REPARAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
UTILIZAÇÃO DE VIATURA AUTOMÓVEL
PENSÃO PROVISÓRIA
DESCONTO NO MONTANTE DAS PRESTAÇÕES
Sumário

I - O conceito de retribuição consagrado no art. 71º da Lei 98/2009 é, para efeitos de reparação de acidente de trabalho, mais amplo do que o resultante do CT/2009, apenas se exigindo, naquele, que a prestação tenha um caráter de regularidade e não se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
II - Decorrendo da matéria de facto provada que a Ré empregadora disponibilizava à A. a utilização de viatura automóvel para o exercício, por esta, da sua atividade profissional e, bem assim, que, ainda que por razões de comodidade, nunca obrigou a A. a deixar a viatura, ao final do dia, ou ao fim de semana, nas suas instalações, permitindo que esta a levasse para casa, que a mantivesse na sua posse mesmo quando não estivesse a trabalhar, que a utilizasse em deslocações pessoais até um limite de 1.000 Km por mês sem qualquer custo acrescido, sendo os quilómetros percorridos, a título pessoal, que ultrapassassem esse limite pagos pela mesma, e, bem assim, que era a Ré quem suportava os encargos com a viatura em termos de manutenção e seguros, a utilização da viatura para fins pessoais da A. com o mencionado limite de 1.000Km por mês integra a sua retribuição, em espécie, devendo o correspondente valor pecuniário ser tido em conta para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho e, não se encontrando a responsabilidade pela reparação, nessa parte, transferida para a Ré Seguradora, sendo a Ré Empregadora a responsável nos termos do art. 79º, nºs 1, 4 e 5 da LAT/2009.
III - A incapacidade temporária converte-se em permanente nos termos previstos no art. 22º da Lei 98/2009.
IV - Decorrendo da matéria de facto provada que:
- a A. esteve sem assistência médica a partir de 29.10.2014, data em que a Ré Seguradora lhe deu alta, situação essa que se manteve até 27.01.2016, data esta em que, na sequência de participação da A. do acidente de trabalho, foi a mesma objeto de reavaliação e tratamentos pela Seguradora, aos 15.11.2015 perfez-se 18 meses sem tratamento, pelo que, aos 16.11.2015 se verificou a conversão da sua incapacidade temporária, então de 50%, em permanente, com direito à correspondente pensão;
- a A., a partir de 28.01.2016 até 18.01.2019, esteve afetada de ITA, deverá a pensão, face à conversão, ser alterada em conformidade (IPA).
- A partir de 19.01.2019 passou a A. a estar afetada de uma IPATH com uma incapacidade de 21% para o exercício de outra profissão [sem prejuízo da aplicabilidade do fator de bonificação de 1,5, previsto no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10], devendo a pensão ser, em conformidade, alterada.
- A IPATH não é incompatível com a atribuição do mencionado fator de bonificação de 1,5.
- Tendo sido fixada pensão provisória, deverá o Tribunal, oficiosamente, atender à mesma, determinando o seu desconto aos montantes que sejam devidos ao sinistrado, assim como deverá determinar o desconto das indemnizações por incapacidades temporárias que já hajam sido pagas.

Texto Integral

Procº nº 338/15.2Y3VNG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1310)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

AA, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo especial de acidente de trabalho, contra X..., S.A. e M..., S.A., tendo formulado os seguintes pedidos:
“a) Pensão provisória mensal, no montante de 1.934,63€, 14 meses por ano;
b) Pensão anual vitalícia de 39.415,78€, devida desde o dia 16-11-2016;
c) A quantia de 10.896,04€, a título de indemnização por incapacidade temporária;
d) A quantia de 5.533,68€, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente;
e) A quantia e 35,00€ a título de despesas;
f) Juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, sobre todas as quantias supra-referidas, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
Mais deve a 1ª R. ser condenada a disponibilizar à sinistrada os tratamentos clínicos e nosológicos e todos e quaisquer outros tratamentos que se revelem necessários, úteis e adequados à sua recuperação funcional.”
Alegou, para tanto e em síntese que, no dia 15 de maio de 2014, quando se encontrava ao serviço da 2ª Ré, no exercício das respetivas funções profissionais de delegada de informação médica, tropeçou e caiu sobre o punho e mão direita, na sequência do que sofreu lesões, tendo ficado a padecer de uma I.P.A. desde 15 de novembro de 2016; para além da retribuição mensal de 2.107,14€ x 14 meses, acrescido de 396,00€ x 11 meses, a título de subsídio de alimentação e de um prémio por objetivos, no valor de 2.353,44€, pago trimestralmente, beneficiava da utilização, para uso profissional e pessoal, 24 horas por dia, todos os dias do ano, de viatura atribuída pela Ré Empregadora, que suportava todos os encargos, incluindo manutenção, seguros e combustíveis, tendo-lhe esta disponibilizado ainda um cartão Galp Frota, com o qual esta abastecia a viatura de combustível para todas as deslocações, quer no âmbito pessoal como profissional, suportando a 2ª R. diretamente a totalidade do custo desses abastecimentos.
A utilização, dessa forma, da viatura consubstancia retribuição em espécie, a que corresponde o valor mensal de €500,00 e que assim deve ser tido em conta para o cálculo da sua retribuição anual e prestações que lhe são devidas.
Requereu também a fixação de pensão provisória.

As RR. contestaram, alegando, em síntese, que consideram que o valor reclamado pela sinistrada a título de prémio e a utilização pela mesma de viatura automóvel disponibilizada pela empresa, não integram, pelas razões que invocam, o conceito de retribuição, mais dizendo desconhecer os critérios que levaram a A. a atribuir o valor de €500,00 mensais a tal prestação, não alegando esta o processo de definição e concretização da vantagem económica emergente da utilização do veículo automóvel. Mais diz a Ré Empregadora que o cartão Galp Frota tinha como propósito a sua utilização para pagamento de combustível destinado às deslocações profissionais que a Autora tinha que realizar, concluindo pela sua absolvição dos pedidos.
Quanto à Ré Seguradora alega ainda que, de todo o modo, que não foi para si transferida a responsabilidade correspondente a tais prestações, sendo apenas responsável pela reparação com base na retribuição anual de €33.855,96, correspondente à retribuição base de €2.107,14 x 14 meses, acrescida de subsídio de refeição de Euro 396,00 x 11 meses e, bem assim, que:
No que toca à conversão das incapacidades temporárias em permanentes que: de acordo com os seus serviços clínicos, os períodos de incapacidade temporária a considerar são os seguintes: ITA entre 16/05/2014 a 25/07/2014 (71 dias), ITP de 10% entre 26/07/2014 e 19/09/2014 (56 dias), SI entre 20/09/2014 e 29/10/2014 (40 dias), tendo, aos 29.10.2014, atribuído à A. alta, sem desvalorização, momento em que deixou de ser por aqueles seguida; em 28/01/2016, a A. teve uma recaída, na sequência do que a A. foi novamente seguida nos seus serviços clínicos, tendo-lhe sido atribuída ITA desde 28/01/2016 até 17/01/2019, com internamento hospitalar entre 29/02/2016 e 02/03/2016, tendo a data da alta, por consolidação médico-legal das lesões, fixado-se em 17/01/2019, tendo a A, de acordo com os seus serviços clínicos, ficado afetada de uma IPP de 20%; considerando tais períodos de incapacidade temporária, a conversão da ITA em IPA, ao abrigo do disposto no art. 22º n.º 2 da LAT, fruto do decurso de 30 meses em situação de incapacidade temporária, sempre deveria ter em consideração, como data de início da contabilização do período de 30 meses, o dia 28/01/2016, pelo que só no dia 16/07/2018, é que perfez 30 meses de tratamento. E, assim sendo, discorda do relatório do INML datado de 20/10/2019, porquanto o mesmo não teve em devida consideração o facto da sinistrada ter tido alta, sem desvalorização, em 29/10/2014 e o facto da mesma ter apresentado uma recaída e não uma situação de continuidade sintomatológica associada ao acidente dos autos. Conclui, pois, que a conversão da ITA em IPA terá ocorrido em 16/07/2018.
Mais diz que a conversão da ITA em IPA é uma conversão da natureza da incapacidade, de temporária para permanente, e não do respetivo grau, pelo que deve à A. ser fixada uma IPP de 20%, e pelo menos a partir de 17/01/2019, data da efetiva consolidação médico-legal das lesões, discordando também da IPATH.
No que toca à fixação da pensão provisória, alega a Ré Seguradora que, nos termos do o art.º 52º n.º 3 da LAT/2009, tem vindo a pagar à A., desde janeiro de 2019 (logo após a data da alta), a quantia mensal de Euro 338,56, tendo, até à data da contestação, pago o total de €5.937,32
Conclui pela improcedência da ação.

Foi, aos 16.07.2020 proferido despacho que decidiu fixar à A. “a pensão provisória anual atualizável de €1.947,88, a ser paga pela ré seguradora mensalmente, nos termos do disposto no art. 72.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, no domicílio da autora, sem prejuízo de estipulação diversa por acordo (art. 73.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro), desde a data em que foi pedida (data da apresentação da petição inicial, 24/01/2020).
Os montantes já vencidos serão pagos de uma só vez com a primeira prestação”, decisão essa que foi objeto de reclamação pela Ré Seguradora, mas indeferida por despacho de 30.07.2020.

Foi proferido despacho saneador, com seleção da matéria factual assente e dos temas da prova e, realizada audiência de discussão e julgamento e, aos 09.11.2021, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
I. Declaro que a sinistrada AA, por força do acidente sofrido, ficou afetada de I.P.P. de 21% (vinte e um por cento) a partir de 19 de janeiro de 2019, com I.P.A.T.H.;
II. Condeno a R. X..., S.A. a pagar à sinistrada a quantia global de €75.539,11 (setenta e cinco mil quinhentos e trinta e nove euros e onze cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias;
III. Condeno a R. X..., S.A. a pagar à sinistrada uma pensão anual e vitalícia no montante de €18.349,93 (dezoito mil trezentos e quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos) a partir de 19 de janeiro de 2019, bem como a quantia de €4.222,20 (quatro mil duzentos e vinte e dois euros e vinte cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
IV. Absolvo a R. entidade empregadora, M..., S.A., dos pedidos contra ela formulados;
V. Mais condeno a A. e a R. seguradora nas custas do processo, na proporção de trinta por cento para a primeira e de setenta por cento para a segunda.
Fixo o valor da ação em € 345.284,80 (art.º 120.º do C. P. Trabalho)”, a qual foi notificada aos ilustres mandatários das partes, via citius, com data de expedição de 09.11.2021.

Aos 22.11.2021, a Ré Seguradora veio requerer a retificação da sentença quanto: i) à data, de “28.11.2016” dela constante referente ao novo período de ITA, a qual deverá ser a de “28.01.2016”; ii) tendo em conta que havia sido fixada à A. pensão provisória, que ao segmento condenatório referente ao pagamento da pensão seja aditada a expressão “sem prejuízo de dedução dos montantes já pagos à sinistrada a título de pensão provisória”.

Aos 29.11.2021, a A. veio interpor recurso de apelação pretendendo, para além das demais questões que suscita, a retificação, nos termos já acima requeridos pela Ré Seguradora, da data da ITA de “28.11.2016” para “28.01.2016” e consequente reformulação do cálculo da correspondente indemnização por tal ITA, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Na esteira do que veio já requerido pela R. seguradora em requerimento que oportunamente dirigiu aos autos, verifica-se que a sentença padece de lapso de escrito, no que se refere concretamente à fixação dos períodos de incapacidade temporária enumerados no ponto 16) dos factos provados, ao referir que a A. esteve em situação de ITA desde 28 de Novembro de 2016 até 18 de Janeiro de 2019, quando na realidade se pretendia dizer de 28 de Janeiro de 2016 até 18 de Janeiro de 2019;
2. O lapso teve certamente na sua origem no que vem escrito na decisão da sentença de fixação de incapacidade, em apenso aos presentes autos, onde tal erro é inicialmente cometido;
3. O referido lapso resulta de ter sido erradamente acrescentado um “1” à referida data: em vez de 18/01/2016, escreveu-se 18/11/2016;
4. Devendo ser rectificada a sentença, passando a constar que a A. esteve em ITA desde 28/01/2016 até 18/01/2019, e não desde 28/11/2016 até 18 de Janeiro de 2019;
5. Na sequência da requerida rectificação, deve ser recalculado o montante a que a A. tem direito a receber da seguradora a título de ITA, sendo certo que, também nesta matéria a sentença parece de lapso, ao considerar nos seus cálculos 853 (365 + 488) dias de ITA;
6. Considerando as datas fixadas na sentença, a A. encontrou-se em situação de ITA: desde 16/05/2014 até 25/07/2014, a que correspondem 70 dias, e desde 28/01/2016 até 18/01/2019, a que correspondem 1.086 dias, totalizando 1.156 dias de ITA;
7. A A. tem, assim, direito a receber da R. seguradora a quantia de 78.730,05€ a título de ITA (92,76€ x 70% x 365 dias + 92,76€ x 75% x 791 dias), e não os 57.650,34€ referidos na sentença;
8. Certamente também por lapso, a sentença é omissa quanto ao pedido de condenação da R. seguradora no pagamento de juros, à taxa legal, contados desde a data de vencimento das indemnizações por IT e das pensões por IP, bem como da data de vencimento do subsídio por elevada incapacidade permanente;
9. Também a sentença não se pronuncia quanto ao pedido formulado em último lugar na PI, ou seja, o da condenação da R. seguradora a disponibilizar à A. os tratamentos clínicos e nosológicos e todos e quaisquer outros tratamentos que e revelem necessários, úteis e adequados à sua recuperação funcional e ao restabelecimento do seu estado de saúde, omissão que se requer seja corrigida, condenando-se a R. seguradora nos precisos termos do pedido;
10. Contraditando, o requerimento de rectificação apresentado pela R. seguradora, sempre se dirá que a pretendida dedução dos montantes já pagos à sinistrada, a título de pensão provisória, deve ser fixada até ao limite dos valores pagos, não havendo lugar, em circunstância alguma, à devolução de quaisquer montantes pagos;
11. Termos em que a sentença deve ser rectificada nos termos do disposto no artigo 614º do CPC, sendo este o meio próprio para o requerer, nos termos do nº 2 daquele preceito normativo;
12. O julgamento da matéria de factos em causa nos presentes autos, concretamente no que se refere à retribuição em espécie, materializada na utilização de viatura de serviço, não espelha a prova produzida, antes pelo contrário, contraria claramente tudo quanto foi exaustivamente demonstrado, impondo-se decisão diversa, impugnando-se a decisão da matéria de factos, nos termos do disposto no artigo 640º e para os efeitos previstos no artigo 662º, ambos do CPC;
13. Contrariando a prova existente nos autos, de forma mais evidente a produzida em audiência de julgamento, registada em gravação audio, o Tribunal recorrido, no ponto 27, deu como provada que a R. M... disponibilizou à sinistrada um veículo automóvel para efectuar as deslocações para fins profissionais porque as suas funções implicavam deslocações constantes dentro do território nacional;
14. Tal matéria entra em contradição com a que foi dada como provada no ponto 13 da matéria de facto, onde se deu como provado, e bem, que a A. quando foi admitida se obrigou a disponibilizar a sua viatura para as deslocações no âmbito dos serviços prestados à R. entidade patronal;
15. Não foi pelo facto de as funções desempenhas pela A. implicarem constantes deslocações dentro do território nacional que levou a R. a disponibilizar-lhe um veículo, mas antes foi o facto de a R. M... ter decidido alterar as condições previamente contratadas, que obrigavam a A. a disponibilizar a sua viatura própria, que fez com que aquela R. disponibilizasse uma viatura para as suas deslocações, viatura que veio substituir a viatura própria da A.;
16. Assim, da análise crítica do conjunto da prova produzida não é possível dar como provado o que vem assim decidido no ponto 27 da matéria de facto;
17. Como não pode ser considerada provada a matéria vertida no ponto 28:
18. As únicas testemunhas inquiridas sobre a matéria em causa, quanto às condições de utilização das viaturas de serviço, que tiveram conhecimento directo dos factos, foram as testemunhas indicadas pela A. BB e CC, que à data dos factos eram também trabalhadores da R., ou do grupo B..., sujeitos às mesmas condições de utilização de viatura, testemunhas que depuseram de forma espontânea, convincente, demonstrando perfeito conhecimento dos factos e total isenção, justificando a sua razão de ciência;
19. Contrariamente às testemunhas indicadas pela R. M... que não eram seus funcionários à data dos factos, que deles não tiveram conhecimento directo, que são actualmente funcionárias desta R. e que, por isso, se apresentaram com um discurso comprometido com as funções que agora desempenham ao serviço da R. M..., sem o directo conhecimento dos factos;
20. Na sua fundamentação, o Tribunal recorrido realça o facto de a testemunha CC ter, alegadamente, entrado em contradição com as declarações de parte da A., ao afirmar que continuou a utilizar a viatura de serviço quando esteve no gozou licença parental, aquando do nacimento da filha que tem 15 anos, portanto em 2006, enquanto a A. terá confessado que apenas em 2010 passou a utilizar viatura da empresa;
21. Tal conclusão é errada, uma vez que a testemunha CC diz que há 15 anos gozou licença parental continuando a utilizar a viatura de serviço, enquanto a A. referiu que ela própria apenas passou a utilizar viatura de serviço disponibilizada pela R. M... em 2010, porque esta R. aceitou que os funcionários que tinham em vigor contratos de concessão de crédito para aquisição de viatura própria só passariam para o regime de viatura de serviço quando os contratos terminassem, o que no caso da A. aconteceu em 2010, não existindo qualquer contradição entre o depoimento da testemunha CC e as declarações da A.;
22. A matéria de facto vertida no ponto 31 não reflecte o que ficou provado, resultando do depoimento das testemunhas que o cartão Galp Frota tinha como propósito a sua utilização para pagamento de todo o combustível gasto nas deslocações, quer profissionais quer de índole pessoal;
23. O cartão Galp Frota era sempre utilizado para pagamento dos abastecimentos, matéria que deve ser correctamente dada como provada;
24. O uso da viatura de serviço era de tal forma pessoal que a própria escolha no momento da celebração do contrato de aluguer competia ao trabalhador, que apenas ficava sujeito ao plafond estabelecido pela R. M..., tal como declararam as testemunhas BB e CC e como resulta demonstrado pelo documento intitulado “Viaturas de Serviço”, junto por aquela R. em requerimento apresentado aos autos em 08/10/2021, referente às normas interna de atribuição de utilização de viatura de serviço;
25. Pelo que se impõe ter em consideração apenas a prova documental e as declarações prestadas pelas testemunhas BB e CC quanto ao julgamento da matéria de facto relativa à retribuição em espécie, mais concretamente no que se refere à utilização da viatura de serviço.
26. Analisada criticamente tal prova, impõe-se dar como não provado o que vem vertido no ponto 28, 29 e 31, como se impõe dar como provada a matéria vertida em b) (com a correcção de que o veículo foi disponibilizado em 2010) e em d) dos factos julgados não provados;
27. Outrossim, impõe-se julgar não provado o que vem vertido nos pontos 27, 28, 29, 30 e 31.
28. Quanto à matéria de facto vertida em 30 dos factos provados, de que os quilómetros em deslocações pessoais que excedam os mil são pagos, nenhuma testemunha o afirmou, resultando antes que para além dos mil quilómetros em deslocações pessoais, os trabalhadores tinham de pagar o combustível, o que era calculado de acordo com os quilómetros, o que é bem diferente daquilo que foi considerado provado;
29. Julgada nestes termos a matéria de facto, deve o Tribunal ad quem reconhecer que a disponibilização da viatura à A., nos termos e condições em que esta a utilizava, constituía uma prestação regular e periódica, destinada à satisfação das necessidades pessoais da A., e por isso uma verdadeira retribuição em espécie, o que até se presume nos termos do disposto no nº3, do artigo 258º, do Código do Trabalho, prestação a ter em consideração para cálculo da retribuição da A., o que terá o seu reflexo no cálculo das indemnizações pelas IT e nas pensões pelas IP;
30. Não se encontrando demonstrado o valor que correspondente a essa retribuição em espécie, impõe-se remeter as partes para o posterior incidente de liquidação de sentença;
31. A sentença recorrida, no item 16, dá como provado que a A., por força do acidente de trabalho, esteve com incapacidade temporária desde o dia seguinte ao acidente, 16/05/2014, até 18 de Janeiro de 2019, em concordância com as respostas unânimes dadas pelos peritos no auto de exame por junta médica;
32. Razão pela qual a incapacidade temporária absoluta de que padecia a sinistrada desde 16/05/2014 deve ser convertida em incapacidade permanente absoluta no dia 17/11/2016, ou seja, 18 meses após o início da incapacidade temporária, nos termos do disposto no artigo 22º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro;
33. Incapacidade permanente absoluta que deve perdurar até ao dia 18/01/2019, uma vez que a partir de 19/01/2019 foi fixada à sinistrada uma incapacidade permanente parcial de 21%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
34. Ora, acontece, que, o tribunal recorrido não teve em consideração o período de IPA de que beneficia a A., por força da conversão de legal imposta pelo referido artigo 22º, no período de17/11/2016 a 18/01/2019, tendo apenas calculado os valores da indemnização por incapacidades temporárias e a pensão anual pela incapacidade permanente parcial com uma redução da capacidade de ganho de 21%;
35. Impõe-se que seja recalculado o valor da pensão da A., considerando que esta esteve com IPA de 17/011/2016 até 18/01/2019, acrescentando ao valor da pensão o valor do subsídio de elevada incapacidade, tal como dispõe a sentença recorrida;
36. Na tentativa de conciliação, que teve lugar na fase conciliatória, a R. seguradora reconhece a conversão da ITA em IPA, apenas não concordando com a data da conversão aí proposta pela sinistrada, sustentado: “Assim, salvo melhor opinião, perfaz 30 meses de tratamento em 16-07-2018, data a partir da qual deverá ser considerada a IPA.”, conforme conta do auto de não conciliação;
37. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 258º, 259º e 283º do Código do Trabalho, o artigo 607, nº4, do Código do Processo Civil, bem como o disposto nos artigos 22º e 48º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro;
38. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se sentença recorrida e proferindo-se Acórdão que julgue a acção em conformidade com a prova produzida nos autos e de acordo com o direito que lhe é aplicável.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se sentença proferida pelo Tribunal recorrido e substituindo-a por acórdão que julgue a acção procedente, condenando-se as RR. em conformidade, (…).”

A Ré Seguradora, aos 17.12.2021, contra-alegou, não tendo formulado conclusões, mas referindo, no corpo das alegações que:
“Na sequência disso, por douto despacho de 21/07/2020, foi-lhe fixada a pensão provisória actualizável de €1.947,88, a ser paga mensalmente pela Seguradora recorrida, desde a data em que foi pedida, isto é, desde 24/01/2020.
Desde a referida data que a Seguradora recorrida tem vindo a proceder ao pagamento mensal da pensão provisória em causa, bem como, dos respectivos subsídios de férias e de natal.
No período que decorreu entre 18/01/2019 a 01/11/2021, a Seguradora recorrida liquidou à A./recorrente o valor global de Euro 57.440,20, a título de pensão provisória.
Analisada a douta sentença proferida, e tal como se aduziu no pedido de rectificação da sentença, a mesma é totalmente omissa quanto a esta questão da pensão provisória, e pese embora a sua atribuição esteja devidamente consignada nos autos.
Assim, por considerar que se tratou de manifesto lapso da decisão – uma vez que dos autos figuram todos os elementos atinentes à fixação de pensão provisória – a Seguradora Recorrente suscitou a rectificação da decisão em causa, para que da mesma ficasse a constar, em sede decisória e, concretamente, no ponto III:
Condeno a R. X..., S.A. a pagar à sinistrada uma pensão anual e vitalícia no montante de €18.349,93 (dezoito mil trezentos e quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos) a partir de 19 de Janeiro de 2019, sem prejuízo de dedução dos montante já pagos à sinistrada a título de pensão provisória.
No mais, pugnou pela rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto por incumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do CPC, alegando para tanto e em síntese que: a Recorrente não deu cumprimento ao previsto no art. 640º, nº 2, al. a) e, bem assim, que: “o cumprimento dos ónus vertidos no art. 640º n.º 1 e 2 do Cód. Proc. Civil não se basta com o vertido nas alíneas 25 e 26 das conclusões de recurso, onde a Apelante se limita a manifestar a sua discordância com o doutamente decidido pelo Mmo. Tribunal a quo, fazendo uma mera indicação genérica dos meios probatórios que, no seu entender, foram mal apreciados, mas sem nunca fazer uma qualquer correspondência ou referência entre os mesmos e os concretos factos que entende terem sido incorrectamente julgados ou sequer a indicação das concretas passagens da gravação”.
Mais conclui no sentido do não provimento do recurso quanto à questão da conversão da ITA em IPA.

Também a Ré Empregadora contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. A Recorrida Empregadora entende que a douta sentença a quo não merce qualquer censura, razão pela qual deverá ser mantida, improcedendo, assim, a apelação a que se responde.
Sem conceder,
2. Deverá ser rejeitado o recurso sobre a decisão de facto, uma vez que a Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação ínsito no artigo 640.º, número 1, alínea b), e número 2, alínea a), do CPC, uma vez que não indica o registo de inicio, nem de fim, dos depoimentos que invoca que seriam suficientes para alterar a decisão a quo, limitando-se a, parece, transcrever tais depoimentos, de forma não circunstanciada.
Caso assim não venha a ser entendido,
3. Os depoimentos das testemunhas DD, BB, EE, FF e GG (nos momentos indicados acima, na alegação), devidamente concatenados com a prova documental junta aos autos, quer sejam os recibos de vencimento da Recorrente, quer seja a política de utilização de viaturas no Grupo B..., vão exatamente no sentido que lhes foi oferecido pelo Tribunal a quo, não existindo nenhum argumento que coloque em crise, de forma evidente e incontornável, a decisão da primeira instância.
4. Uma vez que a apelação da Recorrente [no que respeita à definição da retribuição da mesma para efeitos de cálculo da pensão] se ancora na alteração da decisão sobre a matéria de facto, não sendo esta alterada, nada mais há a decidir quanto à aplicação do direito, pois tal não é objecto de recurso.
Não obstante,
5. Sendo a utilização pessoal do veículo automóvel atribuído à Recorrente mera tolerância da Recorrida, o mesmo sucedendo com a utilização do cartão galp frota, não há qualquer valor associado a essa utilização a ser integrado na retribuição da Recorrente para efeitos de definição de retribuição, nos termos do disposto no artigo 70.º, números 1, 2 e 3 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
6. Por outro lado, não tendo a Recorrente provado o custo que teria para si a aquisição de uma viatura destinada a ser usada, a título pessoal, e para além do aludido limite de mil quilómetros mensais, não haveria de todo o modo qualquer valor a integrar no conceito de retribuição.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto mui doutamente suprirão, requer-se que seja a presente Apelação declarada improcedente, confirmando-se a douta sentença a quo.”

Aos 05.01.2022, o Mmº Juiz proferiu despacho no apenso de fixação da incapacidade retificando o período de ITA nos termos requeridos pela Ré Seguradora e pela A. e, aos 31.01.2022, proferiu sentença retificando o período de ITA [no que toca à data de início da ITA de “28.11.2016”, passando a consignar-se a de “28.01.2016”] e consequente indemnização [fixada na 1ª sentença em “€75.539,11” e retificada para “96.757,96”], bem como o valor da ação, na qual, sentença, a final, decidiu [sublinhados nossos, correspondendo às alterações introduzidas]:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
I. Declaro que a sinistrada AA, por força do acidente sofrido, ficou afetada de I.P.P. de 21% (vinte e um por cento) a partir de 19 de janeiro de 2019, com I.P.A.T.H.;
II. Condeno a R. X..., S.A. a pagar à sinistrada a quantia global de €96.757,96 (noventa e seis mil setecentos e cinquenta e sete euros e noventa e seis cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias;
III. Condeno a R. X..., S.A. a pagar à sinistrada uma pensão anual e vitalícia no montante de € 18.349,93 (dezoito mil trezentos e quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos) a partir de 19 de janeiro de 2019, bem como a quantia de €4.222,20 (quatro mil duzentos e vinte e dois euros e vinte cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
IV. Absolvo a R. entidade empregadora, M..., S.A., dos pedidos contra ela formulados;
V. Mais condeno a A. e a R. seguradora nas custas do processo, na proporção de trinta por cento para a primeira e de setenta por cento para a segunda.
Fixo o valor da ação em €366.503,65 (art.º 120.º do C. P. Trabalho).”
Decisão esta que foi notificada aos ilustres mandatários das partes, via citius, com data de expedição de 01.02.2022.

Aos 14.02.2022, a Ré requereu a reforma da sentença nos mesmos termos acima mencionados em ii).

Aos 07.03.2022 o Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho: “ Com vista a dissipar quaisquer dúvidas, convido a sinistrada a, no prazo de dez dias, vir aos autos informar se, face ao teor da sentença proferida em 31 de janeiro de 2022, mantém, ou não, interesse na apreciação do recurso por si interposto”, na sequência do que a A., aos 09.03.2022, veio informar continuar a manter interesse no recurso, requerimento objeto de notificação, via citius, entre mandatários.

Aos 28.03.2022 foi pela 1ª instância proferido despacho no sentido de que as nulidades de sentença e reforma invocadas pela Ré Seguradora apenas poderiam ser invocadas em sede de recurso, pelo que nada teria que ser apreciado pela 1ª instância.

Aos 08.04.2022 a Ré Seguradora apresentou requerimento mantendo as contra-alegações já apresentadas e cuja cópia junta e, aos 11.04.2022, apresentou recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões:
“ 1. A Seguradora R., ora recorrente, não se conforma com a douta decisão recorrida por entender que a mesma padece dos seguintes vícios:
- Omissão de pronúncia quanto à questão da fixação de pensão provisória nos autos e respetiva necessidade de se descontar o valor já auferido pela sinistrada a esse título
- Erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto (concretamente quanto ao vertido na alínea g) dos factos não provados)
- Erro de julgamento no que diz respeito ao valor fixado a título de indemnização pelas incapacidades temporárias
2. Afigura-se, assim, que a douta sentença aqui posta em crise não faz um adequado julgamento de facto, bem como uma apropriada aplicação do direito, pelo que se impõe a sua revogação, e nos moldes que se passa a expor
I
Questão Prévia
Da Retificação da Decisão
Os efeitos do pagamento de pensão provisória
3 Sem prejuízo do que se exporá em sede de questão prévia quanto ao facto da falta de menção na decisão recorrida se dever a manifesto lapso e, portanto, ser suscetível de retificação
3. Tal como consta do pedido de retificação da sentença oportunamente formulado nos autos pela Seguradora ora recorrente (desde logo ressalvado nas contra-alegações já apresentadas), nos presentes autos a A/recorrida peticionou a fixação de pensão provisória mensal.
4. Na sequência desse pedido, por douto despacho de 21/07/2020, foi-lhe fixada a pensão provisória atualizável de €1.947,88, a ser paga mensalmente pela Seguradora recorrida, desde a data em que foi pedida, isto é, desde 24/01/2020.
5. Desde a referida data, e tal como lhe foi doutamente ordenado, que a Seguradora recorrente tem vindo a proceder ao pagamento mensal da pensão provisória em causa, bem como, dos respetivos subsídios de férias e de natal.
6. Tal como figura dos respetivos documentos comprovativos juntos aos presentes autos (vide requerimento de 31/01/2021, junto aos autos pela Seguradora recorrente e documentos que o acompanharam).
7. No período que decorreu entre 18/01/2019 a 01/11/2021, a Seguradora recorrente pagou à A/recorrida o valor global de Euro 57.440,20, a título de pensão provisória.
8. Analisada a douta sentença proferida, e tal como se aduziu no pedido de retificação da sentença, a mesma é totalmente omissa quanto a esta questão da pensão provisória, e pese embora a sua atribuição esteja devidamente consignada nos autos por decisão transitada em julgado.
9. Assim, por considerar que se tratou de manifesto lapso da decisão – uma vez que dos autos figuram todos os elementos atinentes à fixação de pensão provisória e seu pagamento – a Seguradora Recorrente suscitou, e suscita aqui novamente, a retificação da decisão em causa, para que da mesma fique a constar, em sede decisória, e concretamente no ponto III:
Condeno a R. X..., S.A. a pagar à sinistrada uma pensão anual e vitalícia no montante de €18.349,93 (dezoito mil trezentos e quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos) a partir de 19 de Janeiro de 2019, sem prejuízo de dedução dos montante já pagos à sinistrada a título de pensão provisória.
10. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, este pedido de retificação vem aqui agora formulado por uma questão de rigor e segurança jurídica, e com o intuito de se evitar eventuais obscuridades da decisão proferida.
11. Isto porque, e sempre com o merecido respeito por entendimento diverso, no art. 52º n.º 5 da Lei n.º 98/2009, o legislador é muito claro quando determina que: “Os montantes pagos nos termos dos números anteriores são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos”
12. Norma legal esta, de carácter imperativo.
13. Que se entende ser de aplicação automática, isto é, não dependente de determinação judicial nesse sentido, e a ter lugar aquando da determinação do efetivo pagamento à sinistrada das prestações a que a mesma tem direito.
14. Assim sendo, e em suma, diante do concreto circunstancialismo da questão em apreço, urge considerar que, efetivamente, a falta de alusão à fixação e pagamento da pensão provisória à sinistrada, para efeitos de aplicação da norma constante do art.º 52.º n.º 5 da Lei n.º 98/2009, é, pois, um verdadeiro lapso do Mmo. Tribunal a quo, não só suscetível de retificação a todo o tempo, mas também de conhecimento oficioso, atenta a natureza da norma em causa e o carácter de verdadeira indisponibilidade dos direitos exercidos em sede de evento infortunístico -laboral.
15. Trata-se, pois, de uma situação subsumível ao disposto no art.º 616º n.º 2 al b) do Cód. Proc. Civil, na medida em que constam do processo documentos ou outro meio de prova plena (no caso uma decisão judicial transitada em julgado) que só por si implica, necessariamente, decisão diversa da proferida.
16. A retificação em causa é, pois, passível de ser suscitada a todo o tempo.
17. Face ao supra exposto, e sempre com o merecido respeito por entendimento diverso, haverá que proceder à retificação da sentença proferida, impondo-se fazer referência na mesma à pensão provisória fixada e prestada à sinistrada, no ponto III da decisão proferida, e da forma que se passa a sugerir:
Condeno a R. X..., S.A. a pagar à sinistrada uma pensão anual e vitalícia no montante de €18.349,93, a partir de 19 de janeiro de 2019, sem prejuízo de dedução dos montantes já pagos à sinistrada a título de pensão provisória
18. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.
SEM PRESCINDIR
II
Da nulidade da decisão e da violação do disposto no art.º 52º n.º 5 da Lei 98/2009
19. Na eventualidade de assim não ser doutamente entendido (o que por mero dever de patrocínio se cogita) e se considerar que o falta de alusão na sentença, à fixação judicial, existência e pagamento à sinistrada de pensão provisória, não encerra mero lapso suscetível de retificação ou situação enquadrável na alínea b) do art. 612º n.º 2 do Cód. Proc. Civil, então sempre deverá ajuizar-se que tal omissão corresponde a verdadeira nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615º n.º 1 al d) do Cód. Proc. Civil.
20. Ou ainda, na perspetiva (que por mera hipótese de raciocínio se cogita) de que a norma constante do art.º 52º n.º 5 da Lei 98/2009 não é de aplicação automática, então a douta sentença recorrida incorreu em manifesta violação da lei, ao não aplicar o citado preceito imperativo.
21. Ora, tal como se aludiu supra, decorre do disposto no art.º 52º n.º 5 da Lei 98/2009, que “Os montantes pagos nos termos dos números anteriores são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos”
22. Considerando tal determinação legal, e diante do comprovado pagamento de pensão provisória à sinistrada, impunha-se ao Mmo. Tribunal a quo que na douta sentença proferida, fizesse operar a citada norma e, consequentemente, determinasse que no apuramento final dos direitos decorrentes do acidente para a sinistrada, fossem tidos em consideração todos os montantes que esta já auferiu a título de pensão provisória.
23. De modo a que se logre fazer o “encontro de contas” entre o que esta já auferiu a esse título, e a pensão definitiva que lhe foi fixada e que a mesma a partir do trânsito em julgado da decisão passará a auferir.
24. Ao não proceder dessa forma, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em manifesta violação de norma imperativa, concretamente, do disposto no art.º 52º n.º 5 da Lei 98/2009.
25. Assim sendo, impõe-se revogar a douta sentença proferida, neste conspecto, para que da mesma passe a constar a aplicação do disposto no art.º 52º n.º 5 da Lei 98/2009 e a determinação do respetivo desconto entre a pensão provisória que a sinistrada já auferiu, e o valor da pensão definitiva que tem direito a auferir.
26. De modo a evitar-se, não só uma flagrante violação da lei substantiva, de caracter imperativo, mas também um injusto e ilegítimo locupletamento da sinistrada à custa da Seguradora recorrente, consubstanciado no recebimento, por aquela, de uma dupla pensão destinada ao ressarcimento do mesmo dano.
27. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.
III
Do erro de julgamento quanto à matéria de facto
28. O presente recurso sobre a douta decisão proferida quanto à matéria de facto funda-se na convicção da Seguradora recorrente de que o Mmo. Tribunal a quo terá efetuado uma incorreta apreciação da prova, ao dar como não provados os factos constantes da alínea G) dos factos não provados.
29. Com efeito, entende a ora recorrente que, diversamente do vertido na sentença recorrida, da prova produzida resultou segura e suficientemente provado que: “ Em 28 de janeiro de 2016 a sinistrada teve uma recaída”
30. Em ordem à supra propugnada alteração da decisão de facto, haverá que atentar-se aos seguintes elementos de prova que, no entendimento da recorrente, impõe decisão diversa da proferida:
a. Auto de exame pericial por junta médica
b. Depoimento da testemunha HH, médico, que observou e seguiu a sinistrada em consulta, que prestou depoimento em audiência de julgamento de 01/10/2021, com inicio pelas 12:23:23, gravado em ficheiro informático no ficheiro 20211001122321_14265627_2871616, e concretamente no que o mesmo refere aos minutos 03.24, 04.13 e 11.14 a 13.25.
31. Da supra referida prova testemunhal e pericial, impunha-se, pois, decisão diversa da proferida, julgando-se provados os factos vertidos na alínea G) dos factos não provados.
32. Deverá, pois, ampliar-se o elenco da factualidade considerada provada, de modo a incluir os factos ora objeto de impugnação.
33. Ao decidir diferentemente, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento, violando o disposto no art. 607º n.º 5 do Cód. Proc. Civil, entre outros.
34. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos de aferição do valor devido em sede de indemnização por incapacidade temporária.
IV
Do erro de julgamento na fixação da indemnização devida a título de
incapacidades temporárias
35. Coligida a douta decisão aqui impugnada, da mesma decorre que, além do mais, foi a Seguradora recorrente condenada a pagar a quantia de €96.757,96 a título de indemnização por incapacidades temporárias.
36. Porém, e à semelhança do que sucedeu com a falta de alusão aos valores já recebidos pela sinistrada a título de pensão provisória, também no que tange aos valores já recebidos em sede de indemnização por incapacidades temporárias, a douta sentença proferida também se afigura omissa.
37. Na verdade, se se atentar ao teor do pedido formulado na petição inicial nesta sede, verifica-se que a sinistrada apenas pede a condenação das RR. no pagamento de €10.896,04,
38. Acresce que, do auto de não conciliação, consta desde logo que a Seguradora ora recorrente, à data, já tinha pago á sinistrada a quantia de Euro 12.011,91, a título de indemnizações por IT e relativas ao período que decorre entre 17/07/2018 e 17/01/2019.
39. Valor esse que, tal como está já evidenciado nos autos, entretanto ascendeu a Euro 78.167,36.
40. No modesto entendimento da Seguradora recorrente, e tal como já se referiu supra a respeito da necessidade de se proceder ao desconto, no valor final a pagar, dos valores já pagos a título de pensão provisoria, igual raciocínio se impõe para o caso das indemnizações por incapacidade temporária.
41. Deveria, pois, o Mmo. Tribunal a quo ter consignado na decisão proferida que a condenação da Seguradora X... no pagamento da quantia global de €96.757,96 a título de indemnização pelos períodos de IT, seria sem prejuízo de dedução dos montantes já pagos à sinistrada a tal título.
42. Deverá, assim, ser a douta decisão proferida revogada e substituída por outra que, entre o demais, contemple a necessidade de se deduzir, ao valor das IT´s a que a sinistrada tem direito na sequência do acidente de trabalho dos autos, o montante que a mesma entretanto já recebeu.
43. Sempre se considerando, neste concreto aspeto, a alteração supra propugnada da decisão de facto, no que toca à data da recaída.
44. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.
TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO SUBORDINADO, E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, NOS TERMOS SUPRA EXPENDIDOS, (…)”.

A A. não contra-alegou no recurso subordinado.

O Mmº Juiz proferiu despacho a admitir os recursos, principal e subordinado, ambos com efeito devolutivo.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso principal e da procedência do recurso subordinado, o qual não foi objeto de resposta pelas partes.

Aos 09.09.2022, foi pela ora relatora proferido, após uma resenha sumariada da tramitação processual acima descrita, despacho com o seguinte teor:
“O recurso subordinado deve ser interposto no mesmo prazo do recurso principal, porém a contar da notificação ao Recorrido da interposição do recurso principal (art. 633º, nº 2, do CPC/2013), prazo esse que, tratando-se de processo de acidente de trabalho, que tem natureza urgente, é de 15 dias, acrescido de 10 dias, caso haja impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova gravada (arts. 26º, nº 1, al. e), e 80º, nºs 2 e 3 do CPT).
Diferente desse regime, é a forma de impugnar a decisão que venha a ser objecto de reforma, situação a que se reporta o art. 617º, nº 3, do CPC, nos termos do qual o Recorrente pode, no prazo de 10 dias, desistir do recurso ou alargar ou restringir o respectivo âmbito, podendo o recorrido responder em 10 dias.
Tendo em conta qualquer um dos mencionados prazos e a cronologia acima descrita, poderá suscitar-se a questão da eventual extemporaneidade do recurso subordinado interposto pela Ré apenas aos 11.04.2022, quer se tenha em conta a data da notificação da sentença proferida aos 09.11.2021, quer mesmo a data da notificação da sentença reformada [notificada via citius com data de expedição de 01.02.2022].
De referir ainda que, em caso de eventual extemporaneidade do recurso subordinado, poderá também suscitar-se a questão da possibilidade, ou não, do conhecimento oficioso das questões relativas ao desconto, às quantias que sejam devidas à A., das quantias pagas pela Ré Seguradora a título de pensão provisória e de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária.
Assim, antes de mais e atento o disposto no art. 655º, nº 1, do CPC/2013, bem como o princípio do contraditório, notifique-se as partes para, querendo, se pronunciarem em 10 dias.”
A Ré/Seguradora respondeu, alegando em síntese que, uma vez que a A., na sequência da retificação da sentença operada aos 31.01.2022, não havia tomado qualquer posição, e para que não se suscitassem quaisquer dúvidas relativamente á pretensão recursiva da A., o Mmº Tribunal a quo proferiu douto despacho, em 07/03/2022, a convidar a A. a vir aos autos informar se, face ao teor da sentença proferida a 31/01/2022, mantém ou não interesse na apreciação do recurso por si interposto, na sequência do que, por requerimento de 09/03/2022, veio a sinistrada esclarecer que mantinha interesse na apreciação do recurso, pelo que, só nesse momento é que a Seguradora R. teve efetivo conhecimento da pretensão da A., no que tange ao recurso e só nele é que começou a contar o prazo previsto no art.º 633º n.º 2 do Cód. Proc. Civil para a interposição de recurso subordinado. Tendo sido apresentado aos 11/04/2022 é o mesmo tempestivo (aproveitando o 1º dia de multa previsto no art.º 139º do CPC); “o disposto no art.º 617º n.ºs 3 e 4, e o prazo de 10 dias ali vertido, apenas prevê as situações em que: a. O recorrente, em face da retificação da decisão, desista do recurso, alargue ou restrinja o seu âmbito, caso em que se concede ao recorrido o direito a resposta b. Ou, no caso do recorrente desistir do recurso por ter obtido o suprimento solicitado, o recorrente pretender a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença”, prazo esse que corresponde ao prazo para responder à eventual desistência ou abrangência do âmbito do recurso; diferente é o prazo para interposição do recurso subordinado que, no caso em apreço, teve o seu dies a quo aquando da notificação à Seguradora R./Recorrida da manutenção do recurso interposto pela sinistrada, nos mesmos termos, não tendo aplicação, ao caso, o art.º 617º do CPC. Mais diz que, ainda que assim se não entendesse, de todo o modo a questão atinente à aplicação do disposto no art.º 52º n.º 5 da Lei 98/2009 e no que tange ao desconto, às quantias devidas à A., dos valores pagos pela R. Seguradora a título de pensão provisória (fixada nos autos) e indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, deve ser conhecida por esta Relação quer porque foi suscitadas nas contra-alegações apresentadas, quer porque é de conhecimento oficioso.
A A. respondeu no sentido da extemporaneidade do recurso subordinado e do não conhecimento oficioso das questões em causa.

Colheram-se os vistos legais.

***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Os factos provados:
Atenta a matéria factual assente e a prova produzida, está provado o seguinte:
1) No dia 15 de maio de 2014 a sinistrada trabalhava como Delegada de Informação Médica, por conta, sob as ordens, direção e fiscalização, e mediante retribuição, da R. M..., S.A., sua entidade empregadora, na sequência de contrato de trabalho celebrado com a R., cuja cópia se encontra junta a fls. 366 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
2) Nesse dia 15 de maio de 2014, quando, em Sintra, a sinistrada trabalhava para a R. M..., S.A., numa reunião nacional de vendas, ao deslocar-se tropeçou e caiu sobre o punho direito e mão direita, sofrendo traumatismo do punho direito e mão direita;
3) Em consequência do evento descrito em 2) os serviços clínicos da R. seguradora atribuíram à sinistrada os seguintes períodos de incapacidades temporárias: I.T.A. desde o dia 16-05-2014 e até 25-07-2014; I.T.P. de 10% de 26-07-2014 a 19-09-2014;
4) Entre 20-09-2014 e 29-10-2014 a sinistrada foi considerada pelos serviços clínicos da R. seguradora sem incapacidade, tendo-lhe sido atribuída pelos referidos serviços clínicos da R. alta sem desvalorização no dia 29-10-2014;
5) A sinistrada, no dia 15 de julho de 2015, apresentou participação do acidente de trabalho junto dos serviços do Ministério Público deste Tribunal, dando origem aos presentes autos;
6) No âmbito do processo de acidente de trabalho instaurado pela participação supra referida e queixas apresentadas pela sinistrada, foi ordenada aos serviços clínicos da R. seguradora a sua reavaliação, tendo sido efetuada em 27 de janeiro de 2016 a primeira consulta médica para reavaliação da situação clínica da sinistrada, procedendo os serviços clínicos da R. seguradora a tratamentos da sinistrada;
7) Os serviços clínicos da R. seguradora recomendaram intervenção cirúrgica, tendo a sinistrada sido submetida, no dia 1 de março de 2016, a artroscopia do punho;
8) No dia 28 de janeiro de 2016 os serviços clínicos da R. seguradora atribuíram à sinistrada I.T.A. que se prolongou até 17 de janeiro de 2019;
9) A sinistrada continuava, em 24 de janeiro de 2020 (data da instauração da petição inicial), em tratamentos assegurados pelos serviços clínicos da R. seguradora;
10) Na data de 15 de maio de 2014 a sinistrada prestava o seu trabalho para a R. M..., S.A. mediante o pagamento de retribuição mensal no montante de €2.107,14 x 14 meses, acrescida de €396 x 11 meses a título de subsídio de alimentação;
11) No mês de junho de 2013 (30 de junho de 2013) a R. M..., S.A. pagou à sinistrada, além da retribuição mensal e subsídio de alimentação referidos em 10), ainda o montante de €2.353,44;
12) Na data de 15 de maio de 2014 a responsabilidade da sociedade R. M..., S.A. por acidentes de trabalho que os seus trabalhadores, incluindo a sinistrada, sofressem ao seu serviço, encontrava-se transferida para a R. X..., S.A., através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., cuja cópia se encontra junta a fls. 11 a 24 dos autos, encontrando-se transferido para a R. seguradora o salário de €2.107,14 x 14 meses + €396 x 11 meses, tendo a R. M..., S.A. transferido ainda para a R. seguradora o montante de €2.353,44, que pagou à sinistrada no mês de junho de 2013;
13) No contrato de trabalho celebrado entre a sinistrada e a R. M..., S.A., pelo qual a sinistrada foi admitida ao serviço daquela R., outorgado em 16 de setembro de 2002, cuja cópia se encontra junta a fls. 366 verso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, a sinistrada obrigou-se contratualmente a dispor de viatura própria para desempenho das suas funções;
14) A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ... proferiu, no âmbito do processo de promoção e proteção que corre naquela instituição sob o n.º ..., na reunião extraordinária daquela comissão de 31 de março de 2020, decisão a decretar a medida de promoção e proteção cautelar de apoio junto de outro familiar, nomeadamente da tia materna aqui sinistrada, do menor II, «(…) ao abrigo do artigo 35.º, n.º 1, alínea b) e Art. 37.º da Lei de Promoção e Proteção. (…)», conforme declaração emitida pela C.P.C.J. de ... junta a fls. 380;
15) Por força do evento descrito em 2) a sinistrada ficou com uma I.P.P. de 21% desde 19 de janeiro de 2019, e com I.P.A.T.H. desde esta última data;
16) Ainda por força do aludido evento, a sinistrada esteve em situação de I.T.A. desde 16 de maio de 2014 até 25 de julho de 2014, em situação de I.T.P. de 50% desde 26 de julho de 2014 até 27 de janeiro de 2016, e em situação de I.T.A. desde 28 de janeiro de 2016 até 18 de janeiro de 2019; [1]
17) O valor de €2.353,44 referido em 11) corresponde a um prémio semestral por a sinistrada ter atingido o objetivo de vendas estabelecido pela R. M..., S.A.;
18) O prémio mencionado em 11) era pago à sinistrada sempre que fosse atingido o objetivo de vendas estabelecido pela entidade empregadora;
19) O prémio por objetivos não era pago todos os semestres, não tendo a sinistrada, com exceção do valor de €2.353,44 referido em 11), recebido qualquer outra quantia a título de prémio nos doze meses anteriores ao evento ocorrido em 15 de maio de 2014, tendo sido aquele um recebimento único no ano de 2013 por parte da sinistrada;
20) Pela utilização de viatura própria pela sinistrada, nos termos referidos em 13), a R. M..., S.A. pagava àquela o prémio do seguro, tendo em dezembro de 2002 efetuado o pagamento à sinistrada do montante de €678 do seguro da viatura;
21) A R. M..., S.A. pagava ainda à sinistrada a quantia de €0,38 por quilómetro percorrido com a sua viatura;
22) E pagava mensalmente a quantia de €176,15 como compensação pelo desgaste da viatura;
23) Em finais de 2007 a R. M..., S.A. decidiu deixar de pagar aos seus funcionários as despesas com as viaturas próprias, passando a disponibilizar viaturas escolhidas pelos trabalhadores, mas contratadas diretamente pela empresa;
24) Suportando a R. M..., S.A. os encargos com a viatura em termos de manutenção e de seguros;
25) A R. M..., S.A. disponibilizou à sinistrada um cartão designado Galp Frota, com o qual esta abastecia a viatura de combustível para todas as deslocações;
26) A R. M..., S.A. suportava todas as despesas de portagem nas deslocações realizadas pela sinistrada ao seu serviço, procedendo a R. ao reembolso à sinistrada – dado que o identificador de Via Verde estava associado à conta bancária da sinistrada – das deslocações por ela suportadas ao seu serviço;
27) Por a realização das funções para as quais a sinistrada foi contratada implicar uma constante deslocação dentro do território nacional que se encontrava atribuído à sinistrada, a R. M..., S.A. disponibilizava à sinistrada um veículo automóvel para efetuar essas deslocações para fins profissionais;
28) Por razões de mera comodidade, a R. M..., S.A. nunca obrigou a sinistrada a deixar o veículo automóvel nas suas instalações ao final do dia de trabalho, ou ao fim de semana, pelo que a sinistrada estava autorizada a levar o carro ao final do dia para sua casa;
29) A R. M..., S.A. permite que os seus trabalhadores mantenham as viaturas na sua posse mesmo quando não estão a trabalhar e, admitindo a possibilidade de os trabalhadores utilizarem as viaturas em pequenas deslocações pessoais durante esse período (ida ao supermercado no final do dia de trabalho; ida a estabelecimentos escolares levar/buscar filhos; ida a uma consulta médica durante o dia de trabalho, ou antes do seu início ou no final) e, bem assim, a dificuldade de identificação das mesmas e a sua destrinça face às deslocações de natureza profissional, a R. permite que os seus trabalhadores percorram até mil quilómetros por mês, a título pessoal, sem qualquer custo acrescido;
30) Os quilómetros percorridos, a título pessoal, que ultrapassem aquele número são pagos pelos trabalhadores à R. M..., S.A.;
31) A disponibilização de um cartão Galp Frota tinha como propósito a sua utilização para pagamento de combustível destinado às deslocações profissionais que a sinistrada tinha que realizar;
32) No que respeita às portagens, as mesmas, porque respeitantes a deslocações profissionais, eram pagas pela R. M..., S.A., mas as portagens respeitantes a deslocações pessoais são suportadas pelos trabalhadores, e foram sempre suportadas pela sinistrada;
33) No período referido 4) a sinistrada continuava a ter dores e limitações funcionais, provocadas por rigidez articular;
34) Do que deu conhecimento à R. seguradora, requerendo nova avaliação da sua situação clínica;
35) Por efeito da medida referida em 14), o menor passou a estar sob a guarda da sinistrada, com quem passou a residir e de quem passou a depender, encontrando-se o mesmo a cargo daquela.
Os factos não provados:
Vista a prova produzida, nada mais foi dado como provado com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
a) Além dos valores referidos em 10), a sinistrada recebesse um prémio por objetivos, no valor de €2.353,44, que era pago trimestralmente;
b) Desde 2007 a R. M..., S.A. tenha passado a disponibilizar à sinistrada um veículo automóvel de passageiros;
c) Na data do evento referido em 2) a viatura atribuída à sinistrada e por si utilizada tivesse a matrícula ..-PH-.. e fosse da marca Mercedes, modelo ...;
d) A sinistrada usasse as viaturas mencionadas em 23) de forma exclusiva, tendo a sua disponibilidade durante vinte e quatro horas por dia, todos os dias do ano, sem quaisquer restrições, tanto nas suas deslocações no âmbito da prestação do trabalho, como nas suas deslocações pessoais, fora do âmbito do trabalho, incluindo fins-de-semana, férias e feriados, satisfazendo assim as suas necessidades pessoais de deslocação;
e) O aluguer sem condutor de uma viatura com as mesmas características da viatura Mercedes ... tenha um custo mensal de €706,80;
f) Na data de 29 de outubro de 2014 a sinistrada encontrasse-se curada das lesões sofridas, sem qualquer desvalorização;
g) Em 28 de janeiro de 2016 a sinistrada tenha tido uma recaída.”
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III. Questão Prévia
Da tempestividade, ou não, do recurso subordinado interposto pela Ré Seguradora

Já acima se deixou consignado o teor do despacho proferido pela ora relatora aos 09.09.2009, do qual consta o seguinte:“- Aos 09.11.2021, foi proferida sentença condenando a Ré nas prestações na mesma fixadas, designadamente indemnização pelos períodos de incapacidade temporária e pensão, a qual foi notificada aos ilustres mandatários das partes, via citius, com data de expedição de 09.11.2021;
- Aos 22.11.2021, a Ré Seguradora veio requerer a rectificação da sentença quanto: i) à data, de “28.11.2016” constante da sentença referente a novo período de ITA, a qual deverá ser a de “28.01.2016”; ii) tendo em conta que havia sido fixada à A. pensão provisória, que ao segmento condenatório referente ao pagamento da pensão seja aditada a expressão “sem prejuízo de dedução dos montantes já pagos à sinistrada a título de pensão provisória”.
- Aos 29.11.2021, a A. veio interpor recurso de apelação pretendendo, para além das demais questões que suscita, a rectificação, nos termos já acima requeridos pela Ré Seguradora, da data da ITA de “28.11.2016” para “28.01.2016” e consequente reformulação do cálculo da correspondente indemnização por tal ITA.
- A Ré Seguradora contra-alegou.
- Aos 31.01.2022 foi proferida decisão rectificando a sentença [com nova publicação da mesma integrando a rectificação], tal como requerido pela Ré Seguradora e pela A., no que toca à data de início da ITA de “28.11.2016”, passando a consignar-se a de “28.01.2016” e tendo-se procedido à consequente rectificação do montante da indemnização pelas incapacidades temporárias, decisão esta que foi notificada aos ilustres mandatários das partes, via citius, com data de expedição de 01.02.2022.
- Aos 14.02.2022, a Ré requereu a reforma da sentença nos mesmos termos acima mencionados em ii).
- Na sequência de despacho de 07.03.2022, a A., aos 09.03.2022 veio informar que continua a manter interesse no recurso.
- Aos 28.03.2022 foi pela 1ª instância proferido despacho no sentido de que as nulidades de sentença e reforma invocadas pela Ré Seguradora apenas poderiam ser invocadas em sede de recurso, pelo que nada teria que ser apreciado pela 1ª instância.
- Aos 08.04.2022 a Ré Seguradora apresentou contra-alegações e, aos 11.04.2022, apresentou recurso subordinado, no qual: suscita as nulidades de sentença por omissão de pronúncia quanto à dedução das quantias já pagas a título de pensão provisória e a título de indemnização por períodos de incapacidade temporária, bem como impugnando um facto [do elenco dos factos não provados]
- Aos 30.05.2022 foi proferido, pela 1ª instância, despacho a admitir o recurso subordinado, com efeito devolutivo [bem como a admitir o recurso principal].
O recurso subordinado deve ser interposto no mesmo prazo do recurso principal, porém a contar da notificação ao Recorrido da interposição do recurso principal (art. 633º, nº 2, do CPC/2013), prazo esse que, tratando-se de processo de acidente de trabalho, que tem natureza urgente, é de 15 dias, acrescido de 10 dias, caso haja impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova gravada (arts. 26º, nº 1, al. e), e 80º, nºs 2 e 3 do CPT).
Diferente desse regime, é a forma de impugnar a decisão que venha a ser objecto de reforma, situação a que se reporta o art. 617º, nº 3, do CPC, nos termos do qual o Recorrente pode, no prazo de 10 dias, desistir do recurso ou alargar ou restringir o respectivo âmbito, podendo o recorrido responder em 10 dias.
Tendo em conta qualquer um dos mencionados prazos e a cronologia acima descrita, poderá suscitar-se a questão da eventual extemporaneidade do recurso subordinado interposto pela Ré apenas aos 11.04.2022, quer se tenha em conta a data da notificação da sentença proferida aos 09.11.2021, quer mesmo a data da notificação da sentença reformada [notificada via citius com data de expedição de 01.02.2022].
(…)
Não se vê razão para alterar tal entendimento, sendo que o prazo para interposição do recurso subordinado que a Ré veio interpor se iniciava, não com a notificação à Ré do requerimento da A. de 09.03.2022 informando que continuava a manter interesse no recurso principal (este apresentado na sequência do despacho da 1ª instância de 07.03.2022), mas sim com a notificação à Ré da interposição, pela A., do recurso principal, este interposto aos 09.11.2021, ou, pelo menos, com a notificação da sentença retificada, proferida aos 31.01.2022 e notificada, via citius, com data de elaboração de 01.02.2022, sendo que, em qualquer um dos casos, o recurso subordinado foi interposto para além do termo do prazo de 15 dias acrescido de 10 dias (tendo o recurso por objeto impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova gravada) – arts. 80º, nºs 2 e 3 e 81º, nº 5, do CPT.
Com efeito, as questões que a Ré agora suscita no recurso subordinado poderiam e deveriam tê-lo sido por via da interposição do recurso, fosse ele interposto a título principal, em prazo a contar da notificação da sentença, ou subordinado, em prazo a contar da notificação do recurso [principal] então interposto pela A.
Diga-se que, com exceção da questão da retificação da sentença no que concerne à data do início da ITA de “28.11.2016”, passando a consignar-se a de “28.01.2016” e à consequente retificação do montante da indemnização pelas incapacidades temporárias, retificação essa solicitada pela A. (e, diga-se, de forma idêntica pela Ré quer em sede de pedido de reforma, quer de contra-alegações), nada mais foi alterado ou retificado na decisão de retificação de 31.01.2022, esta nada de novo trazendo que permitisse a interposição de um recurso, muito menos subordinado, suscitando questões que poderiam ter sido suscitadas em sede de recurso principal (a interpor em prazo a contar da notificação da sentença à Ré) ou de recurso subordinado (a interpor em prazo a contar da notificação à recorrida da interposição do recurso principal pela A.) e que, aliás, foram suscitadas pela Ré, embora por outro meio processual (em sede de pedido de reforma da sentença e de contra-alegações).
Por outro lado, a retificação efetuada pela 1ª instância teve lugar nos termos e ao abrigo do disposto no art. 614º, nº 1, do CPC, dispondo o nº 2 do mesmo que, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação. Ora, a decisão de retificação ocorreu aos 31.01.2022, foi notificada à Ré, via citius, com data de expedição de 01.02.2022, pelo que, quando o designado “recurso subordinado” foi interposto, aos 11.04.2022, já havia decorrido o prazo de interposição de recurso de tal decisão.
Questão e prazo diferente é a do prazo, de 10 dias, previsto no art. 617º, nº 3, do CPC. O citado art. 617º reporta-se à tramitação aplicável em caso de arguição de nulidade de sentença ou pedido de reforma, dispondo os nºs 2 e 3 que: “2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão. 3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.”
Desde logo, o preceito tem por objeto a pronúncia, pelas partes, sobre questão que possa resultar da alteração introduzida à sentença operada pela decisão de suprimento de nulidade ou de reforma, não já conferir um novo prazo para interposição de recurso da sentença suscitando outras questões que não foram objeto, nem afetadas, pela decisão de alteração da sentença.
Por outro lado, o Recorrente, no caso a A., “pode” exercer a faculdade referida no nº 3, não “tem” de a exercer. E se não o fizer, ou nada disser, o recurso interposto fica a ter como objeto a nova decisão, não havendo, pois e no caso, qualquer necessidade da A., na sequência da decisão de retificação, de tomar uma posição quanto ao recurso que havia interposto, muito menos que condicionasse ou fosse necessária à possibilidade da Ré impugnar/recorrer da decisão de retificação.
Importa também esclarecer que não se poderá, ao abrigo do princípio do aproveitamento de atos processuais (art. 193º do CPC), convolar os requerimentos de retificação da sentença de 22.11.2021 e/ou de reforma de 14.02.2022 em recurso, sendo que os mesmos não contêm conclusões – cfr. art. 641º, nº 2, al. b), do CPC.
Concluindo, e sem necessidade de outras considerações, seja por que prisma for, o recurso subordinado é extemporâneo, pelo que não se admite o mesmo.
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IV. Objeto do recurso

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Omissão de pronúncia da sentença (quanto aos pedidos de condenação da Ré nos juros de mora e de “disponibilizar à sinistrada os tratamentos clínicos e nosológicos e todos e quaisquer outros tratamentos que se revelem necessários, úteis e adequados à sua recuperação funcional.”)
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se a disponibilização da viatura à A., nas condições em que esta a utilizava, consubstancia retribuição em espécie e, em caso afirmativo, da sua repercussão no cálculo das indemnizações temporárias e na pensão por incapacidade permanente (e se a sua quantificação deve ser relegada para incidente de liquidação);
- Da conversão, aos 17.11.2016 e até 18.01.2019, da ITA em IPA e, em caso afirmativo, das consequências daí decorrentes (designadamente quanto à pensão e ao subsídio por elevada incapacidade permanente).

1.2. No que toca à retificação da sentença quanto à ITA, também suscitada no recurso, dela devendo passar a constar que se iniciou em “28.01.2016” e não em “28/11/2016”, já tal questão se encontra ultrapassada uma vez que já foi objeto da decisão de retificação acima aludida.
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IV. Fundamentação

1. Da omissão de pronúncia da sentença

Invoca a Recorrente a omissão de pronúncia da sentença quanto aos pedidos de condenação da Ré nos juros de mora e de “disponibilizar à sinistrada os tratamentos clínicos e nosológicos e todos e quaisquer outros tratamentos que se revelem necessários, úteis e adequados à sua recuperação funcional.”
Ainda que a Recorrente não enquadre processualmente tal omissão, o alegado enquadra-se no art. 615º, nº 1 al. d), do CPC, que dispõe que é nula a sentença quando “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, preceito este que se prende com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo, nos termos do qual “2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Ora, no caso, a alegada omissão de pronúncia enquadra-se na citada nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, na petição inicial foram, para além dos demais, formulados os seguintes pedidos:
“(…)
f) Juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, sobre todas as quantias supra-referidas, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
Mais deve a 1ª R. ser condenada a disponibilizar à sinistrada os tratamentos clínicos e nosológicos e todos e quaisquer outros tratamentos que se revelem necessários, úteis e adequados à sua recuperação funcional.”
Ora, a sentença recorrida não se pronunciou sobre tais pedidos, quando o deveria ter feito, sendo certo que foram expressamente formulados. Aliás, e diga-se também, no que toca aos juros de mora, que o próprio art. 135º do CPT determina que “[n]a sentença final o juiz (…), e fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
Deste modo, julga-se procedente a invocada nulidade de sentença por omissão de pronúncia sobre os referidos pedidos.
Nos termos do art. 665º, nº 1, do CPC, “1. Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”, pelo que, a final, conheceremos de tais pedidos.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

A A./Recorrente impugna a decisão da matéria de facto constante dos nºs 27, 28, 29, 30 e 31 dos factos provados, que entende dever ser dada como não provada, bem como das als. b) [com a correção de que o veículo foi disponibilizado em 2010] e d) dos factos não provados, que entende dever ser dada como provada.
As Recorridas empregadora e Seguradora pronunciam-se no sentido da rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto por incumprimento dos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC.
Dos referidos pontos da decisão da matéria de facto provada consta o seguinte:
“27) Por a realização das funções para as quais a sinistrada foi contratada implicar uma constante deslocação dentro do território nacional que se encontrava atribuído à sinistrada, a R. M..., S.A. disponibilizava à sinistrada um veículo automóvel para efetuar essas deslocações para fins profissionais;
28) Por razões de mera comodidade, a R. M..., S.A. nunca obrigou a sinistrada a deixar o veículo automóvel nas suas instalações ao final do dia de trabalho, ou ao fim de semana, pelo que a sinistrada estava autorizada a levar o carro ao final do dia para sua casa;
29) A R. M..., S.A. permite que os seus trabalhadores mantenham as viaturas na sua posse mesmo quando não estão a trabalhar e, admitindo a possibilidade de os trabalhadores utilizarem as viaturas em pequenas deslocações pessoais durante esse período (ida ao supermercado no final do dia de trabalho; ida a estabelecimentos escolares levar/buscar filhos; ida a uma consulta médica durante o dia de trabalho, ou antes do seu início ou no final) e, bem assim, a dificuldade de identificação das mesmas e a sua destrinça face às deslocações de natureza profissional, a R. permite que os seus trabalhadores percorram até mil quilómetros por mês, a título pessoal, sem qualquer custo acrescido;
30) Os quilómetros percorridos, a título pessoal, que ultrapassem aquele número são pagos pelos trabalhadores à R. M..., S.A.;
31) A disponibilização de um cartão Galp Frota tinha como propósito a sua utilização para pagamento de combustível destinado às deslocações profissionais que a sinistrada tinha que realizar;”
E das als. b) e d) dos factos dados como não provados consta o seguinte:
b) Desde 2007 a R. M..., S.A. tenha passado a disponibilizar à sinistrada um veículo automóvel de passageiros;
d) A sinistrada usasse as viaturas mencionadas em 23) de forma exclusiva, tendo a sua disponibilidade durante vinte e quatro horas por dia, todos os dias do ano, sem quaisquer restrições, tanto nas suas deslocações no âmbito da prestação do trabalho, como nas suas deslocações pessoais, fora do âmbito do trabalho, incluindo fins-de-semana, férias e feriados, satisfazendo assim as suas necessidades pessoais de deslocação;

2.1. Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recruso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende.
[Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.].
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam intimamente interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Assim também os Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1, constando do respetivo sumário: “I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e de 12.10.2022. Proc. 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, ambos in www.dgsi.pt].]
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 2994/13.2TTVRL.G1.S2, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”]
E se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá também o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Por fim, o citado art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação, sem possibilidade de aperfeiçoamento.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.

2.2. A Recorrente deu, quanto a todos os pontos impugnados, cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, als. a) e c), pois que indicou os pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e o sentido do que, em seu entender, pretende que seja decidido, sendo que o que está, pois, em causa, é o cumprimento dos requisitos previstos nas als. b) do nº 1 e a) do nº 2 do citado preceito, o que se passará a apreciar.

Quanto ao nº 27 dos factos provados, invoca a Recorrente o nº 13 dos factos provados, com o qual está de acordo e que, diz, contrariaria aquele outro, bem como os nºs 20, 21 e 22 dos mesmos, de onde resulta que numa fase inicial a A. estava obrigada a disponibilizar a sua viatura própria para as deslocações, o que foi unilateralmente alterado pela Ré empregadora com a atribuição de viaturas aos trabalhadores, incluindo à A., para utilização exclusiva destes e em substituição das viaturas próprias, mas em prejuízo dos mesmos que deixaram de receber quantias consideráveis a título de ajudas de custo, como referiram as testemunhas BB e CC e tal como resulta do nº 23 dos factos provados, referindo que o nº 27 dos factos provados não pode ser dado como provado pois que “não foi pelo facto de as funções desempenhas pela A. implicarem constantes deslocações dentro do território nacional que levou a R. a disponibilizar-lhe um veículo. Antes foi o facto de a R. M... ter decidido alterar as condições previamente contratadas, que obrigavam a A. a disponibilizar a sua viatura própria, que fez com que aquela R. disponibilizasse uma viatura para as suas deslocações, viatura que veio substituir a viatura própria da A.” e concluindo que “Assim, da análise crítica do conjunto da prova produzida não é possível dar como provado o que vem assim decidido no ponto 27 da matéria de facto.”
A impugnação, quanto a este nº 27, assenta, em parte, nas considerações e conclusões que a Recorrente retira de outros pontos da decisão da matéria de facto provada, designadamente dos nºs 13, 20, 21 e 22, pelo que, com este fundamento, não é de rejeitar a impugnação por incumprimento dos requisitos do art. 640º.
Mas, aludindo ainda a Recorrente aos depoimentos das testemunhas BB e CC, nada mais diz, no âmbito do que refere quanto ao nº 27, quanto a tais depoimentos, não indicando qualquer passagem do depoimento do mesmo ou da sua localização na gravação [nem procedendo a transcrição].
Assim, na impugnação desse nº 27 com base nesses dois depoimentos, não foi dado cumprimento ao art. 640º, nº 2, al. a), pelo que, com esse fundamento, se rejeita a impugnação do mesmo, sem prejuízo de, adiante, conhecermos do restante fundamento da mesma (contradições invocadas).

Quanto ao nº 28 dos factos provados, refere a Recorrente [seguidamente ao que acima dissemos quanto ao nº 27] que a matéria desse ponto não pode ser considerada provada.
A sustentar a impugnação invoca os depoimentos das testemunhas BB e CC.
Quanto ao depoimento da primeira testemunha diz que o seu depoimento “de acordo com o que consta da acta de audiência de julgamento de 01/10/2021, se encontra gravado no sistema informático “Habilus”, com início às 10.51 e termo às 11.46 horas”, passando a transcrever parte desse depoimento [diga-se que pequena, correspondente no essencial, a seis frases/respostas], sem indicação/localização, no tempo da gravação, desses excertos, mormente do início dos mesmos.
Quanto ao depoimento da segunda testemunha diz que o seu depoimento “de acordo com o que consta da acta de audiência de julgamento de 01/10/2021, se encontra gravado no sistema informático “Habilus”, com início às 11.46 e termo às 12.20 horas”, passando a transcrever alguns excertos [nove respostas] do mesmo sem indicação/localização, no tempo da gravação, desses excertos, mormente do início dos mesmos.
Após, alude a uma alegada contradição apontada pelo Mmº Juiz na fundamentação da decisão da matéria de facto entre o depoimento da testemunha CC e do depoimento de parte da A. alegando que tal contradição entre depoimentos não existe, reportando-se, em discurso indirecto, ao depoimento da A. referindo que este “de acordo com a acta de audiência de 03/11/2021, gravado com início às 10.38 e termo às 11.39 horas”, sem indicação/localização, no tempo da gravação, desses excertos, mormente do início dos mesmos.
Ou seja, a Recorrente não deu cumprimento ao art. 640º, nº 2, al. a), pelo que, com esse fundamento, se rejeita a impugnação do nº 28 dos factos provados.

Passa a Recorrente, seguidamente, à impugnação do nº 31 dos factos provados, dizendo que “tal também não reflecte o que ficou provado. Na verdade, tal como claramente resulta do depoimento das testemunhas, o cartão Galp Frota tinha como propósito a sua utilização para pagamento de todo o combustível destinado às deslocações, quer profissionais quer de índole pessoal, sendo que depois de verificada quantidade de quilómetros em deslocações pessoais, os trabalhadores teriam de pagar o combustível gasto para além dos 1.000 quilómetros. Mas, na verdade, o cartão Galp Frota era sempre utilizado para pagamento dos abastecimentos, matéria que deve ser correctamente dada como provada. Caso assim não acontecesse, como referiu a testemunha CC, a contabilização das médias de consumo das viaturas era de tal forma alterada que o abastecimento sem o cartão era de imediato detectado.
Para além disso, o uso da viatura de serviço era de tal forma pessoal que a escolha da viatura competia ao trabalhador, que apenas ficava sujeito ao plafond estabelecido pela R. M..., tal como foi perfeitamente esclarecido pelos testemunhas BB e CC. Facto que também resulta claramente demonstrado pelo documento intitulado “Viaturas de Serviço”, junto por aquela R. em requerimento apresentado aos autos em 08/10/2021, referente às normas interna de atribuição de utilização de viatura de serviço.
Pelo que se impõe ter em consideração apenas a prova documental e as declarações prestadas pelas testemunhas BB e CC quanto ao julgamento da matéria de facto relativa à retribuição em espécie, mais concretamente no que se refere à utilização da viatura de serviço.
E, analisada criticamente tal prova, impõe-se dar como não provado o que vem vertido no ponto 28, 29 e 31, como se impõe dar como provada a matéria vertida em b) (com a correcção de que o veículo foi disponibilizado em 2010) e em d) dos factos julgados não provados, a saber: (…)”.
Seguidamente, diz que “ “Outrossim, impõe-se julgar não provado o que vem vertido nos pontos 27, 28, 29, 30 e 31. Acrescente-se que relativamente à matéria de facto vertida em 30 dos factos provados, de que os quilómetros em deslocações pessoais que excedam os mil são pagos, nenhuma testemunha o afirmou. O que resulta da prova é que para além dos mil quilómetros em deslocações pessoais, os trabalhadores tinham de pagar o combustível, o que era calculado de acordo com os quilómetros, o que é bem diferente daquilo que foi considerado provado.”
Especificamente no que toca ao nº 31 dos factos provados, a Recorrente, para além de consideração que entendeu ser de fazer, alude ao depoimento da testemunha CC, mas não dá cumprimento ao art. 640º, nº 2, al. a), não procedendo à indicação/localização, no tempo da gravação, desses excertos, mormente do início dos mesmos.
E quanto ao demais alegado que deixámos transcrito, não dá também cumprimento ao citado preceito no que toca aos depoimentos das testemunhas a que alude, assim como não conexiona os meios de prova a que alude – testemunhais e documento invocado – com cada um dos concretos factos objeto da impugnação, antes aludindo de forma genérica e em bloco a todos eles, assim também não dando cumprimento, nessa parte, ao art. 640º, nº 1, al. b), incluindo quanto ao nº 30 dos factos provados a que alude no último § transcrito, no qual, acrescente-se, alude também “ao que resulta da prova”, não a identificando concretamente e por referência a esse mesmo ponto.
De referir ainda que, relativamente à impugnação das als. b) e d) dos factos não provados nada mais consta para além do que deixámos dito.
Assim, com exceção do que se disse a propósito do nº 27 dos factos provados, rejeita-se no mais a impugnação da decisão da matéria de facto.

Quanto ao nº 27, na medida do que se disse, a Recorrente assenta a impugnação nas considerações e conclusões que retira dos nºs 13, 20, 21 e 22 dos factos provados.
Relembrando, do nº 27 dos factos provados consta que: “27) Por a realização das funções para as quais a sinistrada foi contratada implicar uma constante deslocação dentro do território nacional que se encontrava atribuído à sinistrada, a R. M..., S.A. disponibilizava à sinistrada um veículo automóvel para efetuar essas deslocações para fins profissionais;”.
E dos nºs 13, 20, 21 e 22 consta que:
“13) No contrato de trabalho celebrado entre a sinistrada e a R. M..., S.A., pelo qual a sinistrada foi admitida ao serviço daquela R., outorgado em 16 de setembro de 2002, cuja cópia se encontra junta a fls. 366 verso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, a sinistrada obrigou-se contratualmente a dispor de viatura própria para desempenho das suas funções;
20) Pela utilização de viatura própria pela sinistrada, nos termos referidos em 13), a R. M..., S.A. pagava àquela o prémio do seguro, tendo em dezembro de 2002 efetuado o pagamento à sinistrada do montante de €678 do seguro da viatura;
21) A R. M..., S.A. pagava ainda à sinistrada a quantia de €0,38 por quilómetro percorrido com a sua viatura;
22) E pagava mensalmente a quantia de €176,15 como compensação pelo desgaste da viatura;”
Não vemos que os mencionados nºs 13, 20, 21 e 22 determine que o nº 27 deva ser dado como não provado, sendo que se tratam de factos ocorridos em momentos distintos, como aliás decorre do que a Recorrente alega no recurso e resulta do nº 23 dos factos provados, nos termos do qual “23) Em finais de 2007 a R. M..., S.A. decidiu deixar de pagar aos seus funcionários as despesas com as viaturas próprias, passando a disponibilizar viaturas escolhidas pelos trabalhadores, mas contratadas diretamente pela empresa;”. Aliás, os nºs 13 e 27, conjugado com o nº 23, estão até em consonância. Com efeito, o que decorre do nº 13 é que a A. se obrigou a utilizar a sua viatura própria para o desempenho das suas funções nos termos previstos nos nºs 20, 21 e 22, sendo que o que está em causa nesses nºs é a utilização de viatura própria da A. para o desempenho por esta das suas funções ao serviço da Ré. Acontece é que a Ré, posteriormente, deixou de pagar aos seus trabalhadores, e à A., as despesas com as viaturas próprias (que eram utilizadas em prol da atividade profissional dos mesmos ao serviço da Ré), o que substituiu pela disponibilização de viaturas suas, embora escolhidas pelos trabalhadores, e que passaram a ser utilizadas nos termos referidos nos nºs 28, 29 e 30. Não há pois qualquer contradição.
Aliás, o que parece ressaltar do que a Recorrente invoca é que a alteração verificada teria sido prejudicial à Recorrente, mas não que ela não se tivesse verificado. E do facto de ter sido, inicialmente, contratualizada a utilização, pela A., de viatura própria para o exercício da sua atividade (com o pagamento pela Ré empregadora nos termos referidos nos nºs 20, 21 e 22) não decorre que a alteração verificada e a disponibilização, pela Ré, de viatura desta não fosse “por a realização das funções para as quais a sinistrada foi contratada implicar uma constante deslocação dentro do território nacional”. A A. era Delegada de Propaganda Médica o que, é sabido e decorre das regras da experiência e do senso comum, envolve a necessidade de deslocações em trabalho e, por assim ser, é que se compreende que a Ré, aquando da sua contratação, tenha contratualizado a utilização, pela A., de viatura própria desta para essas deslocações em serviço. Ou seja, as necessidades de serviço justificativas do referido em 27 são as mesmas necessidades de serviço justificativas de, aquando da contratação da A., ter sido acordado que esta utilizaria o seu veículo próprio para as deslocações em serviço.
Improcede, assim, a impugnação quanto ao nº 27 dos factos provados.

2.3. Mas, e oficiosamente, importa esclarecer na decisão da matéria de facto o seguinte:
Do nº 23 dos factos provados consta que, em finais de 2007, a Ré decidiu deixar de pagar aos seus funcionários as despesas com as viaturas próprias, passando a disponibilizar viaturas escolhidas pelos trabalhadores, mas contratadas diretamente pela empresa, o que se veio a verificar em relação à A. como se retira do nº 27 dos factos provados. Não obstante, da al. b) dos factos não provados consta ter sido dado como não provado que “2. Desde 2007 a R. M..., S.A. tenha passado a disponibilizar à sinistrada um veículo automóvel de passageiros”, ficando sem concretização ou esclarecimento, no que toca à A., a cronologia entre tais factos, concretamente, quando é que o referido em 23) se passou a verificar em relação à A.
Assim, e para evitar eventual obscuridade ou ambiguidade e para melhor esclarecimento da factualidade, importa consignar/esclarecer na matéria de facto provada que o referido no nº 27 ocorreu em data posterior ao referido no nºs 13, 20, 21 e 22, concretamente em outubro de 2010 conforme declarações de parte da A. em julgamento tal como referido pelo Mmº Juiz na fundamentação da decisão da matéria de facto, corroborado pela audição da gravação do depoimento da A. a que se procedeu e que esclareceu que a alteração, pela Ré, das regras de utilização de viaturas (a que se reporta o nº 23) ocorreu pouco após ter a A. comprado uma nova viatura, razão pela qual apenas em 2010 foi a utilização dessa sua viatura substituída por viatura adquirida pela Ré.
Assim, e oficiosamente, altera-se o nº 27 dos factos provados que passará a ter a seguinte redação:
27) Por a realização das funções para as quais a sinistrada foi contratada implicar uma constante deslocação dentro do território nacional que se encontrava atribuído à sinistrada, a R. M..., S.A., na sequência do referido em 23 mas, em relação à A., apenas a partir de outubro de 2010, passou a disponibilizar-lhe um veículo automóvel para efetuar essas deslocações para fins profissionais. [o sublinhado corresponde à alteração ora introduzida]

2.4. No que respeita à utilização do cartão Galp Frota, notamos uma contradição ou, pelo menos, obscuridade, entre os nºs 25 e 31 dos factos provados.
Com efeito, neles diz-se que:
“25) A R. M..., S.A. disponibilizou à sinistrada um cartão designado Galp Frota, com o qual esta abastecia a viatura de combustível para todas as deslocações;
31) A disponibilização de um cartão Galp Frota tinha como propósito a sua utilização para pagamento de combustível destinado às deslocações profissionais que a sinistrada tinha que realizar;”
Nesses pontos tanto se diz que, com a disponibilização do mencionado cartão à A., esta abastecia a viatura de combustível para todas as deslocações (nº 25), supondo-se pois que incluindo também as deslocações pessoais, como se diz que a atribuição desse cartão visava o pagamento do combustível destinado às deslocações profissionais (nº 31). Fica-se, pois, sem saber: se a atribuição de tal cartão se destinava apenas às deslocações profissionais ou também às deslocações pessoais; neste caso, se apenas dentro ou para além também da limitação dos 1.000 KM por mês (cfr. nº 29, parte final, em que foi dado como provado que “a Ré permite que os seus trabalhadores percorram até mil quilómetros por mês, a título pessoal, sem qualquer custo acrescido”); se, no caso de se destinar a utilização apenas profissional, como se justifica, então, o nº 25 dos factos provados (seria, porventura, utilizado sem o conhecimento e/ou consentimento da Ré empregadora?).
Diga-se que da matéria de facto e do seu encadeamento não decorre que o nº 25 se reportasse à situação verificada no período anterior a finais de 2007 (cfr. nº 23) e/ou também a partir desta data.
Uma vez que a atribuição de tal prestação, se e para efeitos da utilização da viatura para fins pessoais da A., poderá, pelo menos de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, integrar o conceito de retribuição previsto no art. 70º, nº 2, da Lei 98/2009, de 04.09, impõe-se, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, anular a sentença e julgamento com vista à remoção de tal contradição ou obscuridade, devendo a 1ª instância esclarecer cabalmente os factos em conformidade com o referido e, após, proferir decisão em conformidade.

2.5. Porque documentalmente provado adita-se oficiosamente à decisão da matéria de facto provada os nºs 36, 37 e 38, com a seguinte redação:

36. No relatório, de 20.10.2019 (junto a 22.10.2019), do exame médico levado a cabo pelo perito médico singular na fase conciliatória do processo consta o seguinte:
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

(…)




37. Na tentativa e conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo aos 22.11.2019, em que estiveram presentes a A. e a Ré Seguradora e que veio a ser adiada (para chamar aos autos a Ré empregadora), consta, para além do mais, ter a A. declarado que “se encontra paga das indemnizações que lhe eram devidas pelos períodos de incapacidade temporárias”.
38. Na tentativa e conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo aos 08.01.2020, e que se frustrou, consta o seguinte:
- Ter a A. declarado que “como consequência necessária e directa desse acidente sofreu as lesões descritas no relatório do INML conforme fls. 322 a 325 v. dos autos que a afetam de ITA para o trabalho e convertida em IPA desde 15-11-2016, por ser superior a 30 meses, e ao abrigo do disposto no artº 22º, nº 2 da Lei 98/2009 de 04/09”, tendo reclamado “a pensão anual e vitalícia de €39.415,78 devida desde do dia 16-11-2016, dia seguinte àquele em que completou 30 meses de ITA”.
- Ter a Ré Seguradora declarado, para além do mais, que:
“5 - Estando em questão a conversão da ITA em IPA, a X... não concorda com o resultado do exame do INML, que considera a examinanda na situação de IPA, a partir de 15-11-2016.
6 - Tal posição deve-se ao facto da sinistrada ter estado em situação de ITA no período de 16-05-2014 a 25-07-2014 (71 dias), ITP de 10% no período de 26-07-2014 a 19-09-2014 (56 dias), na situação de S/I no período de 20-09-2014 a 29-10-2014, (40 dias) tendo sido dada alta curada sem desvalorização em 29-10-2014.
7 - A sinistrada apresentou recaída em 28-01-2016 ficando na situação de ITA até 17-01-2019.
8 - Assim, salvo melhor opinião, perfaz 30 meses de tratamento em 16-07-2018, data a partir da qual deverá ser considerada a IPA”.

2.6. Em conclusão, são as seguintes as alterações, oficiosamente determinadas por esta Relação, à decisão da matéria de facto:
- Altera-se a redação do nº 27 dos factos provados;
- Adita-se à matéria de facto provada os nºs 36, 37 e 38 com a redação acima indicada.

3. Se a disponibilização da viatura à A., nas condições em que esta a utilizava, consubstancia retribuição em espécie e, em caso afirmativo, da sua repercussão no cálculo das indemnizações temporárias e na pensão por incapacidade permanente (devendo ser a sua quantificação relegada para incidente de liquidação);

Na petição inicial, e em consonância com o que havia reclamado na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, a A. alegou que beneficiava da utilização, para uso profissional e pessoal, 24 horas por dia, todos os dias do ano, de viatura atribuída pela Ré Empregadora, que suportava todos os encargos, incluindo manutenção, seguros e combustíveis, tendo-lhe esta disponibilizado ainda um cartão Galp Frota, com o qual esta abastecia a viatura de combustível para todas as deslocações, quer no âmbito pessoal como profissional, suportando a 2ª R. diretamente a totalidade do custo desses abastecimentos, concluindo que a utilização, dessa forma, da viatura consubstancia retribuição em espécie, a que corresponde o valor mensal de €500,00 e que assim deve ser tido em conta para o cálculo da sua retribuição anual e prestações que lhe são devidas, reiterando, no recurso, que a disponibilização da viatura pela Ré, nas condições em que a utilizava, integra a retribuição, em espécie, devendo ser atendida para efeitos da sua retribuição anual e do cálculo das prestações que lhe são devidas, mas cuja liquidação, por não se ter apurado o seu valor, deve ser relegado para incidente de liquidação.
Discordando, alega a Recorrida Empregadora que “sendo a utilização pessoal do veículo automóvel atribuído à Recorrente mera tolerância da Recorrida, o mesmo sucedendo com a utilização do cartão galp frota, não há qualquer valor associado a essa utilização a ser integrado na retribuição da Recorrente para efeitos de definição de retribuição, nos termos do disposto no artigo 70.º, números 1, 2 e 3 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro”, aderindo à sentença recorrida.
Por sua vez, na sentença recorrida e após considerações de natureza jurídica relativamente ao conceito de retribuição, referiu-se o seguinte:
“(…)
No que concerne à viatura automóvel disponibilizada pela aqui entidade empregadora à ora sinistrada, dir-se-á desde logo que o valor patrimonial de todas as prestações integradoras do conceito de retribuição tanto pode corresponder a um pagamento efetuado diretamente em dinheiro, como pode também ser o montante económico correspondente a uma determinada prestação em espécie.
Naquele último caso, o art.º 259.º n.º 1 do C. do Trabalho dispõe expressamente que a prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família.
Citando Paula Quintas e Hélder Quintas (Código do Trabalho Anotado e Comentado, 2009, pág. 540), “o pagamento da retribuição em espécie tem-se generalizado, principalmente em relação aos altos cargos das empresas, funcionando como bónus de fidelidade e integração. É o que acontece com o fornecimento de automóvel, o pagamento de certas despesas, como casa, água e luz ou a permissão de uso de casa de férias em propriedade do empregador ou de cartão de crédito da empresa”.
Ou seja, a atribuição daqueles benefícios pode efetivamente constituir uma prestação em espécie a integrar a retribuição. O que se impõe para que assim suceda é que tal atribuição se destine não apenas ao uso profissional do trabalhador – seja um meio para este executar a sua atividade profissional –, mas também ao uso pessoal e familiar do mesmo; e ainda que a apontada atribuição represente para ele um valor económico.
Com efeito, como se decidiu, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de janeiro de 2006 (Coletânea de Jurisprudência, 5º, 153), citando vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça, “o nosso Supremo Tribunal de Justiça tem entendido uniformemente que a atribuição a um trabalhador de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo da entidade patronal, para o serviço e uso particular, constitui ou não retribuição conforme se prove que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um ato de mera tolerância”.
Esse mesmo entendimento foi defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de outubro de 2006, que pode ser consultado em www.dgsi.pt, no qual se escreveu: “é jurisprudência uniforme que o valor de uso de uma viatura atribuído pelo empregador para o trabalhador usar na sua vida particular ou particular e profissional, suportando aquele as respetivas despesas de manutenção, acontecendo tal uso de forma regular, por forma a inculcar em ambos os sujeitos do contrato de trabalho a ideia de que se trata de um direito e não de mera liberalidade, tal valor de uso, dizíamos, integra a retribuição do trabalhador”.
Neste mesmo sentido, vejam-se ainda, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de junho de 1994, de 23 de novembro de 1994 e de 24 de setembro de 2008, respetivamente na Coletânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.º, págs. 281 a 284, e 3.º, págs. 297 a 300, e em www.dgsi.pt.
Àquele propósito, provou-se que a R. entidade empregadora, a partir de dado momento, passou a disponibilizar à A. um veículo automóvel de passageiros para deslocações com fins profissionais, suportando os respetivos encargos com a manutenção e o seguro do mesmo, bem como assumindo o pagamento do combustível e das portagens nas deslocações efetuadas em trabalho. Mais se provou o seguinte: por razões de mera comodidade, a R. M..., S.A. nunca obrigou a sinistrada a deixar o veículo automóvel nas suas instalações ao final do dia de trabalho, ou ao fim de semana, pelo que a sinistrada estava autorizada a levar o carro ao final do dia para sua casa; a R. M..., S.A. permite que os seus trabalhadores mantenham as viaturas na sua posse mesmo quando não estão a trabalhar e, admitindo a possibilidade de os trabalhadores utilizarem as viaturas em pequenas deslocações pessoais durante esse período (ida ao supermercado no final do dia de trabalho; ida a estabelecimentos escolares levar/buscar filhos; ida a uma consulta médica durante o dia de trabalho, ou antes do seu início ou no final) e, bem assim, a dificuldade de identificação das mesmas e a sua destrinça face às deslocações de natureza profissional, a R. permite que os seus trabalhadores percorram até mil quilómetros por mês, a título pessoal, sem qualquer custo acrescido; os quilómetros percorridos, a título pessoal, que ultrapassem aquele número são pagos pelos trabalhadores à R. M..., S.A.; a disponibilização de um cartão Galp Frota tinha como propósito a sua utilização para pagamento de combustível destinado às deslocações profissionais que a sinistrada tinha que realizar; no que respeita às portagens, as mesmas, porque respeitantes a deslocações profissionais, eram pagas pela R. M..., S.A., mas as portagens respeitantes a deslocações pessoais são suportadas pelos trabalhadores, e foram sempre suportadas pela sinistrada (os sublinhados são da nossa autoria).
Do ora exposto conclui-se que a viatura que a R. entidade empregadora entregou à A. destinou-se apenas ao uso profissional por parte desta última, que não ao seu uso pessoal. Se assim não fosse, não se compreenderia a razão pela qual a empregadora não suportava as portagens cobradas em deslocações pessoais e cobrava os quilómetros percorridos em tais deslocações que ultrapassassem o limite máximo de mil por mês. Se a aqui trabalhadora usasse a dita viatura que lhe foi disponibilizada para efeitos profissionais, na sua vida pessoal, fazia-o por condescendência daquela R. e por comodidade de ambas, conforme resultou assente.
Lançando mão do que atrás se referiu a propósito do conceito de retribuição, não existem quaisquer dúvidas que neste caso concreto a atribuição do uso de uma viatura automóvel à A. não consubstancia uma prestação em espécie, que integra a retribuição daquela. Tanto mais que a R. empregadora alegou e provou que o uso do veículo por banda da A. se tratava de uma mera liberalidade ou de um ato de mera tolerância (neste sentido, veja-se, v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2014, em www.dgsi.pt).
De qualquer forma e ainda que assim não fosse entendido, sempre se dirá que a A. não logrou provar o custo que teria para si a aquisição de uma viatura destinada a ser usada, a título pessoal, e para além do aludido limite de mil quilómetros mensais.”
Ou seja, e em síntese, a sentença recorrida afastou a natureza remuneratória da utilização, pela A., da viatura fornecida pela Ré com base em três argumentos: a entrega da viatura destinou-se apenas ao uso profissional por parte da A., que não ao seu uso pessoal; a Ré empregadora alegou e provou que o uso pessoal do veículo por banda da A. se tratava de uma mera liberalidade ou de um ato de mera tolerância; a A. não logrou provar o custo que teria para si a aquisição de uma viatura destinada a ser usada, a título pessoal, e para além do aludido limite de mil quilómetros mensais.

3.1. No art. 26º, nº 3, da anterior Lei 100/97, de 13.09 dispunha-se que “3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” [e, na anterior Base XXIII, nº 2, da Lei 2127, de 03.08.65, revogada pela Lei 100/97, que “2. Entende-se por retribuição tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade”]
Por sua vez, veio o art. 71º (Cálculo) da Lei 98/2009, de 04.09 (LAT/2009), a aplicável ao caso dada a data do acidente, determinar que: “1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente. 2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.4. Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente. 5. Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos. (…)
Por sua vez, de harmonia com o art. 258º do CT/2009, a propósito dos princípios gerais da retribuição: “1. Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2. A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie. 3. Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4. (…)” e, de acordo com o art. 259º do mesmo, “1 - A prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe pode ser atribuído valor superior ao corrente na região. 2 - O valor das prestações retributivas não pecuniárias não pode exceder o da parte em dinheiro, salvo o disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”
Da comparação dos referidos preceitos (da Lei 2127, da Lei 100/97 e da Lei 98/2009) decorre que a atual LAT/2009, que deixou de remeter para a noção de retribuição constante do Código do Trabalho, se descolou, para efeitos de reparação de acidente de trabalho, do conceito deste constante, antes adotando um conceito próprio, conceito este mais amplo, pois que apenas se exige que a prestação tenha um caráter de regularidade e não se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios, permitindo nela enquadrar prestações que, como tal, poderiam eventualmente estar excluídas do conceito de retribuição face aos termos da lei geral.
Ou seja, pese embora toda a prestação que seja ou deva ser, face aos critérios gerais do CT, considerada como retribuição, assim devendo continuar a ser considerada para efeitos da reparação infortunística (desde logo porque uma das características do conceito de retribuição é a sua periodicidade), outras poderão existir que, não o sendo face ao critério geral do CT, como tal deverão, contudo, ser consideradas face ao conceito do art. 71º, nº 2, da LST/2009.
E, assim sendo, também as prestações em espécie, se tiverem natureza retributiva, deverão ser tidas em conta no conceito de retribuição para efeitos da LAT. O que, no entanto, poderá acontecer é que, para além destas e ainda que não partilhem, face aos critérios gerais do CT, de tal natureza, possa ainda a prestação em espécie ser considerada como consubstanciando retribuição para efeitos de reparação infortunística se, como tal e face ao disposto no art. 71º, nº 2, da LAT, dever ser considerada, conceito este mais abrangente do que o decorrente dos critérios gerais fornecidos pela LAT.
Refere Filipe Fraústo da Silva, Reflexões em torno do valor do uso pessoal de viatura da empresa que integre a retribuição do trabalhador”, em Para Jorge Leite, Escritos Jurídico Laborais, Coimbra Editora, pág. 950:
“Em face do que fica dito, coloca-se a questão de saber se a atribuição, por um empregador, do uso de uma viatura da empresa a certo seu trabalhador pode configurar uma prestação de natureza retributiva.
Relativamente ao elemento patrimonial é irrecusável que uma viatura, ou o uso pessoal que dela seja consentido fazer, é em abstrato suscetível de avaliação em dinheiro. Deste prisma não há obstáculo à qualificação. Quanto ao carácter regular e periódico, dir-se-á que não terá natureza retributiva a ocasional permissão de utilização de uma viatura da empresa por parte de um seu trabalhador. Mas, quando essa utilização seja duradoura, permanente ou, pelo menos, temporalmente estável, a qualificação é possível. Restará, pois, indagar sobre o seu caráter obrigatório da atribuição olhando, ainda, a respetiva causa: sobre esta, refira-se que não tem natureza retributiva a atribuição de uma viatura da empresa para que seja exclusivamente utilizada no desempenho, pelo trabalhador, da atividade a que está obrigado nos termos do contrato. Já assim não será, porventura, se o mesmo trabalhador, finda a sua prestação laboral diária, tem o uso pessoal da viatura, seja para se deslocar desde lo local de trabalho para a sua residência, seja para outros fins particulares, podendo utilizá-la em períodos de repouso (fins-de-semana e férias) ou mesmo quando pode afetar essa viatura à utilização do cônjuge ou companheiro ou outro membro do seu agregado familiar. Pode efetivamente a viatura de empresa, ser encarada, no que respeita ao uso profissional que dela é feito, como instrumento de trabalho; e no que toca à utilização pessoal, como componente retributiva em espécie.”
No Acórdão do STJ de 21.02.2006, em www.dgsi.pt, refere-se que a atribuição de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo da entidade patronal, para o serviço e uso particular do trabalhador, constitui ou não retribuição conforme se demonstre que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como ato de mera tolerância.
Por sua vez, do sumário do Acórdão do STJ de 03.03.2021, Proc. 28857/17.9T8LSB.L1.S1 consta que: “I. A atribuição das viaturas aos autores, nos termos em que foi feita, com a utilização, por parte destes, nas suas deslocações pessoais em dias normais de trabalho, fora do horário de trabalho, fins-de-semana, feriados e férias, sem limite, e em que as rés suportavam todas as despesas com as mesmas, configura uma componente da retribuição dos autores, que lhes é devida com as inerentes consequências ao nível da irredutibilidade da retribuição, atento ao disposto no art.º 129.º n.º 1, al. d). do Código do Trabalho. II. Tratando-se de uma inequívoca prestação das rés aos autores, eram as rés quem tinham de ilidir o carácter retributivo desta prestação, nos termos gerais do art.º 350.º, n.º 2 do Código Civil, fazendo prova de que a prestação em causa não tinha carácter retributivo, o que não sucedeu, pelo que, sendo uma prestação em espécie, com carácter regular e periódico e com valor patrimonial, assume natureza de retribuição.
E, no seu texto, refere-se que:
“A alegação das RR no presente recurso funda-se, precisamente, no entendimento de que a utilização que os AA faziam das viaturas, fora do horário e dos dias de trabalho – fins-de-semana, feriados e férias - com o inerente pagamento de todas as despesas por parte das RR, assentava numa mera tolerância, feita com espírito animus donandi, não fazendo parte da retribuição devida aos AA., podendo por isso ser retirado a todo o tempo.
No entanto, da factualidade dada como provada resulta que, nas condições de admissão dos AA., constava que estes teriam direito à atribuição de uma viatura de serviço, de valor até €22.000,00, no caso de quatro autores e de €28.000,00, no caso de um dos autores.
É certo que se faz referência a que são viaturas de serviço, viaturas que existem para que os AA possam exercer as suas funções, porém, a atribuição dessas viaturas é também configurada pelas RR como um direito a uma viatura, com um valor patrimonial específico, a serem utilizados pelos AA nas suas deslocações pessoais em dias normais de trabalho, fora do horário de trabalho, fins-de-semana, feriados e férias e sem limite.
Acresce que as RR atribuírem ainda cartões Galp Frota sem qualquer limite para o combustível, bem como Via Verde, e ainda pagavam as portagens e parqueamento aos AA quando estes, por algum motivo, não conseguiam efectuar os pagamentos com os cartões, e quando, por qualquer motivo, os AA não dispunham temporariamente do identificador de Via Verde. Eram também as RR quem sempre suportaram todas as despesas de seguros e de manutenção dos veículos automóveis atribuídos, nomeadamente revisões, inspeções e pneus. Este tipo de comportamento não se afigura compatível com a figura da mera tolerância.
Na verdade, fica demonstrado que estes comportamentos repetidos reiterada e ininterruptamente ao longo de anos, durante 12 anos, no caso do 1º e 5º recorrentes, 13 anos, no caso dos 2º, 3º e 4º recorrentes, só ocorriam, porque a utilização das viaturas, nos moldes definidos e com o pagamento de todas as despesas aos AA, configurava uma prestação patrimonial a que estes tinham direito, porquanto representa uma inequívoca vantagem patrimonial para os AA que com eles foi acordada aquando da contratação, como uma das condições, configurando uma parte da sua retribuição, razão pela qual, as RR. mantiveram os pagamentos ao longo de todos estes anos.
As Rés alegam ainda que os AA não lograram provar que as viaturas lhes haviam sido atribuídas para utilização total, posição secundada pela sentença da primeira instância. No entanto não compete aos autores provar essa atribuição, atenta a existência de uma presunção a seu favor – art.º 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho. Na verdade, e dada a dificuldade que por vezes pode ocorrer em qualificar o que é ou não retribuição, o legislador estabeleceu uma presunção: “integra a retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” – art.º 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
No caso, tratando-se de uma inequívoca prestação das RR aos AA, eram as RR quem tinham de ilidir o carácter retributivo desta prestação, nos termos gerais do art.º 350.º, n.º 2[1] do Código Civil. Tratando-se de uma presunção “juris tantum”, compete ao empregador, provar que as prestações pecuniárias percebidas pelo trabalhador não revestem carácter de retribuição, fazendo prova de que as prestações em causa não tinha carácter retributivo; aos trabalhadores basta provar que recebem as prestações pecuniárias ou em espécie, não tendo de provar que as mesmas são contrapartida do trabalho. Ora, atenta a factualidade provada, as RR não o fizeram, antes pelo contrário, o que resulta provado é que as viaturas foram atribuídas aos AA, para sua utilização total, com o pagamento de todas as despesas pelas RR.
Nesta Secção deste Tribunal existe uma jurisprudência consolidada no sentido de que sendo a atribuição do direito, ao trabalhador, de utilização do veículo na sua vida particular, incluindo fins de semana, feriados e férias e ao suportar todos os encargos, designadamente com a sua manutenção, seguro, portagens e combustível, torna essa prestação com carácter de obrigatoriedade. Sendo uma prestação em espécie, com carácter regular e periódico e com valor patrimonial, assume, pois, natureza de retribuição. Veja-se, entre outros, acórdão de 13 de fevereiro de 2019, no processo n.º 7847/17.7T8LSB.L1. S1, onde se afirmou:
“I. Provando-se que o empregador atribuiu ao trabalhador um veículo automóvel para seu uso exclusivo, uso profissional e uso particular, incluindo fins de semana, férias e feriados, e que aquele ficou a suportar todos os encargos com a sua manutenção, seguro, portagens e combustível, assume tal prestação natureza retributiva e fica o empregador vinculado a efetuar, com caracter de obrigatoriedade, essa prestação.
II. Tratando-se de uma prestação em espécie, com caracter regular, periódico e com valor patrimonial, que assume feição retributiva, beneficia da garantia da irredutibilidade, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003, e 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho de 2009.
III. Presumindo-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, nos termos dos artigos 82.º, n.º 3, da LCT, 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, e 258.º, n.º 3, do Código do Trapalho de 2009, compete ao empregador alegar e provar que a atribuição do veículo automóvel e que o seu uso particular pelo trabalhador não passa de uma mera liberalidade ou de uma mera tolerância por parte daquele.” -
No mesmo sentido, em situação idêntica, decidiu este Tribunal, no acórdão de 30.04.2014, proferido no processo n.º 714/11.00TTPRT.P1. S1, o seguinte[2]:
“I. Tendo-se provado que o empregador distribuiu ao trabalhador um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, ficando todos os encargos, manutenção, seguros, portagens e combustível a cargo daquela e que o trabalhador utilizava a viatura para uso exclusivo, nas deslocações da residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, para efeitos pessoais, a mencionada atribuição de veículo automóvel assume natureza retributiva, estando o empregador vinculado a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.
II. Tratando-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, beneficia, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003 e 129.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2009.
III - Presumindo-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, competia ao empregador provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância, ónus que não se mostra cumprido.”
Concluímos assim que na situação dos autos, a atribuição das viaturas aos Autores, nos termos em que foi feita, com a utilização, por parte destes, nas suas deslocações pessoais em dias normais de trabalho, fora do horário de trabalho, fins-de-semana, feriados e férias, sem limite, e em que todas as despesas com as mesmas estavam a cargo das Rés, configura uma componente da retribuição dos Autores que lhes é devida com as inerentes consequências ao nível da irredutibilidade da retribuição, atento ao disposto no art.º 129, n.º1, al. d). do CT, pelo que não censura merece o acórdão recorrido, devendo improceder o recurso interposto.”

3.2. Revertendo ao caso em apreço, decorre da matéria de facto provada que:
- O acidente de trabalho em apreço nos autos ocorreu aos 15.05.2014 (nºs 1 e 2);
- No contrato de trabalho celebrado entre a sinistrada e a R. M..., S.A., pelo qual a sinistrada foi admitida ao serviço daquela R., outorgado em 16 de setembro de 2002, cuja cópia se encontra junta a fls. 366 verso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, a sinistrada obrigou-se contratualmente a dispor de viatura própria para desempenho das suas funções; (nº 13)
- Pela utilização de viatura própria pela sinistrada, nos termos referidos em 13), a R. M..., S.A. pagava àquela o prémio do seguro, tendo em dezembro de 2002 efetuado o pagamento à sinistrada do montante de € 678 do seguro da viatura; (nº 20)
- A R. M..., S.A. pagava ainda à sinistrada a quantia de €0,38 por quilómetro percorrido com a sua viatura; (nº 21)
- E pagava mensalmente a quantia de € 176,15 como compensação pelo desgaste da viatura; (nº 22)
- Em finais de 2007 a R. M..., S.A. decidiu deixar de pagar aos seus funcionários as despesas com as viaturas próprias, passando a disponibilizar viaturas escolhidas pelos trabalhadores, mas contratadas diretamente pela empresa; (nº 23)
- Suportando a R. M..., S.A. os encargos com a viatura em termos de manutenção e de seguros; (nº 24)
- A R. M..., S.A. suportava todas as despesas de portagem nas deslocações realizadas pela sinistrada ao seu serviço, procedendo a R. ao reembolso à sinistrada – dado que o identificador de Via Verde estava associado à conta bancária da sinistrada – das deslocações por ela suportadas ao seu serviço; (nº 26)
- Por a realização das funções para as quais a sinistrada foi contratada implicar uma constante deslocação dentro do território nacional que se encontrava atribuído à sinistrada, a R. M..., S.A., na sequência do referido em 23 mas, em relação à A., apenas a partir de outubro de 2010, passou a disponibilizar-lhe um veículo automóvel para efetuar essas deslocações para fins profissionais. (nº 27, com a redação por nós alterada)
- Por razões de mera comodidade, a R. M..., S.A. nunca obrigou a sinistrada a deixar o veículo automóvel nas suas instalações ao final do dia de trabalho, ou ao fim de semana, pelo que a sinistrada estava autorizada a levar o carro ao final do dia para sua casa; (nº 28)
- A R. M..., S.A. permite que os seus trabalhadores mantenham as viaturas na sua posse mesmo quando não estão a trabalhar e, admitindo a possibilidade de os trabalhadores utilizarem as viaturas em pequenas deslocações pessoais durante esse período (ida ao supermercado no final do dia de trabalho; ida a estabelecimentos escolares levar/buscar filhos; ida a uma consulta médica durante o dia de trabalho, ou antes do seu início ou no final) e, bem assim, a dificuldade de identificação das mesmas e a sua destrinça face às deslocações de natureza profissional, a R. permite que os seus trabalhadores percorram até mil quilómetros por mês, a título pessoal, sem qualquer custo acrescido; (nº 29)
-Os quilómetros percorridos, a título pessoal, que ultrapassem aquele número são pagos pelos trabalhadores à R. M..., S.A.; (nº 30)
- No que respeita às portagens, as mesmas, porque respeitantes a deslocações profissionais, eram pagas pela R. M..., S.A., mas as portagens respeitantes a deslocações pessoais são suportadas pelos trabalhadores, e foram sempre suportadas pela sinistrada;” (nº 32)

Decorre, pois da referida factualidade que a Ré empregadora, aquando da ocorrência do acidente, disponibilizava à A. a utilização de viatura automóvel para o exercício, por esta, da sua atividade profissional. Mas decorre também que, ainda que por razões de comodidade, nunca obrigou a A. a deixar a viatura, ao final do dia, ou ao fim de semana, nas suas instalações, permitindo que esta a levasse para casa e, bem assim, que a mantivesse na sua posse mesmo quando não estivesse a trabalhar e que a utilizasse em deslocações pessoais até um limite de mil quilómetros por mês sem qualquer custo acrescido, sendo os quilómetros percorridos, a título pessoal, que ultrapassassem esse limite pagos pelos trabalhadores e, bem assim, que era a Ré quem suportava os encargos com a viatura em termos de manutenção e seguros.
No que se reporta à utilização da viatura para o exercício da sua atividade profissional, decorre que, na medida dessa utilização, ela não tem natureza retributiva.
Por outro lado, do facto de os quilómetros percorridos que excedessem os 1.000 Km por mês serem pagos pela A. resulta que a utilização, para fins pessoais, da viatura não era ilimitada, ou seja, podendo embora a A. utilizá-la, era todavia devida à Ré uma contrapartida por isso, pelo que não se nos afigura que, nessa medida – que excedesse esse limite -, possa a utilização da mesma ser considerada prestação de natureza retributiva.
Mas da matéria de facto provada decorre também que a Ré permitia que a viatura fosse utilizada para fins pessoais até esse limite de 1.000 Km por mês, sem qualquer custo acrescido.
Ora, no que se reporta à utilização da viatura para fins pessoais até ao limite desses 1.000 Km por mês, não podemos deixar de considerar que tal representa uma prestação em espécie que tem natureza retributiva para efeitos de reparação infortunística. Com efeito, tratava-se de uma prestação com caráter regular e periódico, de que a A. poderia usufruir mensalmente, até esse limite, e que não se destinava a compensá-la de um custo aleatório, o que, nos termos do art. 70º,nº 2, da LAT/2009, tanto basta para considerá-la como tendo natureza retributiva para efeitos da citada LAT.
De todo o modo, mesmo face ao CT e tendo ainda em conta o citado Acórdão do STJ de 03.03.2021, afigura-se-nos que o uso pessoal da viatura até ao limite de 1.000 Km por mês não poderá deixar de ser considerado como tendo natureza retributiva, desde logo porque tal se presume, não se nos afigurando que as “razões de mera comodidade” referidas no nº 28 dos factos provados (para justificar a não exigência da devolução do veículo no final do dia de trabalho ou no fim de semana) ou a “permissão” a que se reporta o nº 29 ou o pagamento, pela A., das portagens respeitantes a deslocações pessoais, façam prova do contrário. Com efeito e quanto ao pagamento das portagens, estas consubstanciam facto diferente do uso da viatura, não se vendo que a natureza retributiva desse uso seja incompatível com o pagamento, pela A., das portagens aquando do uso pessoal. E, quanto ao demais, ainda que “por razões de comodidade” e com “permissão” da Ré, certo é que, até ao limite de 1.000 Km por mês a A. podia utilizar a viatura para deslocações pessoais sem outra limitação ou custo acrescido para si, sendo as despesas de manutenção e seguro asseguradas pela Ré Empregadora.
É de abrir um parenteses para esclarecer que não se vê fundamento para que, ao invés do referido, seja considerado, para efeitos da determinação da retribuição da A., o esquema vigente em data anterior à alteração a que se reporta o nº 23 dos factos provados [ainda que o fosse oficiosamente, ao abrigo do disposto no art. 74º do CPT, dada a natureza indisponível dos direitos emergentes de acidente de trabalho – arts 12º e 78º da LAT/2009-, sendo que, no caso, a A., como se retira do que reclamou na tentativa de conciliação e na p.i, pese embora alegue, nesta, a prática vigente aquando da sua contratação, o que se retira é que reclama o valor que corresponderia à utilização pessoal da viatura fornecida pela Ré]. Nesse período – anterior à alteração verificada -, a A. não tinha atribuída viatura da Ré, sendo que o que ocorria era a utilização da sua própria viatura para fins profissionais, decorrendo os pagamentos mencionados em 21) e 22) dos factos provados da utilização, pela A., de viatura própria para fins profissionais, para além de que, do nº 21, não decorre que o pagamento aí referido se reportasse ao pagamento de km percorridos em deslocações pessoais da A. (e não já em serviço) e, o nº 22, reporta-se a uma compensação de uma despesa e/ou prejuízo, ou sendo a isso equiparável, decorrente do desgaste do veículo ao serviço da Ré, e tendo a Ré, na nova modalidade, passado a suportar os encargos com a viatura em termos de manutenção e de seguros (nº 24 dos factos provados).
Fechando tal parenteses, e tendo em conta, como referido, que a utilização da viatura para fins pessoais até ao limite de 1.000Km por mês tem natureza retributiva para efeitos de reparação infortunística, deverá o valor que lhe corresponda integrar a retribuição para efeitos do cálculo das indemnizações por incapacidade temporária e da pensão.
O valor da referida retribuição em espécie será, como tem sido entendido pela jurisprudência, o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal ou particular da viatura, nele não se podendo incluir o uso profissional (ou seja o benefício obtido com o seu uso ao serviço da entidade empregadora), pois que a viatura destina-se não apenas ao uso pessoal, mas também ao uso profissional – cfr. Acórdão do STJ de 27.05.2010, Processo 684/07.9TTSTB.S1, no qual se refere que “Essa privação de uso corresponde a um valor quantificável em termos pecuniários, tendo vindo a ser entendido por este Supremo Tribunal que o valor dessa retribuição em espécie é o correspondente ao beneficio económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura, competindo ao trabalhador o ónus de alegar e provar aquele valor, nos termos do disposto no artº 342º, nº 1 CC.”[2]. E assim também no Acórdão do STJ de 17.11.2016 – in www.dgsi.pt, de cujo sumário resulta que destinando-se a viatura fornecida pela entidade empregadora ao uso profissional e pessoal do trabalhador, o valor decorrente da utilização da viatura a considerar para efeitos de retribuição é o correspondente ao benefício patrimonial obtido pelo trabalhador com o uso pessoal e não o correspondente ao custo mensal suportado pelo empregador com o uso profissional e pessoal.
E, no caso concreto e pelas razões já referidas, entende-se também que o valor dessa prestação em espécie - utilização da viatura – deve ser o correspondente à sua utilização pessoal de 1.000KM por mês, com base nela se devendo aferir do correspondente valor pecuniário, não abrangendo, pois, o correspondente ao excesso desse limite.
Da matéria de facto provada decorre que, na situação inversa, isto é, quando a A. utilizava a sua própria viatura para fins profissionais, a Ré lhe pagava por Km percorrido a quantia de €0,38, certamente por considerar tratar-se de valor adequado como contrapartida/”preço” pela utilização da mesma. Ora, assim sendo, não se vê razão para adotar diferente critério no que toca ao apuramento do valor pecuniário correspondente ao benefício patrimonial da A. pela possibilidade de utilização da viatura, para fins pessoais, até 1.000KM por mês, acrescendo dizer que não se poderá deixar de ter, também, em conta que não poderia o esquema de utilização de viaturas que veio a ser posteriormente adotado por decisão da Ré deixar de refletir algum equilíbrio em relação ao que vigorava anteriormente e que constava do contrato de trabalho.
Ou seja, e em conclusão, entendemos que o valor mensal da retribuição correspondente à utilização pessoal da viatura com o limite de 1.000Km por mês é de €380,00 mensais, a que corresponde a retribuição anual de €4.560,00 (0,38 x 1.000 x 12).
E, assim sendo, não se vê razão para relegar a liquidação do montante retributivo correspondente a essa retribuição em espécie para incidente de liquidação.

3.2.1. É de esclarecer, no que toca à utilização do cartão Galp Frota que, face à anulação do julgamento, nessa parte, nos termos e para os efeitos do já referido no ponto IV.2.4. do presente acórdão, não é possível, no âmbito deste e desde já, apurar e decidir da natureza retributiva, ou não, de tal prestação e, em caso afirmativo, da sua quantificação.

3.3. Uma vez que a retribuição correspondente à utilização pessoal da viatura da Ré com o limite de 1.000 Km mês não se encontrava transferida para a Ré Seguradora (cfr. nº 12 dos factos provados), é a Ré Empregadora a responsável pela reparação na parte correspondente ao montante de tal prestação no que se reporta às indemnizações devidas por incapacidade temporária, pensões, despesas efetuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção - art. 79º, nºs 1, 4 e 5 da LAT/2009.
Diga-se que, como entendemos, tal responsabilidade não é extensiva ao subsídio por elevada incapacidade permanente, prestação esta que não está incluída no rol das prestações previstas no nº 5 do citado art. 79º, o que, aliás, se compreende tendo em conta que o montante dessa prestação não está dependente da retribuição do sinistrado.
É, por fim, de esclarecer que a anulação (parcial) acima determinada – pontos IV.2.4. e 3.2.1. não impede que sejam, desde já, conhecidas as demais questões em apreço no recurso e que seja fixada a responsabilidade das Ré Seguradora e, bem assim, da Ré Empregadora, sem prejuízo, quanto a esta, do mais que possa vir a ser considerado pela 1ª instância na sequência da anulação acima determinada [o objeto da anulação reporta-se apenas a prestação que, caso porventura venha a ser considerada como devendo integrar a retribuição para efeitos da reparação infortunística, será apenas da responsabilidade da Ré Empregadora].

4. Da conversão, aos 17.11.2016 e até 18.01.2019, da ITA em IPA e, em caso afirmativo, das consequências daí decorrentes [designadamente quanto à pensão e ao subsídio por elevada incapacidade permanente e/ou outras]

No relatório, de 20.10.2019 (junto a 22.10.2019), do exame médico levado a cabo pelo perito médico singular na fase conciliatória do processo consta o seguinte:
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

(…)






Na tentativa e conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo a A. declarou que “como consequência necessária e directa desse acidente sofreu as lesões descritas no relatório do INML conforme fls. 322 a 325 v. dos autos que a afetam de ITA para o trabalho e convertida em IPA desde 15-11-2016, por ser superior a 30 meses, e ao abrigo do disposto no artº 22º, nº 2 da Lei 98/2009 de 04/09”, tendo reclamado “a pensão anual e vitalícia de €39.415,78 devida desde do dia 16-11-2016, dia seguinte àquele em que completou 30 meses de ITA”.
Nessa tentativa, a Ré Seguradora declarou, para além do mais, que:
“5 - Estando em questão a conversão da ITA em IPA, a X... não concorda com o resultado do exame do INML, que considera a examinanda na situação de IPA, a partir de 15-11-2016.
6 - Tal posição deve-se ao facto da sinistrada ter estado em situação de ITA no período de 16-05-2014 a 25-07-2014 (71 dias), ITP de 10% no período de 26-07-2014 a 19-09-2014 (56 dias), na situação de S/I no período de 20-09-2014 a 29-10-2014, (40 dias) tendo sido dada alta curada sem desvalorizaçaõ em 29-10-2014.
7 - A sinistrada apresentou recaída em 28-01-2016 ficando na situação de ITA até 17-01-2019.
8 - Assim, salvo melhor opinião, perfaz 30 meses de tratamento em 16-07-2018, data a partir da qual deverá ser considerada a IPA”.

Na p.i. alegou a A. que, pese embora a alta sem desvalorização atribuída pela Ré Seguradora, sempre padeceu de incapacidade temporária no período entre o dia 20-09-2014 até ao dia 27-01-2016, tendo-lhe, aos 28.01.2016 sido atribuída, pela Ré Seguradora ITA que se prolongou até 17-01-2019, pelo que, nos termos do art. 22º da Lei 98/2009, esta, ITA converteu-se em incapacidade permanente absoluta (IPA) no dia 15-11-2016, tal como foi reconhecido e considerado pelo IML, no seu relatório nº6, referente ao exame médico de 14-10-2019, data em que se completaram os 30 meses de ITA.

Na contestação, a Ré seguradora alegou que:
Os períodos de incapacidade temporária a considerar são os seguintes:- ITA entre 16/05/2014 a 25/07/2014 (71 dias); - ITP de 10% entre 26/07/2014 e 19/09/2014 (56 dias); - SI entre 20/09/2014 e 29/10/2014 (40 dias), tendo sido, aos 29.10.2014, atribuída à A. alta, sem desvalorização, momento em que deixou de ser por aqueles seguida; em 28/01/2016, a A. teve uma recaída, na sequência do que passou novamente a ser seguida nos serviços clínicos da Seguradora, tendo-lhe sido e atribuída ITA desde 28/01/2016 até 17/01/2019, com internamento hospitalar entre 29/02/2016 e 02/03/2016. A data da alta, por consolidação médico-legal das lesões, fixou-se em 17/01/2019. Assim, diz, considerando tais períodos de incapacidade temporária, a conversão da ITA em IPA, ao abrigo do disposto no art. 22º n.º 2 da LAT, fruto do decurso de 30 meses em situação de incapacidade temporária, sempre deveria ter em consideração, como data de início da contabilização do período de 30 meses, o dia 28/01/2016, pelo que só no dia 16/07/2018 é que perfez 30 meses de tratamento, sendo que não concorda com a conclusão vertida no relatório do INML datado de 20/10/2019, porquanto o mesmo não teve em devida consideração o facto da sinistrada ter tido alta, sem desvalorização, em 29/10/2014 e o facto da mesma ter apresentado uma recaída e não uma situação de continuidade sintomatológica associada ao acidente dos autos. Conclui, pois, que a conversão da ITA em IPA terá ocorrido em 16/07/2018.

Realizado, no apenso de fixação de incapacidade, exame por junta médica (aos 21.04.2021), foi, nesse apenso, aos 18.05.2021 proferida decisão, retificada conforme despacho de 05.01.20122, nos seguintes termos:
“Atento o disposto no art. 132º, nº 1, do Cód. Proc. Trabalho, decido que:
− A Autora/sinistrada se encontra afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 21% desde 19/01/2019, dia seguinte ao consolidação médico-legal das lesões, ocorrida em 18/01/2019, com incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPTH) desde essa data.
− A Autora/sinistrada esteve com os seguintes períodos de Incapacidades Temporárias:
− ITA desde 16/05/2014 e até 25/07/2014;
− ITP de 50% desde 26/07/2014 até 27/01/2016;
− ITA desde 28/01/2016 até 18/01/2019, data da consolidação médico-legal das lesões.” [já com a mencionada retificação].

Na sentença recorrida foi dado como provado que o acidente de trabalho ocorreu aos 15.05.2014 (nºs 1 e 2 dos factos provados) e, bem assim, que:
“3) Em consequência do evento descrito em 2) os serviços clínicos da R. seguradora atribuíram à sinistrada os seguintes períodos de incapacidades temporárias: I.T.A. desde o dia 16-05-2014 e até 25-07-2014; I.T.P. de 10% de 26-07-2014 a 19-09-2014;
4) Entre 20-09-2014 e 29-10-2014 a sinistrada foi considerada pelos serviços clínicos da R. seguradora sem incapacidade, tendo-lhe sido atribuída pelos referidos serviços clínicos da R. alta sem desvalorização no dia 29-10-2014;
5) A sinistrada, no dia 15 de julho de 2015, apresentou participação do acidente de trabalho junto dos serviços do Ministério Público deste Tribunal, dando origem aos presentes autos;
6) No âmbito do processo de acidente de trabalho instaurado pela participação supra referida e queixas apresentadas pela sinistrada, foi ordenada aos serviços clínicos da R. seguradora a sua reavaliação, tendo sido efetuada em 27 de janeiro de 2016 a primeira consulta médica para reavaliação da situação clínica da sinistrada, procedendo os serviços clínicos da R. seguradora a tratamentos da sinistrada;
7) Os serviços clínicos da R. seguradora recomendaram intervenção cirúrgica, tendo a sinistrada sido submetida, no dia 1 de março de 2016, a artroscopia do punho;
8) No dia 28 de janeiro de 2016 os serviços clínicos da R. seguradora atribuíram à sinistrada I.T.A. que se prolongou até 17 de janeiro de 2019;
9) A sinistrada continuava, em 24 de janeiro de 2020 (data da instauração da petição inicial), em tratamentos assegurados pelos serviços clínicos da R. seguradora;
15) Por força do evento descrito em 2) a sinistrada ficou com uma I.P.P. de 21% desde 19 de janeiro de 2019, e com I.P.A.T.H. desde esta última data;
16) Ainda por força do aludido evento, a sinistrada esteve em situação de I.T.A. desde 16 de maio de 2014 até 25 de julho de 2014, em situação de I.T.P. de 50% desde 26 de julho de 2014 até 27 de janeiro de 2016, e em situação de I.T.A. desde 28 de janeiro de 2016[3] até 18 de janeiro de 2019.”
Tendo ainda o Mmº Juiz referido o seguinte:
“Assim, assiste à A. o direito de receber da R. seguradora €78.869,19 (€92,76 x 70% x 365 + €92,76 x 75% x 793) a título de I.T.A. desde 16 de maio de 2014 a 25 de julho de 2014 e desde 28 de janeiro de 2016 a 18 de janeiro de 2019.
Em termos de I.T.P. de 50% entre 26 de julho de 2014 e 27 de janeiro de 2016 assiste à sinistrada o direito a receber o total de € 17.888,77 (€ 92,76 x 70% x 50% x 551).”, nela se tendo ainda condenado a Ré Seguradora a pagar à A., com efeitos a partir de 19.01.2019, a pensão anual e vitalícia de € 18.349,93.
E é ainda de consignar que, na sentença recorrida, nada se diz quanto à não conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente.

No recurso, a A./Recorrente pugna pela conversão, nos termos do art. 22º da LAT/2009, da ITA em IPA desde 17.11.2016 e até 19.01.2019 alegando que: esteve em situação de incapacidade temporária desde 17/05/2014, pelo que, decorridos 18 meses, isto é, aos 17.11.2016, a mesma deve ser convertida em IPA; a partir de 19.01.2019 deve-lhe então ser, como foi, fixada a IPATH com IPP de 21% para o exercício de outra atividade.
Nas contra-alegações, refere a Ré Seguradora que:
“Ora, tendo sido determinadas por unanimidade, em junta médica, as incapacidades temporárias tal como consignadas na douta sentença (sem prejuízo do lapso já supra apontado), e doutamente fixadas na sentença proferida no apenso de fixação de incapacidade (da qual a apelante não recorre), não poderá pretender a A./apelante que lhe seja atribuída uma prestação por IPA, ainda que por via da conversão, e relativamente ao período em que a mesma esteve com ITP de 50%.
Note-se, a sinistrada não esteve com Incapacidade temporária absoluta entre 16/05/2014 e a data da alta, com parece decorrer da sua alegação.
Assim, nenhum reparo de impõe quanto ao segmento decisório do qual decorre a atribuição à sinistrada da indemnização por incapacidade temporária de 20%[4] entre 26/07/2014 e 27/01/2016.”
Feita tal resenha, há que apreciar.

4.1. Dispõe o art. 22º da LAT/98 que “1. A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade. 2. Verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, o Ministério Público pode prorrogar o prazo fixado no número anterior, até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável e ou do sinistrado", disposição esta similar à que já constava do art. 42º do DL 143/99, de 30.04.
Como diz Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª Edição, a p. 225, a propósito do anterior art. 42º do DL 143/99, mas que mantém atualidade, com a referida conversão procura-se evitar o protelamento excessivo da atribuição de pensões e tem-se em vista salvaguardar os direitos do sinistrado perante demoras excessivas do tratamento.
Em caso de conversão, pelo decurso do referido período, da incapacidade temporária em permanente, determina o mencionado preceito que o perito médico do tribunal reavalie o grau de incapacidade, pelo que, é certo, a fixação do grau de incapacidade permanente não é automático, podendo as partes discordar do resultado dessa avaliação e requerer exame por junta médica. E, em caso de conversão, ela produzirá os mesmos efeitos da alta clínica.
No caso, a Ré Seguradora, seja na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, seja na contestação, não pôs propriamente em causa a conversão da ITA de que a padecia em IPA, sendo que o que questionou foi a data em essa conversão se deveria ter como verificada (alegando que tal conversão apenas ocorreria a 16/07/2018) e, nas contra-alegações, salienta que a A. não esteve, durante todo o período que alega, em situação de ITA, pois que no período de 26/07/2014 e 27/01/2016 conforme referido pela junta médica e dado como provado na sentença esteve com 50% de ITA (certamente por lapso refere “20%”).
Ou seja, serve o referido para dizer que o que estava em causa era essencialmente a data a partir da qual a conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente se deveria verificar e não já a incapacidade permanente correspondente à temporária a ter em conta para efeitos da apreciação da questão da conversão. Aliás, nem a Ré Seguradora, nos quesitos que apresentou para a junta médica pôs em questão a incapacidade a atender por efeito da conversão. Assim sendo, teremos em conta os coeficientes de desvalorização de 50% e a incapacidade absoluta considerados referidos no nº 16 dos factos provados (que correspondem ao que foi considerado pela junta médica).
É também de referir que, ao contrário do que havia sido alegado pela Ré Seguradora na sua contestação, foi dado dado como não provado que em 28.01.2016 a A. tenha tido uma recaída - cfr. al. g) dos factos não provados.
Assim:
Tendo o acidente de trabalho ocorrido aos 15.05.2014 os 18 meses a que se reporta o citado art. 22º perfaziam-se a 15.11.2015 e, os 30 meses, a 15.11.2016.
Da matéria de facto provada decorre que a A. esteve sem assistência médica a partir de 29.10.2014, data em que a Ré Seguradora lhe deu alta, situação essa que se manteve até 27.01.2016, data esta em que, na sequência de participação da A. do acidente de trabalho, foi a mesma objeto de reavaliação e tratamentos pela Seguradora. Ora, assim sendo, aos 15.11.2015 perfez-se 18 meses sem tratamento, pelo que, aos 16.11.2015 se verificou a conversão da sua incapacidade temporária em permanente, sendo que, a essa data e até 27.01.2016, a A. se encontrava afetada de ITP de 50% (nº 16 dos factos provados). E, daí também que, tendo uma ITP de 50% não pudesse esta ser convolada para uma IPA. Considera-se, pois que, no período de 16.11.2015 a 27.01.2016 a A., por conversão da incapacidade temporária em permanente, esteve afetada em tal período de uma IPP de 50%, devendo a pensão ser calculada em conformidade.
Quanto ao período de 28.01.2016 a 18.01.2019: decorre do nº 16 dos factos provados que a A., a partir de 28.01.2016 até 18.01.2019, esteve afetada de ITA, o que significa que a pensão acima referida deverá ser, em conformidade, alterada, por a incapacidade temporária corresponder, nesse período, a uma IPA.
A partir de 19.01.2019 passou a A. a estar afetada de uma IPATH com uma incapacidade de 21% para o exercício de outra profissão sem prejuízo porém do que a seguir se dirá quanto à aplicabilidade do fator de bonificação de 1,5, previsto no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10.
Com efeito, dispõe a citada instrução que “Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1,5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”.
Decorre, pois de tal instrução que a incapacidade deverá ser bonificada com o fator de 1,5 em duas situações: i) se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho; ii) ou se tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado de tal fator.
A jurisprudência do STJ tem, de forma uniforme e reiterada, entendido que a situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) consubstancia, precisamente situação em que a vítima não é reconvertível em relação ao posto de trabalho e em que deve a incapacidade para o exercício de outra profissão ser bonificada com tal fator, sendo a aplicabilidade de tal fator e a IPATH cumuláveis. Assim, neste sentido e a meramente título exemplificativo, se pronunciaram os Acórdãos do STJ de 19.03.2009, Processo 08S3920, de 29.03.2012, proferido no Processo 307/09.1TTCTB.C1.S1, e de 05.03.2013, proferido no Processo 270/03.2TTVFX.1.L1.S1.
Assim, no primeiro dos mencionados Acórdãos (19.03.2009), refere-se que:
“2. Importa, então, ajuizar se, ocorrendo incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, na determinação do valor final da incapacidade é aplicável uma bonificação, consistente na multiplicação pelo factor 1,5, conforme o estipulado na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro.
No domínio de aplicação da sobredita TNI, este Supremo Tribunal teve a oportunidade de se pronunciar acerca da questão enunciada, no acórdão de 16 de Junho de 2004, Processo n.º 1144/04, da 4.ª Secção (Secção Social), cuja orientação foi reafirmada no acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 3039/04, da 4.ª Secção, que concluiu no sentido de que «[t]endo o sinistrado ficado afectado de uma IPP de 61% e incapaz para o exercício da profissão habitual, a tal grau de incapacidade deve ser aplicado, para efeitos do cálculo do valor da pensão, o factor de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI, não sendo este «incompatível com as disposições da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nomeadamente com o preceituado no n.º 1, alínea b), do [seu] artigo 17.º»
(…)
Para que se verifique a falada bonificação, a par da perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais.
No caso vertente, resulta da factualidade apurada nos autos que a sinistrada desempenhava as funções de trabalhadora rural e que, em consequência das lesões sofridas no acidente, apresentava «[r]igidez do ombro direito e sequelas de lesão do nervo circunflexo», sendo-lhe atribuída a «IPP de 31,8%, com incapacidade para a profissão habitual», pelo que, atentas as funções exercidas pela sinistrada, verifica-se perda de função inerente e imprescindível ao desempenho do seu posto trabalho.
Assim sendo, e porque a sinistrada nasceu em .../.../1952, tendo, à data do acidente e da alta, mais de 50 anos, na fixação do grau de incapacidade permanente devia ter sido levado em conta o questionado factor 1,5 de bonificação.
Tal como pondera a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, não se justifica «que se faça uma interpretação diferente quando estamos ou não estamos perante uma situação de IPATH. Na verdade, mal se compreende que se trate de modo diferente uma situação em que o sinistrado continue a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que esteja impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, pelo menos, teoricamente, em qualquer dos casos, haverá sempre que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para o desempenho de outros trabalhos, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, traduzido, como não pode deixar de ser, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, quanto mais não seja, e é o caso, quando o trabalhador já ultrapassou uma determinada idade (mais de 50 anos), devendo tal esforço ser também […] compensado com a aplicação do factor de bonificação aqui em causa.» ».
No segundo dos Acórdãos citados (29.03.2012), diz-se que:
«(…)
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação.
Na verdade, mal se compreenderia que se tratasse de modo diferente uma situação em que o sinistrado continuasse a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que estivesse impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Acresce que não se desenha qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado factor de bonificação e o estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, como pretende a seguradora recorrente, porquanto uma coisa é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação.
No caso, resulta da factualidade apurada que o sinistrado foi vítima de um acidente quando, como supervisor de construção, procedia à verificação/orientação dos trabalhos de colocação de laje de cimento em cima de um andaime e este partiu, tendo caído de cabeça no chão, o que lhe causou sequelas neurológicas graves, que lhe determinaram uma IPP de 53% (0,53), com IPATH.
Ora, a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
Justifica-se, pois, a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, pelo que improcedem as conclusões da alegação do recurso de revista.”. [sublinhado nosso]
E, no mesmo sentido, no terceiro dos Acórdãos mencionados (05.03.2013) refere-se o seguinte:
«“Não se sufragando a solução eleita no Acórdão sub judicio – como se adianta desde já – os conhecidos argumentos da recorrida, respeitáveis embora, não são seguramente razão bastante, susceptível de induzir-nos à reponderação/alteração do entendimento, há muito firmado e mantido, de modo reiterado e pacífico, neste Supremo Tribunal e Secção.
Com efeito – como ainda recentemente se proclamou no Acórdão de 24.10.2012, tirado na Revista n.º 380/10.4TTOAZ.P1.S1, em que interviemos e que, por óbvias razões, acompanhamos de muito perto –, não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do art. 17.º da LAT/Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, podendo cumular-se os benefícios nela estabelecidos.
Valendo aqui igualmente a fundamentação expendida (e oportunamente usada também no Acórdão desta Secção tirado na revista n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1, de 29.3.2012, a que se alude no Aresto acima citado), transcrevemos dele o excerto seguinte:
(…)
Considerando apenas como relevante a verificação de um dos dois requisitos postulados – …sem embargo de, à data em que é reconhecida a diminuição decorrente da IPATH, o sinistrado já ter mais de 50 anos – diremos, como também se concluiu e aqui se não discute, que, atenta a natureza da actividade profissional por si desenvolvida e as lesões permanentes de que ficou afectado, a hipótese da reconversão profissional do sinistrado, relativamente ao seu posto de trabalho, não seria realmente equacionável, resultando aliás como corolário inevitável da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
A equânime compreensão da realidade subjacente a ambas as situações não consente outra leitura da falada Instrução da TNI, ou seja, não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar: em qualquer dos casos – usando as palavras certas do citado Acórdão de 24.10.2012 – haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de IPATH, no acrescido sacrifício que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo por isso o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Procedem, assim, as conclusões da motivação recursória, pelo que, sendo devida a bonificação do valor final da incapacidade, multiplicada, por isso, pelo factor 1,5, o ajuizado em contrário não pode subsistir, havendo que revogar o respectivo segmento decisório do Acórdão sob censura.». [realce a negrito nosso]
E tal entendimento veio a ser consagrado também no Acórdão do STJ nº 10/2014, de 28.05.2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, que uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.», referindo-se, a dado passo da sua fundamentação, que:
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho. (…).
(…). Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção[…] os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho. (…)[sublinhado nosso]
E, por fim, assim também no mais recente Acórdão do STJ de 25.11.2020, Proc. 288/16.5T8OAZ.P1, in www.dgsi.pt, em que se voltou a afirmar tal entendimento, constando do respetivo sumário que “4. Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade.”
Ou seja, do referido decorre que, em caso de IPATH, deverá a IPP para o exercício de outra profissão ser bonificada com o fator de bonificação, não existindo incompatibilidade entre a atribuição de IPATH e do fator de bonificação, sendo aquela uma das situações típicas em que, precisamente, deverá ser atribuído tal fator. Mais decorre que a irreconvertibilidade no posto de trabalho é a consequência ou corolário inevitável da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
No caso, a A., nascida aos .../.../, não tinha, à data de 19.01.2019, 50 anos. Porém encontra-se afetada de IPATH com a IPP de 21% para o exercício de outra profissão, IPP esta que deve ser, face ao referido, bonificada com o mencionado fator de bonificação de 1,5 e, assim, devendo a IPP para o exercício de outra profissão ser fixada em 31,5%. Consigna-se que, conforme resulta do auto de exame por junta médica, a IPP de 21% não havia sido objeto do referido fator.
E é de esclarecer que, pese embora a sentença recorrida não tenha aplicado tal fator e as partes, mormente a A., não tenha reagido contra essa inaplicabilidade, os direitos emergentes de acidente de trabalho têm natureza indisponível e irrenunciável como decorre dos arts. 12º e 78º da LAT, consubstanciando direitos de exercício necessário, decorrente de normas de caráter imperativo e, assim sendo, caindo sob a alçada do art. 74º do CPT, nos termos do qual “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”. Ou seja, impõe-se a esta Relação proceder a tal aplicação.
Assim sendo, como é, deve a pensão devida à A. com efeitos a partir de 19.01.2019 ser calculada com base na IPATH com IPP de 31,5% para o exercício de outra profissão.

4.2. Como decorre do que se disse nos pontos IV.2.4., 3.2.1. e 3.3. do presente acórdão, no que toca ao cartão Galp Frota e do que eventualmente possa vir a resultar em consequência dessa anulação, a eventual responsabilidade infortunística, nessa parte, a porventura existir, sempre caberia à Ré Empregadora por a mesma não se encontrar, nessa parte, transferida para a Ré Seguradora.
Nada impede, porém, que se fixem desde já as pensões que, nos termos acima referidos, são devidas à A. com base na retribuição de €2.107,14 x 14 meses + 396 x 11 meses, considerada na sentença recorrida e que é da responsabilidade da Ré Seguradora, e com base na de €4.560,00 (0,38 x 1.000 x 12) da responsabilidade da Ré Empregadora (sem prejuízo do que, a mais, possa resultar da anulação da sentença e do julgamento e do que, em conformidade, vem a ser decidido pela 1ª instância quanto à utilização do cartão Galp Frota)

Assim sendo, e tendo em conta o disposto no art. 48º da LAT/2009, tem a A. direito:
i) Quanto ao período de 16.11.2015 a 27.01.2016, em que a A. se encontrava afetada de IPP de 50%, tem a mesma direito, com efeitos desde 16.11.2015, à pensão anual de €13.445,59 (33.855,96 + 4560,00 x 70% x 50%), sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da pensão anual de €11.849,59 (33.855,96 x 70% x 50%) e, da Ré Empregadora, o pagamento da pensão anual de €1.595,97 (€13.445,59 - €11.849,59).
ii) Quanto ao período de 28.01.2016 a 18.01.2019, em que a A. se encontrava afetada de IPA, tem a mesma direito, com efeitos desde 28.01.2016, à pensão anual de €30.732,77 (33.855,96 + 4560,00 x 80%), sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da pensão anual de €27.084,77 (33.855,96 x 80%) e, da Ré Empregadora, o pagamento da pensão anual de €3.648,00 (€30.732,77 - €27.084,77).
É de esclarecer que no período a que se reporta a mencionada incapacidade, a A. não tinha ainda a seu cargo o menor a que se reporta o nº 14 dos factos provados, pelo que não é devido o acréscimo a que se refere o art. 48º, nº 3, al. a), da LAT/2019.
iii) Desde 19.01.2019, em que a A. se encontra afetada de IPATH com a IPP de 31,5% para o exercício de outra profissão, tem a A. direito, com efeitos desde 19.01.2019, à pensão anual e vitalícia de €21.628,19:
38.415,96[5]x 50% = 19.207,98
38.415,96 x 70% = 26.891,17
26.891,17 - 19.207,98 = 7.683,19
7.683,19 x 31,5% + 19.207,98= €21.628,19,
Sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da pensão anual de €19.960,90:
33.855,96 x 50% = 16.927,98
33.855,96 x 70% = 23.699,17
23.699,17 - 16.927,98 = 6.771,19
6.771,19 x 31,5% + 16.927,98 = €19,960,90
E sendo da responsabilidade da Ré Empregadora o pagamento da pensão anual e vitalícia de €1.667,29.
As mencionadas pensões [referidas em i), ii) e iii)], já vencidas, deveriam ter sido pagas na residência da A. se outro não for acordado , nos termos do art. 72º, nºs 1 e 2) e 73º da LAT/2009, bem como o deverão ser as vincendas, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo acrescidas dos subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, pagos nos meses de junho e novembro, respetivamente, devendo as pensões já vencidas serem pagas de uma só vez com a primeira prestação que se venha a vencer após o trânsito em julgado do presente acórdão.

4.3. No que toca às incapacidades temporárias na sentença foi referido o seguinte:
“Quanto às Incapacidades Temporárias:
Por incapacidade temporária absoluta tem a sinistrada direito a uma indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e 75% no período subsequente, sendo paga em relação a todos os dias (incluindo os de descanso e feriados), indemnização essa que começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente, conforme previsto nos art.ºs 48.º n.ºs 1 e 3 d) e 50.º n.º 1, ambos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Por incapacidade temporária parcial tem a sinistrada direito a uma indemnização diária igual a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho (art.ºs 48.º n.ºs 1 e 3 e) e 50.º n.º 1, ambos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro).
Assim, assiste à A. o direito de receber da R. seguradora €78.869,19 (€92,76 x 70% x 365 + €92,76 x 75% x 793) a título de I.T.A. desde 16 de maio de 2014 a 25 de julho de 2014 e desde 28 de janeiro de 2016 a 18 de janeiro de 2019.
Em termos de I.T.P. de 50% entre 26 de julho de 2014 e 27 de janeiro de 2016 assiste à sinistrada o direito a receber o total de € 17 888,77 (€ 92,76 x 70% x 50% x 551).
Como vimos, a retribuição da sinistrada foi toda transferida para a seguradora, pelo que não há que assacar qualquer responsabilidade à R. empregadora quanto a eventual montante não transferido.”
Como decorre das alterações a que procedemos, sintetizadas nas als. i), ii) e iii) do precedente ponto 4.2., à A. apenas são devidas as incapacidades temporárias correspondentes:
- ao período de ITA desde 16.05.2014 até 25.07.2014, correspondente a 41 dias, no montante global de €3.020,68 (€105,25 x 70% x 41), sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento de €2.662,21 (€ 92,76 x 70% x 41) e da responsabilidade da Ré Empregadora o pagamento de €358,47 (€3.020,68 - €2.662,21);
- ao período de ITP de 50% desde 26.07.2014 até 15.11.2015, num total de 478 dias [pois que, a partir de 16.11.2015, passaram a ser-lhe devidas as pensões nos termos acima referidos em i) e ii)], no montante global de €35.811,32 (€105,25 x 70% x 365 + 105.25 x 75% x 113), sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento de €31.561,59 (€92,76 x 70% x 365 + €92,76 x 75% x 113) e da responsabilidade da Ré Empregadora o pagamento de €4.249,73.
Diga-se que esta é uma das consequências da pretensão da A. da convolação da incapacidade temporária em permanente, ainda que esta o não refira no recurso (neste reporta-se apenas à pensão e ao subsídio de elevada incapacidade permanente), consequência essa que é, todavia, uma decorrência necessária da referida conversão e que não pode deixar de ser conhecida pela Relação, sendo de conhecimento oficioso.

4.4. O acima decidido quanto à IPA no período de 28.01.2016 a 18.01.2019 confere à A. o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente previsto no art. 67º, nº 2, da LAT/2009, assim se impondo, também nesta parte, alterar a sentença recorrida que, para tais efeitos, atribuiu o subsídio no montante de €4.222,20 tendo em conta o nº 3 do citado preceito [6].
Deste modo, a tal título e tendo em conta o IAS em 2014 de €419,22, tem a A. direito à quantia de €5.030,64, da responsabilidade da Ré Seguradora como já referido no ponto IV.3.3. do presente acórdão.

5. Por decisão de 16.07.2020 foi fixada à A. “a pensão provisória anual atualizável de €1.947,88, a ser paga pela ré seguradora mensalmente, nos termos do disposto no art. 72.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, no domicílio da autora, sem prejuízo de estipulação diversa por acordo (art. 73.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro), desde a data em que foi pedida (data da apresentação da petição inicial, 24/01/2020).
Os montantes já vencidos serão pagos de uma só vez com a primeira prestação” referindo-se em tal decisão o seguinte:
I – Relatório
Peticionou a autora a fixação de pensão provisória mensal, no montante de €1.934,63 x 14 meses por ano, calculada com base no valor da remuneração da autora que foi aceite pelas rés na tentativa de conciliação frustrada, de €33.855,96 anuais, e considerando a conversão da ITA em IPA, igualmente aceite no auto de não conciliação, no qual também houve acordo quanto à existência e caraterização do acidente como de trabalho.
A ré entidade empregadora nada disse quanto ao pedido de fixação de pensão provisória, e a ré seguradora pronunciou-se pela improcedência do pedido em causa alegando que "não obstante a conversão ex lege da ITA em IPA o grau de incapacidade permanente a ter em linha de conta para efeitos de atribuição provisória não pode ser o equivalente a uma incapacidade total atento o disposto no art. 52.º, n.º 3, da LAT e a desvalorização de 20% atribuída pelos serviços clínicos da ré seguradora, a qual se encontra já a pagar pensão provisória à autora com base nessa desvalorização de 20%.
II – Fundamentação
Dispõe o art. 121.º (Pensão ou indemnização provisória em caso de acordo) do Cód. do Processo de Trabalho nos seguintes termos:
Artigo 121.º
Pensão ou indemnização provisória em caso de acordo
1 - Se houver acordo acerca da existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho, o juiz, se o autor o requerer ou se assim resultar diretamente da lei aplicável, fixa provisoriamente a pensão ou indemnização que for devida pela morte ou pela incapacidade atribuída pelo exame médico, com base na última remuneração auferida pelo sinistrado, se outra não tiver sido reconhecida na tentativa de conciliação.
2 - Se o grau de incapacidade fixado tiver carácter provisório ou temporário, o juiz retifica a pensão ou indemnização logo que seja conhecido o resultado final do exame médico que define a incapacidade ou lhe reconhece natureza permanente.
3 - Se houver desacordo sobre a transferência da responsabilidade, a pensão ou indemnização fica a cargo do segurador cuja apólice abranja a data do acidente; se não tiver sido junta a apólice, a pensão ou indemnização é paga pela entidade empregadora, salvo se esta ainda não estiver determinada ou se encontrar em qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 82.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, caso em que se aplica o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo seguinte.
Como consta do auto de não conciliação, houve acordo das partes quanto existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho.
A discordância da ré reporta-se ao valor da pensão provisória requerida, uma vez que, como resulta da compulsão dos autos − fls. 277 a 280 – a ré seguradora encontra-se a pagar à autora uma pensão provisória de €338,56 mensais à sinistrada desde 18/01/2019 (ver ainda o teor do auto de não conciliação, que se encontra a fls. 351 a 354 dos autos), calculada com base na IPP de 20% atribuída pelos serviços clínicos da seguradora.
Defende a ré que, não obstante a conversão por força da lei da ITA em IPA, o grau de incapacidade não pode ser equivalente a incapacidade total dado que os serviços clínicos da ré seguradora atribuíram à sinistrada uma desvalorização de 20%.
Invoca ainda o disposto no n.º 3 do art. 52.º da LAT.
É o seguinte o teor do art. 52.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais:
Art. 52.º
Pensão provisória
1 - Sem prejuízo do disposto no Código de Processo do Trabalho, é estabelecida uma pensão provisória por.incapacidade permanente entre o dia seguinte ao da alta e o momento de fixação da pensão definitiva.
2 - A pensão provisória destina-se a garantir uma proteção atempada e adequada nos casos de incapacidade permanente sempre que haja razões determinantes do retardamento da atribuição das prestações.
3 - A pensão provisória por incapacidade permanente inferior a 30 % é atribuída pela entidade responsável e calculada nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 48.º, com base na desvalorização definida pelo médico assistente e na retribuição garantida.
4 - A pensão provisória por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % é atribuída pela entidade responsável, sendo de montante igual ao valor mensal da indemnização prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 48.º, tendo por base a desvalorização definida pelo médico assistente e a retribuição garantida.
5 - Os montantes pagos nos termos dos números anteriores são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos.
A pensão provisória é atribuída provisoriamente, até ao momento da fixação da pensão definitiva, sendo nessa fase (de fixação da pensão definitiva) que cumprirá apreciar os argumentos da ré seguradora quanto às incapacidades e conversão da ITA em IPA.
Para efeitos de fixação da pensão provisória, tem que se considerar a situação presente, que é a da conversão ex lege da ITA em IPA, em consequência da qual teve lugar a tentativa de conciliação (frustrada) e a subsequente apresentação pela autora da petição inicial com que deu início à fase contenciosa – art. 117.º do CPT.
Assim, a pensão provisória a fixar deve ser calculada nos termos do art. 52.º, n.º 4, da LAT, considerando a retribuição anual cuja transferência para a ré seguradora foi aceite, de €33.855,96.
O valor de tal pensão ascende assim a €1.947,88 mensais (€33.855,96 x 70% /365 x 30 dias), a suportar pela ré seguradora.

III – Decisão
Pelo exposto, fixo à autora a pensão provisória anual atualizável de €1.947,88, a ser paga pela ré seguradora mensalmente, nos termos do disposto no art. 72.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, no domicílio da autora, sem prejuízo de estipulação diversa por acordo (art. 73.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro), desde a data em que foi pedida (data da apresentação da petição inicial, 24/01/2020).
Os montantes já vencidos serão pagos de uma só vez com a primeira prestação.”

Tendo em conta a fixação da pensão provisória, deverá o Tribunal, oficiosamente, atender à mesma, determinando o seu desconto aos montantes que sejam devidos ao sinistrado seja por imperativo do disposto no art. 52º, nº 5, da LAT, seja atento o art. 26º, nº 3, do CPT [nos termos do qual as ações emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente], seja porque nada justifica que o sinistrado receba, em “duplicado”, aquilo que já recebeu ou, dito de outro modo, que receba as prestações/pensões a que, em termos definitivamente fixados, tem direito, mas que já recebeu a título provisório/pensão provisória, sem prejuízo porém, do que adiante se dirá quanto ao limite dessa “compensação”.
E o mesmo se dizendo relativamente às indemnizações por incapacidade temporária que sejam devidas, mas que já se encontrem pagas, sendo de descontar as que já hajam sido pagas.
Ou seja, e em conclusão, às quantias que são, globalmente, devidas à A. pela Ré Seguradora a título de pensões e de indemnizações por incapacidade temporária deverão ser descontadas as quantias que, globalmente, já lhe foram pagas a título de pensão provisória e de indemnização por incapacidades temporárias, salientando-se que períodos existiram em que a A. foi considerada, pela mencionada Ré, em situação de incapacidade temporária (com o eventual pagamento das correspondentes indemnizações) quando, pelo presente acórdão, foi à A. reconhecido o direito a pensão por conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente (donde decorre que, em tais períodos, não são devidas as indemnizações pelos mesmos, mas sim as pensões correspondentes, a estas devendo ser descontadas as indemnizações que hajam sido pagas nos mesmos períodos).
Salienta-se, todavia, em jeito de alerta e à cautela, que se, porventura, esgotada a “compensação” (isto é, devendo a A. mais do que aquilo que recebeu ou tem a receber), não haverá lugar à devolução, pela A., de eventuais pensões provisórias que lhe hajam sido pagas a mais, aqui se subscrevendo o entendimento perfilhado no Acórdão desta Relação de 14.02.2014[7], Proc. 5/09.6TUMTS.P1, no qual, ainda que a propósito do art. 122º, nº 4, do CPT, mas cujas considerações têm também aqui aplicação, se referiu o seguinte:
“Sob a epígrafe “Pensão ou indemnização provisória em caso de falta de acordo” determina o artigo 122º do CPT que “1. Quando houver desacordo sobre a existência ou a caracterização do acidente como acidente de trabalho, o juiz, a requerimento da parte interessada ou se assim resultar directamente da lei aplicável, fixa, com base nos elementos fornecidos pelo processo, pensão ou indemnização provisória nos termos do artigo anterior, se considerar tais prestações necessárias ao sinistrado, ou aos beneficiários, se do acidente tiver resultado a morte ou uma incapacidade grave ou se se verificar a situação prevista na primeira parte do nº1 do artigo 102º.
2. A pensão ou indemnização provisória e os encargos com o tratamento do sinistrado são adiantados ou garantidos pelo fundo a que se refere o nº1 do artigo 39º da Lei nº100/97, de 13 de Setembro, se não forem suportados por outra entidade” (…) 4. Na sentença final, se for condenatória, o juiz transfere para a entidade responsável o pagamento da pensão ou indemnização e demais encargos e condena-a a reembolsar todas as importâncias adiantadas”.
Assim, um dos requisitos para a atribuição de uma pensão provisória, no caso de falta de acordo sobre a existência ou caracterização do acidente como acidente de trabalho, é ser a pensão necessária ao sinistrado para satisfação das suas necessidades de subsistência.
Por isso, tem sido entendido que as pensões e indemnizações provisórias previstas nos artigos 121º e seguintes do CPT “mantém, pela sua natureza jurídica, estreito parentesco com as providências cautelares que o Cód. Proc. Civil regula nos artigos 381º e seguintes, particularmente com o processo de alimentos provisórios” – A. Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho anotado, 4ª edição, página 556.
E verificados os requisitos previstos no nº1 do artigo 122º do CPT a pensão provisória é adiantada pelo FAT, o qual, em caso de sentença condenatória, será reembolsado pela entidade responsável pelo pagamento da pensão – artigo 122º, nº4 do CPT.
Mas o citado artigo apenas fala em sentença condenatória. Tal significa que soe em caso de condenação da entidade responsável pelo pagamento da pensão tem o FAT direito a ser reembolsado por esta, seguradora ou entidade patronal.
Mas a igual conclusão se chega através do disposto no artigo 13º do DL nº142/99 de 30.04 [aplicável ao caso dado que o acidente dos autos ocorreu em 11.10.2007].
Com efeito, dispõe o referido artigo 13º, nº1, do DL nº142/99 que “Ocorrendo fundado conflito sobre quem recai o dever de indemnizar caberá ao FAT satisfazer as prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários legais de pensão, sem prejuízo de vir a ser reembolsado após decisão do tribunal competente”.
Em conclusão: quer o artigo 122º, nº4 do CPT, quer o artigo 13º, nº1 do DL nº142/99 de 30.04 pressupõem, como requisito de reembolso do FAT, o apuramento da entidade responsável e a sua consequente condenação nas indemnizações ou pensões devidas ao sinistrado.
E o legislador laboral não podia desconhecer que as sentenças proferidas em acidente de trabalho não são apenas condenatórias, mas também absolutórias, e que ao referir-se apenas à situação de condenação estava a afastar o direito de reembolso no caso de ser proferida sentença absolutória – artigo 9º, nº3 do C. Civil.
Aqui chegados cumpre verificar se a sentença proferida é absolutória.
Na sentença recorrida concluiu-se que “se mostra provado que as sequelas apuradas não são consequência de lesão corporal, perturbação funcional ou doença derivada do acidente sofrido pela Autora no dia 11.10.2007” (…) “mostrando-se apurada a falta do nexo de causalidade entre as sequelas apresentadas pela Autora e o acidente, pois aquelas são resultantes de lesões pré-existentes, e não estando demonstrado o agravamento de lesões consecutivas ao acidente devido àquelas sequelas anteriores, nem, por último, o agravamento das lesões pré-existentes por causa do acidente, forçoso é concluir, nessa parte, pela improcedência da acção na parte respeitante aos pedidos formulados, na petição inicial, sob as als. a), b), e) e f)” (…).
Ora, e em face do que se deixou referido, a Ré seguradora e a Ré patronal foram absolvidas relativamente aos pedidos de condenação no pagamento de uma pensão à sinistrada e respectivo subsídio por elevada incapacidade, despesas com consultas e tratamentos e ainda transportes.
Estamos, assim, perante uma sentença absolutória no que respeita ao pagamento de uma pensão à sinistrada.
Como já atrás referimos, a fixação de indemnização ou pensão provisória tem algo de muito semelhante com a providência cautelar de alimentos provisórios – artigo 399º e seguintes do CPC revogado e artigos 384º e seguintes do novo Código de Processo Civil (NCPC).
Na verdade, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho não constitui uma reparação integral do dano, como acontece no caso da responsabilidade civil – artigos 562º e seguintes do C. Civil.
Por isso, a reparação ao sinistrado tem predominantemente carácter alimentar, como compensação, ainda que não integral, pela diminuição da sua capacidade de ganho. E tal carácter alimentar ainda é mais evidente quando se trata da pensão atribuída ao ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data do acidente e com direito a alimentos e aos ascendentes por morte do sinistrado – artigo 20, nº1, alínea b) e alínea d) da Lei nº100/97 de 13.09 – sendo que, quer o direito a alimentos e respectivo crédito, quer os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas na LAT são inalienáveis, irrenunciáveis e impenhoráveis – artigo 2008º do C. Civil e artigo 35º da LAT, respectivamente.
Assim, e tendo em conta o acabado de referir – do carácter alimentar da pensão provisória fixada à sinistrada – verifica-se que mesmo no caso de fixação provisória de alimentos o requerente só responde pelos danos causados com a improcedência ou caducidade da providência se tiver actuado de má fé e sem prejuízo do disposto no artigo 2007º, nº2 do C. Civil – artigo 402º do CPC revogado e artigo 387º do NCPC.
E precisamente o artigo 2007º, nº2 do C. Civil determina que “Não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos”.
Ora, e na falta de disposição expressa no CPT, não choca aplicar ao caso a norma do artigo 2007º, nº2 do C. Civil, precisamente por as situações reguladas serem idênticas e semelhantes e em causa estar, essencialmente, prevenir e garantir as necessidades essenciais do sinistrado vítima de acidente de trabalho.
E se assim é, então, não há que aplicar ao caso dos autos o disposto no nº4 do artigo 122º do CPT.
Em suma: admitindo que o CPT é omisso no que respeita à questão do reembolso das indemnizações/pensões provisórias pagas pelo FAT ao sinistrado, em caso de sentença absolutória – por o artigo 122º, nº4 do CPT apenas se referir a sentença condenatória – haverá que recorrer ao procedimento cautelar que mais se assemelha com o da fixação da pensão provisória, a saber, a prestação provisória de alimentos, e aplicar ao caso o disposto no artigo 402º do CPC revogado [artigo 387º do NCPC], com referência ao preceituado no artigo 2007º, nº2 do C. Civil [seguiu-se aqui a posição já expressa no acórdão datado de 10.07.2006 e proferido no processo 149/06, 1 secção, desta Secção Social, relatado pela aqui relatora]”.

Por fim, ainda que desnecessário fosse, mas para que não restem dúvidas, os descontos a fazer é nos montantes que sejam devidos pela Ré Seguradora e não pela Ré Empregadora, sendo que esta nada pagou.

6. Dos pedidos de pagamento de juros de mora e de “disponibilizar à sinistrada os tratamentos clínicos e nosológicos e todos e quaisquer outros tratamentos que se revelem necessários, úteis e adequados à sua recuperação funcional.”

Como acima se disse, no ponto IV.1. do presente acórdão, a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, quanto aos mencionados pedidos, cumprindo a esta Relação, nos temos do art. 665º, nº 1, do CPC, deles conhecer.
Assim:
Quanto aos juros de mora sobre as pensões e/ou indemnizações que se mostrem em dívida são devidos, pelas RR Seguradora e Empregadora, juros de mora, à taxa legal, desde a data em que tais prestações se venceram até integral pagamento. O mesmo se dizendo quanto ao subsídio por situação de elevada incapacidade, o qual se venceu com a conversão, aos 28.01.2016, da ITA em IPA, data desde a qual tal subsídio é devido, juros que são devidos pela Ré Seguradora.
De referir que os juros de mora sobre indemnizações e pensões que porventura se venham a mostrar devidas, da responsabilidade da Ré Empregadora, na sequência da anulação da sentença recorrida acima determinada, deverá a sentença que venha a ser oportunamente proferida sobre eles se pronunciar.

Quanto ao pedido de condenação a “disponibilizar à sinistrada os tratamentos clínicos e nosológicos e todos e quaisquer outros tratamentos que se revelem necessários, úteis e adequados à sua recuperação funcional.”
Dispõe o art. 23º, al. a), da LAT/2009 que “O direito à reparação compreende as seguintes prestações: a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa”, prestações enunciadas ainda em conjugação com o art. 25º da mesma.
Assim sendo, tem a A. direito às prestações em espécie a que se reportam os citados preceitos que se mostrem necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho e à sua recuperação para a vida ativa.
Diga-se que tal obrigação decorre da Lei, sendo devida em virtude do reconhecimento da existência de acidente de trabalho e de lesões dele decorrentes sem necessidade de expressa consagração na sentença, não se vendo, contudo, impedimento a que tal nela fique expressamente consagrado.
É de referir que tais prestações, no que toca a hospitalização e assistência clínica, são, nos termos do art. 79º, nº 5, da LAT/2009, devidas pelas RR Seguradora e Empregadora na proporção das respetivas responsabilidades, estas, que desde já se fixam, de 0,8813 para a Seguradora e de 0,1187, sem prejuízo porém do que possa eventualmente resultar em consequência do que venha a ser decidido na sequência da anulação determinada (que se reporta à utilização do cartão Galp Frota)
***
V. Decisão

Em face do exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, acorda-se em:

A. Anular parcialmente a sentença recorrida, no que respeita à utilização do cartão Galp Frota, nos termos e para os efeitos do referido nos pontos IV.2.4. e 3.3. do presente acórdão, após o que deverá ser, pela 1ª instância, proferida sentença em conformidade.

B. Revogar a sentença recorrida que é substituída pelo presente acórdão em que se decide:

B.1. Reconhecer que a A., AA, em consequência das lesões decorrentes do acidente de trabalho em apreço nos autos, se encontra afetada das seguintes incapacidades permanentes:
i) No período de 16.11.2015 a 27.01.2016 - IPP de 50%;
ii) No período de 28.01.2016 a 18.01.2019 - IPA;
iii) Desde 19.01.2019 - IPATH com uma IPP de 31,5% para o exercício de outra profissão.

B.2. Condenar as RR, X..., S.A. (Ré Seguradora) e M..., S.A. (Ré Empregadora), a pagarem à Autora, na sua residência e sem prejuízo, porém, do mais que, porventura, se possa mostrar devido, pela Ré Empregadora na sequência da anulação decidida no ponto V.A. do presente acórdão:
i) Quanto ao período de 16.11.2015 a 27.01.2016, a pensão anual de €13.445,59, sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da pensão anual de €11.849,59 e da Ré Empregadora, o pagamento da pensão anual de €1.595,97;
ii) Quanto ao período de 28.01.2016 a 18.01.2019, a pensão anual de €30.732,77, sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da pensão anual de €27.084,77 e, da Ré Empregadora, o pagamento da pensão anual de €3.648,00;
iii) Desde 19.01.2019, a pensão anual e vitalícia de €21.628,19, sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da pensão anual de €19.960,90 e da responsabilidade da Ré Empregadora o pagamento da pensão anual e vitalícia de €1.667,29.

B.2.1. As pensões referidas em B.2. são devidas em prestações mensais de 1/14 da pensão anual, sendo acrescidas dos subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, a pagar nos meses de junho e novembro, respetivamente, devendo as pensões já vencidas serem pagas de uma só vez com a primeira prestação que se venha a vencer após o trânsito em julgado do presente acórdão.

B.3. Reconhecer que a Autora, em consequência das lesões decorrentes do acidente de trabalho em apreço nos autos, se encontrou afetada das seguintes incapacidades temporárias:
- ITA desde 16.05.2014 até 25.07.2014, correspondente a 41 dias;
- ITP de 50% desde 26.07.2014 até 15.11.2015, num total de 478 dias.

B.4. Condenar as RR Seguradora e Empregadora a pagarem à A., na sua residência, a quantia global de €38.832,00 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária referidos em B.3., sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da quantia global de €34.223,80 e da responsabilidade da Ré Empregadora o pagamento da quantia global de €4.608,20, sem prejuízo, porém, do mais que, porventura, se possa mostrar devido, pela Ré Empregadora, na sequência da anulação decidida no ponto V.A. do presente acórdão.

B.5. Às quantias globais mencionadas em B.2. [pontos i), ii) e iii)], por cujo pagamento é responsável a Ré Seguradora, serão descontadas as quantias globais que esta já haja pago à A. a título pensões provisórias e de indemnização por períodos de incapacidade temporária, não havendo, todavia, lugar a restituição, pela A., das pensões provisórias que hajam sido recebidas.

B.6. Condenar a Ré Seguradora a pagar à Autora, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, a quantia de €5.030,64.

B.7. Condenar:
i) As RR Seguradora e Empregadora a pagarem à A., sobre as pensões e indemnizações que se mostrem em dívida, juros de mora, à taxa legal, desde a data em que tais prestações se venceram até integral pagamento.
ii) A Ré Seguradora a pagar à A., sobre a quantia devida a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, juros de mora, à taxa legal, desde 28.01.2016 e até integral pagamento.

B.8. Condenar as RR Seguradora e Empregadora a disponibilizarem à A. os tratamentos clínicos e nosológicos e/ou outros que se mostrem necessários e adequados nos termos dos arts. 23º, al. a), e 25º, da Lei 98/2009, de 04.09, ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da A. e à sua recuperação para a vida ativa, sendo a Ré Empregadora responsável pelas despesas efetuadas com hospitalização e assistência clínica na respetiva proporção da sua responsabilidade.

Fixa-se à ação o valor de €361.018,42 (€21.628,19 x 14,664 + €38.832 + 5.030,64).

Custas em ambas as instâncias pelas RR na proporção das respetivas responsabilidades.

Porto, 23.01.2023.
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo de Freitas
__________________
[1] Já com a retificação operada no despacho/sentença de 31.01.2022.
[2] E, no mesmo sentido, cfr. Acórdãos também do STJ de 08.11.06 (Proc. 06S1820), de 22.03.06 (Proc. 3729/05) e de 10.05.06 (Proc. 3490/05), todos in www.dgsi.pt.
[3] Já com a retificação operada no despacho/sentença de 31.01.2022.
[4] Refira-se que, certamente por lapso, a Recorrida Seguradora se reporta à ITP de 20% no período entre 26/07/2014 27/01./2016 pois que, como referido na sentença, a ITP considerada foi, não a de 20%, mas sim a de 50%.
[5] 33.855,96 + 4560,00.
[6] Referiu-se o seguinte na sentença recorrida:
“Por outro lado, e ao abrigo do disposto no art.º 67.º n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, tem também a sinistrada direito a um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente.
Tal subsídio será fixado entre 70% e 100% de doze vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
Em consequência, sendo o valor do IAS em 2014 de €419,22, devemos ter como base de cálculo o de €461,14 (€419,22 x 1,1). Assim, temos:
€461,14 x 70% = €322,80
€ 461,14 x 100% = € 461,14
€ 461,14 - € 322,80 = € 138,34
€ 138,34 x 21% = € 29,05
€ 29,05 + € 322,80 = € 351,85
Sequentemente, tem a sinistrada direito a receber, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, a quantia de € 4 222,20 (€ 351,85 x 12 meses).”
[7] Relatora Fernanda Soares, em que a ora relatora interveio como 1ª Adjunta.