ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
DESOBEDIÊNCIA QUALIFICADA
Sumário


A Sociedade Portuguesa de Autores tem inegável legitimidade para intervir como ASSISTENTE num processo criminal em que esteja em causa a prática de um crime de desobediência qualificada – decorrente de violação da por si intentada providência cautelar – p. e p. pelos artigos 375º do CPC e 348º, nº 2, do CP, tendo um interesse directo na demanda enquanto titular de um interesse próprio, específico, directo e identificável no cumprimento da ordem emanada da providência cível já decretada.(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


EXAME PRELIMINAR (artigo 417º, n.º 1 do CPP)
O recurso de decisão recorrível é, de facto, tempestivo, interposto por quem para tanto tem legitimidade, tendo sido admitido com efeito e regime de subida adequados, devendo manter-se, por conseguinte, tal efeito.
O Exmº Magistrado do Ministério Público junto desta Relação teve vista no processo (artigo 416º do CPP), tendo a recorrente apresentado resposta.
Profiro de seguida decisão sumária [artigos 417º, n.º 6, alínea d) do CPP].

*
RECURSO N.º 1353/21....
Processo Comum Singular
Legitimidade para a constituição de assistente
Juízo Local Criminal ... – Juiz ...
Tribunal Judicial da Comarca ...

                                               DECISÃO SUMÁRIA

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
           1. O DESPACHO RECORRIDO

No Processo Comum Singular nº 1353/21...., a correr termos no Juízo Local Criminal ... (Juiz ...), foi proferido despacho datado de 21 de Outubro de 2022 (com a referência nº ...73), com o seguinte teor, na parte que interessa à decisão deste recurso (transcrição): 
«Fls. 117:
Veio Sociedade Portuguesa de Autores, CRL. requerer a sua constituição como assistente.
O Ministério Público nada tem a opor.
Foi cumprido o disposto pelo artigo 68º nº 4 do Código de Processo Penal, não havendo qualquer oposição por parte do arguido.
Apreciando e decidindo:
Dispõe o art. 68º, nº 1, al. a), do CPP, que “…podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: a) os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos….”.
Ora e conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Vol 1, pag 512-513, a nossa lei parte do conceito estrito de ofendido na determinação do círculo de pessoas que têm legitimidade para intervirem como assistentes em processo penal. (jurisprudência corrente, vide Ac. do S.T.J. de 20.1.98. Colectânea de Jurisprudência, Supremo Tribunal de Justiça, Ano VI, Tomo I, p.163).
Assim sendo não é ofendido, para este efeito, qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime. O objecto jurídico mediato é sempre de natureza pública; o imediato, (…) pode ter por titular um particular.
Ou seja nem todos os crimes têm ofendido particular, mas só o têm aqueles cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou um direito de que é titular um particular, questão esta que por vezes se mostra melindrosa mas necessária porque só com ela é que é possível averiguar da viabilidade daquela constituição de assistente, a questão é, por vezes, de indagação melindrosa, mas indispensável, porque só mediante ela é possível averiguar da viabilidade de constituição de assistente. (vide Maia Gonçalves in Código Processo Penal Anotado, 17ª ed. pág. 210).
Do exposto resulta pois que nos casos de crimes públicos em que o interesse tutelado é exclusivamente público a regra é de que ninguém poderá constituir-se assistente (Figueiredo Dias ob. cit. pág. 513).
Neste último caso o direito de constituição de assistente só existirá se for conferido por lei especial, conforme expressamente dispõe o art.º 68º n.º 1 do Código Processo Penal.
No que ao caso em apreço, subscrevemos por inteiro a análise efectuada no Ac do Tribunal da Relação do Porto, de 12/01/2011, sendo relator Vasco Freitas, disponível em www.dgsi.pt que a seguir se transcreve:
«O crime de desobediência integra o Título V, Dos Crimes Contra o Estado do Livro II (parte especial) do Código Penal. No crime de desobediência o bem jurídico protegido é a «autonomia intencional do Estado» [Acórdão deste Tribunal de 28.2.2001 disponível em www.dgsi.pt, Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, p. 350], o âmbito da ilicitude abrange apenas interesses públicos de que o Estado é único titular imediato, concretamente o cumprimento e aceitação de decisões judiciais que decretam ordens em providências cautelares. Não relevam interesses dos particulares, mesmo que estes também sejam prejudicados com o não acatamento dessas decisões. Relativamente aos particulares apenas se poderá falar em protecção indirecta, de segunda linha ou reflexa, como realça o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto. Consequentemente o particular queixoso não tem legitimidade para se constituir assistente relativamente ao crime de desobediência, entendimento corrente a nível jurisprudencial [Acórdão RC de 26.11.86, BMJ 361º 616], tendo essa interpretação acolhido juízo de conformidade constitucional [Acórdão Tribunal Constitucional n.º 76/2002, de 28 de Fevereiro, DR, II, série, de 5 de Abril]”.
No mesmo sentido de não admissibilidade da constituição de assistente no crime de desobediência, pronunciaram-se de igual modo nesta Relação os Exmºs Desembargadores Drª Conceição Gomes Ac de 28/11/2001- e Dr. Marques Salgueiro- Ac de 15/07/98- ambos em www.dgsi.pt.
Não desconhecemos que como é referido na fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº1/03 (DR Série A, nº49, de 27Fev.03) “recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça começou a inflectir o caminho anteriormente percorrido… e decidiu que «sendo o objecto mediato da tutela penal sempre de natureza pública (sem o que não seria justificada a incriminação), o imediato poderá também ter essa natureza ou significar, isolada ou simultaneamente com a aquele, o fim de tutela de um interesse ou direito da titularidade de um particular». Posição que vai no sentido ..., de que «especial» não significa «exclusivo», mas sim «particular», e que um tipo legal pode proteger mais do que um bem jurídico, questão a resolver face, ao mesmo tempo, ao caso concreto e ao recorte do tipo legal interessado”.
E assim o S.T.J. admitiu a intervenção como assistente em relação a crime de denúncia caluniosa e foi fixada jurisprudência por aquele mesmo acórdão nº1/03, no sentido de admitir como assistente, em relação ao crime de falsificação, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente.
Contudo, não se nos afigura no caso em apreço, de seguir esta decisão do Ac. uniformizador atenta a diversidade dos tipos de ilícito em apreço.
Com efeito no tipo da falsificação [art.º 256º do CP] fala-se na intenção de causar prejuízo a «outra pessoa», referência esta que o Ac. uniformizador assenta para legitimar o ofendido à constituição de assistente.
Ora tal referência igual ou similar não se colhe no tipo do art.º 348º do Código Penal.
No caso, em relação ao crime de desobediência, por referência ao art.391, do CPC, é inquestionável que se pretende proteger a autoridade das decisões judiciais, em especial das proferidas em providências cautelares, mecanismo processual que visa remover o periculum in mora e assegurar a efectividade do direito ameaçado (art.381, do C.P.C.)
Continuamos, pois, a seguir a orientação tradicional e considerarmos não admissível a constituição de assistente neste tipo de ilícito.
Sobre a constitucionalidade de tal interpretação que o recorrente parece levantar se bem que a nosso ver não explicitamente como o deveria tê-lo feito, não vemos que a mesma possa de modo algum contender com os normativos constitucionais.
Sobre tal matéria se pronunciou o Tribunal Constitucional, referindo expressamente no seu Ac. 499/2003 que:
Por outro lado (…), no crime de desobediência o que se incrimina é a desobediência, independentemente das consequências. Continua, aqui, a proteger-se, tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, a autonomia funcional do Estado, pelo que é o Estado, o ofendido, porque legítimo titular do interesse ofendido pela prática do crime de desobediência.
No crime de desobediência não se inscreve qualquer preocupação de protecção de interesses de pessoas a quem, em segunda linha, o acatamento da ordem possa aproveitar, as quais não gozam, por isso, da faculdade de se constituírem como assistentes.
E nem se diga que esta interpretação restritiva do conceito de assistente a que alude o artº 68.º n.º 1 al. a) do CPP, no crime de desobediência, fere os princípios constitucionais a que alude o artº 268.º da CRP (direito à informação, princípio de arquivo aberto e princípios da transparência e da publicidade) uma vez que tais princípios mantêm-se intocáveis no quadro desta interpretação na medida em que assistem às requerentes outras vias jurisdicionais na orla do Estado de Direito para fazerem valer os seus direitos.
Assim, ninguém pode constituir-se como assistente relativamente ao crime público de desobediência, uma vez que o interesse protegido pela incriminação é exclusivamente público, como sucede com os crimes contra o Estado (…)".
O exposto não colide com o Acórdão Constitucional 205/01 citado pelo recorrente pois conforme este refere que “… com a Revisão Constitucional de 1997 (Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro), o reconhecimento daquele interesse específico passou a constar expressamente do nº7 do artigo 32º da Constituição, que estabelece que "o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei".
Porém, este preceito, limita-se a consagrar de forma ampla e genérica o direito do ofendido de intervir no processo penal, atribuindo à lei ordinária a acção modeladora desse direito, que passa necessariamente pela legitimidade de o ofendido se constituir assistente no processo, e pela definição do seu estatuto processual: delimitação dos direitos, deveres e ónus processuais inerentes”.
Ou seja a admissibilidade da constituição de assistente, mesmo em crime públicos, estará dependente sempre da análise que se efectue ao valor juridicamente tutelado pela norma, e se este for de natureza exclusivamente pública, inexistindo outros interesses a tutelar, não terá o ofendido legitimidade para se constituir assistente.
É o caso do ilícito em apreço, pelo que improcede assim a pretensão do recorrente.
Assim, e tendo por base que o âmbito da ilicitude abrange apenas interesses públicos que o Estado é o único titular imediato, concretamente o cumprimento e aceitação de decisões judiciais que decretem ordens ou providências cautelares e não relevam interesses particulares, mesmo que estes também sejam prejudicados com o não acatamento dessas decisões. Relativamente aos particulares apenas se poderá falar em protecção indirecta, de segunda linha ou reflexa.
Consequentemente, o particular queixoso não tem legitimidade para se constituir assistente relativamente ao crime de desobediência, entendimento corrente a nível jurisprudencial (Ac. da R. Coimbra de 26/11/86, B.M.J. 361,616) tendo essa interpretação acolhido juízo de conformidade constitucional – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 76/2002 de 28 de Fevereiro publicado no D.R. II, 5 de Abril.
Assim sendo, considerando o concreto bem jurídico que se pretende proteger e que o requerente apenas tem um interesse indirecto ou reflexo, por falta de legitimidade não admito a Sociedade Portuguesa de Autores, CRL. a intervir nos presentes autos, como assistente.
Notifique».

Tal despacho foi proferido na sequência de um pedido de constituição como assistente por parte da recorrente SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES, CRL.

            2. O RECURSO
Inconformada, a SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES, com a legitimidade assegurada para este recurso à luz do artigo 401º, n.º 1, alínea d) – e não alínea a) como surge no despacho de 28/10/2022 - do CPP, recorreu do despacho em causa, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«A - A Recorrente intentou procedimento cautelar aos 29 de Junho de 2020, tendo a mesma sido decretada aos 2 de Setembro de 2020.
B - A Recorrente, constatando que a decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual não estava a ser cumprida, remeteu queixa-crime aos 7 de Fevereiro de 2022.
C - Aos 4 de Abril de 2022, o Arguido foi notificado do despacho de acusação.
D - O Arguido, aos 9 de Maio de 2022, requereu a abertura de instrução, tendo sido proferido despacho de pronuncia no dia 1 de Julho de 2022.
E - A Recorrente, Requerente nos autos da providência cautelar e Queixosa nos presentes autos, tem, por isso, legitimidade para se constituir assistente, conforme decorre do disposto nos artigos, 375º do CPC e 348º, nº 2 do CP.
F - A Recorrente não se pode conformar com a decisão do douto Tribunal a quo, que indefere a sua constituição como assistente, com o fundamento de falta de legitimidade, com base no Ac. da Relação de Coimbra de 26.11.1986.
G - A decisão do douto tribunal a quo, ao não admitir a constituição de assistente da Recorrente, está em clara contradição com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ 10/2010, de 16 de Dezembro, que determina que em processo por crime de desobediência qualificada decorrente de violação de providência cautelar, previsto e punido pelos artigos 391º [actual art. 375º] do Código de Processo Civil e 348º, 2 do Código Penal, o requerente da providência tem legitimidade para se constituir assistente. (negrito e sublinhado nosso)
H - A decidir como decidiu, o douto Tribunal a quo diminui a garantia penal, conferida pela Lei, à Requerente da providência cautelar, especialmente dirigida à protecção dos seus interesses.
I - Conforme mencionado no AUJ 10/2010: «O crime em questão, sendo embora um crime de desobediência, que envolve o desrespeito por uma ordem estatal, e é punido como tal, constitui um crime com contornos específicos dentro do tipo geral da desobediência.
Na verdade, a inserção da previsão no CPC, e concretamente no capítulo sobre as providências cautelares, a par da significativa epígrafe («garantia penal»), indicia um propósito que o texto da norma expõe com clareza e sem lugar a equívocos: o de criminalizar a desobediência à providência decretada como garantia para o requerente da mesma, uma garantia reforçada, pois acresce à dos meios cíveis de execução coerciva de que ele também dispõe.
É a coercibilidade penal da providência decretada que a incriminação garante, em benefício manifesto de quem a requereu.
Obviamente que também o Estado está interessado no cumprimento da providência, enquanto ordem oriunda de um órgão de soberania, estando, pois, em causa a sua autoridade, ou a sua «autonomia intencional», conforme costuma caracterizar -se o bem jurídico protegido pelo crime de desobediência (16).
Mas a função de garantia dos interesses privados dos requerentes das providências cautelares é por de mais evidente para poder ser escamoteada ou relativizada. Eles são portadores de um interesse próprio, específico, directo e identificável no cumprimento da ordem emanada da providência, um interesse que não se confunde com o interesse geral e mediato que todos os cidadãos têm na vigência efectiva das normas penais, nem com o mero interesse cível do lesado na reparação do dano. A lei confere aos requerentes das providências uma específica garantia, uma garantia penal, especialmente dirigida à protecção dos seus interesses. Por isso, que reconhecer -lhes a titularidade de um interesse específico, de um bem jurídico autónomo, o que implica evidentemente o reconhecimento de legitimidade para se constituírem assistentes em processo por crime de desobediência, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP.»
J - O douto Tribunal a quo decidiu contra jurisprudência uniformizada – AUJ 10/2010 – impondo-se, por isso, seja revogada a decisão de não admissão da constituição como assistente da ora Recorrente nos presentes autos, e, consequentemente, seja admitida a sua intervenção nos autos, como assistente.
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Nestes termos, nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogando a decisão de não admissão da constituição de assistente do douto Tribunal a quo, por ser contraditória a Jurisprudência Uniformizada pelo STJ, substituindo-a por outra que admita a constituição de assistente da Recorrente nos presentes autos»

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que ordene ao requerente que faça prova se a decisão final proferida na acção principal transitou ou não antes da data dos factos em juízo, proferindo, de acordo com tal informação, nova decisão.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República pronunciou-se neles, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Cumpre proferir decisão sumária, na medida em que se entende que a questão a decidir já foi, quanto a nós, judicialmente apreciada de forma uniforme e reiterada [artigo 417º, n.º 6, alínea d) CPP].

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
             Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.
Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
Assim sendo, é esta a única questão a decidir por este Tribunal:
· Tem a SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES legitimidade para se constituir como ASSISTENTE nos autos?
            2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            2.1. Nos presentes autos veio a SPA - com legitimidade para tanto [artigo 401º, n.º 1, alínea d) do CPP] - recorrer do despacho que não a admitiu como assistente nos presentes autos em que foi proferido despacho de pronúncia contra o arguido AA, imputando-lhe a prática, como autor material, do crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal, doravante CP, com referência ao artigo 375º do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Na lógica do despacho recorrido, a SPA apenas tem um interesse indirecto ou reflexo na demanda, e, assim, considerando o concreto bem jurídico que se pretende proteger, não lhe confere legitimidade para se poder constituir como Assistente.
Discorda a recorrente por entender que a decisão recorrida viola fragrantemente o teor do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 10/2010, de 16 de Dezembro, assim diminuindo a garantia penal, conferida por lei, a uma requerente de uma providência cautelar, especialmente dirigida dos seus interesses.
E tem toda a razão.
Vejamos sumariamente porquê.

2.2. Está em causa a legitimidade da SPA para intervir nos autos como ASSISTENTE[1].
A ideia que perpassa pelo despacho recorrido é que o tipo legal do crime em questão nos autos protege um bem jurídico da titularidade do Estado que não admite a intervenção de um particular como assistente.
Temos por assente que (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 14/4/2011 – Pº 11332/10.0TDLSB-A.L1-9):
· a legitimidade do ofendido para se constituir assistente, deve ser aferida em relação ao crime específico que estiver em causa, sendo certo que o facto do tipo legal proteger um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador;
· para que possa ser considerado “ofendido”, para efeitos de constituição como assistente (alínea a) do nº 1 do artigo 68º do CPP), não basta uma ofensa indirecta a um determinado interesse, não beneficiando daquela qualidade os titulares de interesses cuja protecção é puramente mediata ou indirecta, ou vítimas de ataques que põem em causa uma generalidade de interesses e não os seus próprios e específicos.
Não terá, neste caso, a SPA um interesse directo na colaboração com o Ministério Público nestes autos criminais em que se imputa a prática de um crime de desobediência qualificada ao próprio requerido da providência cautelar cível por si intentada contra ele no TPJ?

2.3. Para a resposta a esta pergunta, cumpre-me, desde logo, recorrer ao teor do acórdão da Relação do Porto, datado de 7 de Julho de 2021 (Pº 167/20.1T9OVR.P1), no qual se disserta brilhantemente sobre o que aqui também está em causa:
«A questão da legitimidade para a constituição de assistente em alguns crimes, nomeadamente de natureza pública, tem-se colocado na doutrina e na jurisprudência por referência ao conceito de ofendido acolhido no citado preceito legal.
Começando por distinguir entre um conceito restrito, ou estrito, de ofendido por oposição ao conceito alargado da mesma noção legal, pode afirmar-se, por todos, com o acórdão para fixação de jurisprudência (doravante AFJ) nº 10/2010 de 17.11.2010, que, conforme é entendimento tradicional “…a lei processual penal consagra um conceito estrito (ou restrito) de ofendido, com isso se querendo significar que nem todo o lesado, afetado ou prejudicado com a prática do crime, é reconhecido como «ofendido», mas apenas o titular dos interesses especialmente protegidos com a incriminação, cabendo unicamente a este, assim, o acesso à condição de assistente.”
Ou, na expressão de F. Dias e Anabela Miranda Rodrigues, o conceito estrito ou típico de ofendido abrange “…apenas aquelas pessoas (naturalmente: singulares ou coletivas) que, segundo o critério que se retira do tipo preenchido pela conduta criminosa, se apresentam como titulares do bem jurídico por aquele violado ou posto em perigo”.
A mesma noção transparece claramente no artigo 113º do Código Penal, ao definir os titulares do direito de queixa, quando no seu n.º1 estatui: “Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”.
Já em 1955 Cavaleiro Ferreira sublinhava que “Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com a perpetração da infração; ofendido é somente o titular do interesse que constitui objeto jurídico imediato da infração (…) Nem todos os crimes têm, por isso, ‘ofendido’ particular. Só o têm aqueles em que o objeto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular”.
Também Germano Marques da Silva, citando Cavaleiro Ferreira, salienta que “Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com o crime: ofendido é somente o titular do interesse que constitui objeto da tutela imediata pela incriminação do comportamento que o afeta. O interesse jurídico mediato é sempre o interesse público, o imediato é que pode ter por titular um particular. Nem todos os crimes têm ofendido particular. Só o têm aqueles em que o objeto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular".
Ficarão, pois, fora do conceito de ofendido legalmente desenhado, aqueles que devam considerar-se meros lesados ou prejudicados com a prática do crime, no sentido de terem sofrido danos por este produzidos e jurídico-civilmente avaliáveis, sem que possam considerar-se titulares do bem jurídico protegido com a incriminação.
Desenhada a noção legal de ofendido por sobre o bem jurídico protegido e o tipo legal de crime, a pergunta decisiva para aferir da qualidade de ofendido passa a ser, pois, a de saber quem deve reputar-se titular do bem jurídico protegido, no sentido da lei.
Durante muito tempo a doutrina e a jurisprudência tenderam a fazer depender a possibilidade de um particular ser titular do bem jurídico protegido, do seu caráter individual, de tal modo que perante incriminações teleologicamente fundadas na tutela de bens jurídicos supraindividuais ou coletivos não se reconhecia ser o particular titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
O interesse especialmente protegido com a incriminação era entendido com o sentido de titular do interesse «direta», «imediata» e «predominantemente» protegido pela incriminação. Entendia-se, assim, que «Pode um tipo incriminador tutelar também um interesse ou bem jurídico pessoal, mas se este não ocupar o plano central da tutela, o seu titular não deve ser considerado ofendido e portanto não deve ser admitida a sua constituição como assistente».
Conforme refere Augusto Silva Dias, a jurisprudência que adotava este critério, rejeitava a possibilidade de constituição como assistente nos crimes de desobediência, de falsificação de documento, de manipulação de mercado, de violação do segredo de justiça, de prevaricação e de denegação de justiça, não só com fundamento no argumento literal baseado na expressão “interesse que a lei quis especialmente proteger” da al. a) do nº1 do art. 68º, mas também por se entender que daquele modo se observava melhor a natureza pública do processo penal e a regra, a ela conforme, de que a titularidade da ação penal cabe ao MP, para além de outros argumentos referidos no texto ora citado.
Todavia, como se refere no citado AFJ nº 10/2010, a jurisprudência evoluiu e decisões dos tribunais superiores, designadamente do STJ, vieram a reconhecer a particulares o estatuto de ofendido, nos termos e para efeitos da al. a) do nº1 do art. 68º do CPP, em processos por alguns daqueles crimes.
Assim sucedeu com o AFJ nº 1/2003 que decidiu que, em processo por crime de falsificação previsto e punível pelo art. 256º nº1 al. a) do C.Penal, tem legitimidade para se constituir assistente a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente do crime.
Já anteriormente, o Ac. do STJ de 29.03.2000, decidira a favor da intervenção de um particular como assistente em processo por crime de denúncia caluniosa, com o argumento de que a pessoa visada pela denúncia é portadora de um interesse especialmente protegido pela incriminação a par do interesse público mediato, o mesmo sucedendo com o AFJ nº 8/2006 que fixou a seguinte jurisprudência: «No crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal, o caluniado tem legitimidade para se constituir assistente no procedimento criminal instaurado contra o caluniador».

2.4. Estamos, no caso, perante uma situação em que a requerente de uma providência cautelar cível entretanto decretada por sentença transitada em julgado (Pº 208/20.... do ... Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual) não lhe viu conferida legitimidade para poder vir a estes autos na qualidade de ASSISTENTE, assente que nestes autos está em causa a pronúncia de um arguido, requerido na providência cautelar acima identificada, pela prática do consequente crime de desobediência qualificada p. e p. pela articulação dos artigos 348º, nº 1 a) e 2 do CP e 375º do CPC.
E, neste conspecto, teremos fatalmente de recorrer ao teor do AUJ do STJ nº 10/2010, datado de 17 de Novembro de 2010 (publicado em DRE de 16/12/2010), profusamente invocado no recurso
Aí se doutrinou o seguinte:
«Com base no exposto, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça decide:
a) Fixar jurisprudência nos seguintes termos:
Em processo por crime de desobediência qualificada decorrente de violação de providência cautelar, previsto e punido pelos artigos 391.º do Código de Processo Civil e 348.º, n.º 2, do Código Penal, o requerente da providência tem legitimidade para se constituir assistente;
b) Revogar, face a esta jurisprudência, o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que reconheça a legitimidade (material) da recorrente para se constituir assistente».
E para aí se chegar, pensou-se assim, na habitual sagacidade do relator Eduardo Maia Costa:
«Assim, a identificação do bem jurídico de um crime depende essencialmente da análise rigorosa dos seus elementos típicos, e não da sua inserção sistemática ou do seu «nome», elementos que deverão também ser considerados, mas não são decisivos.
Mesmo os crimes contra o Estado ou contra a sociedade podem «esconder» algum ou alguns interesses particulares suficientemente valiosos para a lei lhe reconhecer protecção directa. A defesa do interesse público ou social constitui naturalmente o objectivo primeiro deste tipo de crimes. Mas, a par dele, outros valores, de natureza privada, podem coexistir, amparando -se na tutela pública, mas com suficiente autonomia para se afirmarem como interessados específica e autonomamente, não apenas reflexamente, na punição da conduta típica.
A própria oposição público/privado se apresenta por vezes incapaz de caracterizar com precisão a natureza de interesses complexos que recebem a tutela penal.
Em síntese: sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas «expectativas comunitárias»), estaremos perante um bem jurídico protegido.
Assim, depois da análise concreta, caso a caso, da tipicidade da incriminação se pode chegar à identificação do ou dos bens jurídicos protegidos e consequentemente dos seus titulares.
É partindo deste pressuposto que passaremos a analisar o crime em referência nos autos.
O bem jurídico protegido no crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 391.º do CPC e 348.º do CP
Importa, antes de mais, recordar o texto das disposições em referência:

Artigo 391.º [do CPC]
Garantia penal da providência

Incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva.

                                               Artigo 348.º [do CP]
                                                      Desobediência
1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
2. A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.

O crime em questão, sendo embora um crime de desobediência, que envolve o desrespeito por uma ordem estatal, e é punido como tal, constitui um crime com contornos específicos dentro do tipo geral da desobediência.
Na verdade, a inserção da previsão no CPC, e concretamente no capítulo sobre as providências cautelares, a par da significativa epígrafe («garantia penal»), indicia um propósito que o texto da norma expõe com clareza e sem lugar a equívocos: o de criminalizar a desobediência à providência decretada como garantia para o requerente da mesma, uma garantia reforçada, pois acresce à dos meios cíveis de execução coerciva de que ele também dispõe.
É a coercibilidade penal da providência decretada que a incriminação garante, em benefício manifesto de quem a requereu.
Obviamente que também o Estado está interessado no cumprimento da providência, enquanto ordem oriunda de um órgão de soberania, estando, pois, em causa a sua autoridade, ou a sua «autonomia intencional», conforme costuma caracterizar -se o bem jurídico protegido pelo crime de desobediência.
Mas a função de garantia dos interesses privados dos requerentes das providências cautelares é por de mais evidente para poder ser escamoteada ou relativizada. Eles são portadores de um interesse próprio, específico, directo e identificável no cumprimento da ordem emanada da providência, um interesse que não se confunde com o interesse geral e mediato que todos os cidadãos têm na vigência efectiva das normas penais, nem com o mero interesse cível do lesado na reparação do dano. A lei confere aos requerentes das providências uma específica garantia, uma garantia penal, especialmente dirigida à protecção dos seus interesses.
Por isso, que reconhecer-lhes a titularidade de um interesse específico, de um bem jurídico autónomo, o que implica evidentemente o reconhecimento de legitimidade para se constituírem assistentes em processo por crime de desobediência, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP».

2.5. Ora, estando em causa a violação da decisão proferida no âmbito da providência cautelar, e de acordo com a decisão do STJ referida em 3.3., a presente recorrente tem inegável legitimidade para se constituir como assistente nos presentes autos, na medida em que, apesar do crime em causa revestir natureza pública, visando proteger a autonomia intencional do Estado, ele tem impacto directo na esfera jurídica da SPA - representante dos titulares dos direitos de autor –, posto que a violação da sentença proferida no TPI terá causado danos patrimoniais aos titulares desses direitos.
Como bem afere a motivação de recurso:
«Para constatar tal circunstancialismo, bastará atender ao descrito no despacho de pronúncia como sendo uma «(…) tentativa hábil (mas vã) para claramente procurar “contornar” e descontextualizar o que foi decidido na providência cautelar aqui em causa.» – para se concluir pelo interesse da requerente da providência cautelar no desfecho do presente processo».
E, se assim é, então também a decisão ora recorrida assentou num conceito «monolítico» e formal de bem jurídico, segundo o qual, nos crimes contra o Estado, em todos eles, e independentemente de qualquer análise do tipo legal de crime em concreto, ninguém se poderá constituir assistente, por ser exclusivamente público o interesse protegido pela incriminação.
Este conceito monolítico de bem jurídico foi já profusamente rejeitado, por não permitir analisar e identificar a amplitude da protecção concedida pelos tipos penais, fechando-se num conceptualismo idealista que ignora e escamoteia a função tutelar efectiva que a lei penal desempenha.
Decidimos assim que, ao não analisar correctamente o tipo legal de desobediência concretamente imputado ao agente e o âmbito de tutela que essa incriminação se propõe cobrir, a decisão recorrida chegou a uma conclusão desfasada da real pretensão tutelar contida na lei.
Note-se que a decisão recorrida alude a um aresto desta Relação, datadíssimo no tempo (de 1986), lendo o seu teor como entendimento corrente a nível jurisprudencial, o que está longe de ser juridicamente verdade no estado actual da mesma, não se deixando ainda de anotar que o acórdão da Relação do Porto de 12/1/2011, aludido na decisão recorrida, nem sequer faz referência ao AUJ n.º 10/2010, já publicado em DRE no dia da sua prolação (foi-o em 16/12/2010).
O que também se estranha é que a própria decisão recorrida não tenha também feito qualquer alusão ao dito aresto de fixação de jurisprudência[2], não tendo trazido aos autos qualquer argumento que infirme o teor desse AUJ, legitimador de uma outra posição sobre o assunto.
Ou seja:
Pelos fundamentos acima descritos, só pode proceder este recurso, conferindo à SPA um inegável interesse directo nesta demanda criminal (cuja alavanca maiêutica é da sua lavra), devendo-se, assim, admitir a recorrente como assistente nos autos, com as legais consequências, assente ainda que está em tempo[3], encontra-se representado por mandatário e pagou a devida taxa de constituição como assistente.
Não se deixará de anotar, em resposta ao parecer da Exmª PGA nesta Relação, que o que está em causa discutir neste sede é só a legitimidade para a SPA intervir como assistente num processo crime que está legitimado por uma pronúncia criminal relativamente a factos relativos a uma alegada desobediência a uma decisão de uma providência cautelar – tudo o que se expende nesse parecer é mister da sentença a proferir nestes autos, não contendendo, nem de longe nem de perto, com a matéria que agora nos ocupa.
Independentemente de ter ou não entretanto caducado esta providência cautelar (está nos autos a decisão da acção principal), urge resolver em sede criminal (e não cível) se o arguido desobedeceu a essa ordem judicial, mesmo que cautelar.
Por ora, foi este tribunal incumbido apenas de saber se a SPA tinha ou não legitimidade para se assumir nos autos como assistente.
E respondemos pela afirmativa, sem qualquer dúvida.

2.6. Em sumário da nossa decisão:
A Sociedade Portuguesa de Autores tem inegável legitimidade para intervir como ASSISTENTE num processo criminal em que esteja em causa a prática de um crime de desobediência qualificada - decorrente de violação da por si intentada providência cautelar  -  p. e p. pelos artigos 375º do CPC e 348º, nº 2, do CP, tendo um interesse directo na demanda enquanto titular de um interesse próprio, específico, directo e identificável no cumprimento da ordem emanada da providência cível já decretada.

            III – DISPOSITIVO       

            Em face do exposto, em decisão sumária, concedo provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida datada de 21/10/2022 (1ª parte) e, em consequência, admito a SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES, CRL a intervir nos autos como ASSISTENTE.

            Sem custas.

Coimbra, 19 de Janeiro de 2023


 (Consigna-se que a decisão foi elaborada e integralmente revista pelo seu signatário - artigo 94.º, n.º2, do CPP -, com assinatura electrónica aposta na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)

Paulo Guerra (Relator)




[1] Uma pessoa que tenha sido vítima de um crime pode limitar-se a apresentar queixa, caso em que é designada de denunciante. Já se quiser ter poderes que lhe permitam intervir directamente no andamento do processo, deve constituir-se assistente.
Ao fazê-lo, assume uma posição de colaboração com o Ministério Público, entidade a quem compete investigar, deduzir acusação e sustentá-la efectivamente.
Em particular, o assistente tem os direitos de:
· intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que considere necessárias (mas não realizar, ele próprio, actos de investigação);
· deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de crimes particulares em sentido estrito, deduzir acusação mesmo que aquele a não deduza;
· interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo para tanto de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.
O assistente é, assim, o sujeito processual que, no âmbito do processo penal, assume o papel de colaborador do Ministério Público, encontrando-se a sua actividade subordinada à intervenção daquele, salvas as exceções da lei (artigo 69º, nº 1 do CPP).
Esse papel do assistente como colaborador do MP é mais visível ou patente no domínio dos crimes públicos e semipúblicos (como, por exemplo, no que respeita à possibilidade do assistente, finda a fase de inquérito, deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles – artigo 284º do CPP) do que nos crimes particulares (aqui, o assistente, finda a fase de inquérito, é notificado pelo MP para, querendo, deduzir acusação e, só depois, é que o MP deduz acusação – artigo 285º do CPP).
Podem-se constituir como assistentes no processo penal as pessoas ou entidades descritas no artigo 68º, nº 1 do CPP, que, correspondem, grosso modo, aos ofendidos (ou os seus descendentes ou representantes legais) e qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção (sem prejuízo do alargamento destas entidades, através de legislação avulsa, como ocorre, por exemplo, no domínio dos crimes ambientais).
Compete, em especial aos assistentes, intervir no inquérito e instrução (oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que recaiam sobre tais iniciativas), deduzir acusação (independentemente da conduta processual adotada pelo MP) e interpor recurso (ainda que o MP não o faça) – artigo 69º, nº 2 do CPP.
O assistente tem ainda outros direitos, com destaque para os relativos à fase de julgamento.
Pode, nomeadamente, participar na audiência, fazer alegações no final desta através do seu advogado, pronunciar-se sobre os meios de prova, arrolar testemunhas e questionar directamente essas testemunhas e as arroladas pelo arguido.
A constituição de alguém como assistente implica o pagamento de taxa de justiça e obriga a ter advogado.


[2] AUJ que é expressamente referenciado pela SPA no seu requerimento de constituição de assistente.
[3] Cfr. artigo 68º, nº  3, alínea a) do CPP – a circunstância de o ofendido não ter requerido a sua constituição como assistente antes do debate instrutório, realizado nestes autos, não obsta a que o faça antes da produção de prova na audiência de julgamento, entretanto já marcado e ainda não realizado. Note-se que o limite ad quem de 5 dias, que constitui uma limitação à regra geral, vale para a respectiva fase.