TRABALHADORA COM RESPONSABILIDADES PARENTAIS
HORÁRIO FLEXÍVEL
INDICAÇÃO DE HORÁRIO COMPATÍVEL
REJEIÇÃO PARCIAL
PARECER PRÉVIO DO CITE
Sumário

I - À trabalhadora com responsabilidades parentais é, nos termos do art. 56º do CT/2009, consentido proceder à indicação, para atribuição pelo empregador de horário flexível, de horário compatível com tais responsabilidades, incluindo nos dias úteis (2ª a 6ª feira), designadamente hora de saída, e aos dias de descanso, designadamente sábados e domingos
II - Pretendendo rejeitar parcialmente o pedido de horário flexível, o empregador deve pedir previamente o parecer da CITE, o qual, e desde que seja favorável ao indeferimento, constitui pressuposto indispensável a esse indeferimento e sem o qual o pedido deve considerar-se como tendo sido aceite “nos seus precisos termos” e, portanto, também na parte atinente ao referido em I.
III - Cabe ao empregador o ónus de alegação e prova da emissão, pela CITE, do mencionado parecer.
IV - A não concessão da providência cautelar afetaria o exercício do direito/dever ao exercício da responsabilidade parental da Requerente, com consagração constitucional, assim como poderia fazê-la incorrer em faltas consideradas injustificadas pela Ré, com a eventual perda de retribuição e responsabilidade disciplinar, o que tanto basta para a verificação do periculum in mora.

Texto Integral

Procº nº 2649/22.1T8MAI-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1311)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

A Requerente, AA, intentou a presente providência cautelar comum não especificada, contra a Requerida, D... S.A., pedindo a declaração da ilicitude da recusa da Requerida em atribuir à Requerente o horário de trabalho por esta solicitado, para poder apoiar e acompanhar o seu filho menor; o reconhecimento da violação do disposto no art. 57º do CT ao não ser consultada a CITE para emissão de Parecer; a justificação das faltas e consequente reposição retributiva ainda que provisória; a fixação, ainda que provisória, à Requerente do horário solicitado, sem qualquer penalização, assim permitindo a manutenção do vínculo contratual.
Para o efeito, alega, em síntese, que requereu a atribuição de trabalho em regime de horário flexível, organizado das 8h às 18h15, de segunda a sexta-feira, com dispensa de prestação aos sábados e domingos em virtude da necessidade de acompanhamento de filho menor, com 4 anos de idade, consigo residente. Não obstante a R. comunicar a intenção de aceitar, estabeleceu um período obrigatório entre as 16h30 e as 20h30, que a A. não pode cumprir por não ter com quem deixar o filho menor. Do mesmo modo, a R. alocou a A. para trabalhar aos fins-de-semana, o que igualmente a A. não conseguiu cumprir.
Conclui a Requerente que a não elaboração do horário nas condições requeridas corresponde à não aceitação do pedido, sem a consulta do CITE, o que causa prejuízo à A. correspondente às faltas injustificadas e consequente desconto na retribuição.

Citada para o efeito, veio a R. deduzir oposição, invocando, para tanto e em síntese, ter aceite o pedido de horário flexível da A., elaborando os períodos de presença obrigatória e o intervalo para descanso, tendo indicado à Requerente dentro do período de trabalho normal diário, os períodos de entrada e saída, por forma a que aquela, dentro de tais limites escolha a hora de entrada e de saída. Refutou a verificação do periculum in mora já que até ao pedido de flexibilidade a requerente sempre cumpriu com os horários atribuídos pela empregadora.

Realizada a audiência final, foi proferida decisão que julgou a providência cautelar nos seguintes termos:
“(…) concluindo-se pela probabilidade séria do direito invocado pela Requerente AA, julga-se procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, decide-se declarar ilícito o horário de trabalho atribuído pela Requerida D... S.A. na sequência do horário flexível por aquela solicitado, para poder apoiar e acompanhar o seu filho menor, em virtude da preterição do disposto no art. 57º do CT, e consequentemente determinar a justificação das faltas e inerente reposição retributiva, e a fixação, ainda que provisória, de horário compatível com a amplitude indicada pela Requerente.

*
Custas pela Requerida, a atender a final na acção principal - artigo 539º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Fixa-se o valor do procedimento cautelar em €30.000,01.”

Inconformada, veio a Requerida recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
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Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, parecer que não foi objeto de resposta pelas partes.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Dos depoimentos das testemunhas inquiridas e dos documentos juntos aos autos, mostra-se indiciada a seguinte factualidade:
1) A requerente e a requerida assinaram um contrato individual de trabalho em 2 de Setembro de 2019.
2) Por esse contrato comprometeu-se a Requerente a prestar as funções inerentes à actual categoria profissional de Operadora de 2.ª, na loja, M... da Avenida .....
3) Em 01 de Fevereiro de 2022 enviou a Requerente aos recursos humanos da Requerida um requerimento com o seguinte teor:
Exmos. Senhores
Eu, AA, admitida a serviço de V. Exas em 02 de Setembro de 2019, trabalhadora nº ..., a desempenhar funções inerentes à categoria profissional de Operadora de Supermercado de 2ª, na M... da Avenida ...., venho requerer a organização do meu horário de trabalho em regime de flexibilidade para fazer face à necessidade de conciliação entre o meu trabalho e a minha vida familiar e pessoal atendendo ao que dispõe o artigo 56º e 57º da Lei nº 7/09, de 12.02 (Código do Trabalho), com os seguintes fundamentos e condições:
- Sou mãe solteira de um filho, BB, menor de 4 (quatro anos) que necessita do meu apoio, assistência e acompanhamento, vivendo com o mesmo em comunhão de mesa e habitação, conforme documento comprovativo que anexo;
Sou mãe solteira com responsabilidade completa sobre a criança, conforme ata da divisão de responsabilidade parental que anexo a este pedido. O pai não cumpre nem respeita os fins de semana quinzenais a que tem de ficar com a criança, não tendo eu outra solução para ficar com o menino aos fins de semana.
- Não possuo retaguarda familiar, pois a retaguarda familiar que possuía até há pouco tempo acabou, dado que a minha irmã que ficava muitas vezes com a criança e conseguia ir buscar ao infantário infelizmente faleceu e não possuo qualquer outro tipo de retaguarda familiar.
- O meu filho BB está matriculado e frequenta o Centro Cultural e de Solidariedade Social ... (conforme declaração que junto) e pratica o seguinte horário das 07h30 às 19h00 pelo que se torna necessário levá-lo e recolhê-lo dentro desse horário. O tempo de deslocação é maior na altura de ir buscar a criança à escola ao final do dia, devido ao trânsito nessa altura.
- Face às razões expostas, venho solicitar que me seja concedido o regime de horário flexível em moldes que me permitam conciliar o meu trabalho com os horários do estabelecimento escolar do meu filho, que atendendo ao tempo de deslocações, deverá ter início nunca antes das 08h00 e o tempo do meu horário normal de trabalho, nunca depois das 18h15 de segunda a sexta-feira, com dispensa de prestação de trabalho aos sábados e domingos.
A plataforma apresentada, das 08h00 às 18h15, permite a conciliação com pelo menos um dos turnos praticados na loja, a saber:
a) 08h00 às 18h00
- O horário requerido deverá ser organizado de segunda a sexta-feira, com dispensa de prestação de trabalho aos sábados e domingos, ficando assim o meu período normal de trabalho compreendido nos turnos das 08h00 às 18h00 ou em qualquer outro turno que se pratique na loja, desde que dentro do início e termo solicitados, ou seja dentro do período de funcionamento do estabelecimento, perfazendo o horário contratado (40 horas semanais).
O prazo do horário de trabalho agora solicitado terá como limite os 12 anos de idade do menor e enquanto durarem os factos, pressupostos e as circunstâncias que o determinam, ao que afirmo que comunicarei prontamente à entidade patronal a alteração dos mesmos, de acordo com o previsto no Código de Trabalho;
- Há razoabilidade, equidade e proporcionalidade, quer no pedido, quer na sua aplicação tendo em consideração a moldura de horário de trabalho solicitado, a dimensão da loja onde trabalho e o seu número de trabalhadores, fluxo de clientes, o volume de vendas e a especificidade do pedido.
- Solicito a atribuição de um horário, dentro dos limites acima referidos, que de harmonia com o disposto no artigo 56º nº 3 do Código de Trabalho, é elaborado pelo empregador, por forma a conciliar a minha vida profissional com os horários praticados pelo estabelecimento de ensino que o menor frequenta.
Assim sendo, solicito nos termos e condições expressas a organização do meu horário de trabalho em regime de flexibilidade atendendo ao que dispõem conjugadamente as normas contidas no nº 3 do artigo 127º e a alínea b) do nº 2 do artigo 212º, ambos do Código do Trabalho e tendo em conta a norma constitucional constante da alínea b) do seu nº 1 do seu artigo 59º que estabelece enquanto direito fundamental dos trabalhadores o direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar , permitindo apoiar, acompanhar e assistir de forma devida e conveniente às necessidades do menor.
Sem outro assunto, certa da compreensão de V. Exas. para o exposto, apresento os meus melhores cumprimentos e subscrevo-me,
AA
4) Tal pedido deve-se às dificuldades crescentes que a Requerente enfrenta para cuidar do seu filho menor, com idade 4 anos, que dela depende em termos de apoio, assistência e acompanhamento.
5) O pai do menor não dá qualquer assistência e a irmã da requerente que anteriormente auxiliava no apoio, faleceu, não possuindo qualquer outro tipo de retaguarda familiar.
6) O pedido recepcionado pela Requerida a 08.02.2022 obteve resposta a 17.02.2022 comunicando o seguinte:
Exma. Senhora,
Acusamos a receção do vosso pedido, recepcionado nos nossos serviços a 02.02.2022, o qual mereceu a nossa melhor atenção.
Com respeito ao solicitado, informamos que o mesmo é aceite, e nessa conformidade, informamos que o período obrigatório em que terá de se apresentar na loja, de Segunda-Feira a Domingo, é das 16h30 às 20h30, tendo direito a um intervalo de descanso de 2 horas.
Mais informamos que o período de entrada e de saída situar-se-á entre as 10h30 e as 11h30 e entre as 20h30 e as 21h30, respectivamente, podendo V. Exa. optar consoante as suas necessidades familiares, tendo porém sempre em consideração o limite de 8 horas diárias e o respeito pelo intervalo único de descanso supra indicado.
A definição deste período de presença obrigatória tem por base o facto de se pretender assegurar o pleno funcionamento da loja no período de maior fluxo de clientes e de vendas, conjugado ainda com o quadro de colaboradores em loja e com a gestão dos horários dos mesmos.
Os horários são, como é do seu conhecimento, organizados em equipas e rotativos, pelo que o horário que lhe for fixado não poderá implicar uma sobrecarga inadmissível para outros trabalhadores, os quais também têm responsabilidades familiares.
Face ao exposto, solicitamos que nos informe, dentro dos limites supra indicados, a hora em que pretende entrar e sair, para que lhe seja atribuído o seu novo horário.
Até o fazer, não será possível atribuir-lhe um horário flexível, pelo que terá de se manter com o seu horário antigo.
Atentamente
D... S.A.
7) A Requerente desde 10.02.2022 sai pelas 18h00 horas, passando a faltar aos fins de semana e feriados.
8) A Requerida alocou a Requerente para trabalhar nos seguintes fins-de-semana:
Março 2022:
01 de março de 2022 – terça feira carnaval – 9 h30m – 12 horas – 14 horas -19h30m 06 de março de 2022- domingo – 11h.30m – 14h30m – 16h30m -21h 30m 12/13 de março de 2022 – sábado/domingo 9 horas -12 horas – 14 horas -19 horas 26/27 de março de 2022 – sábado/domingo 9 horas -12 horas – 14 horas -19 horas
Abril 2022:
30 de abril de 2022 – sábado - 9 horas -12 horas – 14 horas -19 horas 09/10 de abril de 2022
9) A Requerente faltou ao serviço nos dias acima referidos, com exceção do dia 01 de março de 2022.
10) No dia 01 de março de 2022, dia de Carnaval (Terça-feira), foi atribuído à Requerente o horário das 9 h30m - 12 horas - 14 horas -19h30m, a mesma compareceu ao serviço, tendo encontrado quem tomasse conta do menor.
11) A Requerente, nos dias descritos, apresentou-se ao serviço na hora designada, tendo saído pelas 18h00 horas:
Março 2022
21/03/2022 – segunda-feira – faltou 3h30m (vd. horário de trabalho)
24/03/2022- quinta-feira – faltou 1 horas
25/03/2022- sexta-feira – faltou 1 horas
30/03/2022– quarta-feira – faltou 3h30m
31/03/2022- quinta-feira – faltou 8 horas
Abril 2022
11/04/2022 – segunda-feira saiu pelas 18horas – faltou 3h30m 12/04/2022– terça-feira saiu pelas 18horas – faltou 3h30m
13/04/2022 - quarta-feira saiu pelas 18horas – faltou 3h30m
14/04/2022 – quarta-feira saiu pelas 18horas – faltou 4h30m
18/04/2022– segunda-feira saiu pelas 18horas – faltou 1 hora
19/04/2022 - terça-feira saiu pelas 18horas – faltou 2 horas
20/04/2022 – quarta-feira saiu pelas 18horas – faltou 1h30m
26/04/2022– terça-feira saiu pelas 18horas – faltou 3h30m
27/04/2022 - quarta-feira saiu pelas 18horas – faltou 5 h15 m
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Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:
i) A saída da A. pelas 18h implica uma sobrecarga para os outros trabalhadores, organizados em equipas e horários rotativos perante o funcionamento da loja no período de maior fluxo de clientes e de vendas.”
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III. Fundamentação

1. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
São, assim, as questões suscitadas pela Recorrente:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se a providência cautelar não deve ser decretada;
- Se as faltas dadas em dia feriado não devem ser consideradas justificadas.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna o nº 5 da factualidade dada como provada, dizendo que a mesma é conclusiva, pelo que deve ser eliminada.

2.1. Quanto ao nº 5 dos factos provados, dele consta o seguinte:
“5) O pai do menor não dá qualquer assistência e a irmã da requerente que anteriormente auxiliava no apoio, faleceu, não possuindo qualquer outro tipo de retaguarda familiar.
Da fundamentação da decisão da matéria de facto a Mmª Juiz consignou o seguinte:
“(…)
Primeiramente analisou o tribunal os documentos juntos aos autos com o requerimento inicial, que permitem aferir da composição do agregado familiar da Requerente (fls. 16), do horário do estabelecimento de ensino do frequentado pelo filho desta (fls. 17 verso), circunstâncias que foram confirmadas e concretizadas pela testemunha CC, amigo de infância da requerente.”, sendo que da declaração a que a Mmª Juiz se reporta nessa fundamentação (doc. nº 3 junto pela Requerente com o requerimento inicial), emitida pelo Centro Cultural e de Solidariedade Social ..., Concelho de Matosinhos, consta o seguinte:
“Serve a presente para declarar que esta Instituição (creche e jardim de infância), funciona com o seguinte horário:
Abre: 07,30 H Encerra: 19h00
É frequentada pelo menino BB, filho de AA.”

2.1.1. Dispõe o art. 607º, nºs 3 e 4, do CPC/2013, referentes à sentença, também aplicável aos procedimentos cautelares, que “3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os facos que considera provados (…)” e “4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, (…)”.
De acordo com o Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Edição, págs. 206 a 215:
“(…)
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
(…)
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
(…)”
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, Almedina, diz que “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…), Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, os factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto.
(…).
Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”.
Na jurisprudência, entre muitos outros, relevantes são os Acórdãos do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), que, a propósito do art. 646º, nº 4, do anterior CPC refere que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»
Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova.
Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. (…)».
Importa, todavia, ter também em conta, designadamente, o entendimento preconizado pelo STJ no seu Acórdão de 24.09.2008, in www.dgsi.pt, Proc. 07S3793, a propósito do seguinte ponto da decisão de facto que em tal processo havia sido dada como provada: “todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao A.”. Aí se entendeu que tal resposta contém ou traduz um sentido de facto, revelando dados ou ocorrências de vida real, “não lhe retirando essa natureza, a circunstância de se estar, digamos, perante uma resposta ampla ou de síntese, que fez um “apanhado” de dados diversos, certamente equacionados e abordados em sede de julgamento”.
E também o Acórdão do STJ de 14.07.2021, Proc. 19035/17.8T8PRT.P1, in www.dgsi.pt, do qual se retira que mesmo que a resposta, tendo embora uma componente conclusiva, se ainda assim tiver um substrato de facto relevante, não deve ser tido como não escrito, referindo em tal aresto o seguinte:
“(…)
Mas mesmo sem ir tão longe e admitindo que o Tribunal possa excluir factos genuinamente conclusivos, importa ter em conta que, como já referiu este Supremo Tribunal:
“Torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo “[de juízos como não escritos. Conforme já pusemos em relevo noutra ocasião (Ac. de 7.4.05, proferido na Revª 186/05, subscrito pelos mesmos juízes deste), não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2007, processo n.º 07A3060, NUNO CAMEIRA).
Importa, pois, verificar se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa.
(…)”
Ora, o nº 5 dos factos provados não consubstancia facto conclusivo, que apenas se retirasse de outros factos, nem muito menos, facto sem qualquer substrato de facto. Dele consta uma realidade, ocorrência, acontecimento da vida real, sendo perfeitamente compreensível: o pai do menor não dá qualquer assistência, é um facto; a irmã da Requerente, que dava apoio à Requerente, faleceu, o que é um facto; a Requerente não tem qualquer outro tipo de retaguarda familiar, ou seja, o mesmo é que dizer que não tem qualquer outro familiar que dê apoio.
De todo o modo, ainda que, porventura, se entendesse que poderia tal ponto ter alguma componente conclusiva, tem tal ponto, conforme decorre do citado de Acórdão do STJ de 14.07.2021, um substrato de facto e que é relevante.
Não há pois razão para, com o referido fundamento, ter o nº 5 dos factos provados como não escrito, afigurando-se-nos, todavia, que poderá e deverá o mesmo ser ainda concretizado e/ou esclarecido com a indicação do horário de funcionamento da creche/infantário frequentado pelo filho menor da Requerente que decorre do documento acima mencionado (declaração emitida por tal estabelecimento, constante do doc. nº 3 junto com o requerimento inicial) e a que a Mmª Juiz faz referência na fundamentação da decisão da matéria de facto.

2.1.2. Mas invoca ainda a Recorrente, para sustentar o seguinte excerto do depoimento da testemunha DD, que transcreve e indica o momento de início da gravação de tal excerto: “O conhecimento que tenho infelizmente é que o apoio que dá é a nível monetário, da pensão de alimentos (…)”, mais referindo que se desconhece o montante dessa pensão e, consequentemente, se não poderia a Requerente recorrer a outro tipo de apoio, designadamente apoio de babysitting ou prolongamento na cresce ou ama.
Efetivamente, desconhece-se o montante da pensão de alimentos. Tal não é contudo apto ou suficiente no sentido de dar como não provado o nº 5 dos factos provados, não determinando ele que, ainda que seja paga pensão de alimentos, dê o pai assistência pessoal ao filho (indo-o buscar à creche, ficando com ele no final da mesma ou quando a A. se encontre a trabalhar), para além de que, não se referindo o montante da pensão, não se poderá sequer concluir no sentido das alternativas avançadas pela Recorrente e sendo de salientar que, de acordo com o recibo de vencimento da Requerente junto com o requerimento inicial e que não foi impugnado pela Requerida, consta que a retribuição mensal daquela é de €705,00.

2.1.3. Diz ainda a Recorrente na al. J) das conclusões que: “I. Aceita-se por bom, apenas, pasme-se, com base no testemunho de uma dirigente sindical e de um amigo de Aveiro com quem a Recorrida comunica pela internet, que esta não tem “retaguarda familiar” e assim se decreta uma providência cautelar;” e, na al. U) das mesmas que: “U. Repete-se: Esta é uma providência cautelar assente no testemunho de uma dirigente sindical (sem relação pessoal com a Requerida) e um “amigo” virtual da Recorrida que nem sequer vive na mesma cidade;”
Já acima transcrevemos o que foi referido na decisão da matéria de facto.
Para além do referido nas al. J) e U) das conclusões, destas nada mais consta e, do corpo das alegações, nada consta quanto ao referido.
Se, porventura, a Recorrente pretende impugnar o nº 5 dos factos provados com o que refere em tais als. das conclusões [als. J) e U)], tal forma de impugnação não dá cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a), do CPC/2013.
Com efeito:
Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recruso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
Se se poderiam considerar cumpridos os requisitos previstos no nº 1, als. a) e c) do citado art. 640º, já o mesmo não se poderá dizer quanto ao previsto nos nºs 1, al. b) e nº 2, al. a).
Quanto ao nº 1, al. b), deverão ser identificados os concretos meios probatórios que sustentam a impugnação como decorre dessa norma, sendo que, no caso, a Recorrente não identifica, sequer, as testemunhas a que se reporta.
E, quanto ao nº 2, al. a) do citado preceito, se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá também o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Ora, no caso, a Recorrente limita-se às afirmações acima transcritas, constante da al. J) das conclusões, nada mais dizendo, mormente não indicando qualquer excerto do depoimento das testemunhas a que alude, nem a sua localização na gravação.
O citado art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação, sem possibilidade de aperfeiçoamento.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
O alegado nas als. J) e U) das conclusões é pois irrelevante para sustentar a impugnação do nº 5 dos factos provados.

2.1.4. Improcede, assim e quanto ao nº 5 dos factos assentes, a impugnação, devendo todavia e como acima referido acrescentar-se ao mesmo o horário de funcionamento do estabelecimento (creche/jardim de infância) frequentado pelo menor filho da Requerente, passando o nº 5 a ter seguinte redação:
5) O pai do menor não dá qualquer assistência e a irmã da requerente que anteriormente auxiliava no apoio, faleceu, não possuindo qualquer outro tipo de retaguarda familiar, com o esclarecimento de que é o seguinte o horário de funcionamento da creche/jardim de infância frequentado pelo filho menor da Requerente: abertura às 07h30 e encerramento às 19h00.

2.2. Pretende ainda a Recorrente que sejam aditados à matéria de facto provada dois factos, a saber: “A saída da A. pelas 18h implica uma sobrecarga para os outros trabalhadores, organizados em equipas e horários rotativos perante o funcionamento da loja no período de maior fluxo de clientes e de vendas” e “o horário de funcionamento da loja é: 6h30m às 21h30m e o horário de abertura ao público é: 8h00m às 21h00m”, o que sustenta nos depoimentos das testemunhas EE e FF, transcrevendo os excertos dos depoimentos que tem por pertinentes e indicando a localização, no tempo da gravação, correspondente aos mesmos.
Deu pois cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e º 2 al. a), do CPC.

2.2.1. Quanto ao primeiro, corresponde ele ao facto contrário ao que foi dado como indiciariamente não provado: “i) A saída da A. pelas 18h implica uma sobrecarga para os outros trabalhadores, organizados em equipas e horários rotativos perante o funcionamento da loja no período de maior fluxo de clientes e de vendas” e que a Recorrente pretende que seja dado como provado.
Diga-se que tal ponto e/ou a matéria de facto em que ele assenta não foi alegada por nenhuma das partes, mormente pela Ré, a quem cabia o respetivo ónus de alegação e prova.
Mas avançando.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, a Mmª Juiz referiu o seguinte:
“As testemunhas EE e FF, Coordenadora e Responsável de Loja da R., respectivamente, deram conta da organização dos horários da loja da R., explicando que o período do final do dia corresponde ao maior fluxo de clientes.
Acrescentou a responsável da Loja que, tendo a A. passado a sair pelas 18h, sempre informando que vai buscar o filho à escola, tal nunca determinou o fecho do estabelecimento, sendo as tarefas reorganizadas, não implicando mais tarefas para os demais trabalhadores.”
Ouvida a gravação dos mencionados depoimentos, concordamos com a decisão da matéria de facto quanto a esse ponto.
Do depoimento de EE decorre que o trabalho na loja é prestado em três turnos rotativos - de abertura da loja, intermédio e de fecho da mesma- este o menos preferido pelos trabalhadores, sendo que o impacto da ausência da A. a partir das 18h00 e aos fins de semana, se coloca, essencialmente, ao nível da rotatividade dos turnos, com os trabalhadores a terem que fazer mais horários de fecho, sábados e domingos e maior descontentamento dos mesmos.
Do depoimento de FF, decorre que eram praticados os mencionados três turnos rotativos; que o menos preferido é o de abertura (às 6h30) e, depois, o do fecho; que o impacto da ausência da A. prende-se com a rotação dos horários, que os trabalhadores “ficam chateados, revoltados, mas depois passa”; a pretensão da A. não impede que a loja se mantenha aberta, só “sobrecarrega” os outros trabalhadores e, perguntada sobre a concretização dessa sobrecarga, referiu que, por exemplo, para fazer a reposição demora mais tempo, quando é preciso fazer caixa tem que ir um dos outros trabalhadores fazê-la, que não aumenta a carga horária, “aumenta o trabalho porque as pessoas têm que andar mais rápido”, que, quando a A. saí às 18h00, algum dos outros trabalhadores que, por exemplo, estava a fazer reposição, tem que ir para a caixa.
Resulta também dos referidos depoimentos que um dos períodos com maior fluxo de clientes é à hora de almoço e a partir das 17h30, 18h00.
É natural que a ausência de um trabalhador faça falta ao serviço, mas concorda-se com a fundamentação da decisão da matéria de facto no sentido do impacto na reorganização das tarefas e de rotatividade nos horários de trabalho, mas não necessariamente uma sobrecarga na execução do trabalho, não se mostrando suficiente, no sentido dessa sobrecarga, o depoimento das mencionadas testemunhas, não sendo pelo facto de, por exemplo, o trabalhador ter que ir fazer caixa quando se encontrava a executar outra tarefa, designadamente reposição, que se pode concluir no sentido dessa sobrecarga de trabalho, sendo de realçar que decorre também dos depoimentos dessas testemunhas que a loja nunca fechou e que os trabalhadores não tiveram que fazer horas para além do seu período normal de trabalho diário.
Assim, e nesta parte, improcede a impugnação.

2.2.2. Quanto à pretensão de ser dado como provado que “o horário de funcionamento da loja é: 6h30m às 21h30m e o horário de abertura ao público é: 8h00m às 21h00m”, é de referir que, também ele, não foi alegado pelas partes.
Não obstante, decorre dos mencionados depoimentos (EE e FF) que é esse o horário de funcionamento da loja e de abertura ao público.
Assim, adita-se à matéria de facto provada o nº 12, com a seguinte redação:
12. O horário de funcionamento da loja é: das 6h30m às 21h30m e o horário de abertura ao público é das 8h00m às 21h00m.

2.3. A A., com o requerimento inicial, juntou o recibo de vencimento do mês de abril de 2022, o qual não foi impugnado pela Ré, recibo de onde consta que auferia a remuneração de base de €705,00.
Assim, porque plenamente provado por prova documental e atento o disposto no art. 607º, nº 4, ex vi do art. 663º, nº 2, do CPC, adita-se oficiosamente à decisão da matéria de facto provada o nº 13, com a seguinte redação:
13. A A. auferia, em abril de 2002, a remuneração mensal de base de €705,00, conforme recibo de vencimento junto com o requerimento inicial.

2.4. Em conclusão, são as seguintes as alterações à decisão da matéria de facto:
- altera-se a redação do nº 5 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
5) O pai do menor não dá qualquer assistência e a irmã da requerente que anteriormente auxiliava no apoio, faleceu, não possuindo qualquer outro tipo de retaguarda familiar, com o esclarecimento de que é o seguinte o horário de funcionamento da creche/jardim de infância frequentado pelo filho menor da Requerente: abertura às 07h30 e encerramento às 19h00.
- Aditam-se à matéria de facto provada os nºs 12 e 13 com a seguinte redação:
12. O horário de funcionamento da loja é: das 6h30m às 21h30m e o horário de abertura ao público é das 8h00m às 21h00m.
13. A A. auferia, em abril de 2002, a remuneração mensal de base de €705,00, conforme recibo de vencimento junto com o requerimento inicial.

3. Se a providência cautelar não deve ser decretada

Discorda a Recorrente da decisão recorrida por, face à argumentação que aduz, ter sido feita uma “ii) incorrecta aplicação do disposto nos artigos 56.º, n.º 1, 2 e 3 do Código do Trabalho; iii) ser decretada sem existência de periculum in mora (e fomos bónus iuris)”.

3.1. Na decisão recorrida referiu-se o seguinte:
“Perante os factos indiciariamente apurados, cumpre agora apreciar se se mostram preenchidos os requisitos para o decretamento da providência requerida.
Os procedimentos cautelares representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (sumaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).
No que respeita ao procedimento cautelar comum, como é o caso presente, o mesmo encontra, desde logo, previsão no artigo 32º, do Código de Processo do Trabalho, o qual, no seu nº 1, remete para o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum, ressalvadas as especificidades logo prevenidas naquele normativo.
O procedimento cautelar comum encontra-se regulado nos artigos 362º a 376º do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 362º, nº 1, do Código de Processo Civil que «[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado». E., nos termos do nº 2 desse mesmo normativo, «o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor».
Por sua vez, prescreve o artigo 368º, nº 1, do mesmo diploma legal que «a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão». Já o nº 2 desse mesmo normativo prevê que a providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
Como decorre dos citados normativos, o procedimento cautelar, mormente o procedimento cautelar comum, constitui um meio processual destinado a obter uma decisão conservatória ou antecipatória que permita afastar o receio de que alguém se possa ver prejudicado pela conduta de um terceiro suscetível de causar lesão a um seu direito.
No entanto, não basta a invocação de um mero receio, assim como não se mostra suficiente a verificação de uma simples lesão do direito que se pretenda ver acautelado para que, desde logo, possa ser judicialmente desencadeado um procedimento cautelar [vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-01-2019, processo nº 7840/17.0T8CBR-B.L1-4, disponível in in www.gde.mj.pt].
Na verdade, para que tal possa suceder, necessário se torna que se esteja perante a probabilidade séria da existência de um direito e que haja um justificado receio de que a conduta de um terceiro seja suscetível de causar uma lesão grave e dificilmente reparável ao titular do direito.
A propósito deste último aspeto, refere António Abrantes Geraldes que, «(…) não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contra-parte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de permitir ao tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão (…) o juiz deve convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de danos futuros. A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado.» [in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 3ª edição, págs. 99-100].
Sobre esta mesma matéria, escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-03-2020 (processo nº 2568/19.9STS.P1.A) o seguinte: «(…) importará sublinhar que o que poderá justificar a concessão da tutela provisória própria da providência cautelar comum, com prejuízo de uma indagação mais aprofundada da realidade dos factos e de maiores garantias de defesa, que seriam possíveis no âmbito do procedimento normal, é o fundado receio de que a demora inerente ao processamento normal da ação a intentar ou já intentada, possa permitir a concretização da ameaça de lesão grave e dificilmente reparável do direito –cf. parte final do nº 2 do citado artº 2º e nº 1 do artº 362º, ambos do NCPC. O periculum in mora é por isso o que verdadeiramente caracteriza os procedimentos cautelares comuns, pelo que em relação à sua verificação, e diversamente do juízo de probabilidade ou de verosimilhança considerado como suficiente em relação à verificação do direito invocado, se exige, senão um juízo de certeza, pelo menos um juízo de probabilidade mais forte e convincente – nº 1 do artº 368º do NCPC.
O periculum in mora que as providências cautelares visam afastar não é um qualquer perigo, mas um perigo especial, o que possa resultar em consequência da demora conatural ao processamento da ação a intentar ou já intentada para acautelar o direito ameaçado de lesão, e ao qual não possa obstar-se por outra via. Não releva nesta sede o perigo de lesão ou dano que deva atribuir-se a qualquer outro fator, nomeadamente o que deva imputar-se à inércia do respetivo titular em providenciar pelo seu atempado afastamento. Por outro lado não oferece dúvida que a situação de perigo relevante em termos de fundamentar uma providência cautelar terá de ser atual, embora nada obste, em nosso entender, a que se requeira uma providência cautelar para obviar à repetição de lesões ou danos idênticos a danos anteriormente sofridos ou ao seu agravamento, podendo mesmo as lesões ou danos anteriormente verificados ser tidas como prenúncio ou comprovação do dano ou lesão futura que se pretende obstar» [disponível in www.gde.mj.pt].
Em anotação ao artigo 362º do Código de Processo Civil, explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 8) que “não basta a prova sumária no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer ação; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”.
Do regime legal previsto, têm a doutrina e a jurisprudência sistematizado os requisitos do decretamento/deferimento da providência cautelar comum (não especificada), a saber:
a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável na esfera do requerente (periculum in mora);
c) Adequação da providência à situação de lesão iminente;
d) Inexistência de providência específica que acautele a concreta situação de perigo;
e) Não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar.
Vejamos, pois, se os indicados requisitos se verificam no caso presente.
*
Estatui o artigo 56.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares que:
«1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3 - O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4 - O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.
6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.»
Assim, em consonância com os comandos constitucionais de conciliação entre a vida familiar e profissional, constantes da alínea h) do n.º 2 do artigo 67.º e do n.º 4 do artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa, o Código do Trabalho estabelece o direito dos progenitores a solicitar a organização do seu trabalho de acordo com um horário flexível.
Tal está também em linha com o previsto no nº 1 do artigo 33º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ao consagrar que «[é] assegurada a proteção da família nos planos jurídico, económico e social» e, bem assim, com o disposto nos nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, ao prever que «[o]s pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país» e que «[a] maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes».
Vem sendo hoje entendimento pacífico da CITE que se inclui no conceito de horário de trabalho flexível a possibilidade de o trabalhador pedir para não prestar trabalho ao fim de semana, nem prestar trabalho noturno, se tal resultar expressamente do seu requerimento dirigido ao empregador (cfr. Parecer nº 1/2019). Veja-se também a propósito do conceito do horário flexível o ensinamento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-2020, processo nº 3582/19.0T8LSB.L1.S1 e, bem assim, no Acórdão da Relação de Évora de 11-07-2019, processo nº 3824/18.9T8STB.E1, ambos disponíveis in www.gde.mj.pt.
Por sua vez, estabelece o artigo 57º do Código do Trabalho, sob a epígrafe Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível que:
“1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b) Declaração da qual conste:
i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração
iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3 - No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4 - No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.
5 - Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6 - A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
8 - Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
b) Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c) Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
9 - Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial.
10 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2, 3, 5 ou 7.”

Destarte, o procedimento para a prestação de trabalho em horário flexível mostra-se fixado no citado artigo 57º, que apenas admite a recusa da atribuição deste horário pelo empregador com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável e mediante parecer positivo da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (art. 57.º n.ºs 2 e 7). Estão em causa situações excecionais e não de relativa dificuldade ou inconveniência de organização dos recursos humanos da empresa (sobre esta matéria vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18-05-2020, processo nº 9430/18.0T8VNG.P1, e o já citado Acórdão da Relação de Évora de 11-07-2019, disponíveis na citada base de dados).
No caso dos autos, da factualidade apurada, retira-se que a requerente, observando o procedimento previsto no artigo 57º do Código do Trabalho, oportunamente solicitou à requerida por escrito que lhe fosse autorizada a prestação de trabalho em regime de horário flexível, por forma a poder cumprir as suas obrigações familiares para com o filho menor de 12 anos.
Apesar da requerida ter anunciado à requerente a aceitação, informou à requerente um período obrigatório e consequente período de saída incompatíveis com a amplitude de horário escolhida pela requerente, inobservando o procedimento legal para os casos de recusa do pedido.
Assim o entendemos, ancorando-nos no ensinamento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15-11-2021, proferido no processo 2731/20.0T8MAI, deste mesmo Juízo do Trabalho da Maia, J1, disponível in https://www.direitoemdia.pt/: «importa frisar que compete ao empregador – naturalmente com respeito pelos limites da lei e com base na escolha horária que lhe tenha sido apresentada pelo trabalhador – determinar o horário flexível de trabalho do trabalhador que, com responsabilidades familiares, lhe tenha solicitado a prestação laboral nesse regime de horário, definindo, dentro da amplitude de horário escolhido por este, quais os períodos de início e termo do trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento, como decorre do estabelecido no n.º 3 al. b) do mencionado art.º 56º, sendo que o empregador apenas em determinadas circunstâncias, relacionadas com exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou com a impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, poderá recusar a atribuição do solicitado horário flexível e ainda assim, mediante parecer positivo da entidade competente na área de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, como resulta do estabelecido nos n.ºs 2 e 5 do referido art.º 57º do CT.» (sublinhado nosso)
Aqui chegados, e perante a matéria apurada, forçoso é concluir também pela afirmação dos requisitos do (periculum in mora), da adequação da providência à situação de lesão iminente, da inexistência de providência específica que acautele a concreta situação de perigo e de não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar.
De facto, ficou demonstrado que a requerente não tem quem possa cuidar do seu filho menor de 12 anos, após o horário escolar, não estando em condições por isso de cumprir com o horário atribuído pela R..
Por outro lado, a Requerente arrisca-se a ver a Requerida considerar a sua saída dentro da plataforma pedida como uma falta injustificada, como já aconteceu, o que acarreta a falta de pagamento de retribuição e eventual procedimento disciplinar. Tal coloca a Requerentes, como é compreensível, numa posição de enorme precariedade e dificuldade.
A situação em que se encontra a Requerente não se compadece com a demora inerente à prolação de uma decisão judicial definitiva em relação à sua pretensão, sendo adequada e proporcional à situação de lesão e dano que se pretende evitar. Está demonstrada a seriedade da situação invocada pela Requerente e a carência de uma forma de tutela que permita pô-los a salvo de danos futuros.
Com efeito, analisando situação fáctica semelhante, perfilhou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 19-4-2021, proferido no processo 14789/20.7T8PRT, in www.dgsi.pt: “A alteração/flexibilização do horário de trabalho de trabalhador com responsabilidades familiares é um direito constitucional consagrado nos artigos 59.º, n.º 1, b) e 67.º, n.º 2, h) da Constituição República Portuguesa, bem como no artigo 56.º do Código do Trabalho. Na interpretação dos citados normativos, são de aplicar as regras gerais do artigo 9.º do Código Civil, bem como as regras especiais do Código do Trabalho, como o princípio do favor laboratoris, não devendo o intérprete ignorar o contexto social dessa aplicação: uma sociedade que envelhece a “olhos vistos”, por força da baixa natalidade, e na qual aumentam as famílias monoparentais. A circunstância de trabalhadora com filho menor de 12 anos, cujo infantário fecha às 18.00h, e sem qualquer outro apoio – familiar ou institucional -, constitui exigência substancial que limita o empregador na sua faculdade de alterar o horário de trabalho para além dessa hora. Diferente interpretação dos citados normativos vota ao fracasso a prescrição constitucional da conciliação da actividade profissional com a vida familiar do trabalhador.”

3.2. A decisão recorrida está em consonância, designadamente, com os Acórdãos da Relação de Évora de 11.07.2019, Proc. 3824/18.9T8STB.E1 e desta Relação do Porto de 19.04.2021, Proc. 14789/20.7T8PRT.P1 e de 15.11.2021, Proc. 2731/20.0T8MAI.P1, todos em www.dgsi.pt.
E está também em consonância com a jurisprudência do STJ que tem vindo a ser adotada de forma reiterada e uniforme pelo STJ, designadamente nos Acórdãos de 28.10.2020, Proc. 3582/19.0T8LSB.L1.S1, de 17.03.2022, Proc. 17071/19.9T8SNT.L1.S1, de 22.06.2022, Proc. 3425/19.4T8VLG.P1.S2 e de 12.10.2022, Proc. 423/20.9T8BTT.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Do sumário do primeiro dos mencionados Acórdãos – Ac do STJ de 28.10.2020 - consta o seguinte: “I. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 56.º, 57.º e 212.º n.º 2 do Código do Trabalho, compete ao empregador – naturalmente com respeito pelos limites da lei e com base na escolha horária que lhe tenha sido apresentada pelo trabalhador – determinar o horário flexível de trabalho do trabalhador que, com responsabilidades familiares, lhe tenha solicitado a prestação laboral nesse regime de horário, definindo, dentro da amplitude de horário escolhido por este, quais os períodos de início e termo do trabalho diário; II. O empregador apenas em determinadas circunstâncias, relacionadas com exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou com a impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, poderá recusar a atribuição do solicitado horário flexível e ainda assim, mediante parecer positivo da entidade competente na área de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”
Do segundo dos referidos Acórdãos – do STJ de 17.03.2022 – consta do respetivo sumário que “I- O horário flexível é, antes de mais, um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso. II- Tendo rejeitado parcialmente o pedido de horário flexível, o empregador deve pedir o parecer da CITE e não o tendo feito, e por força da lei, o pedido deve considerar-se como tendo sido aceite “nos seus precisos termos” e, portanto, também na parte atinente aos dias de descanso semanal”
E, no respetivo texto, refere-se o seguinte:
“Decorre do artigo 59.º n.º 1 alínea b) da Constituição da República Portuguesa o direito de todos os trabalhadores a uma organização de trabalho que permita a conciliação da atividade profissional com a vida familiar, sendo que o artigo 33.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê igualmente a proteção da família “nos planos jurídico, económico e social”. Em conformidade com este escopo o artigo 56.º n.º 1 do CT prevê o direito de os trabalhadores com filhos com idade inferior a 12 anos ou independentemente da idade se tiverem deficiência ou doença crónica que vivam com o trabalhador em comunhão de mesa e habitação a trabalharem em regime de horário de trabalho flexível, sendo que o artigo 57.º do CT regula o procedimento a adotar para obter a autorização pelo empregador, bem como os fundamentos de uma possível recusa (n.º 2 do artigo 57.º).
No caso dos autos a trabalhadora apresentou a sua solicitação nos termos que constam do facto provado n.º 7: “(…) pretendo trabalhar no regime de horário flexível para prestar assistência na educação e formação da minha filha menor de 3 anos, BB, ate os 12 anos da mesma como consta na lei do artigo 56º, horário que não dificulte levar e buscar a mesma na escola (das 7:30 e as 19) como consta no anexo, com o descanso semanal no sábado e domingo, visto que já venho a exercer o mesmo horário nos passados 3 anos, horário esse que me foi concedido pelos recursos humanos da P..., devido a falta de condições financeiras para arranjar uma ama para os fins de semana, e por ser Mãe solteira e não ter nenhum familiar disponível para ficar com a minha filha” (tal pedido foi depois retificado, como consta do facto 10).
O empregador não aceitou a pretensão de que o descanso semanal fosse aos sábados e domingos.
Assim, o Tribunal da Relação considerou que a pretensão tinha sido rejeitada parcialmente e que o empregador violou a sua obrigação de envio do processo para a entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (artigo 57.º n.º 5), pelo que, por força do disposto no artigo 57.º n.º 8, alínea c), o pedido deverá considerar-se aceite nos seus precisos termos e, por conseguinte, também com o descanso semanal – sábados e domingos – que constava do pedido.
O empregador insurge-se, no seu recurso, contra este entendimento, defendendo que não tinha rejeitado parcialmente o pedido de regime de horário flexível, mas sim aceitado na íntegra tal pedido, com a consequência de não ser obrigado a pedir qualquer parecer à CITE, porque o pedido de que os dias de semana fossem o sábado e o domingo não integraria o pedido de regime de horário flexível à luz da definição do n.º 2 do artigo 56.º do CT – “Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário”, o que não deixaria espaço para qualquer pedido relativamente aos dias de descanso semanais.
Importa, contudo, ter presente que a montante da definição de horário flexível está a definição do que seja um horário de trabalho. Ora, nos termos do artigo 200.º n.º 1 do CT “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”, sendo que, como esclarece o n.º 2 do artigo 200.º do CT, “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”. O horário flexível é um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar que pretende que os seus dias de descanso sejam, como aliás afirma que vinham sendo há três anos, o sábado e o domingo. As questões estão evidentemente imbrincadas e conexas, ao contrário do que sucederia no exemplo proposto pelo Recorrente de um pedido de aumento salarial (Conclusão D) que nada tem a ver com o tempo de trabalho. Acresce que também uma interpretação teleológica do regime de horário flexível aponta no mesmo sentido, porquanto só assim se consegue o desiderato da conciliação entre atividade profissional e vida familiar. Como a trabalhadora referiu no seu pedido a alteração dos seus dias de descanso acabava por lhe acarretar um grave prejuízo económico, que em grande medida comprometeria o escopo legal do regime de horário flexível.
Tendo rejeitado parcialmente o pedido da trabalhadora deveria o empregador ter enviado à CITE, nos termos já expostos, a cópia do pedido, do fundamento da rejeição e a apreciação do trabalhador e não o tendo feito e por força da lei o pedido deve considerar-se como tendo sido aceite “nos seus precisos termos” e, portanto, também na parte atinente aos dias de descanso semanal.”.
No terceiro dos mencionados arestos – Acórdão STJ de 22.06.2022 – consta do respetivo sumário que: “I- Os artigos 56º, 57º e 212º, nº 2, do Código do Trabalho, atribuem ao trabalhador com responsabilidades familiares o direito a solicitar ao empregador a atribuição de um horário flexível; II- Sendo o horário flexível, antes de mais, um horário de trabalho, esse trabalhador pode, no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingo.”
Por fim, no último dos mencionados arestos – Acórdão do STJ de 12.10.2022 – consta do respetivo sumário que “O texto dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho não exclui a inclusão do descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo, no regime de flexibilidade do horário de trabalho, a pedido do trabalhador com responsabilidades familiares”,
E, no seu texto, refere-se que:
“2.4. - A questão da abrangência do conceito de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares não é nova, pois, tem sido colocada, por diversas vezes, aos Tribunais que se têm pronunciado de modo não coincidente, o que motivou, de resto, a admissão na Formação do presente recurso de revista excepcional.
[cf., no sentido restrito, por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.05.2016, no processo n.º 1080/14.7T8BRR.L1-4; de 25.11.2020, no processo n.º 2748/19.7T8BRR.L1-4 e de 29.01.2020, no processo n.º 3582/19.0T8LRS.L1-4.
No sentido amplo, por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15.11.2021, proc. n.º 2731/20.0T8MAI.P1; de 15.12.2021, proc. n.º 3425/19.4T8VLG.P1; e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11.07.2019, proc. 3824/18. 9T8STB.E1].
2.5. - O artigo 59.º - Direitos dos trabalhadores - da Constituição da República Portuguesa (CRP), estatui:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) (…);
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;”.
E o artigo 67.º - Família - consagra:
“1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:
a) a g) (…);
h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.”.
Por sua vez, o artigo 68.º - Paternidade e maternidade – prescreve:
1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3. (…).
4. (…).” (negrito nossos)
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada Vol. I, pág. 773, “O direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, tem por destinatários, simultaneamente, os empregadores e o Estado, que deve tomar medidas no sentido apontado e de forma a facultar a realização pessoal (nº 1/b), pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana ou impeditivas da conciliação da actividade profissional com a vida familiar. Trata-se aqui também de um modo de protecção da família.” (negritos nossos)
E a págs. 860-861 acrescentam: “A conciliação da actividade profissional com a vida familiar impõe a concertação de várias políticas sectoriais e a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de discriminações positivas a favor da família (justificando derrogações do princípio da igualdade em abstracto): política do trabalho, desde logo contra despedimentos por motivos ligados a maternidade; licença por maternidade e licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho; promoção e segurança da saúde de trabalhadoras grávidas; direito a férias em consonância com os interesses da família; institucionalização de horários de trabalho flexíveis, declinação familiar do regime de trabalho em tempo parcial, do trabalho domiciliário, e do acesso à rede de creches, preferências de colocação profissional na proximidade do outro cônjuge ou parceiro, etc.”. (negritos e sublinhados nossos).
O artigo 33.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê, igualmente, a proteção da família “nos planos jurídico, económico e social”.
Na lei ordinária, o artigo 56.º - Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares – do CT dispõe:
1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3 - O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4 - O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.”
E o artigo 57.º - Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível – acrescenta:
1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b) Declaração da qual conste:
i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.”.
Por sua vez, o artigo 127.º - Deveres do empregador - prescreve:
3 - O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal.”.
Sobre o horário de trabalho, o artigo 200.º, n.º 1, prescreve:
1 - Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal.”.
E o artigo 212.º - Elaboração de horário de trabalho - estatui:
“1 - Compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável.
2 - Na elaboração do horário de trabalho, o empregador deve:
a) (…);
b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;”. (negritos nossos)
Este é o quadro legislativo que cabe ao intérprete aplicar.
2.6. - No dizer de Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho. Parte I, 5.ª ed., págs.328 e segs., “Especificamente no que toca a interpretação das normas laborais, são de aplicar as regras gerais do art.º 9.º do Código Civil, mas levanta-se a questão da admissibilidade do princípio do tratamento mais favorável como recurso genérico e de interpretação dessas normas. A admitir-se como regra geral, este princípio teria duas aplicações:
- uma aplicação interpretativa pura, que permitisse que, em caso de dúvida sobre o sentido a atribuir à norma, prevalecesse o sentido mais favorável ao trabalhador;
- uma aplicação interpretativo-aplicativa (portanto, ao nível de um conflito de fontes ou da relação entre as fontes e o contrato de trabalho), na qual o princípio do favor laboratoris teria a função de criar no intérprete a presunção de que as normas laborais seriam imperativas ape­nas quanto às condições mínimas que estabelecessem, podendo, por isso, ser afastadas, desde que em sentido mais favorável ao trabalhador e tanto pelas fontes inferiores como pelo contrato de trabalho.
(N)a operação de pura interpretação das normas laborais, entendemos que, perante o actual grau de maturidade do Direito do Trabalho e designadamente, perante o reconhecimento do seu carácter compromissório (que faz prevalecer ora os interesses dos trabalhadores ora os interesses de gestão dos empregadores nas normas e nos regimes que estabelece), não faz sentido reconhecer a existência de um prius geral de interpretação das fontes laborais em favor do trabalhador. Assim, em caso de dúvida sobre o sentido a atribuir à norma, apenas será de adaptar o sentido que mais favoreça o trabalhador se, no caso concreto, se observar a necessidade de protecção do trabalhador como parte mais fraca.”.
Neste particular, Joana Nunes Vicente escreve, in Breves Notas sobre Fixação e Modificação do horário de trabalho, in Para Jorge Leite, Escritos Jurídico-Laborais, I, págs. 1051 e segs., “o problema delicado que se coloca é o de saber se o exercício desta faculdade está ou não vinculado à observância de certos limites materiais, se o ordenamento jurídico português faz depender a licitude do exercício do comando patronal do cumprimento de certas exigências substanciais, designadamente a necessidade de alicerçar a referida alteração [do HT] num fundamento objectivo da empresa, mas e sobretudo, a necessidade de atender à/ponderar a esfera de interesses do trabalhador”....
E quanto à necessidade de o empregador dever “facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional e a vida familiar”, afirma: “é difícil reconhecer a esta indicação normativa um preciso e intencional valor significante”.
Com todo o respeito, o intérprete não pode, não deve ignorar que a prescrição constitucional “permitir e promover a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” consta em dois normativos da CRP: o artigo 59.º, n.º 1, alínea b) e o artigo 67.º, n.º 2, alínea h), ao ponto de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in obra citada, afirmarem: “A conciliação da actividade profissional com a vida familiar impõe a concertação de várias políticas sectoriais e a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de discriminações positivas a favor da família, (…), com a institucionalização de horários de trabalho flexíveis”.
E, nesse sentido, o texto dos artigos 56.º e 57.º do CT não exclui a inclusão do descanso semanal no regime de flexibilidade do horário de trabalho.
No entanto, importa afirmar que as supracitadas normas constitucionais, sendo programáticas, podem ser reguladas pela lei ordinária no sentido de limitar ou excepcionar o exercício daqueles direitos, como ocorre com o citado n.º 2 do artigo 57.º.
O que permite concluir que a sobreposição dos supra referenciados direitos de ordem e interesse públicos não tem natureza absoluta, dado que o empregador pode justificar porque é que a empresa não tem condições de aceitar o pedido de um determinado trabalhador, inclusive com certos dias de descanso semanal.
No caso sub judice, para a recusa do pedido da Ré, a Autora não invocou qualquer facto que impossibilitasse o normal funcionamento da “loja ...” (cf. ponto 6 dos factos provados), nem invocou a impossibilidade de substituir a Ré, por ser “indispensável”.
Na carta de resposta à Ré, transcrita no ponto 14.º dos factos provados, a Autora escreveu:
“(…).
Do seu pedido não resulta uma solicitação de horário flexível embora seja esse o regime jurídico aplicável. Assim, e à luz do dito regime de protecção da parentalidade, informamos que o regime de horário flexível não compreende a escolha dos dias de descanso, pelo que V. Exa., a não manter a rotatividade dos mesmos, será apenas porque a P... entende que pode, algumas vezes, aceitar o seu pedido à luz do princípio da conciliação da vida privada com a Profissional.
Contudo, esta cedência a existir será meramente temporária e durará pelo período que seja possível manter essa regalia.
Ou seja: não estará sujeita aos limites, mas sim sempre que for possível atender ao seu pedido.
Não existindo na P... aceitação de fixação de dias de descanso.
Ficamos a aguardar que nos confirme se a solução acima indicada é satisfatória nos termos descritos, de modo que possamos organizar os meios”.
Daqui decorre que a Autora se limitou a “interpretar” o artigo 56.º do CT, não invocando qualquer facto que pudesse ser enquadrável na previsão do n.º 2 do artigo 57.º, sendo certo que a interpretação legal do quadro legislativo supra citado, no qual se incluem os artigos 56.º, 57.º e 200.º, n.º 1, todos do CT, bem como a apreciação e decisão, caso a caso, sobre o conceito das exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou do trabalhador indispensável cabe, em exclusivo, aos Tribunais, após a emissão do parecer da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego -, nos termos previstos nos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 57.º do CT.
2.7. - A inclusão do descanso semanal, incluindo sábado e domingo, no regime de flexibilidade do horário de trabalho, previsto nos artigos 56.º e 57.º do CT, foi recentemente apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 17.03.2022 (relator Júlio Vieira Gomes), processo n.º 17071/19.9T8SNT.L1.S1, e no acórdão de 22.06.2022 (relator Ramalho Pinto), ambos in www.dgsi.pt, em termos que aqui acompanhamos:
Importa, contudo, ter presente que a montante da definição de horário flexível está a definição do que seja um horário de trabalho. Ora, nos termos do artigo 200.º n.º 1 do CT “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”, sendo que, como esclarece o n.º 2 do artigo 200.º do CT, “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”. O horário flexível é um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar que pretende que os seus dias de descanso sejam, como aliás afirma que vinham sendo há três anos, o sábado e o domingo. As questões estão evidentemente imbrincadas e conexas, ao contrário do que sucederia no exemplo proposto pelo Recorrente de um pedido de aumento salarial (Conclusão D) que nada tem a ver com o tempo de trabalho. Acresce que também uma interpretação teleológica do regime de horário flexível aponta no mesmo sentido, porquanto só assim se consegue o desiderato da conciliação entre atividade profissional e vida familiar. Como a trabalhadora referiu no seu pedido a alteração dos seus dias de descanso acabava por lhe acarretar um grave prejuízo económico, que em grande medida comprometeria o escopo legal do regime de horário flexível.”. (negritos nossos).”

Ou seja, resulta dos mencionados arestos que a interpretação feita pela 1ª instância quanto ao âmbito do art. 56º do CT/2009 está com ela em consonância, sendo ao trabalhador com responsabilidades parentais consentido proceder à indicação, para atribuição pelo empregador de horário flexível, de horário compatível com tais responsabilidades, incluindo nos dias úteis (2ª a 6ª feira), designadamente hora de saída, e aos dias de descanso, designadamente sábados e domingos.
Assim sendo, e tendo ainda em conta o disposto no art. 8º, nº 3, do Cód. Civil, sufraga-se tal orientação jurisprudencial e que afasta o que, em contrário, é alegado pela Recorrente.
Deste modo, e tendo em conta o nº 5 dos factos provados, do qual resulta indiciariamente demonstrada (com o grau de probabilidade que é exigível em sede de cautelar) a necessidade de a Requerente compatibilizar as suas responsabilidades parentais com o horário que indicou à Requerida, encontra-se demonstrado o primeiro dos requisitos de procedência da providência cautelar - probabilidade da existência do direito (fumus boni juris).
Mas importa ainda referir o seguinte, na linha aliás do citado Acórdão do STJ de 17.03.2022:
A recusa do empregador de aplicar o regime de horário flexível deve ser precedida de parecer da CITE, sendo que: se o parecer for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo (art. 57º, nºs 5 e 7, do CT/2009); e se não proceder à submissão do processo à apreciação da CITE, considera-se que aquele aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos (nº 8, al. c) do citado art. 57º).
De referir que, caso o empregador pretenda recusar o pedido, o mencionado parecer favorável do CITE é condição indispensável a tal recusa; ou seja, sendo a existência de parecer favorável dessa entidade condição indispensável a essa recusa e, assim, constituindo pressuposto dessa possibilidade, cabe ao empregador alegar e provar que submeteu o processo à apreciação da CITE e que o parecer desta lhe foi favorável.
No caso, ao contrário do que diz a Requerida (e ainda que tenha, segundo ela, “aceite” a atribuição de um horário flexível nos termos em que entendeu ser de interpretar o art. 56º do CT/2009), a sua decisão foi, contudo, de recusa da atribuição do pedido de horário flexível nos termos requeridos pela Requerente [ de “segunda a sexta-feira, com dispensa de prestação de trabalho aos sábados e domingos, ficando assim o meu período normal de trabalho compreendido nos turnos das 08h00 às 18h00 ou em qualquer outro turno que se pratique na loja, desde que dentro do início e termo solicitados (…)”] como inequivocamente decorre do confronto entre esta pretensão (cfr. nº 3 dos factos provados) e a decisão da Requerida mencionada no nº 6 dos factos provados [ ao fixar “o período obrigatório em que terá de se apresentar na loja, de Segunda-Feira a Domingo, é das 16h30 às 20h30, tendo direito a um intervalo de descanso de 2 horas. Mais informamos que o período de entrada e de saída situar-se-á entre as 10h30 e as 11h30 e entre as 20h30 e as 21h30, (…)”], horário este que não observa a hora de saída solicitada pela A. (18h de 2ª a 6ª feira), nem a exclusão como dias de prestação de trabalho dos sábados e domingos, sendo irrelevante, porque contrariado pelo que diz a seguir, que afirme a Requerida na comunicação que o pedido “é aceite”.
Cabia, pois, à Requerida alegar e provar que havia submetido a questão à apreciação da CITE e que esta entidade teria emitido parecer favorável à recusa, o que a Requerida não alegou, nem provou, donde decorre a preterição de um requisito essencial à possibilidade dessa recusa e, nos termos do art. 57º, nº 8, al. c), se deva considerar que o pedido formulado pela Requerente, nos termos em que o foi, foi aceite pela Requerida.
É de dizer, também, que o empregador apenas pode recusar o pedido de atribuição de horário flexível com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, prova essa que a Requerida não fez (art. 57º, nº 2).
E, mesmo que, porventura, tivesse sido dado como provado o facto que foi dado como não provado, o mesmo não permitiria que se concluísse no sentido da verificação de alguma das mencionadas situações em que a recusa seria possível, deles não resultando a existência de exigência imperiosa da empresa, não bastando a mera perturbação no funcionamento da empresa e/ou uma maior sobrecarga para os demais trabalhadores, nem deles decorrendo que seria indispensável a substituição da Requerente e que essa substituição não fosse possível.

3.3. No que toca ao requisito do justificado receio de que o direito seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora), também o mesmo se encontra verificado.
Desde logo, a não concessão da providência afetaria o exercício do direito/dever ao exercício da responsabilidade parental da Requerente, com consagração constitucional, na medida em que ficaria, conforme decorre do nº 5 dos factos provados, impedida de dar assistência ao menor, nos dias úteis, no período após as 19h00 (hora de encerramento da creche/infantário) e aos sábados e domingos. Ora, a preterição da possibilidade de tal assistência consubstancia um dano de difícil ou impossível reparação caso não fosse concedida a providência e enquanto não fosse julgada a ação principal.
Por outro lado, a não concessão do horário requerido pela Requerente poderia fazê-la incorrer em faltas consideradas injustificadas pela Ré, com a eventual perda de retribuição e responsabilidade disciplinar.
Ora, tanto basta para a verificação do periculum in mora.
De todo o modo, e tendo em conta que alega a Recorrente que o desconto na retribuição de €70,00 seria irrelevante por exíguo, não se pode deixar de dizer que é, tal argumentação, manifestamente improcedente. Desde logo, numa retribuição de €705,00, €70,00 é relevante, representando cerca de um décimo da mesma, para além de que, em caso de faltas consecutivas da Requerente para o exercício das suas responsabilidades parentais poderiam os descontos ser bem superiores se a Requerida entendesse a eles proceder.
Encontra-se pois verificado o mencionado requisito de procedência da providência cautelar em apreço, improcedendo a argumentação, em contrário, da Requerida.

4. Se as faltas dadas em dia feriado não devem ser consideradas justificadas.

Diz a Recorrente que as faltas em dia feriado não devem ser consideradas justificadas pois que a Requerente/Recorrida não teria incluído os feriados no pedido de horário flexível que lhe formulou.
É certo que, no pedido formulado à Requerida para atribuição do horário flexível, a mesma não refere expressamente os dias feriados.
No que toca aos feriados que coincidam com o sábado e domingo, os mesmos estão incluídos na pretensão formulada pela Requerente à Requerida.
Quando os feriados coincidam com os dias de 2ª a 6ª feira, pese embora não expressamente referido na comunicação da Requerente à Requerida, a verdade é que, mormente nesta fase perfuntória como é o procedimento cautelar, não se pode deixar de considerar que, implicitamente, os feriados estão também incluídos em tal pretensão, pois que as razões invocadas pela Requerente no que toca aos sábados e domingos – necessidade de assistência ao filho menor por não ter pessoa que dele cuide – é transversal aos feriados, sendo facto púbico e notório que os estabelecimentos de ensino também se encontram fechados, tal como aos sábados e domingos, nos dias feriado.
Acresce dizer que, nos termos do art. 126º, nº 1, do CT/2009 “1. O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”, pelo que, aquando da receção do pedido da Requerente pela Requerida, tendo esta porventura dúvidas quanto à inclusão dos feriados no pedido formulado pela Requerente, bem poderia e deveria a Requerida ter solicitado àquela os esclarecimentos que tivesse por convenientes, o que não fez ou, pelo menos, não alegou tê-lo feito.
Assim e nesta parte improcedem também as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão Recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 23.01.2023
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas