obras na casa e que por lá passaram, tanto materiais de construção como um poste de eletricidade.

z. Pelo que se tem forçosamente que concluir que os factos constantes das alíneas E), I), J) e W) devem ser acrescentados ao rol dos factos dados como provados e ser feita a alteração de acordo.

aa. A matéria que consta das alíneas K), L), M), N), O), P) e Q) dos factos dados como não provados reporta-se ao caminho de consortes e não ao caminho público, pelo que todas as alíneas onde é feita essa menção devem ser alteradas e corrigidas de acordo com o termo correto, nomeadamente: «L. o caminho mencionado em 8 é um caminho de consortes, que sempre esteve aberto à utilização de todas as pessoas, quer para deslocações a pé, de carro de bois ou tratores; O. o prédio dos Autores não tem, nem nunca teve outro acesso ou serventia, a não ser pelo caminho de consortes, denominado do ..., que, após prosseguir no sentido norte-sul e poente-nascente, faz um novo desvio no sentido poente-nascente e entra pelo prédio rústico dos Autores, sendo a partir daí que há acesso ao prédio urbano.»

bb. Ainda sobre estas alíneas não foi feita qualquer prova que leve a julgar todos estes pontos como não provados, pelo que no nosso entendimento, todos os factos constantes das alíneas K), L), M), N), O), P) e Q), devem ser dados como provados, efetuadas as alterações supra aludidas ao termo «caminho público» para «caminho de consortes».

cc. No que concerne à alínea T), já foi por nós demonstrado que inexiste qualquer outra possibilidade, uma vez que pelo caminho da levada, implicaria proceder a trabalhos de demolição de muros e construções, bem como a ocupação de vários prédios, o que seria demasiado oneroso.

dd. E a possibilidade levantada pelos Recorridos de realizar uma abertura do muro que delimita, a sul, a propriedade dos Recorrentes retirando algumas pedras e realizando uma terraplanagem para acesso ao prédio urbano, não é uma verdadeira solução, porque os Recorrentes não são consortes do caminho que circunscreve a sua propriedade a sul, não tendo sido apreciado pelo Tribunal seu o direito a usarem o caminho, pelo que a questão se torna irrelevante.

ee. Tudo o evidenciado supra demonstra que a alínea T), se coaduna com a realidade, pelo que deverá passar a constar do rol de factos dados como provados.

ff. Por fim, no que respeita à alínea U), consta incorretamente do rol dos factos dados como não provados, uma vez que foi dado como provado o ponto n.º 26 e a premissa destes dois pontos é exatamente a mesma: os Recorrente e seus arrendatários não circulam no caminho por lhes ser vedado o acesso ao mesmo, reconhecendo consequente o Tribunal, a existência do caminho pela propriedade dos Recorridos, pelo que esta alínea deve ser dada como provada nos seguintes termos: «os Réus impedem os Autores de atingirem o seu prédio e o respetivo acesso à via pública.»

gg. Em causa, no presente processo, está o reconhecimento, por usucapião, de uma servidão de passagem, sobre o prédio dos Recorridos, a favor dos prédios dos Recorrentes, para tal é necessário que a mesma se revele por sinais visíveis e permanentes, sendo que um desses sinais é a existência de um caminho - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de dezembro de 2019.

hh. Por tudo quanto exposto supra, e tendo em conta o facto de os Recorridos não terem peticionado o cancelamento da servidão, entendemos que estão verificados todos os requisitos para que a servidão de passagem se considere constituída por usucapião, para tal é necessário que a mesma se revele por sinais visíveis e permanentes, sendo que um desses sinais é a existência de um caminho - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de dezembro de 2019.

ii. Ora, a verdade é que o Digníssimo Tribunal a quo não teve dúvidas quanto à existência do caminho pela propriedade dos Recorridos, desde logo dando como provada a sua existência no ponto n.º 26 dos factos dados como provados, reconhecendo ainda que os Recorrentes e os seus arrendatários «não usam aquele caminho, seja porque os Réus não o consentem, seja porque a realização da terraplanagem no prédio dos Réus criou um desnível no mesmo.»

jj. Ademais, os sinais de existência de servidão devem também ser permanentes, denotando assim a existência de uma situação estável, neste caso, em concreto, foi provado, por várias testemunhas que os arrendatários dos Recorrentes faziam uso constante e recorrente do caminho, ao longo dos anos, servindo-se dele para todas as suas necessidades.

kk. Posto isto, e tendo em conta o facto de os Recorridos não terem peticionado o

cancelamento da servidão, entendemos que estão verificados todos os requisitos para que se considere constituída, por usucapião, uma servidão de passagem sobre o prédio dos Recorridos, a favor dos prédios dos Recorrentes.

ll. Caso o Digníssimo Tribunal assim não entenda, depreendemos que estão provados factos suficientes para que os prédios dos Recorrentes sejam dados como absolutamente encravados e em consequência seja constituída uma servidão legal de passagem sobre os mesmos, pelo prédio dos Recorridos, por ser aquele que observa menor custo na constituição de tal direito de passagem, nos termos e condições peticionados para o reconhecimento daquela servidão por usucapião conforme alegado na Petição Inicial.

Nestes termos e nos melhores de Direito, devem V.ªs Ex.ªs, conhecer das conclusões sintetizadas, bem como do conteúdo de todas as Alegações de Recurso.

3. Os RR contra-alegaram, concluindo que:

A) e B) – neste momento irrelevantes.

DA REJEIÇÃO DO RECURSO:

C) Os recorrentes, ao impugnarem a matéria de facto deviam proceder à especificação concreta dos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, devendo as conclusões permitir uma delimitação concreta e precisa de cada um dos pontos da matéria de facto que julgam incorretamente julgados.

D) Não foi o que os recorrentes fizeram, agrupando indiscriminadamente os factos, dizendo que os mesmos poderiam ser “apreciados em conjunto” por estarem “intimamente ligados entre si” – acham eles -, o que não se verifica.

E) Pelo que o vertido pelos recorrentes em H), W, e TTT) das conclusões deverá ser rejeitado, por violação do disposto no artigo 1º, al. a) do artº 640º do Código de Processo Civil.

SEMPRESCINDIR:

F) O tribunal a quo formou a sua convicção no depoimento das testemunhas apresentadas pelos recorridos, porque merecedoras de credibilidade e porque as mesmas demonstraram ter razão de ciência, ao invés das apresentadas pelos recorrentes que denotaram falta de espontaneidade, interesse no desfecho da causa, com uma postura comprometida em tribunal e ligações familiares que as desacreditaram e descredibilizaram.

G) O tribunal a quo valorizou a prova pericial e documental junta aos autos, bem como o resultado da inspeção judicial ao local da questão, determinante na fundamentação da decisão, além dos depoimentos das testemunhas oferecidas pelos recorridos.

H) O ponto 10. dos factos provados deverá manter-se inalterado dado que a largura variável entre os 2,20m e os 2,50m só se refere aos 30m de caminho que antecede até à entrada no prédio dos recorridos, sendo que o caminho de ... (que é público) é estreito, íngreme, de pedra irregular e não permite a circulação a veículos ligeiros, pelo que estes nunca chegariam à bifurcação de que caminho de ... deriva para o prédio dos recorridos. É uma evidência empírica.

I) Os recorrentes acedem às suas propriedades, a pé, pelo ..., como eles admitem, sendo que se não fosse por aí o acesso não o teriam beneficiado, reconstruindo escadas e fazendo obras para o melhorar, ou os consortes lhes permitiriam tal.

J) Não se pode qualificar tal acesso de “atravessadouro” (como erroneamente o fazem os recorrentes), sendo eles próprios a falar de encurtamento de caminho de sua casa até ao caminho da ... na sua petição inicial. Os factos provados em 21, 22, 23, e 24 da sentença recorrida devem manter-se inalterados.

K) Os prédios dos recorrentes não estão encravados já que confrontam a norte com caminho, como eles próprios reconhecem em artº 2º da sua petição inicial (“confronta de norte com caminho”), seja porque têm acesso pedonal pelo ... e a partir do caminho..., tal como se deu por assente na douta sentença recorrida em 21 e 27 dos factos provados.

L) O ponto 29. dos factos provados deverá manter-se como tal já que é inquestionável que os prédios rústicos dos recorrentes não se encontram plantados, o que se comprovou à saciedade pela inspeção judicial ao local da questão, mas não que isso derivasse do não acesso de trator aos prédios para seu amanho.

M) Os recorrentes pretendem que por lhes ter sido cortado o acesso aos seus prédios (não foi cortado porque eles não têm acesso) os mesmos estão incultos como referem em T. das suas alegações. Para sustentarem essa asserção os recorrentes subvertem o depoimento da testemunha FF, apresentada pelos recorridos, e tentam, capciosamente, revertê-lo a seu favor: os recorrentes fresaram o terreno há 4 ou 5 anos, uma única vez, mas a testemunha acedeu com o trator a partir do Caminho ... (não do de ...), passando por um portal (que na altura nem tinha portão) mas por um terreno que não o dos autos, e por autorização da Dª CC. Não entrou pois pela propriedade que esta comprou posteriormente e que é a dos autos, que lhe fica contígua em plano sobranceiro. Não se provou pois que os recorrentes fizessem uso frequente do trator (ou outra vez sequer) para amanho das

leiras.

N) Os arrendatários dos recorrentes são também arrendatários (como admitem) de outros terrenos nas imediações da sua habitação, que amanham e onde plantam produtos hortícolas que colhem, não carecendo dos prédios em causa nos autos para prover ao seu sustento e sobrevivência.

O) Os recorrentes não podem fazer valer na ação principal a prova produzida em sede de procedimento cautelar que não constitui “ponto de ancoragem do julgador na apreciação da prova produzida” ou o vincula por qualquer modo.

P) Os recorrentes não lograram provar a existência de caminho (implantação, dimensão, extensão) para os seus prédios atravessando e onerando o prédio dos recorridos.

Q) No relatório pericial, pelas imagens obtidas no sítio internet Google Earth, em 2010, 2013 e 2015 é evidenciado que o caminho para a propriedade dos recorridos termina à entrada da mesma, a que lhe dá acesso, e não prossegue ou atravessa esta propriedade em direção aos prédios dos recorrentes. Não são visíveis, então como agora, quaisquer sinais aparentes da existência de caminho no prédio dos recorridos,

atravessando-o até chegar aos prédios dos recorrentes.

R) Não se vislumbram no local, no prédio dos recorridos, caminho aí implantado, leito de caminho, ou marcas, sinais visíveis que o revelem; ou marcas de caminho bem cotiado, amplo em toda a sua (do prédio dos recorridos) largura e comprimento, de forma a permitir o trânsito a pé, de carro de bois ou trator; ou entradas (portais, ombreiras) nos muros dos prédios dos recorrentes que constituam sinais visíveis e permanentes da existência de caminho; ou marcas de rodados (relheiras) nas pedras localizadas à entrada das leiras (neste átimo tentaram os recorrentes distorcer a realidade dizendo que “no presente as marcas dos rodados possam lá não existir, uma vez que a entrada para as leiras feita pelo terreno dos recorridos e com a terraplanagem essas foram destruídas, tudo o resto se mantém, como é possível depreender pelo depoimento das testemunhas…” Ora, a ação foi proposta posteriormente à terraplanagem e portanto se elas (as marcas) lá existissem teriam de lá permanecer, pois que os recorrentes alegam a sua existência antes da ação entrar em tribunal mas depois da terraplanagem já feita ( artº 42º, 43º e 47º da petição inicial ).

S) Mas o tribunal não as viu aquando da inspecção judicial ao local da questão e as testemunhas indicadas pelos recorridos são perentórias em dizer que não havia caminho algum.

T) Os recorrentes pretendem (de modo surpreendente) que “…como é possível depreender pelos depoimentos de algumas testemunhas…” que o tribunal dê como provada a existência de caminho pelo prédio dos recorridos a favor do prédio dos recorrentes. Depreender è deduzir e para isso nem os recorrentes se coíbem de adulterar e contorcer o depoimento das testemunhas (de algumas) a seu favor. Mas o que é certo é que tendo os recorrentes fincado a sua posição na existência de sinais inequívocos, permanentes e visíveis de caminho, como marcas de rodados, terreno cotiado, bem visíveis nas pedras as marcas dos rodados, portais a sinalizar aberturas de passagem para os veículos, e não se tendo constatado e verificado no local esses sinais, nem corroborado pela prova pericial ou pelas testemunhas credíveis, é evidente que isso não poderia vir a ser dado como provado pelo tribunal a quo, pelo que é arrojado dizer que tal prova se possa extrair ou se possa “depreender” (como pretendem os recorrentes) do depoimento de algumas testemunhas (não pelas dos recorrentes que não mereceram credibilidade ao tribunal).

U) Devem manter-se inalterados os factos considerados não provados constantes das alíneas K), L), M), O), P), e Q) da douta sentença recorrida.

V) Os recorrentes tê acesso pedonal para os seus prédios pelo ... e pelo acesso que parte do caminho... (como sempre tiveram e usaram até aos dias de hoje). A pretenderem outro acesso ele poderá ser feito pelo caminho de consortes que nasce na bifurcação do caminho de ... e que prossegue para nascente após a entrada da propriedade dos recorridos, marginando, a sul, a propriedade dos recorrentes; e nem o facto de ser caminho de consortes impedirá a constituição de acesso para o prédio dos recorrentes, bastando que, em acção própria, demandem para o efeito os respetivos consortes com vista à constituição da passagem.

W) O tribunal a quo não reconhece, ainda que indirectamente, a existência de caminho (ou tal se pode depreender em cotejo com a prova produzida) na propriedade dos recorridos a favor dos prédios dos recorrentes, seja no ponto 26 dos factos provados ou na alínea U) dos factos não provados, que devem manter-se inalterados. O que o tribunal constatou in loco (corroborado pela prova pericial e testemunhal produzida) é que a propriedade dos recorridos tem acesso pelo caminho que deriva do caminho de ..., e que desse caminho dista 70m até à propriedade dos recorrentes. Dista, não que exista caminho, sinais de caminho visíveis e aparentes da sua configuração que evidenciem passagem para o prédio dos recorrentes pelo dos recorridos.

X) Nem as testemunhas dos recorrentes provaram a existência de caminho ou passagem a pé, de carro de bois ou de trator pelo prédio dos recorridos a favor do prédio dos recorrentes, ou que fizessem esse uso há mais de vinte anos e dia, contínua e consecutivamente, de forma pública e sem oposição de ninguém.

Y) Reitera-se que não existe na propriedade dos recorridos qualquer trilho em terra batida, sulcos de rodados de tração animal ou terreno cotiado, portais ou ombreiras, sinais inequívocos que pudessem atestar a existência de caminho. Mesmo as testemunhas dos recorrentes que falam de “aberturas” não as situam, localizam ou “as colocam no local“ de modo a que o tribunal, inequivocamente, pudesse aquilatar da existência de sinais visíveis e permanentes da configuração do caminho, concluindo pela existência de uma servidão de passagem.

Z) Não tendo os recorrentes demonstrado a existência de sinais visíveis no solo que revelem a passagem a pé, de trator ou de carro de bois para os seus prédios não pode ser constituída servidão de passagem, por usucapião, onerando o prédio dos recorridos a favor dos seus prédios.

AA) Ademais, os recorrentes não provaram que os seus prédios estejam absolutamente encravados e sem acesso à via pública. Como eles admitem, o seu prédio confina a “norte com caminho”, e são servidos a pé pelo ... e pelo acesso que parte do caminho....

BB) Acresce que ficou demonstrado que poderá ser constituído acesso aos prédios dos recorrentes, abrindo-se entrada, pelo caminho de consortes que margina a sul com a sua propriedade, alternativa que ”não se mostra desproporcional tendo em conta a indemnização que sempre teria que ser atribuída caso a servidão (legal) fosse constituída e não calculada”( artº 1554º do Código Civil ).

CC) Os recorrentes não demonstraram que a pretendida constituição de servidão legal de passagem pelo prédio dos recorridos respeitasse o critério de menor prejuízo, pelo que sempre teria de improceder o pedido alternativo formulado pelos recorrentes de constituição de servidão de passagem.

Termos em que se pugna pela manutenção, na íntegra, da sentença recorrida assim se fazendo JUSTIÇA.

 

II – Factos Provados

1. Encontra-se registada a aquisição da propriedade, a favor dos Autores, do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...29 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...82.

2. Encontra-se registada a aquisição da propriedade, a favor dos Autores, do prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...29 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...15.

3. Encontra-se registada a aquisição da propriedade, a favor dos Réus, do prédio rústico sito no lugar de ..., composto de pinhal a confrontar a nascente e poente com GG; sul com HH e caminho; nascente com II, descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ...23.

4. Os referidos prédios são contíguos, confrontando os prédios dos Autores com o dos Réus a nascente.

5. O prédio rústico dos Autores tem uma configuração em socalcos, sendo que no socalco superior existe uma poça ou represa de água.

6. No Lugar ..., freguesia ..., existe um caminho denominado Caminho ..., que nasce na Rua ... e se desenvolve no sentido nascente-poente, pelo limite norte do prédio dos Réus com o artigo matricial ...22, ao longo de 130 metros, estando pavimentado a pedra de chão.

7. A partir daí nasce um caminho, público, em pedra, denominado caminho de ..., no sentido norte – sul, onde, por cerca de 80 metros, confronta, pelo lado poente, com o prédio dos Réus com o artigo matricial ...22.

8. Nesse marco, no sentido poente – nascente, existe um outro caminho, já em terra batida e sem pedras, que percorre 30 metros junto ao prédio dos Réus e que dista cerca de 70 metros até ao prédio rústico dos Autores.

9. Trata-se de um caminho bem definido, ladeado por muro do lado direito e do lado esquerdo suportado por outro muro.

10. Esse caminho tem uma largura variável, entre os 2,20 metros e os 2,50 metros, não sendo transitável a veículos automóveis, mas sendo possível circular através de veículos de quatro rodas motrizes destinados ao trânsito rural.

11. O caminho mencionado em 7 continua no sentido norte-sul, depois do desvio mencionado em 8, sendo utilizado pelas pessoas em geral que pretendiam ir para o lugar de ..., pois este caminho tem ligação ao mesmo, onde se situa a Capela ....

12. Há mais de 90 anos que o caminho mencionado em 7 é utilizado pelas pessoas que se deslocam para aceder ao lugar de ... e à referida ..., sendo que sempre o fizeram convictos que tal caminho é público.

13. O caminho em causa, desde tempos imemoriais, está no uso direto e imediato do público, nomeadamente para acederem à ... e por ele passavam os funerais, o compasso e todas as pessoas que precisavam de se deslocarem para o lugar de ....

14. O caminho mencionado em 8, quando flecte, permite o acesso directo à propriedade dos Réus e às de outros consortes.

15. No início do mês de Março de 2019 os Réus iniciaram uma obra de terraplanagem no seu prédio rústico, sendo que quem conduziu esses trabalhos foi o JJ.

16. Os Réus colocaram uma pedra e rede no caminho sito a sul e no ponto em que entra na sua propriedade, no final dos 30 metros do caminho mencionado em 8.

17. Com a terraplanagem que os Réus executaram criou-se um desnível entre o caminho no ponto em que entra no prédio dos mesmos, o que impede que um trator entre nesse terreno e, daí, aceda ao prédio dos Autores.

18. Os prédios dos Autores não têm qualquer acesso que permita a entrada de trator ou carros de bois.

19. A norte dos prédios dos Autores e dos Réus corre, no sentido nascente-poente, uma levada de água de consortes que permite a rega de vários prédios rústicos.

20. Essa levada de água percorre toda a extensão dos referidos prédios, que se situam a um nível superior em cerca de três metros de altura e, em toda a extensão da levada, existe um carreiro muito estreito que permite aos consortes dessas águas aceder à poça que represa as águas, para a abrirem e fecharem nos dias que compete a cada um dos consortes.

21. Esse carreiro, paralelo à levada, permite o acesso a pé ao prédio urbano dos Autores, por intermédio de umas escadas construídas pelos próprios, sendo que é por aí que os mesmos e os arrendatários encurtam o percurso em algumas dezenas de metros para acederem à Rua ..., o que só é possível a pé.

22. Os Autores e seus arrendatários passam pelo aludido carreiro a pé, paralelo à levada para manutenção e abertura da poça e para irrigar outros campos não descritos na petição inicial, de que também são arrendatários.

23. Esse caminho termina junto ao fontanário e ao caminho público do ....

24. Esse caminho não reúne as condições mínimas de um caminho público, para o que seria necessário proceder a trabalhos de demolição de muros e construções e consequente reconstrução.

25. Os prédios dos Autores estão arrendados há cerca de 39 anos.

26. Os Autores e seus arrendatários não utilizam actualmente aquele caminho, seja porque os Réus não o consentem, seja porque a realização da terraplanagem no prédio dos Réus criou um desnível no mesmo.

27. Existe um acesso pedonal aos prédios dos Autores, que parte do caminho..., que atravessa uma propriedade dos mesmos, situada em plano inferior à dos prédios identificados em 1 e 2, vencendo-se por uns degraus que desembocam juto ao rego da água de consortes, seguindo no sentido nascente/poente.

28. Esse caminho não reúne as condições mínimas de um caminho público, para o que seria necessário proceder a trabalhos de demolição de muros e construções.

29. O terreno dos Autores não se encontra plantado, sendo que os seus arrendatários têm cultivado produtos agrícolas noutros prédios de que são proprietários e arrendatários nas imediações do Lugar ....

30. É possível aceder ao prédio rústico dos Autores através de uma abertura no muro de pedra que o delimita a sul, através da retirada de algumas pedras no muro divisório e terraplanagem para acesso ao prédio urbano, garantindo acesso directo partindo do caminho de ... e prosseguindo no sentido poente/nascente.

31. Para assegurar esse caminho é necessário alargar o caminho desde a delimitação entre os prédios rústicos com os artigos ...22 e ...53, com um custo de 2.925,00 €, acrescido de IVA (referentes à montagem e desmontagem de estaleiro, transporte de máquinas, limpeza e remoção de materiais, trabalhos de terraplanagem, de compactação e ampliação do chão).

32. A constituição de uma servidão de passagem no prédio dos Réus acarretaria a sua desvalorização e ocuparia tereno que não poderia ser utilizado para fins agrícolas.

*

Factos Não Provados:

(…)

C. Em cada socalco mencionado em 5 existe uma abertura no muro em pedra que separa os prédios dos Autores do prédio dos Réus.

D. A poça mencionada em 5 permite irrigar os campos dos Autores.

E. O acesso para os prédios dos Autores, a pé, de carros de bois ou tratores, sempre se processou através do trato de terreno destinado, pelos Autores e caseiros, desde sempre para caminho, com largura média de três metros e comprimento de 200 metros.

(…)

I. Acresce que os caseiros dos Autores fizeram obras na habitação e foi por esse caminho que deslocaram os materiais de construção civil.

J. Também por ali foi transportado um poste da EDP e por esse mesmo caminho passava o jipe do filho da caseira e o motociclo.

K. Nas aludidas faixas de terreno está implantado um caminho que se revela pelo seu piso térreo, bem cotiado amplo em toda a sua largura e comprimento, de forma a permitir o trânsito a pé e de quaisquer veículos ligeiros e tratores, sendo bem visíveis nas pedras as marcas dos rodados.

L. O caminho mencionado em 8 é um caminho público, que sempre esteve aberto à utilização de todas as pessoas, quer para deslocações a pé, de carro de bois ou tratores.

M. Sem que alguma vez tenha existido oposição a essa utilização.

N. Sendo que tal utilização sempre se efetuou à vista de toda a gente, como se de coisa pública se tratasse.

O. Os prédios dos Autores não têm e nunca tiveram outro acesso ou serventia a não ser pelo caminho público, denominado do ..., que, após prosseguir no sentido norte-sul e poente-nascente, faz um novo desvio no sentido poente-nascente e entra pelo prédio rústico dos Autores, sendo a partir daí que há acesso ao prédio urbano.

P. Os antecessores dos Réus não colocaram qualquer impedimento aos Autores ou aos seus arrendatários na utilização do caminho mencionado em 8.

Q. O caminho em causa há quase meio século que é utilizado para permitir a passagem a pé, de carros de bois e de tratores ao prédio dos Autores.

R. É pela falta de acesso de trator e carro de bois que os terrenos dos Autores não podem ser cultivados, o que impede os seus arrendatários de utilizarem os campos para cultivo de bens próprios, essenciais à sua sobrevivência e economia doméstica.

(…)

T. Não existe outa possibilidade que não a do caminho pela propriedade dos Réus para constituir o direito de passagem dos Autores, na medida que a alternativa seria realizar um caminho ao longo da levada, o que implicava demolir habitações e ocupar prédios de vários proprietários, o que seria muito mais oneroso.

U. Os Réus impedem os Autores de atingir o seu prédio e o respetivo acesso à via pública, o que causa grandes prejuízos, transtornos e desgaste psicológico, quer aos Demandantes, quer aos arrendatários que sistematicamente os interpelam para resolverem este assunto.

V. No muro de pedra que divide o prédio dos Autores que confronta com o prédio dos Réus existem aberturas que permitem a passagem de tratores e de carros de bois de um prédio para o outro, assim como as marcas dos rodados nas pedras localizadas na entrada das leiras.

W. Os Autores e os seus arrendatários há pelo menos 39 anos que utilizaram o caminho em causa, para acederem a pé, de carro de bois ou de trator ao prédio rústico, o que fizeram sem oposição e convencidos de que estavam a exercer o direito de passagem.

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Oneração do prédio dos RR com uma servidão de passagem (por usucapião) em benefício dos prédios dos AA.

- Na negativa, saber se em benefício dos prédios dos AA deve ser constituída uma servidão legal de passagem a onerar o prédio dos RR.

2. Os AA impugnam a decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados 10., 21. a 24, e 27. a 32., pugnando por respostas diferentes, e relativamente aos factos não provados C. a E., I. a R., e T. a W., que pretendem que passem a provados, com base nos seus depoimentos de parte, depoimentos das testemunhas KK, LL, FF e EE, e prova documental, que indicam (cfr. conclusões de recurso b. a ff.). Os RR contrapõem, ainda, com o depoimento da testemunha MM e prova documental.  

2.1. Os recorridos defendem que os apelantes ao impugnarem a matéria de facto deviam ter procedido à especificação concreta dos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, e não foi o que fizeram, agrupando indiscriminadamente os factos, pelo que, por violação do disposto no nº 1º, al. a) do art. 640º do NCPC, o recurso no que tange aos factos provados 21. a 24., 30. a 32. e não provados K) a Q) deverá ser rejeitado.

Esta objecção não pode ser acolhida, pois os recorrentes especificaram concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, assim dando satisfação à exigência contida no aludido art. 640º, nº 1, a), do referido código. Indefere-se, pois, o requerido.

2.2. Onde se verifica que os apelantes falharam foi no cumprimento do estatuído no mesmo artigo e número, mas agora na c), pois não especificaram – nem no corpo das alegações nem nas respectivas conclusões de recurso - a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre os pontos impugnados. Referimo-nos concretamente aos factos provados 21., 22., 27., e 30. a 32.

Por isso, rejeita-se a impugnação da decisão de facto no que a estes factos respeita.

2.3. Na sentença, para a decisão da matéria de facto, exarou-se a seguinte motivação:

“O Tribunal considerou, para a sua motivação, todas as provas produzidas no processo, como determina o princípio da aquisição processual (artigo 413.º do CPC), relativamente às quais foi observado o contraditório (artigo 415.º, n.º 1 do CPC) e cuja análise crítica cumpra realizar (artigo 607.º, n.º 4 do CPC).

Tiveram-se em consideração os factos resultantes de acordo entre as partes, de prova pericial, documental e da prova testemunhal, apreciados com o conhecimento do Tribunal do local em causa (vertido na respectiva acta).

Primeiramente, há que o referir, porquanto os Autores se ancoraram firmemente no teor do procedimento cautelar como bastião da sua pretensão, é inequívoco que o mesmo não constitui qualquer premissa ou ponto de partida na apreciação da prova por parte da subscritora.

Não tendo havido qualquer inversão de contencioso, pela sua natureza, necessariamente sumária na apreciação do direito invocado, é evidente que é nestes autos que o mesmo é conhecido.

A isso há que aliar a imediação na apreciação da prova, sendo que a existir qualquer vinculatividade da mesma, haveria que convocar o princípio da plenitude da assistência do juiz a toda e qualquer causa oriunda de procedimento cautelar por si julgado o que, como é sabido, não existe e acarreta que a prova produzida no processo principal não se encontra, de qualquer forma, vinculada ou dependente daquela que foi produzida a título cautelar.

Porém, bem se percebe a pretensão dos Autores de que assim fosse, uma vez que afinaram a sua alegação em função do teor do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra naqueles autos.

Depois, há também que o referir, porquanto tal se reflete necessariamente na apreciação da prova testemunhal, que veio a verificar-se, no decurso da audiência final, que o presente litígio ocorre, na verdade, entre família.

Isto é, os Autores intentam a presente acção primordialmente em benefício dos seus arrendatários, que são familiares dos Réus, bem como de JJ, pessoa mencionada na PI e que, resultou da prova, é quem labora o prédio dos Demandados.

Assim, além da questão em contenda propriamente dita, ficou a sombra de um mau estar familiar já pré-existente numa pequena localidade onde todos são conhecidos e vizinhos.

(…)

Depois, pese embora os levantamentos topográficos juntos pelos intervenientes, os mesmos mostram-se efectutados por entidades distintas, que não se mostraram confrontados entre si, explicados ou confirmados em audiência, não lhes tendo o Tribunal atribuído qualquer valor.

Quanto aos factos mencionados em …19 a 22 … os mesmos resultam do acordo das partes, pela falta de impugnação dos mesmos (artigo 574.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).

Depois, no que se refere ao caminho em causa, a inspecção ao local conjugada com o teor do relatório pericial elaborado (sobretudo no que se refere às fotografias com marcos coloridos delineados) permite concluir, inequivocamente, que não existe um caminho, tal como preconizado pelos Autores, donde resultaram os factos provados 6 a 11, …, 23, 24 e 27 a 32 e não provados C, E, … K e V.

Na verdade, existe um conjugação de três troços diferentes (Caminho ..., o caminho de ... [estes inequivocamente com natureza pública] e um caminho que se origina neste último, que se percorre junto a um dos terrenos dos Réus e que os próprios Autores identificam, na sua PI, como sendo de consortes), após o último dos quais se pretende definir o caminho de servidão, já na propriedade dos Réus (isto é, na extensão de cerca de 70 metros findos 30 metros após flectir no caminho de ...) e que actualmente não é visível.

Isto porque o facto de os caminhos se mostrarem em interseção um com os outros não permite a afirmação de que existe um único caminho. Poderá uma pessoa fazer desses caminhos um trajecto único, situação que não pode ser fáctica nem juridicamente considerada como um único caminho.

Ora, do contacto do Tribunal com os locais é manifesto e perceptível que todos têm características e dimensões diferentes, sendo que o concreto troço a servir de servidão é, nos dias de hoje, imperceptível em função das obras de terraplanagem existentes no local. Mais, do recurso às fotografias juntas pelo Sr. Perito referentes aos anos de 2010 e 2013, também não é possível identificar a olho o mesmo.

A existência dos três troços é incontrovertida pelas partes: a existência de um outro caminho que existisse na propriedade dos Réus era matéria da qual se julga não ter sido feita qualquer prova, não tendo este Tribunal se deparado com qualquer caminho que, como pretendem os Autores, constitua por si só um sinal da sua existência. Mais, quer no troço de caminho após flecir do caminho de ..., quer na propriedade dos Autores não se vislumbrou qualquer sinal de passagem de trator ou carro de bois, qualquer marca de rodado ou qualquer ombreia que sinalizasse a existência de um caminho, de uma abertura ou da passagem dos aludidos veículos, tal como não se o viu nas pretensas aberturas no prédio rústico dos Demandantes.

No que se refere às características (terra ou em pedra) e dimensões (comprimento e largura) de cada caminho, atendeu-se ao teor do relatório pericial, que, de forma técnica e pacífica, o exarou.

Quer isto dizer que é inequívoco que existe um caminho público e que, desse caminho público é possível, através de um trajecto já de natureza distinta, alcançar os prédios dos Autores, sendo que não ficou também demonstrado que o caminho, após flectir do caminho de ..., seja público (aliás, os Autores alegam e é aceite pelos Réus que se trata de caminho de consortes).

Sucede que, não ficou o Tribunal convencido que da conjugação desses três troços (não tendo sequer verificado um quarto) exista um caminho tal como perspectivado pelos Autores.

Do teor da prova pericial elaborada extraíram-se os factos provados 24 e 27 a 32 e o não provado T. É certo que a força probatória da prova pericial é livremente fixada pelo Tribunal (artigo 389.º do CC), mas considerando que a mesma tem por fim a percepção ou apreciação de factos para os quais são necessários conhecimentos especiais que, em regra, os julgadores não possuem (artigo 388.º do CC), não se vislumbram quaisquer motivos para divergir do seu teor.

No que se refere à questão primordialmente controvertida, que é a do uso do dito caminho por parte dos caseiros dos Autores, julga-se que os mesmos não produziram qualquer prova convincente do por si alegado (não tendo resultado controvertido o facto 25, actualizado em face do alegado atento o decurso do tempo desde a propositura da acção e resvalando-se nos factos não provados H a J, L a R e W).

Os Autores foram ouvidos em depoimento de parte e, embora nada tenham confessado, impõem-se apreciar o que resultou dos discursos e que, na verdade, redundou num desconhecimento da situação de facto, da qual apenas eram sabedores nos termos transmitidos pela caseira, sendo que não pode deixar de se notar o seu manifesto interesse na causa porquanto, estando em conversações para vender as suas propriedades à caseira, é inequívoco que tal venda beneficiará com o desfecho procedente desta causa (é do conhecimento comum que os acessos são factores de valorização dos imóveis).

Depois, as três testemunhas arroladas pelos Demandantes não mereceram qualquer credibilidade ao Tribunal, pese embora residentes há largos anos no Lugar ....

Como elemento comum aponta-se a falta de espontaneidade e de discurso próprio de tais testemunhas, que, num primeiro momento, se limitaram a docilmente confirmar ou concordar com as perguntas sugestivas, conclusivas e indutivas que lhes eram colocadas. Essa postura contrastou significativa e notoriamente com a falta ou, inclusive, recusa em responder às questões que lhes eram colocadas de forma aberta e que exigiam que as mesmas adoptassem um discurso livre, o que as deixou manifestamente desconfortáveis e foi perceptível não só pela mudança do seu tom de voz, como pela sua própria postura corporal, conjugado com o discurso incerto, pouco concreto e sabedor.

Concretizando, NN, residente no lugar há mais de 40 anos, mostrou-se uma pessoa com interesse no desfecho da causa, porquanto, sendo a sua filha a proprietária da casa junto ao fontanário, trata-se esse de um caminho usado a pé pelos caseiros dos Autores e que os Réus propugnam constituir uma alternativa ao caminho de servidão. Conjugado este interesse com as perguntas sugestivas que se limitava a confirmar ou vista a forma como esponta e descontextualizadamente disse que os Autores não tinham caminho para passar, com a falta de capacidade de explicar o que dizia, com a nítida mudança de tom de voz a contra instâncias, mostrou-se ser testemunha que não convenceu nem persuadiu.

Por outro lado, EE e LL, a caseira e o seu filho, mostraram-se também manifestamente comprometidos com a causa, com discursos pouco decisivos.

EE que, num primeiro momento, com perguntas abertas e apesar dos melhores esforços para focar as suas respostas, persistia em referir que sempre usou aquele caminho e que outro não tinha (o que, desde logo, suscita bastante estranheza, pela repetição não solicitada da mesma resposta, que manifestamente pretendia frisar e que contraria o próprio teor da PI), acabou por evidenciar o seu interesse no desfecho da acção, aludindo aos desentendimentos com o irmão que trata dos terrenos dos Réus (JJ) e o se encontrar em negociações com os Autores para adquirir os prédios (o que admitiu muito relutantemente).

Já LL adoptou uma postura excessivamente expansiva, desde logo dizendo que se lembrava de toda a realidade daquele lugar, pretendendo evidenciar que teria grande conhecimento, o que veio a contrariar no seu próprio discurso. Contrastando com a sua própria mãe e com KK, referiu que o caminho no terreno dos Réus acompanham os limites do mesmo, enquanto que as primeiras referiram que o atravessava, não soube (não quis) dizer se a sua mãe tinha direito ao caminho da levada nem se era consorte e disse não saber se existia outro caminho de acesso, contrariando frontalmente os termos da própria petição e nem soube descrever as pedras do caminho (se teriam marcas ou não). Igualmente relevante foi a forma como se exaltou com o Ilustre Mandatário dos Réus a uma qualquer e inócua afirmação do mesmo ou a forma como se referiu ao seu tio JJ como “a pessoa em causa”.

Estas duas testemunhas também se revelaram unânimes em demonstrar que não carecem do cultivo dos campos dos Autores para a sua sobrevivência, dedicando-se EE, predominantemente, à lavoura no campo do filho.

Mais, nenhuma concretizou no tempo a última vez que efectivamente foi necessária ou usada a passagem de um trator ou de um carro de bois para lavrar a terra. A esse propósito, é particularmente relevante atentar que na inspecção ao local realizada no procedimento cautelar (cf. acta de 28 de Maio de 2019) se fez constar que «as leiras que compõem o que será o prédio dos requerentes encontram-se incultas, estando as 2 leiras superiores cobertas com vegetação espontânea, por altura do joelho», o que demonstra que já nos inícios do presente litígio os caseiros não dependiam nem se dedicavam ao cultivo do prédio rústico.

Posto isto, embora tenham vindo confirmar a alegação dos Autores, estas testemunhas não o fizeram de forma credível, espontânea, séria ou segura, razões pelas quais não pode o Tribunal socorrer-se dos seus depoimentos.

Por outro lado, ainda que fosse aos Autores que incumbisse a prova dos factos por si alegados (artigo 342.º, n.º 1 do CPC), mesmo valendo-se o Tribunal do disposto no artigo 413.º do CPC a demais prova não a veio a ancorar.

Assim, MM, também residente no Lugar, veio referir que o caminho utilizado pelos caseiros dos Autores é o caminho do fontanário, inexistindo outro. Referiu que o caminho de ... apenas permite o acesso às tapadas, tanto mais que nele existia um muro e que os Autores não passavam por ali, sendo que os caseiros não cultivam o campo e utilizam a poça que lá se encontra para gastos domésticos.

OO também localizou o acesso às propriedades dos Autores pelo caminho do fontanário, dizendo que a mesma nunca teve acesso de trator nem carro de bois. Quanto ao caminho de ..., refere que o mesmo apenas permitia acesso às tapadas e nunca serviu para aceder à propriedade dos Autores, sendo que por esse caminho só via mato.

PP, o anterior proprietário do terreno dos Réus veio descreveu que, aquando da venda, não tinha conhecimento, não foi informado nem informou da existência de qualquer caminho no mesmo. Sabia que existia um caminho que descia para a tapada e que, quando interpelou um caseiro que lavrava os terrenos acerca da existência de passagem pelo mesmo (o que ocorreu já depois da venda e de ter ouvido conversas sobre a existência de um caminho a favor da caseira), foi informado que a tapada não dava caminho para ninguém.

QQ referiu que deixava as rações que vendida à caseira dos Autores junto ao fontanário, não tendo ideia que como e para onde as mesmas eram transportadas, referindo nunca ter feito qualquer transporte que o obrigasse a ir pelo caminho de ....

FF, que trabalhou como tratorista, refere que há 4/5 anos foi tratar de umas leiras da caseira, tendo, para o efeito, passado por um terreno da Ré, não tendo, porém, subido o caminho para ..., antes entrando por um portão sito na rua ..., acrescentando que a tapada estava cheia de mato. Na sua convicção, tal passagem terá sido autorizada pela Ré (sendo que, aliás, o Autor também referiu passar nesse terreno «provavelmente com autorização»), que abriu um caminho junto à estrada, tendo acrescentado que se deslocou por ali a ordem da caseira, mas que acreditava que as mesmas se dariam bem, por serem família. Mais acrescentou que antes do terreno ser da Ré não era possível passar pelo mesmo, por se encontrar cheio de mato. Esta testemunha vem demonstrar a possibilidade de, sendo dois os prédios rústicos dos Réus, existir um caminho que permite o acesso à propriedade dos Réus com início no Caminho ....

Ora, todas estas testemunhas, que se tratam de pessoas da comunidade, com boas relações com todos os intervenientes, não demonstrando quaisquer razões para estarem comprometidas com qualquer um deles, não vieram, de todo, corroborar a versão trazida pelos Autores.

Por outro lado, ainda RR, irmã da Ré e sobrinha da caseira dos Autores, além de referir que o caminho era pelo fontanário, acrescentou ainda que o mesmo podia ser efectuado pelo caminho..., ainda que também se tenha mostrado bastante nervosa (estando constantemente a mexer no relógio e anéis), o que firmou a existência de um conflito familiar cujos contornos não se mostraram cabalmente esclarecidos mas que inquinou a presente contenda.

Relativamente aos factos não provados D, …U, os mesmos advieram da total ausência de prova a seu respeito.”.

2.4. Relativamente aos depoimentos de parte dos AA, verifica-se que eles invocam o mesmo para seu benefício, para conseguir que os factos que lhe são favoráveis, passem a provados.

Como se sabe o depoimento de parte visa obter confissão judicial (Capítulo III, Secção I, que se inicia no art. 452º e segs. do NCPC). Por sua vez a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do CC).

Ora, os AA/impugnantes pretendem inverter esta regra a seu favor, pretendendo retirar dos seus depoimentos de parte um benefício, como atrás referimos, provando o que lhe é favorável.

O que não pode ser aceite, face ao apontado regime legal, pois este depoimento de parte não constitui, no nosso direito, um testemunho de parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas sim um meio de provocar a confissão (vide, igualmente neste sentido, Lebre de Freitas, CC Anotado, Vol. 2ª, 2ª Ed., nota 1. ao anterior artigo 552º do CPC = ao actual art. 452º do NCPC, págs. 496/497).

Diferente poderia ser se os AA tivessem prestado declarações de parte ou tivessem requerido no acto de depoimento de parte que as declarações que lhe fossem favoráveis pudessem ser valoradas livremente, como é regra e que decorre do art. 466º, nº 3, do NCPC. Mas nenhuma dessas circunstâncias se verificou.

Assim, os seus depoimentos de parte não podendo funcionar a seu benefício, como um testemunho de parte, não podem ser considerados para os efeitos que eles pretendem, pelo que não serão objecto de audição, por parte deste tribunal, no âmbito da dita impugnação da matéria de facto.  

2.5. Relativamente aos factos provados 10., 23., 24., 28. e 29. e factos não provados C., E., K., V., a julgadora de facto estribou-se na inspecção ao local, cujas conclusões explicitou claramente, conjugada com o teor do relatório pericial elaborado, e fotografias aí mencionadas. E referente ao facto não provado T., fundou-se apenas na prova pericial.

A força probatória da prova pericial é livremente fixada pelo Tribunal (art. 389º do CC). A inspecção ao local, tem por fim a percepção directa de factos pelo tribunal e cujo resultado é apreciado livremente pelo tribunal (arts. 390º e 391º do CC). Trata-se de meios de prova relevantes e qualificados em acções de direitos reais. Conjugando-se ambos, que assim ganham uma redobrada e magna força, o tribunal só se deve afastar do que eles revelam, em situações de basta e credível prova alternativa, ou seja, quando existam motivos suficientemente fortes e sustentados para divergir do seu teor. Que no caso não se descortinam, pois o que o tribunal decidiu corresponde ao que consta do teor do relatório pericial e auto de inspecção judicial !

Sendo que o teor de ambos não se mostra comprometido: quer pela foto 5 do auto de inspecção judicial, em relação ao facto provado 10.; quer pelas fotos 46/49, do mesmo auto, em relação aos factos provados 28./29.; ou que devessem considerar-se abalados por prova testemunhal (no caso concreto de KK, LL, FF e EE), no referente aos factos provados 23./24, 28./29. e não provados C. e V.  

Nem se mostrando, aparentemente relevante, a pretendida substituição da palavra “carreiro” por “caminho” nos factos 23. e 24., e “acesso pedonal” por caminho” no facto 28., já que se depreende com clareza que o “caminho” ali indicado é o “carreiro” referido pluralmente nos factos 20. a 22., e o aqui indicado é o “acesso pedonal” referido no facto 27.    

Improcede, por isso, a impugnação nesta parte quanto aos apontados factos provados 10., 23., 24., 28. e 29. e factos não provados C., E., K., V. e T.    

2.6. Quanto ao facto não provado U. e sua passagem a provado face ao assente no facto 26., não se divisa a invocada pressuposição ou contradição entre os dois factos, suposta pelos recorrentes, para implicar a modificação da resposta dada pelo tribunal, nos termos pretendidos pelos apelantes. Como os recorridos assinalam, nas suas contra-alegações, a terraplanagem que se refere no ponto 26. é aquela que está feita, ao que tudo indica, nos limites da sua propriedade, criando um desnível na entrada do acesso ao seu prédio e aplanando o terreno. Mas daqui não se pode concluir pela existência de caminho a atravessar o terreno dos recorridos até desembocar na propriedade dos recorrentes.

Assim, não procede a impugnação nesta parte.

2.7. Relativamente à restante matéria impugnada – factos não provados D., I., J., L. a R. e W. - iremos proceder, apenas, à audição dos depoimentos testemunhais apontados, que estão gravados em CD.

A testemunha KK, arrolada pelos AA, conhecida das partes, referiu que as leiras não estão todas ao mesmo nível, têm uma bordazinha, aquilo não é socalco nenhum. E sim, na última tem uma poça, com que ela regava o quintal quando trabalhava as leiras. Agora não trabalha porque não tem o caminho para passar, não é. Á pergunta do mandatário dos AA, portanto, o tribunal foi lá, é uma poça que está implantada mesmo assim acima de pedra, não é, respondeu sim. Cultivava-se naquelas leiras cebolas, alguma batata, alface, pencas. Ela já lá está há 39 anos, pelo menos. A dona EE sempre cultivou as leiras. Perguntada pelo mandatário dos AA se quando ia a casa da EE também passava por lá, respondeu sim. Não pedia a alguém para ali passar. E outras pessoas que lá estivessem também passavam. Perguntado pelo mandatário dos AA se sabia, porque era visível, que, para além de terem sido feitas obras lá em casa, também foi colocado lá postes, respondeu sim. Chegaram lá os postes por um tractor. Que passou pelo dito caminho. Por onde é que tinha que passar, não podia passar de avião ! não podia passar entre a casa que é minha, que há dias que a dei à minha filha. Perguntada pelo mandatário dos AA se viu o poste a passar, respondeu vi então não vi ! Já foi há uns anitos. Até viu passar 2 postes.

Como se salienta na motivação da decisão de facto, respondeu simplesmente sim a várias perguntas sugestivas do advogado dos AA, a outras perguntas de contra instância de modo impertinente, e por sua iniciativa dizia que os AA/caseira não tinham caminho para passar. Até disse que viu passar 2 postes da EDP quando os autos só retratam a existência de um. Produziu depoimento pouco convincente.

A testemunha EE, arrolada pelos AA, irmã do R. e que é a caseira dos AA, declarou que a casa prontos é como está não é, e tem as leiras em cima, tem três leiras, tem uma encostada à casa, tem outra da parte de cima e tem outra cimeira. As entradas vêm de lá para cá, tem três entradas, uma, duas, três, que é a primeira a segunda e a terceira. Na leira mais alta tem lá implantado uma poça, que é para regar o quintal. A água vem duma nascente lá de cima. Por exemplo nesta altura a gente tem que semear as batatas que lá a terra é terreno seco, tinha que as semear agora a partir de Fevereiro mais ou menos até agora. E as tronchudas, e nesta altura é que se planta o cebolo também, é nesta altura que a gente planta as coisas. Tinha sempre tudo cultivado, a terra nunca estava de velho, estava sempre trabalhada, agora é que está de velho porque não tenho tractor para passar para lá, não vou pelo ar. Levou os materiais para fazer as obras ao longo dos anos que eu não fiz tudo de uma vez. Comecei a fazer as obras lá quando o meu filho foi à primeira comunhão, ele tem trinta e seis anos, ele tinha oito anos. Os materiais vieram pelo lado da tapada, pelo Caminho .... O caminho sobe acima, depois tem um cruzamento que vai para ... e desanda para cá. O Caminho ... começa quando a gente vai vem pela estrada principal, vai via fora, tem lá diante ao cabo que vai para o ..., para diante que é o ..., para cima botemos para ..., tem a calçada, temos para ..., em vez de ir para ... desandamos para cá tem um cruzamentinho, desandemos para cá para a tapada. E depois é que entra na tapada que agora é da R. Ali ao entrar na tapada

nunca tive nada, não tinha lá nada que impedisse. Para além dos materiais ter ido por aqui utilizava o caminho para vir por lá com as ovelhas, ou buscar um molho de lenha, um saco de pinhas ou assim, era por lá que eu vinha, era tudo por lá, não tinha, não tenho mais nenhum caminho. De início eram as vacas que iam lá lavrar, depois era o senhor FF que me ia lá fresar as leiras. Não tem mais nenhum caminho, o outro é rego de levada. Acabaram as vacas, começaram a vir os tratores. Toda a gente sabe que eu passava lá. Nunca ninguém me disse nada, já lá estou há trinta e nove anos, nunca ninguém me disse nada. A proprietária do seu tempo, que era a SS não se opôs a que passasse por ali, e ela viu-a passar uma vez com um carro das vacas para lavrar e nunca disse vá para trás que aqui não é caminho. Nunca houve problemas nenhuns. Enquanto o R. só comprou a parte de baixo continuou a passar por ali. Depois ele comprou a tapada e ainda passei muito tempo. E depois o meu irmão com o JJ é que se desentendeu não sei porquê e daí cortou-nos o caminho. Veio lá uma máquina e eu disse-lhe andas a cortar o caminho que este caminho é meu e ele com a máquina cortou para lá tudo, pois ele é que mandava. O poste de telefone não me recorda como é que foi que ele passou, já não me lembra, agora o da luz, o senhor da EDP veio com uma carrinha e chegou ali e ele não passava não subia para cima, e disse-me assim, olhe e agora como é que a gente vai levar o poste, e eu disse assim olhe então deixe estar aí que anda ali em baixo um senhor com um tractor e eu vou lá e vou-lhe pedir. E ele veio com o trator e trouxe o poste no tractor, foi o senhor TT. Anda em negociações com os AA para adquirir a propriedade.

A testemunha LL, arrolada pelos AA, sobrinho dos RR e filho da anterior testemunha, mencionou ter memória da casa não ter lá luz, a cozinha era em terra e nem casa de banho lá havia. Depois aos poucos os pais foram reconstruindo-a. Eu lembro-me perfeitamente que ao construir o material foi todo levado. Levou telhado novo, a cozinha levou ali uma coisa em madeira, o chão era em terra, teve que levar cimento, massa no chão. Ainda era miúdo, mas lembro-me perfeitamente como era a casa quando os pais foram para lá. Estas primeiras obras terão sido há vinte e tais anos. A primeira coisa feita acho que foi a luz. As últimas obras foram lá feitas, talvez há dois anos ou por aí para ampliação da cozinha. Todas as obras foi antes da acção. Tinha para aí quinze anos quando foi o telhado, e agora tem trinta e oito. As leiras eram cultivadas com tractor, vinha lá pelo acesso. Lá era cultivado batatas, milharada, curiosidades, aquilo era a horta da minha mãe. A minha mãe até tinha lá uma corte, tinha lá um porco e depois, como a nossa casa era pequenina a minha mãe fez ali um aproveitamento duma loja, tinha lá a arca congeladora, depois aquilo até teve um curto circuito e ardeu, foi lá um jeep dos bombeiros apagar o incêndio daquela corte por baixo daquela poça, e foi lá um jeep para apagar o incêndio, por aquele acesso que nós tínhamos. Eu é que ajudava a minha mãe lá na lavoira, vi o tractor, quando era de vacas lembra-me delas, quando lá levaram o material eu ajudei a descarregar o material do trator, eu lembro-me de tudo. O poste da eletricidade foi posto em primeiro lugar. O do telefone foi anos depois. O do telefone lembra-se de o ver passar, para aí há quinze anos ou vinte, passou pelo caminho, não havia outra alternativa. Pff, eu tinha um jeep, ia lá ver a minha mãe, quando eu ia lá de jeep e de moto quatro, e passava no caminho. De jeep era ou diariamente ou ao fim de semana, isto durante quatro ou cinco anos, até  2017, por aí. De moto quatro, Pfft, não sei, uma vez ou outra, também 2016, 2017, por aí. Na zona de cima à poça é terreno inculto, é uma tapada. Havia ali pinheiros que foram cortados e vendidos pelo A. e foram lá buscá-los com tractores pelo mesmo acesso que nós utilizávamos. E saíram pela leira de cima, porque ali havia três entradas para as três leiras, da tapada havia três entradas. O tractor fresava a de cima, saia fora fresava a de baixo e depois ia, saia fora, fresava a de baixo novamente. Isso também foi antes da acção. O tractor ia lavrar as leiras quando fosse preciso, mas se fosse preciso lá ir várias vezes ao ano, ia. Mostrou-se agressivo e impertinente em perguntas/respostas feitas/dadas ao advogado dos RR.

A testemunha MM, arrolada pelos RR, declarou o que em suma a julgadora exarou na motivação da decisão da matéria de facto.

A testemunha FF, arrolada pelos RR, disse o que em suma a julgadora exarou na motivação da decisão da matéria de facto. Disse ainda, que há uma entrada para a tapada, por cima, indo pelo Caminho ..., há um caminhozinho e há uma entrada lá para baixo, por aquilo abaixo, mas nem os tractores lá passam.

Diferentemente do que os recorrentes dão a entender, a testemunha FF entrou pela propriedade da R. CC mas por baixo, por outra propriedade desta, distinta da em apreciação nos autos, para subir para os terrenos da caseira EE, pois a testemunha foi bem explícita a precisar tal.

Analisando.

Como se salienta na motivação da decisão de facto, a KK respondeu simplesmente sim a várias perguntas sugestivas do advogado dos AA, a outras perguntas de contra instância de modo impertinente, e por sua iniciativa dizia que os AA/caseira não tinham caminho para passar. Até disse que viu passar 2 postes da EDP quando os autos só retratam a existência de um. Produziu depoimento pouco convincente e não persuasivo.

Por outro lado, a EE, a caseira, e o filho LL, mostraram-se manifestamente comprometidos com a causa.

A EE aludiu, ainda, a encontrar-se em negociações com os AA para adquirir a propriedade destes. No fundo, o seu depoimento testemunhal equivale a verdadeiras declarações de parte a ela favoráveis, sem qualquer outro suporte probatório de relevo, excepto do filho LL.

Este adoptou uma postura de superioridade, dizendo que se lembrava de toda a realidade daquele lugar, pretendendo evidenciar que teria grande conhecimento. Contrastando, mostrou-se agressivo e impertinente em perguntas/respostas feitas/dadas ao advogado dos RR, que questionavam o seu absoluto conhecimento.  

Ou seja, 2 depoimentos que acabam por não serem credíveis, espontâneos e sérios, e que assim inspiram sérias reservas sobre o afirmado, porque aparentemente comprometidos com a verdade e parciais.

De outra parte, em sentido diverso ou oposto as testemunhas MM e FF, disseram o que em suma a julgadora exarou na motivação da decisão da matéria de facto, o que acompanhado dos depoimentos de outras testemunhas exarados na motivação da decisão de facto pela julgadora, gente da comunidade local, com boas relações com todos os intervenientes, sem demonstração de quaisquer razões para estarem a beneficiar/prejudicar qualquer uma das partes, abala seriamente a versão trazida pelos AA.

Sendo, por outro lado, de recordar, que existiu prova pericial e que a julgadora fez inspecção ao local, que documentou, muito acuradamente, em 49 fotos. Não tendo a foto 40 da inspecção judicial (um poste de electricidade), invocada pelos recorrentes, de per si, valor probatório para abalar a prova produzida em sentido contrário a versão dos AA, nem o logrando também as fotos do Google, constantes da perícia, datadas de 24.5.2013, 5.4.2015, e 25.5.2019, todas a preto e branco, e de percepção difícil.  

Não podendo, pois, censurar-se a mencionada convicção da julgadora de facto, e que nós, em recurso, sufragamos.

Sendo, agora, o momento de lembrar que estamos, no domínio do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC, segundo o qual o juiz aprecia as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Sendo certo que, como em qualquer actividade humana, existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza e aleatoriedade, no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, o que importa, pois, é que se minimize o mais possível tal margem de erro, tendo, porém, o sistema válvulas de segurança. Efectivamente, nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, dos princípios da lógica, ou das regras científicas (vide Anselmo de Castro, D. P. Civil, Vol. 3º, pág. 173, e L. Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1ª Ed., pág. 157).

Ou dito de outro modo, “I - A criação da convicção do julgador que leva à decisão da matéria de facto tem de assentar em dados concretos, alguns dos quais elementos não repetíveis ou tão fiáveis na 2.ª instância como na 1.ª, em situação de reapreciação da prova. Na verdade, escapam à 2.ª instância, por princípio, a imediação e a oralidade que o juiz da 1.ª instância possui.

II - Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” vide Ac. do STJ de 20.5.2010 (relator Mário Cruz), Proc.73/2002.S1, em www.dgsi.pt.

Da prova produzida, antes apontada, decorre, apesar de não termos a riqueza de ajuizamento resultante da imediação, apenas dispondo da oralidade constante da gravação, que a versão trazida a julgamento pelos ora apelantes, em sentido contrário ao decidido, não é sólida nem sustentada probatoriamente.  

Assim, resulta que a convicção da julgadora, expressa na decisão da matéria de facto, tem sustentabilidade, sendo razoável, aceitável, sendo por isso compreensível o modo como fixou tal matéria de facto, não se mostrando, por outro lado, infirmada por outra prova de apreciação livre suficientemente convincente. Desta maneira, considerando que o direito não é uma ciência exacta, nem se pode aspirar humanamente a que do depoimento testemunhal possam resultar certezas absolutas, no caso dos autos podemos extrair duas conclusões.

Uma, é que compulsando o que resulta do teor da actividade probatória, resulta para nós que nenhuma máxima da experiência, advinda da observação das coisas da vida, princípios da lógica, ou regra científica, foi violada. Outra, é que, tendo sustentabilidade e sendo compreensível a convicção da julgadora de facto, é razoável, é de aceitar a decisão da matéria de facto que a mesma expressou, pois também não mostra desconformidade à luz dos meios de prova indicados e produzidos nos autos.    

Decisão da matéria de facto que nós aceitamos, repetimo-lo, por, igualmente, podermos formular semelhante convicção. Desta sorte, ponderando todos os elementos probatórios indicados e analisados criticamente não se descortina motivo para alterar a decisão da matéria de facto proferida pela julgadora a quo, já que agindo ela e agindo nós sob o princípio da livre apreciação da prova (art. 663º, nº 2, do NCPC) é esse o melhor resultado decisório de facto a que se chegou, sem violação das regras da lógica e da experiência.

Por conseguinte, face ao explanado, a impugnação da matéria de facto tem de ser rejeitada relativamente aos apontados pontos de facto não provados factos não provados D., I., J., L. a R. e W.

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Impõe-se, então, aferir se esse caminho evidencia uma servidão constituída por usucapião.

A servidão corresponde a um direito real, exercido sobre coisa alheia.

O artigo 1543.º do CC define servidão predial como «o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia».

(…)

Atento o disposto no artigo 1547.º do CC, entende-se que as servidões podem ter natureza voluntária (n.º 1) ou legal (n.º 2).

A propósito da servidão constituída por usucapião diz o artigo 1548.º do CC que:

«1. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.

2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes».

Assim, além dos requisitos gerais da aquisição por usucapião, a aquisição de uma servidão por usucapião apenas pode incidir sobre servidões aparentes, as quais se manifestam por sinais visíveis e permanentes.

Como é sabido, «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião» (artigo 1287.º do CC).

A usucapião consiste numa forma de aquisição de um direito real pela verificação simultânea dos seguintes requisitos: a verificação da posse (tal como definida no artigo 1251.º do CC); por um certo período de tempo (no caso de imóveis, os mencionados nos artigos 1293.º a 1297.º do CC); e a vontade do possuidor em adquirir.

Na apreciação deste instituto, interessa a análise dos actos possessórios verificados ao longo do tempo, sendo irrelevantes os elementos identificativos dos bens em causa (nomeadamente quanto aos imóveis, as descrições prediais ou as inscrições matriciais – nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2017, proc. 120/14.4T8EPS.G1.S1).

A existência de um caminho é de considerar como sinal visível e permanente da servidão (a favor, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 630). Porém, «(…) não deve ser grande a exigência dos vestígios externos de qualquer forma sempre consonantes com a amplitude do direito que se pretende exercer» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Abril de 2013, proc. n.º 444/10.0TBCHV.P1).

Nota-se, também, que «o requisito da permanência não exige a continuação no tempo dos mesmos sinais ou das mesmas obras. Indispensável é apenas a permanência de sinais, admitindo-se a sua substituição ou transformação» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Janeiro de 2004, proc. n.º 0326196).

Posto isto, da matéria de facto nada consta que permita a subsunção da actuação dos Autores (ou dos seus caseiros, como intermediários) à conduta necessária à constituição de um direito de servidão.

Não está demonstrada a utilização do caminho, por um determinado período de tempo, de forma pública, sem oposição, na convicção do exercício de um direito próprio.

Por outro lado, também a ausência de quaisquer sinais visíveis e aparentes da servidão impedem a sua constituição por usucapião, como resulta do texto legal.

Assim sendo, tornando-se desnecessárias quaisquer outras considerações, é de improceder o pedido.”.

Os apelantes discordam (cfr. conclusões de recurso gg. a kk.).

Todavia, sem razão, porque o bem fundado da sua pretensão dependia da alteração da matéria de facto, que, contudo, não se verificou.

Desta maneira, tendo em conta os factos provados 8. a 10., conjugado com os não provados E., I. a Q., V. e W., não está demonstrada, desde logo, a utilização dum caminho, por um determinado período de tempo, de forma pública, sem oposição, na convicção do exercício de um direito próprio, que permita a aquisição por usucapião de uma servidão de passagem.

Não procede, por isso, esta parte do recurso.  

4. Na mesma sentença escreveu-se:

“Pretendem os Autores, alternativamente, o reconhecimento de uma servidão de passagem em virtude do encrave dos seus prédios.

A servidão em benefício de prédio encravado encontra-se prevista no artigo 1550.º do CC, que diz que:

«1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.

2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.»

Entre as servidões legais, distingue-se a servidão de passagem em benefício de prédio encravado.

O prédio encravado (seja ele rústico, seja ele urbano) é aquele que não tem comunicação com a via pública (entendida como caminho ou recinto aonde a todos é lícito circular).

O encrave pode ser relativo ou absoluto, consoante disponha de um acesso insuficiente com a via pública ou não disponha de qualquer acesso, sendo que esse acesso tem que ser assegurado por um prédio rústico …

Em qualquer um desses casos, a constituição da servidão carece da possibilidade da materialização dessa comunicação à via pública de um modo economicamente praticável ou em proporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens proporcionadas pelo mesmo.

(…)

Atento o disposto no artigo 1553.º do CC, a passagem deve ser concedida pelo(s) prédio(s) que sofram menor prejuízo e da forma menos onerosa ao prédio serviente.

Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão proferido em 10 de Maio de 2011, no proc. n.º 3871/05.0TBLRA.C1, «a alegação da matéria que preenche o critério do “menor prejuízo” é constitutiva do direito de estabelecer a servidão sobre certo e determinado prédio, cujo ónus da alegação e prova compete ao autor ( art.342 nº1 CC ).»

Dispensando maiores considerações, verifica-se não estar demonstrado (sendo que nem sequer tal estava alegado) que os prédios não têm comunicação com a via púbica, tratando-se de requisito necessário à aplicação do instituto.

Aliás, a latere, sempre se dirá estar invocado, ainda que não provado, que o prédio rústico confrontaria com caminho.

Mesmo que assim não se entenda, o certo é que não ficou demonstrado que a constituição da servidão respeita o critério do menor prejuízo.

Com efeito, não ficou demonstrado que a definição de uma alternativa ao caminho pretendido pelos Autores só se mostre possível nos termos por si invocados.

Depois, tendo em consideração que a servidão de passagem corresponde a um direito real que limita o direito de propriedade do dono do prédio serviente, verificando-se a possibilidade de realização de obras por um custo inferior àquele em relação ao qual os próprios Autores definiram a utilidade económica dos seus pedidos, é manifesto e evidente a existência de alternativas. Mais, que o custo dessa alternativa não se mostra desproporcional tendo em conta a indemnização que sempre teria que ser atribuída caso a servidão fosse constituída (artigo 1554.º do CC).

Para tanto, considera-se que o facto de os consortes do caminho no qual é possível estabelecer o acesso aos prédios dos Réus não é determinativo da sua inviabilidade, tratando-se de uma pretensão que pode ser obtida com a propositura da correspondente acção.

Assim, é também improcedente o pedido alternativo deduzido.”.

Os apelantes dissentem (cfr. conclusão de recurso ll.).

Mais uma vez, segundo cremos, sem razão, face à matéria de facto apurada.

Considerando aqueles citados arts. 1550º e 1553º do CC, para constituir uma servidão legal de passagem, deve alegar-se e provar-se:

- que o seu prédio não tem comunicação absoluta ou relativa (relativa quanto a excessivo dispêndio/incómodo ou insuficiência) com a via pública;

- especificar os incómodos e dispêndios que teria de suportar-se para estabelecer a comunicação entre ele e aquela via pública, a fim de aferir a excessividade;

- as características dos prédios que se interpõem entre o seu e a via pública, para se avaliar dos prejuízos que cada um irá ter de suportar com a constituição da servidão, a fim de se eleger aquele (ou aqueles) por onde irá ser constituída a servidão, por ser(em) o(s) que sofre(m) menor prejuízo;

- no prédio que virá a ser o serviente, qual o local por onde deverá estabelecer-se a servidão, a fim de se eleger, dentre os possíveis, o local onde a servidão trará menores inconvenientes.

Desde logo se verifica não estar demonstrado, sendo que nem sequer tal estava alegado, que os prédios não têm comunicação com a via púbica, tratando-se de um requisito necessário à aplicação da lei.

Curiosamente os próprios AA começaram logo na p.i. por admitir (no art. 2º) que o seu prédio rústico confinava a Norte com caminho !! Embora, depois, tal não se viesse a provar (como resultou do facto não provado B.)

Por outro lado, pelo menos a pé, os recorrentes têm acesso pedonal para os seus prédios pelo ... (facto provado 21.) e pelo acesso que parte do caminho... (facto provado 27.), embora não se trate de caminhos públicos com condições mínimas (factos provados 24. e 28.).

Também, apesar de terem alegado, os AA não provaram que não existe outra possibilidade, que não a do caminho pela propriedade dos RR, para constituir um seu direito de passagem na medida que a alternativa seria realizar um caminho ao longo da levada, o que implicava demolir habitações e ocupar prédios de vários proprietários, o que seria muito mais oneroso (facto não provado T.)

Igualmente, como sublinham o tribunal a quo, na sua fundamentação jurídica, e os RR, nas suas contra-alegações, o certo é que não ficou comprovado que a constituição da pretendida servidão legal de passagem pelo prédio dos recorridos respeitasse o critério de menor prejuízo, pelo que sempre teria de improceder o pedido formulado pelos recorrentes nesse sentido. Ou comprovaram, em caso de deferimento, sobre a direção, dimensões e implantação do pretenso caminho de acesso no terreno dos apelados.

Por fim, como de novo salientam o tribunal a quo, na mesma fundamentação, e recorridos, na mesma contra-alegação, face aos factos provados 30. a 32., verificando-se a possibilidade de realização de obras por um custo inferior àquele em relação ao qual os próprios AA definiram a utilidade económica dos seus pedidos e o valor da causa – 5.000,01 € -, é manifesto e evidente a existência de alternativas. Tanto mais que o custo dessa alternativa não se mostra desproporcional tendo em conta a indemnização que sempre teria que ser atribuída caso a servidão fosse constituída (art. 1554º do CC).

Sendo de ponderar o caminho dos consortes para constituição de acesso para o prédio dos apelantes, com realização de obras para acesso ao mesmo tão-só para/por tractor, uma vez que a pé já o conseguem, tratando-se de uma pretensão que pode ser obtida com a propositura da correspondente acção.

Em suma, o prédio dos recorrentes não é, pois, um prédio encravado. Desta maneira, não procede esta parte do recurso.

(…)

 

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.  

*

Custas pelos AA/recorrentes.

*

                                                                                      Coimbra, 24.1.2023

Moreira do Carmo

Fonte Ramos

Alberto Ruço